Acessibilidade / Reportar erro

Construção e validação de conteúdo da escala de predisposição à ocorrência de eventos adversos

Resumos

Neste estudo o objetivo foi apresentar os resultados da construção e validação de conteúdo da Escala de Predisposição à Ocorrência de Eventos Adversos (EPEA). Trata-se de pesquisa descritiva, de abordagem qualitativa. Para o estudo da qualidade do cuidado e elaboração dos itens do instrumento, foi realizado levantamento bibliográfico, que resultou em um instrumento preliminar, contendo 90 itens, divididos em duas dimensões para a avaliação da qualidade do cuidado em saúde (estrutura e processo). Foi realizada a validação de conteúdo do instrumento por meio das técnicas de análise de juízes e análise semântica. A partir dos resultados dessas análises, a EPEA ficou finalmente composta por 64 itens, agrupados em duas dimensões: estrutura (18 itens) e processo (46 itens). A EPEA é a primeira medida nacional construída para avaliar as atitudes dos enfermeiros frente aos fatores que podem predispor à ocorrência dos eventos adversos em UTI.

Qualidade da Assistência à Saúde; Doença Iatrogênica; Cuidados de Enfermagem; Psicometria; Estudos de Validação


This study aimed to present the results of the construction and content validation of the Scale of Predisposition for the Occurrence of Adverse Events (EPEA). A descriptive research with a qualitative approach was carried out. To study the quality of nursing care and design the scale, we performed a literature review that resulted in a preliminary instrument, composed of 90 items, divided into two dimensions to assess the quality of health care (structure and process). Expert analysis and semantic analysis were applied as techniques to study the content validity of the instrument. The findings indicate that the operational version of the EPEA was composed of 64 items, grouped into two dimensions: structure (18 items) and process (46 items). The EPEA is the first Brazilian measure constructed to assess the nurses' attitudes towards the factors that may predispose to the occurrence of adverse events in ICU.

Quality of Health Care; Iatrogenic Disease; Nursing Care; Psychometrics; Validation Studies


Este estudio objetivó presentar los resultados de la construcción y validación de contenido de la Escala de Predisposición a Eventos Adversos (EPEA). Se trata de una investigación descriptiva, bajo enfoque cualitativo. Para estudiar la calidad del cuidado y preparación del instrumento, se realizó una revisión de la literatura, que resultó en un instrumento preliminar que contiene 90 ítems, divididos en dos dimensiones para evaluar la calidad del cuidado de salud (estructura y proceso). Se realizó la validación del contenido del instrumento por medio de las técnicas de análisis de los jueces y semántico. A partir de este análisis, la EPEA se compone de 64 ítems, agrupados en dos dimensiones: la estructura (18 ítems) y el proceso (46 ítems). La EPEA es la primera medida nacional, construida para evaluar las actitudes de los enfermeros a los factores que pueden predisponer a la aparición de efectos adversos en la UTI.

Calidad de la Atención de Salud; Enfermedad Iatrogénica; Atención de Enfermería; Psicometría; Estudios de Validación


ARTIGO ORIGINAL

Construção e validação de conteúdo da escala de predisposição à ocorrência de eventos adversos1

William Mendes LobãoI; Igor Gomes MenezesII

IMSc, Professor, Universidade do Estado da Bahia, Brasil

IIPhD, Professor Adjunto, Instituto de Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

Neste estudo o objetivo foi apresentar os resultados da construção e validação de conteúdo da Escala de Predisposição à Ocorrência de Eventos Adversos (EPEA). Trata-se de pesquisa descritiva, de abordagem qualitativa. Para o estudo da qualidade do cuidado e elaboração dos itens do instrumento, foi realizado levantamento bibliográfico, que resultou em um instrumento preliminar, contendo 90 itens, divididos em duas dimensões para a avaliação da qualidade do cuidado em saúde (estrutura e processo). Foi realizada a validação de conteúdo do instrumento por meio das técnicas de análise de juízes e análise semântica. A partir dos resultados dessas análises, a EPEA ficou finalmente composta por 64 itens, agrupados em duas dimensões: estrutura (18 itens) e processo (46 itens). A EPEA é a primeira medida nacional construída para avaliar as atitudes dos enfermeiros frente aos fatores que podem predispor à ocorrência dos eventos adversos em UTI.

