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Avaliação do bem-estar no trabalho entre profissionais de enfermagem de um hospital universitário

Resumos

Bem-estar no trabalho apoia-se na Psicologia Positiva, sendo definido como um estado psicológico composto por vínculos afetivos positivos com o trabalho e com a organização. Este estudo teve por objetivo conhecer o nível de bem-estar no trabalho de profissionais de Enfermagem que atuam em um hospital universitário e identificar diferenças entre categorias ocupacionais e tipos de contrato de trabalho. A amostra foi composta por 340 profissionais que responderam a escalas válidas dos construtos: Satisfação no Trabalho, Envolvimento com o Trabalho e Comprometimento Organizacional Afetivo. Para análise dos dados utilizou-se o programa SPSS, versão 12, a fim de efetuar estatísticas descritivas e testes de diferença entre médias. Os resultados indicaram nível médio de bem-estar no trabalho e diferenças entre as categorias profissionais e regime de contratação quanto à satisfação com salário e promoções, o que pode refletir na qualidade do atendimento prestado aos pacientes do hospital universitário.

Enfermagem; Satisfação no Trabalho; Hospitais Universitários


Well-being at work is based on Positive Psychology, and is defined as a psychological state with positive affective links towards work and also towards the organisation. The purpose of this study was to look at the degree of well-being at work among nursing professionals who work at a University hospital and also identify differences between occupational categories and types of work contracts. The sample was made up of 340 professionals who answered valid scales of the following constructs: Work Satisfaction, Involvement with Work and Affective Organisational Commitment. For the analysis of the data we used SPSS, version 12, for descriptive statistics, and also for testing differences between means. The results showed an average level of well-being in the workplace and also differences between professional categories and work regime, when it comes to satisfaction with salaries and promotions, which can have a reflection in the quality of service provided to the patients of this University hospital.

Nursing; Job Satisfaction; University Hospitals


Bienestar en el trabajo se apoya en la Psicología Positiva, siendo definido como un estado psicológico compuesto por vínculos afectivos positivos con el trabajo y con la organización. Este estudio tuvo por objetivo conocer el nivel de bienestar en el trabajo de profesionales de enfermería que actúan en un hospital universitario e identificar diferencias entre categorías ocupacionales y tipos de contrato de trabajo. La muestra fue compuesta por 340 profesionales que contestaron escalas válidas de los constructos: Satisfacción en el Trabajo, Envolvimiento con el Trabajo y Comprometimiento Organizacional Afectivo. Para análisis de los datos se utilizó el programa SPSS, versión 12, para efectuar estadísticas descriptivas y testes de diferencia entre medias. Los resultados indicaron nivel medio de bienestar en el trabajo y diferencias entre las categorías profesionales y régimen de contratación en cuanto a la satisfacción con salario y promociones, lo que puede reflejar en la calidad del servicio prestado a los pacientes del hospital universitario.

Enfermería; Satisfacción en el Trabajo; Hospitales Universitarios


ARTIGO ORIGINAL

IEnfermeira, MSc, Universidade Federal de Uberlândia, Brasil

IIMestranda, Universidade Federal de Uberlândia, Brasil

IIIPhD, Professor, Universidade Federal de Uberlândia, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

Bem-estar no trabalho apoia-se na Psicologia Positiva, sendo definido como um estado psicológico composto por vínculos afetivos positivos com o trabalho e com a organização. Este estudo teve por objetivo conhecer o nível de bem-estar no trabalho de profissionais de Enfermagem que atuam em um hospital universitário e identificar diferenças entre categorias ocupacionais e tipos de contrato de trabalho. A amostra foi composta por 340 profissionais que responderam a escalas válidas dos construtos: Satisfação no Trabalho, Envolvimento com o Trabalho e Comprometimento Organizacional Afetivo. Para análise dos dados utilizou-se o programa SPSS, versão 12, a fim de efetuar estatísticas descritivas e testes de diferença entre médias. Os resultados indicaram nível médio de bem-estar no trabalho e diferenças entre as categorias profissionais e regime de contratação quanto à satisfação com salário e promoções, o que pode refletir na qualidade do atendimento prestado aos pacientes do hospital universitário.

