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Direitos da criança e do adolescente: desafios atuais

EDITORIAL

Direitos da criança e do adolescente: desafios atuais

Regina Aparecida Garcia de Lima

Editor Científico da Revista Latino-Americana de Enfermagem, e Professor Titular da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem, Brasil, e-mail: limare@eerp.usp.br

A partir do século XX, em várias partes do mundo, a criança começou a ter os seus direitos reconhecidos nas leis e códigos. As questões relacionadas à infância foram incorporadas à agenda das políticas sociais. Pela condição de vulnerabilidade, em 1923, promulgou-se o primeiro documento internacional em defesa da criança, o qual foi incluído à "Declaração dos Direitos da Criança", conhecida como Declaração de Genebra, em 1924. Nesse documento ficou declarado que, independentemente de cor, credo e idade, devem ser garantidas às crianças condições para seu desenvolvimento normal, isto é, que sejam alimentadas quando têm fome, cuidadas quando doentes, que tenham liberdade, sejam protegidas de qualquer forma de exploração e que seus talentos sejam colocados a serviço do homem(1).

Em 1948, após as atrocidades decorrentes da Segunda Guerra Mundial, foi promulgada, pela Assembleia das Nações Unidas, a "Declaração Universal dos Direitos do Homem", porém, mesmo na perspectiva de se abranger indistintamente os seres humanos, foi elaborado outro documento especificamente para tratar dos direitos das crianças. Em 1959, foi aprovada por unanimidade, na Assembleia Geral das Nações Unidas, a Declaração dos Direitos da Criança. O mais recente documento sobre os direitos das crianças e dos adolescentes é a Declaração de Barcelona, de 2007, que apresenta estratégias para defender as crianças e os adolescentes da pobreza, de todos os tipos de abuso e discriminação, bem como assegurar adequado cuidado com a saúde, educação e participação social(1).

No Brasil, o movimento de proteção à criança ganha visibilidade com a notoriedade alcançada no Ano Internacional da Criança, em 1978. A partir desse momento, instituições não governamentais criaram alianças em favor dos direitos das crianças e dos adolescentes, culminando com política pública traduzida no Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, em 1990(2). O ECA é considerado um marco na defesa dos direitos da criança e do adolescente brasileiro e, entre os direitos assegurados, trata do direito à vida e à saúde. No entanto, pela especificidade do direito da criança e do adolescente hospitalizados, outras resoluções foram aprovadas, seguindo as diretrizes internacionais, como a dos Direitos da Criança e do Adolescente Hospitalizado(3), de 1995.

Constam dos direitos da criança e do adolescente hospitalizado: proteção à vida e à saúde, com absoluta prioridade e sem qualquer forma de discriminação; serem hospitalizados quando necessário ao tratamento, sem distinção de classe social, condição econômica, raça ou crença religiosa; não serem ou permanecerem hospitalizados desnecessariamente por qualquer razão alheia ao melhor tratamento; serem acompanhados por sua mãe, pai ou responsável, durante o período de hospitalização, bem como receber visitas; não serem separados de sua mãe ao nascer; receberem aleitamento materno sem restrições; não sentirem dor, quando houver meios para evitá-la; terem conhecimento adequado de sua enfermidade, dos cuidados terapêuticos e diagnósticos, respeitando sua fase cognitiva, além de receberem amparo psicológico, quando se fizer necessário; desfrutarem de alguma forma de recreação, programas de educação para a saúde, acompanhamento do curriculum escolar durante a hospitalização; que seus pais ou responsáveis participem ativamente do tratamento e prognóstico, recebendo informações sobre os procedimentos aos quais serão submetidos; receberem apoio espiritual e religioso, conforme a prática familiar; não serem objeto de ensaio clínico, provas diagnósticas e terapêuticas, sem o consentimento informado de seus pais ou responsáveis e o seu próprio, quando tiverem discernimento para tal; receberem todos os recursos terapêuticos disponíveis para a cura, reabilitação; proteção contra qualquer forma de discriminação, negligência ou maus-tratos; respeito à integridade física, psíquica e moral; preservação da própria imagem, identidade, autonomia de valores, dos espaços e objetos pessoais; não serem utilizados pelos meios de comunicação de massa, sem a expressa vontade de seus pais ou responsáveis ou da própria vontade, resguardando-se a ética; confidência dos seus dados clínicos, bem como o direito de tomarem conhecimento dos mesmos, arquivados na instituição pelo prazo estipulado em lei; terem morte digna, junto a seus familiares, quando esgotados os recursos terapêuticos disponíveis; terem seus direitos constitucionais e os contidos no Estatuto da Criança e do Adolescente respeitados pelos hospitais, integralmente.

Tais direitos são essenciais para o cuidado à criança e ao adolescente hospitalizado, no entanto, alguns deles ainda são pouco respeitados. Em relação ao direito de não ser objeto de ensaio clínico, provas diagnósticas e terapêuticas, sem o consentimento informado de seus pais ou responsáveis e o seu próprio, quando tiver discernimento (artigo nº12), profissionais de saúde e pesquisadores têm, também, como referência, um importante instrumento - a Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde(4), que regulamenta a pesquisa em seres humanos.

Considerando que a proteção dos participantes em pesquisas científicas está assegurada por meio do termo de consentimento livre e esclarecido, quando a pesquisa envolve a participação de crianças e adolescentes, cabe aos seus representantes legais terem conhecimento e assiná-lo. Contudo, o consentimento do próprio participante deve ser obtido mesmo que em situação de limitação de competência para decisões autônomas. Nessa última situação, recomenda-se que o pesquisador obtenha o assentimento de crianças e adolescentes para diferenciá-lo do consentimento que é declarado por adultos(4).Tais documentos não são mera formalidade, pois são o registro da decisão voluntária de participação em pesquisas.

Os pesquisadores têm responsabilidade pela proteção da dignidade e autonomia dos participantes de seus estudos. É também tarefa dos membros da comunidade científica divulgar tais documentos para que mais e mais crianças e adolescentes possam desfrutar, integralmente, dos seus direitos.

Referências

  • 1. Sousa C, Araujo C. The ethical rights of children: yesterday and today. Pediatric Nurs. 2011;37(3):141-3.
  • 2
    Ministério da Ação Social (BR). Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília; 1990. 61 p.
  • 3. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (BR). Resolução nº41 de 13 out 1995. Diário Oficial da União, seção 1, 17 out 1995.
  • 4
    Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Manual operacional para comitês de ética em pesquisa. 4 ed. Brasília: Editora do Ministério da Saúde; 2007.
  • Rights of the child and adolescent: current challenges

    Regina Aparecida Garcia de Lima
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012
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