Descritores: Qualidade da Assistência à Saúde; Doença Iatrogênica; Cuidados de Enfermagem; Psicometria; Estudos de Validação.

Introdução

No final da década de 1990, a publicação do relatório "Errar é Humano: construindo um sistema de saúde mais seguro" alertou a sociedade para a falta de segurança vivenciada por pacientes, ao estimar que, nos EUA, de 44.000 a 98.000 americanos morrem por ano em decorrência de erros na assistência à saúde(1). Após essa significativa revelação, a segurança do paciente passou a ser incluída como uma das seis dimensões para a qualidade dos sistemas de saúde no relatório crossing the quality chasm, publicado em 2011: segurança do paciente, objetivos centrados no paciente, efetividade, eficiência, oportunidade e equidade(2).

Além de chamar a atenção para o número alarmante de mortes, o relatório "Errar é Humano" coloca em evidência, pela primeira vez, a inerência do erro humano em uma atividade até então imaculada pelo princípio hipocrático da não maleficência, o primum non nocere. Ao mesmo tempo, esse relatório também define que os erros na atenção à saúde podem ser evitados projetando-se sistemas que dificultem sua ocorrência e facilitem que os profissionais tomem decisões corretas.

A qualidade do cuidado é definida como "o grau em que os serviços de saúde aumentam a probabilidade de ocorrerem resultados desejados na saúde de indivíduos e populações e que sejam consistentes com o conhecimento profissional vigente"(3). Essa definição possui como principais características: identifica os indivíduos e populações como o público-alvo dos esforços para a promoção da qualidade; é orientada por objetivos; reconhece a probabilidade da ocorrência de eventos indesejáveis; aponta a necessidade de atualização constante do conhecimento técnico-científico e discute a mensuração da qualidade.

O indivíduo internado em uma UTI está exposto a diversos riscos que podem ser classificados em: risco de lesão tissular, infecção por aspiração, hemorragias por desconexão de drenos e queda, evidenciados por permanência no leito, realização de procedimentos invasivos, presença de drenos, tubos e cateteres, padrão respiratório ineficaz, uso de ventiladores mecânicos, uso de sedativos, agitação psicomotora e desequilíbrio(4).

No Brasil, têm sido frequentes os estudos sobre a utilização de indicadores de resultado, principalmente o de evento adverso (EA), definido como "ocorrências clínicas desfavoráveis que resultem em morte, risco de morte, hospitalização ou prolongamento de uma hospitalização preexistente, incapacidade significante, persistente ou permanente"(5), na avaliação da qualidade do cuidado de enfermagem em UTI(6-7).

A partir da análise dos fatores relacionados às ocorrências iatrogênicas em UTI(6), um estudo realizado em São Paulo constatou que, considerando-se a natureza de tais ocorrências, dos 113 eventos notificados naquela pesquisa, aquelas relacionadas aos cateteres, tubo endotraqueal, sondas e drenos foram responsáveis por 40,7% (46), medicações 27,4% (31), equipamentos 18,6% (21), procedimentos 11,5% (13) e outros 1,8% (2). Dessa forma, ao ser internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), o indivíduo fica sob cuidados de uma equipe de enfermagem e deposita não só confiança, mas, também, sua vida nas mãos de pessoas que não conhece.

Uma pesquisa conduzida nos Estados Unidos(1) demonstrou que, quando acontece um evento adverso grave ou qualquer outro desvio da qualidade do cuidado esperado, além dos custos em termos de vida humana, estima-se que despesas adicionais, perda de produtividade e incapacidade permanente alcançam algo em torno de 17 a 29 bilhões de dólares. Esses desvios da qualidade do cuidado também implicam ônus que podem ser representados pela perda da confiança na equipe de enfermagem da UTI e a sensação de ansiedade, impotência e culpa dos profissionais envolvidos(7-8).