Descritores: Enfermagem; Satisfação no Trabalho; Hospitais Universitários.

Introdução

O contexto hospitalar apresenta certas especificidades no mundo do trabalho; congrega profissionais, saberes, tecnologias e infraestrutura diversificados(1). Sua configuração técnica e social é peculiar, caracterizada por uma divisão de trabalho definida, bem como por diferentes modelos de ação, sustentados nas competências, saberes e múltiplas estratégias dos profissionais(1). É nesse contexto que o trabalho de vários profissionais da área da saúde se desenvolve, dentre eles, a Enfermagem.

A prestação da assistência como atividade da equipe de Enfermagem é diferenciada conforme a categoria funcional(2). Os enfermeiros realizam a gerência do cuidado, ou seja, o planejamento das ações de enfermagem, a provisão e previsão de material, além de prestarem cuidados aos pacientes mais graves, que exigem conhecimentos específicos e tomada de decisões. O técnico e o auxiliar de enfermagem realizam atividades de nível médio, envolvendo orientação e acompanhamento do trabalho de enfermagem em grau auxiliar, sob supervisão, bem como executam ações assistenciais de enfermagem, exceto as privativas do enfermeiro.

A assistência de enfermagem nas instituições públicas em geral merece atenção de pesquisadores e de administradores públicos, pois tem sido penalizada com a deficiência dos recursos humanos e materiais, gerando insatisfação nos profissionais, que se sentem impotentes e frustrados com essa situação(3), o que interfere diretamente na qualidade da assistência prestada à população. Nesse contexto, o bem-estar é tema que vem despertando atenção crescente de diversos pesquisadores.

O conceito de bem-estar possui várias concepções no campo da Psicologia, revelando que os estudiosos do tema o concebem sob diferentes perspectivas, seja por meio de uma visão hedônica (bem-estar subjetivo)(4), de uma visão de potencialidades intrínsecas (bem-estar psicológico)(5), como visão de habilidades no trato e inserção social (bem-estar social)(6) ou, ainda, concebendo-o como um conjunto de vínculos positivos com o contexto de trabalho (bem-estar no trabalho)(7). A proposição do conceito de bem-estar no trabalho abre uma nova perspectiva de investigação que se apoia na Psicologia Positiva e tem como foco os aspectos positivos de indivíduos e organizações, que se contrapõe àquele que enfatiza as doenças e o mecanismo de adoecimento(8).

O construto bem-estar no trabalho, comumente designado na literatura como BET, pode ser representado por três dimensões(7): a satisfação no trabalho como "(...) um estado emocional positivo ou de prazer, resultante de um trabalho ou de experiências de trabalho"(9); o envolvimento com o trabalho sendo o "(...) grau em que o desempenho de uma pessoa no trabalho afeta a sua autoestima"(10); e o comprometimento organizacional afetivo, definido como "(...) um estado no qual um indivíduo se identifica com uma organização particular e com seus objetivos, desejando manter-se afiliado a ela com vistas a realizar tais objetivos"(11). Portanto, o bem-estar no trabalho é um construto psicológico multidimensional, integrado por vínculos afetivos positivos com o trabalho (satisfação e envolvimento) e com a organização (comprometimento afetivo)(7).

É importante lembrar que o bem-estar no trabalho traz implicações para o desempenho, o absenteísmo e a rotatividade dos trabalhadores nas organizações(12). Isso justifica o interesse por parte de estudiosos brasileiros em realizar pesquisas sobre o bem-estar no trabalho, especialmente aqueles que se dedicam ao campo do Comportamento Organizacional. Apesar de haver estudos sobre a satisfação dos profissionais de Enfermagem(13), poucos objetivam analisar o construto BET entre esses profissionais. Da literatura brasileira pode ser citado um estudo no Instituto de Pesquisas Clínicas Evandro Chagas(14), em que os principais fatores que pareceram contribuir para o bem-estar no trabalho foram a distinção na qualidade do atendimento, o prestígio da instituição, a preocupação inflexível com a prevenção de acidentes de trabalho, a quantidade suficiente de material para desenvolver o trabalho e o vínculo com clientes, sendo esses fatores relacionados com manter-se na profissão e no emprego. Outro estudo buscou avaliar o bem-estar no trabalho através da satisfação do trabalho de enfermeiras em um hospital privado e em outro hospital filantrópico(15). Os resultados do mesmo revelaram o apoio instrumental recebido para realizar as atividades e a identificação com a profissão como importantes para promover a satisfação dos enfermeiros. Além disso, a satisfação com a chefia foi mais alta do que a satisfação com os colegas, enquanto os fatores relacionados à promoção e salário foram os aspectos com menores médias de satisfação.

Com o foco nesse cenário, este estudo propõe-se a investigar o nível de bem-estar no trabalho (BET) dos profissionais de Enfermagem que atuam em um hospital universitário, bem como verificar possíveis diferenças entre os grupos pertencentes às diferentes categorias de enfermagem e regimes de contratação.

Método

O levantamento de dados foi realizado em um hospital universitário, localizado no Triângulo Mineiro (MG). Esse hospital é uma instituição pública, totalmente destinada a pacientes do Sistema Único de Saúde - SUS. É credenciado como hospital de alta complexidade, atualmente possui 510 leitos e presta atendimento em várias especialidades, sendo referência e polo macrorregional para 30 municípios.

O estudo foi divulgado em todas as gerências de Enfermagem, objetivando a obtenção de uma amostra diversificada. Embora houvesse anuência da direção do hospital e das gerências de Enfermagem, somente participaram do estudo os trabalhadores que optaram espontaneamente por fazê-lo.

Os participantes estão distribuídos nos diversos setores pertencentes a seis gerências de Enfermagem: Pronto-Socorro, Materno-Infantil, Internação, Unidades Especiais, Bloco Cirúrgico e Ambulatórios. Também diferem em relação ao vínculo trabalhista que têm com a instituição, podendo ser celetistas, aqueles que ingressaram através de um processo seletivo e são regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), ou estatutários, aqueles que ingressaram mediante concurso público e são regidos pelo Regime Jurídico Único (RJU).

A amostra foi composta por 340 trabalhadores de Enfermagem, empregados regularmente nesse hospital, de um total de 1.248 (27,2% do contingente), que mostraram interesse e disponibilidade de tempo para colaborar durante o período de coleta de dados, o qual abrangeu 3 meses. Devido a essa característica de participação livre, a amostra caracteriza-se como não probabilística por conveniência. O poder estatístico é determinado por três fatores: tamanho do efeito, alfa e tamanho da amostra(16). A partir dos critérios propostos por Cohen(17), foram realizados testes post-hoc que são feitos após o estudo, por meio do Programa GPower 3.1, considerando duas amostras independentes (estatutários e celetistas) e três grupos (enfermeiros, técnicos em enfermagem e auxiliar em enfermagem). Adotaram-se como critérios α=0,05 e efeito do tamanho (d)=0,8 (grande) e identificaram-se t(338)=1.9670 e poder=0,999, no caso das amostras independentes. O poder estatístico para os três grupos (α=0,05, tamanho do efeito f=0,40 - grande) indicou F(2,337)=3.869 e poder=0,999. Portanto, o número total de participantes se mostrou adequado para as análises estatísticas realizadas.

O instrumento de coleta de dados foi um questionário autoaplicável, composto por quatro partes, sendo três escalas para medida das variáveis do estudo e um questionário de dados pessoais e organizacionais, descritos a seguir.