A avaliação da qualidade do cuidado em saúde, entendida como o equilíbrio entre riscos e benefícios, pode ser realizada a partir da utilização de três abordagens: a) estrutura - corresponde aos insumos, recursos físicos, financeiros, localização geográfica, equipamentos, acessibilidade e à qualificação/especialização da mão de obra, que possibilitam a prestação do serviço; b) processos (atualmente denominados performance) - execução de ações mediante um conjunto pressuposto de critérios, regras, padrões, procedimentos e protocolos, a partir de um modelo teórico que possibilite alcançar a melhor assistência; c) resultados (outcome) - correspondem à avaliação do êxito/efetividade dos objetivos do cuidado em saúde e satisfação do usuário ou população (cura, impedimento da progressão da doença, restauração da capacidade funcional, alívio da dor/sofrimento e evento adverso)(9).

De modo geral, a qualidade do cuidado tem sido avaliada a partir do indicador de resultado como, por exemplo, avaliar o êxito de um cuidado de enfermagem a partir da ocorrência de um evento adverso. Entretanto, a qualidade do cuidado de enfermagem em UTI deve ser estudada como produto resultante tanto das condições ideais de trabalho (estrutura e processo), derivadas de recomendações nacionais e internacionais de promoção da qualidade e segurança do paciente em UTI como dos riscos e benefícios decorrentes da falibilidade do ser humano ao prestar o cuidado. Tal falibilidade talvez seja proveniente de diferentes percepções que os enfermeiros possuem acerca do seu ambiente de trabalho e protocolos de cuidado, e pode interferir em suas atitudes sobre as condições que talvez predisponham à ocorrência do evento adverso. A "atitude é um estado mental e neural de prontidão que exerce uma influencia direta sobre a resposta do indivíduo a todos os objetos e situações com as quais se relaciona"(10). No contexto desse trabalho, a atitude consiste em disposição para uma ação ou omissão, que influencia diretamente a qualidade do cuidado prestado pelo enfermeiro em Unidades de Terapia Intensiva (UTI).

Tendo por base as três abordagens possíveis para a avaliação da qualidade do cuidado, a avaliação normativa "consiste em fazer um julgamento sobre uma intervenção, comparando os recursos empregados e sua organização (estrutura), os serviços ou os bens produzidos (processo) e os resultados obtidos, com critérios e normas"(11). Portanto, nessa concepção de avaliação da qualidade, nota-se que o julgamento, expresso pelas atitudes dos enfermeiros, possui papel importante, capaz de influenciar as condições que contribuem para a ocorrência do EA.

Em virtude da carência na literatura de instrumentos que tenham como objeto a análise das atitudes dos enfermeiros, frente aos aspectos da estrutura e processo que podem comprometer a qualidade do cuidado de enfermagem em UTI, ao se predisporem à ocorrência de eventos adversos, este estudo buscou apresentar os resultados da construção e validação de conteúdo da Escala de Predisposição à Ocorrência de Eventos Adversos.

Método

Esta pesquisa fez uso de métodos de natureza qualitativa, com o objetivo de apresentar os resultados da construção e validação de conteúdo da Escala de Predisposição à Ocorrência de Eventos Adversos (EPEA).

Instrumentos

A construção da Escala de Predisposição à Ocorrência de Eventos Adversos (EPEA) baseou-se em três pressupostos. O primeiro pressuposto diz respeito à abordagem teórica proposta por Donabedian(9), que guiou a elaboração dos indicadores para a avaliação da qualidade do cuidado em enfermagem (indicadores de estrutura, processo e resultado). Para fins desse estudo, os descritores de resultado foram associados à abordagem processo, devido ao aspecto comportamental implicado na construção de indicadores de resultados. Por exemplo, quando um enfermeiro notifica a ocorrência de queda no leito (evento adverso), embora a queda seja um indicador de resultado, a notificação do evento configura-se como um processo. Sendo assim, essas abordagens foram aqui definidas como dimensões teóricas para a investigação do construto qualidade do cuidado.