A Escala de Satisfação no Trabalho (EST)(18) é uma medida multidimensional, construída e validada com o objetivo de avaliar o grau de contentamento do trabalhador frente a diversas dimensões do seu trabalho. Para respondê-la, o participante dispõe de uma escala tipo Likert de sete pontos, variando de totalmente insatisfeito (=1) a totalmente satisfeito (=7), com ponto médio em indiferente (=4). A forma reduzida dessa escala é composta por cinco fatores, contendo três itens em cada um deles: Satisfação com os Colegas (α=0,81), Satisfação com a Chefia (α=0,84), Satisfação com a Tarefa (α=0,77), Satisfação com o Salário (α=0,90) e Satisfação com Promoções (α=0,81).

A Escala de Envolvimento com o Trabalho (EET)(18) é uma medida unifatorial composta por cinco itens (α=0,78), com respostas em uma escala tipo Likert de sete pontos, variando de discordo totalmente (=1) a concordo totalmente (=7), e com ponto médio em nem concordo e em nem discordo (=4). O envolvimento de um indivíduo com o seu trabalho é definido como o grau em que o trabalho realizado consegue prover satisfações para o indivíduo, absorvê-lo completamente enquanto realiza as tarefas e ser importante para a sua vida.

A Escala de Comprometimento Organizacional Afetivo (ECOA)(18), em sua forma reduzida, contém cinco itens avaliando os afetos que o trabalhador nutre por sua organização de trabalho, com coeficiente de confiabilidade de 0,95. Para responder, os participantes utilizam uma escala tipo Likert de cinco pontos variando de 1 (nada) a 5 (extremamente), com ponto médio igual a 3 (mais ou menos), para manifestar o grau de seus sentimentos em relação à organização.

A última parte do questionário continha dados complementares, incluindo os pessoais (sexo, idade, estado civil) e os profissionais (setor de trabalho, turno, tempo de formação, tempo de trabalho na instituição, categoria profissional e regime de contratação).

Para o desenvolvimento do estudo, foram necessários procedimentos éticos em nível institucional e pessoal, seguidos de coleta, análise e interpretação de dados.

Assim, após a devida análise e aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, sob Protocolo nº463/10, deu-se início aos procedimentos para a coleta de dados. Para isso, foi necessária a obtenção de autorização do hospital universitário para a aplicação dos instrumentos aos funcionários, nos horários de folga, nas próprias dependências do hospital. Em seguida, foi feito um contato prévio com os responsáveis pelos diversos setores, quando foram informados os objetivos da pesquisa, o formato do questionário, o tempo de duração da aplicação do mesmo, a anuência da instituição em permitir a coleta de dados no ambiente de trabalho, bem como os cuidados que envolvem a pesquisa científica. Após esse esclarecimento com os responsáveis,foi acordado o melhor horário para coletar os dados em cada setor. Novamente, em horário e local agendados, a pesquisadora entrou em contato com cada um dos servidores presentes, que já tinham sido notificados previamente sobre a realização do estudo em seu setor. Nesse contato, novamente eram fornecidas as informações sobre o estudo, enfatizando o caráter voluntário da participação e o respeito ao anonimato dos participantes, assim como era ressaltado que não haveria nenhuma forma de punição ou perda de qualquer espécie, caso a pessoa decidisse não colaborar. Caso o servidor demonstrasse interesse em participar, mas não estivesse disponível naquele momento, era agendada com ele uma nova visita em seu local de trabalho.

Aqueles que tinham disponibilidade, manifestavam sua anuência através da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido e a coleta de dados era, então, realizada individualmente.

Finalizada a coleta de dados, todas as respostas foram transcritas para uma planilha do software estatístico SPSS - Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 12, para análises. Fizeram parte do banco de dados as variáveis pessoais e profissionais, devidamente codificadas, e as respostas dadas para cada item das três escalas e subescalas.

Inicialmente, a análise dos dados foi efetuada com o objetivo de verificar a precisão da entrada de dados, repostas omissas, casos extremos e normalidade das variáveis. Em seguida, foram feitas estatísticas descritivas para as respostas dos participantes, calculado o índice alpha de Cronbach das escalas para a amostra e efetuados testes de diferença entre as médias dos grupos relativos ao regime de contratação (estatutário, celetista) e categoria (enfermeiros, técnicos e auxiliares em enfermagem).

Resultados

A análise dos dados pessoais e profissionais da amostra mostrou que a maioria dos participantes (81,5%) era do sexo feminino, a maior parte era casada (53,8%) e estavam distribuídos nos turnos da manhã (31,1%), tarde (25,0%) e noite (29,9%), sendo que 14% trabalhavam em dois períodos. Quanto ao setor de trabalho, a maioria pertencia à gerência de internação (29,7%), seguida pela gerência materno-infantil (24,4%), gerência de ambulatórios (12,6%), gerência de unidades especiais (10,9%), gerência de pronto-socorro (8,8%) e gerência de bloco cirúrgico (5,9%).

A média de idade foi de 38,61 anos (dp=9,62), sendo a idade mínima de 20 anos e a máxima de 59 anos. Quanto à categoria profissional, 109 (32,1%) eram enfermeiros, 124 (36,5%) eram técnicos de enfermagem e 107 (31,5%) eram auxiliares de enfermagem e, em relação ao vínculo empregatício, 228 (67,1%) eram estatutários e 112 (32,9%) celetistas. O tempo médio após formação foi de 14,39 anos (dp=9,52) e o tempo médio de trabalho na instituição foi de 11,8 anos (dp=8,78).

Visando verificar a confiabilidade de cada um dos instrumentos para a amostra deste estudo, foi calculado o coeficiente alpha de Cronbach, que revelou resultados próximos aos dos estudos originais, demonstrando boa consistência interna das escalas, com valores entre 0,73 e 0,93.

Para avaliar os níveis de bem-estar no trabalho da amostra, foram calculadas as médias e os desvios-padrão nas escalas (Tabela 1). As médias obtidas mostraram que a satisfação com os colegas (m=4,4; dp=1,0) e a satisfação com a tarefa nesta amostra (m=4,5; dp=1,1) se localizam no ponto médio entre "indiferente" e "satisfeito". Já em relação à satisfação com a chefia (m=4,8; dp=1,2) os participantes estão, em média, quase satisfeitos. Em relação à satisfação com o salário, a amostra está entre "insatisfeito" e "indiferente" (m=3,6; dp=1,6). E, em relação à satisfação com promoções (m=3,0; dp=1,4), os funcionários tendem à insatisfação.

O grau de envolvimento com o trabalho foi avaliado com média 4,0 (dp=1,4), correspondendo à opção "nem concordo, nem discordo" da escala de resposta, o que representa certa indiferença ou desconfiança dos participantes, naquele momento, sobre a capacidade de seu trabalho atual absorvê-los.

A análise do comprometimento organizacional afetivo revelou média igual a 2,9 (dp=0,9), o que pode indicar frágil compromisso afetivo com a organização, visto que os sentimentos de orgulho, contentamento, entusiasmo, interesse e ânimo são "mais ou menos" percebidos em relação ao hospital onde trabalham.

Os valores de desvio-padrão obtidos para cada escala e subescala próximos de 1 mostram que houve pouca variabilidade de respostas na amostra pesquisada. Maior variabilidade foi verificada para a satisfação com o salário e com as promoções e para a medida de envolvimento no trabalho.

Para identificar diferenças entre grupos em relação às variáveis deste estudo, foram efetuadas análises de variância (ANOVA) e testes t de Student para amostras independentes. Para essas análises, os grupos foram criados a partir do regime de contratação (celetistas e estatutários) e da categoria profissional (enfermeiros, técnicos de enfermagem e auxiliares de enfermagem).

As análises estatísticas, através da prova t, revelaram que houve diferença significativa em relação à satisfação com o salário (t=12,13; p=0,001) e também em relação à satisfação com promoções (t=4,85; p=0,001), sendo que os estatutários apresentam maior satisfação com o salário (m=4,20) e maior satisfação com promoções (m=3,28) do que os celetistas (Tabela 2).