O segundo pressuposto baseia-se na abordagem sistêmica do erro(12),que tem como preceito a falibilidade do ser humano em suas atividades e a possibilidade da ocorrência do erro nas mais diversas organizações. Nesse modelo, as barreiras de proteção ocupam papel fundamental, e quando ocorre um evento adverso (EA), a questão mais importante não é identificar o culpado pelo erro, e sim descobrir por que as defesas falharam ou se houve uma violação de conduta.

O último pressuposto para a construção da EPEA apoia-se nos critérios e recomendações de organizações nacionais e internacionais de promoção à qualidade do cuidado, mostrados abaixo.

Compromisso com a Qualidade Hospitalar(13): manual de indicadores de enfermagem.

Conselho Regional de Enfermagem(14): 10 passos para a segurança do paciente.

Associação de Medicina Intensiva Brasileira(15): Guia da UTI segura - GUTIS.

ANVISA-MS estabelece a partir da publicação da RDC-7(16) os requisitos mínimos para o funcionamento de unidades de terapia intensiva.

OMS(17): nove soluções de segurança para o paciente.

American Nurses Association(18): The National Database of Nursing Quality Indicators(NDNQI).

Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations(19): National Patient Safety Goals.

Para a definição do construto e elaboração dos itens do instrumento, foi realizado levantamento bibliográfico, a partir de critérios e recomendações propostos por essas organizações, que resultou em uma matriz de especificações contendo duas dimensões - estrutura e processo - e noventa descritores relacionados às condições que podem comprometer a qualidade do cuidado de enfermagem em UTI. Para cada descritor foi construído um item correspondente, de modo a articular atitudes e comportamentos que funcionam como preditores de eventos adversos.

Foi utilizada a escala do tipo Likert com cinco intervalos de resposta, que variavam de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente), buscando avaliar o nível de importância que os enfermeiros atribuem aos aspectos da estrutura e processo (nível ideal), assim como a percepção sobre a existência desses aspectos no seu ambiente de trabalho (nível real). "A medida escalar constitui-se uma das várias formas que a medida psicométrica pode assumir"(20) , sendo principalmente utilizada na psicologia social, no estudo das atitudes. Na abordagem teórica da escala do tipo Likert, sustenta-se que uma atitude (propriedade psicológica) constitui uma disposição para a ação, e sua escala dispõe-se, então, a verificar o nível de concordância do sujeito com uma série de afirmações que expressem algo de favorável ou desfavorável em relação a um objeto psicológico. Dessa forma, para a avaliação das atitudes dos enfermeiros, foi-lhes solicitado que se posicionassem frente às situações que podem comprometer a qualidade do cuidado de enfermagem em UTI ao se predisporem à ocorrência de eventos adversos.


A versão preliminar do instrumento ficou assim composta por duas partes, sendo:

-dados de identificação da unidade de terapia intensiva com preservação da razão social da organização, e dados sociodemográficos de identificação do respondente com garantia do anonimato, tais como sexo, faixa etária, tempo de formação, dentre outros;

-Escala de Predisposição à Ocorrência de Eventos Adversos (EPEA) que conteve, originalmente, 90 itens, sendo 28 para a dimensão estrutura e 62 para a dimensão processo.

A EPEA é uma medida que possibilita, devido à sua uniformidade, a categorização/comparação das respostas entre os diferentes respondentes, o que facilita a sua análise, tem menor custo operacional e exige menor tempo para administração, o que se justifica pelo fato de que o mesmo não interferirá na rotina de serviço das unidades investigadas.

Procedimentos para o Estudo da Validade de Conteúdo da EPEA

Foram utilizados dois procedimentos para a análise da qualidade dos itens desenvolvidos, com base nos pressupostos teóricos: análise de juízes e análise semântica.

Análise de juízes

Os itens da EPEA foram submetidos à análise de juízes, que consiste em uma consulta feita a expertises na área do construto avaliado, com o objetivo de avaliar a pertinência de itens no que tange a uma série de critérios que são considerados importantes para garantir a qualidade psicométrica dos mesmos e, portanto, validar a hipótese de que representam adequadamente o construto.

Foram selecionados como juízes quatro especialistas com diferentes perfis, a saber: segurança do paciente com enfoque em eventos adversos, gestão de unidade de terapia intensiva, cuidado e conforto em enfermagem e retardo pré-hospitalar face às síndromes coronarianas agudas.

Foi solicitado aos participantes dessa etapa que julgassem os itens do instrumento quanto à pertinência ao construto atitude do enfermeiro sobre a qualidade do cuidado em UTI (Pergunta 1: a frase refere-se à avaliação do cuidado em enfermagem?) e à relação do item com a dimensão avaliada (Pergunta 2: o item pertence a qual dimensão?). Também foi solicitado aos juízes, caso considerassem necessário, que tecessem comentários e sugestões para o aperfeiçoamento dos itens.

A etapa seguinte foi a análise descritiva dos pareceres emitidos pelos juízes, que constou de um quadro onde foram consolidados todos os dados fornecidos pelos avaliadores, verificando-se as frequências e porcentagens da concordância com o construto e com a pertinência do item à dimensão avaliada. Nesse momento, foi definido que o consenso entre juízes seria representado para cada item por uma porcentagem acima de 75%. Os itens que obtiveram concordância de 50% foram mantidos ou sofreram modificações e adequações quando apontadas pelos juízes.

Análise semântica

Uma vez modificados ou excluídos os itens, a partir da análise de juízes, realizou-se uma análise semântica, com o objetivo de analisar a compreensão dos itens remanescentes pelos profissionais que constituem a amostra. Para essa etapa, foram escolhidos quatro enfermeiros que atuam em emergência e terapia intensiva de um hospital privado não pertencente aos futuros locais de coleta de dados. O instrumento foi respondido na presença do autor, que interveio quando solicitado, a fim de esclarecer dúvidas. Todas as sugestões relacionadas à falta de compreensão do item e modificações sugeridas, quando consideradas pertinentes, foram incorporadas à versão final do instrumento.

Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi submetido à avaliação do Comitê de Ética da Universidade Federal da Bahia, sob Protocolo nº14/2011 - FR 412506, tendo sido considerado aprovado sem restrições.

Resultados

Os resultados da análise de juízes apontaram que, dos 90 itens iniciais, foram retirados: quatro itens por não terem sido compreendidos como pertencentes à avaliação do cuidado de enfermagem, quatro itens por repetição semântica, isto é, por apresentarem o mesmo conteúdo ou ideia e dezoito itens por não apresentarem concordância com a avaliação do construto ou não avaliarem a dimensão que teoricamente foi designada.

Com a exclusão de 26 itens, os 64 itens remanescentes foram submetidos à análise semântica. A partir dessa análise, somente dois itens foram modificados, com o objetivo de melhorar a clareza na redação, não havendo itens excluídos a partir dessa etapa. O instrumento final ficou composto por cinco subdivisões, sendo:

-dados de identificação da unidade de terapia intensiva com preservação da razão social da organização;

-dados sociodemográficos de identificação do respondente com garantia do anonimato;

-inclusão de um item de avaliação do stress do trabalho em UTI;

-orientação quanto ao preenchimento da EPEA

-Escala de Predisposição à Ocorrência de Eventos Adversos (EPEA), composta por 64 itens, sendo 18 itens para avaliação da dimensão estrutura e 46 itens para a dimensão processo (Figura 2).


Cinco itens da dimensão processo mostraram um escore invertido (itens: 38, 49, 52, 55, 56) com o objetivo de verificar a consistência das respostas dadas pelos sujeitos. Tais itens são chamados itens de validação. Assim, enquanto os demais itens da escala referem-se a comportamentos positivos ou que indicam ações favoráveis, os itens de validação apresentam ideias que poderiam ser consideradas absurdas, caso fossem aceitas como prática do enfermeiro em UTI.

Discussão

Na Escala de Predisposição à Ocorrência de Eventos Adversos (EPEA) propõe-se a discussão da qualidade do cuidado como equilíbrio entre riscos e benefícios, considerando a falibilidade do ser humano, além de propor a utilização do evento adverso como indicador de resultado. Dessa forma, a qualidade do cuidado de enfermagem em UTI torna-se um produto resultante não só das condições ideais de trabalho (estrutura e processo), derivadas de recomendações nacionais e internacionais de promoção da qualidade e segurança do paciente em UTI, como também das atitudes dos enfermeiros intensivistas sobre as condições que podem predispor à ocorrência do evento adverso (indicador de resultado).