Teste t de Student; ns=não significativo; COA=comprometimento organizacional afetivo

Para comparar as respostas dos grupos divididos em relação à categoria profissional, foi utilizada a ANOVA (análise de variância F de Snedecor), que revelou poucas diferenças significativas entre enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem (Tabela 3). Verificou-se diferença quanto à satisfação com o salário (F=11,75 (2, 337); p=0,001) que, através do teste DHS de Tuckey, foi confirmada entre o grupo de técnicos de enfermagem e enfermeiros e também entre técnicos e auxiliares de enfermagem, de modo que os técnicos de enfermagem se apresentam menos satisfeitos com o salário (M=3,03) em relação aos outros dois grupos, que não diferem entre si quanto à satisfação com o salário.

Teste F de Snedecor; ns=não significativo

Ainda através da ANOVA, constatou-se diferença significativa entre os grupos em relação à satisfação com promoções (F=10,45 (2, 337); p=0,001). O teste DHS de Tuckey indicou que a diferença significativa se encontra entre enfermeiros e técnicos de enfermagem e também entre enfermeiros e auxiliares de enfermagem, sendo que os enfermeiros estão significativamente mais satisfeitos com promoções no seu trabalho (m=3,49) do que os outros dois grupos.

Discussão

Os resultados da avaliação do bem-estar no trabalho do pessoal de Enfermagem em um hospital público mostraram frágil compromisso afetivo desses com a organização e dúvidas em relação ao grau de envolvimento no trabalho. Em relação à satisfação no trabalho, o maior índice foi referente à satisfação com a chefia, quando eles se mostraram quase satisfeitos. Em relação à satisfação com a tarefa e com os colegas eles estão entre indiferentes e satisfeitos, mostraram-se entre insatisfeitos e indiferentes quanto à satisfação com o salário e, em relação às promoções, mostraram-se insatisfeitos. Portanto, os participantes do estudo apresentam uma vivência de bem-estar no trabalho que poderia ser qualificada como mediana.

Em um estudo com trabalhadores de Enfermagem(19) encontrou-se que o prazer no trabalho está relacionado à tarefa cumprida que, em último caso, é a manutenção de vidas. Mas que, na realidade, o trabalho é realizado em condições inadequadas, com longas jornadas de trabalho, pressão das chefias, dos colegas de trabalho e dos próprios pacientes. A insatisfação é frequente, bem mais pelo não reconhecimento do esforço executado por elas, pela não valorização, do que pelas condições precárias às quais se expõem(19).

De modo geral, os estudos sobre satisfação com o salário entre trabalhadores brasileiros têm mostrado tendência para alta insatisfação(20). Um fator condicionante para a baixa remuneração e desvalorização do pessoal de Enfermagem está ligado à própria evolução histórica do trabalho em Enfermagem, relacionado aos valores cristãos de fraternidade e caridade, como forma de salvação da alma(20). A despeito de progressiva profissionalização do serviço de Enfermagem, sua imagem persistiu vinculada a valores como bondade e humanismo, refreando o nível reivindicatório da categoria.

Vale ressaltar que esse hospital passava por processo de mudanças e conflitos em sua gestão, no momento da coleta de dados, em virtude de alguns fatores como o fato de o adicional de plantão hospitalar ser destinado apenas aos estatutários, a possibilidade de demissões dos celetistas e as terceirizações ocorridas nesse período.

Essa fase de instabilidade e demissões durante a coleta de dados pode ter influenciado o resultado desta pesquisa, pois a redução do número de pessoal em trabalhadores de um hospital pode reduzir os níveis de satisfação e bem-estar no trabalho(21). Tanto a reorganização organizacional quanto a redução do número de empregados afetam negativamente o bem-estar dos empregados(22).