Compreender a ocorrência de tais eventos, levando em conta a inerência do erro em toda atividade humana, entender a complexidade do cuidado de enfermagem em um ambiente crítico como a UTI, utilizar indicadores de qualidade e estimular a notificação voluntária do evento adverso, com o foco no aprendizado e não na repreensão, constituem os desafios do gestor de UTI. Essas medidas, associadas à consolidação da cultura de segurança, podem resultar em um cuidado de enfermagem mais seguro e reconhecidamente confiável pelo usuário.

A construção da EPEA, ao tencionar avaliar as atitudes dos enfermeiros sobre os aspectos da estrutura e processo que podem comprometer a qualidade do cuidado de enfermagem em UTI, tendo como indicador de resultado o evento adverso, preenche uma lacuna no campo das medidas atitudinais dos enfermeiros em UTI.

A análise de juízes e a análise semântica, embora possam ser caracterizadas como parte dos procedimentos de construção de um instrumento de medida, são também consideradas como etapas da validade inicial do teste, chamada validade de conteúdo. Assim, à medida que se cumpre com essa etapa de construção, garante-se a validade de conteúdo da escala.

Conclusões

Neste estudo o objetivo foi apresentar os resultados do processo de construção e validação de conteúdo de uma escala, para avaliação das atitudes dos enfermeiros sobre os aspectos da estrutura e processo que podem comprometer a qualidade do cuidado de enfermagem em UTI, tendo como indicador de resultado o evento adverso (EA).

A validade de conteúdo da EPEA foi considerada adequada, tendo em vista o processo de seleção dos seus itens e a criteriosa avaliação com sugestões para aperfeiçoá-los tanto na análise dos juízes quanto na análise semântica, assegurando-se, assim, que os itens do instrumento estejam situados dentro da abordagem teórica referente à qualidade do cuidado de enfermagem em UTI.

Porém, uma certa limitação a este estudo deve ser apontada. Embora as referências consultadas não determinem, na sua metodologia, a utilização de um número exato de juízes, o fato de essa etapa ter sido realizada com apenas quatro integrantes, devido à desistência de um dos juízes, resultou em situações que apresentaram empate na avaliação interna dos itens. Compreende-se, assim, que seria melhor a utilização de número ímpar de árbitros para o estudo da validade de conteúdo em estudos futuros.

Com o objetivo de investigar a validade de construto, o próximo passo para o estudo da qualidade psicométrica da Escala de Predisposição à Ocorrência de Eventos Adversos é submetê-lo aos enfermeiros de diferentes unidades de terapia intensiva de hospitais públicos, filantrópicos e privados, de modo a definir os limites amostrais para a futura normatização da escala. Espera-se que a EPEA ofereça subsídios que contribuam para viabilizar a criação de barreiras mais eficazes de proteção ao paciente, possibilitar investigação sobre as causas das falhas latentes, investigar os erros de forma sistêmica e consolidar a cultura de segurança do paciente em vez da cultura do erro da enfermagem.