Quando foram comparadas as respostas dos estatutários e celetistas, observou-se que os estatutários estão mais satisfeitos com o salário e com promoções. Uma suposta explicação para esse resultado pode ser devido à existência do plano de carreira somente para os trabalhadores estatutários.

Comparando as categorias de Enfermagem, foram observadas diferenças entre os grupos somente em relação à satisfação com o salário e com as promoções, de modo que os técnicos de enfermagem se apresentam menos satisfeitos com o salário em relação às outras categorias e os enfermeiros estão mais satisfeitos com as promoções em relação aos técnicos e auxiliares de enfermagem. Tais diferenças parecem refletir discrepâncias entre expectativa e renda das diferentes categorias profissionais e regime de contratação.

Uma pesquisa realizada por uma equipe de pesquisadores liderados por Linda Aiken, da Universidade da Pensilvânia, entrevistou 43.329 enfermeiros de 711 hospitais de cinco países (Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Inglaterra e Escócia). Em quatro dos cinco países avaliados constatou-se que 40% dos enfermeiros referiram estar insatisfeitos com seu trabalho atual, e a autora sinaliza que a insatisfação no trabalho pode ser responsável pela piora da qualidade do cuidado de Enfermagem(23), pois quando as pessoas trabalham mais satisfeitas isso se reflete diretamente em benefícios para melhor assistência aos pacientes(24).

Além disso, já é conhecida a relação entre satisfação laboral e saúde. Os sujeitos insatisfeitos no trabalho tendem a ficar doentes(25), trazendo, como consequência, aumento do absenteísmo, que é ocorrência preocupante na Enfermagem porque provoca desorganização nos serviços e, consequentemente, diminui a qualidade da assistência prestada ao paciente(26).

Conclusões

Os resultados do estudo mostraram, em média, que os níveis de satisfação com os aspectos avaliados encontram-se entre insatisfeitos e quase satisfeitos e que os níveis de envolvimento com o trabalho e de comprometimento organizacional afetivo com o hospital onde os profissionais trabalham é intermediário. Esse resultado é preocupante, pois níveis medianos de vivência de bem-estar no trabalho (BET) podem interferir, conforme já discutido, diretamente na qualidade da assistência prestada à população carente e afetar inclusive a saúde geral desses profissionais.

As diferenças observadas entre as três categorias profissionais e os dois regimes de contratação foram semelhantes, quanto à satisfação com o salário e com promoções. Uma hipótese explicativa para esse resultado refere-se ao plano de carreira disponível somente para os estatutários. Tais diferenças parecem refletir também discrepâncias entre expectativa e renda das diferentes categorias profissionais. Para confirmar esses resultados seria necessária investigação mais aprofundada e que poderia também esclarecer se o processo de mudanças e conflitos, presentes no momento da coleta de dados, teria afetado os resultados encontrados.

Uma das limitações desse estudo foi o fato de ele ter sido desenvolvido em um único hospital universitário no interior de Minas Gerais; sendo assim, a generalização dos seus resultados é restrita. Estudos posteriores, nesse mesmo hospital, poderiam revelar se, após a estabilização, o nível de bem-estar no trabalho seria alterado ou não. Porém, os resultados contribuem com a literatura já existente sobre o tema, pois são escassos os trabalhos brasileiros com essa população específica de trabalhadores da saúde. O nível médio de bem-estar no trabalho, identificado neste estudo, sugere a necessidade de maior conhecimento sobre suas causas, o que possibilitará desenvolver proposta de mudança, visando melhorar esse nível, tendo em vista também que a qualidade da assistência prestada à população pode ser afetada pelo bem-estar desses servidores, assim como a própria saúde dos profissionais de Enfermagem.

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  • Avaliação do bem-estar no trabalho entre profissionais de enfermagem de um hospital universitário

    Priscila Castro AlvesI; Vanessa Faria NevesII; Marilia Ferreira Dela ColetaIII; Áurea de Fátima OliveiraIII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2012

    Histórico

    • Recebido
      08 Set 2011
    • Aceito
      25 Jun 2012
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