Referencias

  • 1. Kohn LT, Corrigan JM, Donaldson MS, editors. To err is human: building a safer health system. [Internet]. Washington (DC): Institute of Medicine/National Academy Press; 2000. [acesso 17 fev 2011]. Disponível em: http://iom.edu/~/media/Files/Report%20Files/1999/To-Err-is-Human/To%20Err%20is%20Human%201999%20%20report%20brief.pdf
  • 2. Wachter RM. Segurança versus qualidade. In: Wachter RM. Compreendendo a segurança do paciente. Porto Alegre: Artmed; 2010. p. 45-56.
  • 3. Lohr KN, Schroeder SA, editors. A strategy for quality assurance in medicare. [Internet].vol 1. Washington(DC): National Academy Press; 1990. [acesso 02 dez 2010]. Disponível em: http://www.nap.edu/catalog/1547.html
  • 4. Carpenito LJ. Diagnósticos de enfermagem: aplicação a pratica clínica. 13ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 2011. 1028 p.
  • 5
    Consulta pública n° 21, de 27 de abril de 2006 (BR). Dispõe sobre o Regulamento Técnico para Funcionamento de Serviços de Atenção ao Paciente Crítico e Potencialmente Crítico. 2006. [acesso 02 dez 2010]. Disponível em: http://www4.anvisa.gov.br/base/visadoc/CP/CP[14558-1-0].pdf
  • 6. Padilha KG. Ocorrências Iatrogênicas em Unidade de Terapia Intensiva (UTI): análise dos fatores relacionados. Rev Paul Enferm. [periódico na Internet]. 2006 [acesso 20 dez 2010]; 25(1):18-23. Disponível em: http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&src=google&base=LILACS&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=475688&indexSearch=ID
  • 7. Padilha KG, Kitahara PH, Gonçalves CCS, Sanches ALC. Ocorrências iatrogênicas com medicação em Unidade de Terapia Intensiva: condutas adotadas e sentimentos expressos pelos enfermeiros. Rev Esc Enferm USP. [periódico na Internet]. 2002 [acesso 11 jun 2010]; 36(1): 50-7. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v36n1/v36n1a07.pdf
  • 8. Coli RdCP, Anjos MFd, Pereira LL. Postura dos enfermeiros de uma unidade de terapia intensiva frente ao erro: uma abordagem à luz dos referenciais bioéticos. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [periódico na Internet]. 2010 [acesso 05 jul 2012]; 18(3):27-33. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v18n3/pt_05.pdf
  • 9. Donabedian A. The Definition of Quality and Approaches to Its Assessment (Explorations in Quality Assessment and Monitoring, Vol 1). Ann Arbor, MI: Health Administration Press; 1980.163 p.
  • 10. Allport GW. Attitudes. In: Murchison C, editor. Handbook of Social Psychology Worcester: Clark University Press; 1935. p. 784-98.
  • 11. Contandriopoulos AP, Champagne F, Denis JL, Pineault R. A avaliação na área de saúde. In: Hartz ZMdA, organizadora. Avaliação em Saúde: dos modelos conceituais à prática na análise da implantação de programas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 1997. p. 29-48.
  • 12. Reason J. Human error: models and management. BMJ. [periódico na Internet]. 2000 [acesso 17 jun 2011]; (30): p. 768-770. Disponível em: http://www.bmj.com/content/320/7237/768.full
  • 13
    Programa de Qualidade Hospitalar (PQH). Manual de Indicadores de Enfermagem -NAGEH. [Internet]. São Paulo(SP): APM/CREMESP; 2006. [acesso 20 dez 2010]. Disponível em: http://www.cqh.org.br/files/Manual%20de%20Indicadores%20NAGEH%20-%20V.FINAL.pdf
  • 14. Avelar AFM, Salles CLS, Bohomol E, Feldman LM, Peterlini MAS, Harada MJCS, et al. 10 Passos para a segurança do paciente. São Paulo (SP): COREN/REBRAENSP; 2010. 30 p.
  • 15. Réa-Neto Á, Castro JEC de, Knibel MF, Oliveira MC de. GUTIS: guia da UTI segura. São Paulo (SP): AMIB; 2010. 23p.
  • 16
    Resolução-RDC Nº 7, de 24 de fevereiro de 2010 (BR). Dispõe sobre os requisitos mínimos para funcionamento de Unidades de Terapia Intensiva e dá outras providência. 2006. [acesso 02 dez 2010]. Disponível em: http://www.amib.org.br/pdf/RDC-07-2010.pdf
  • 17
    World Health Organization (WHO). Nine patient safety solutions: Solutions to prevent health care-related harm. 2007. [acesso 15 mar 2011]. Disponível em: http://www.who.int/mediacentre/news/releases/2007/pr22/en/index.html
  • 18
    American Nurses Association (ANA). The National Database of Nursing Quality Indicators (NDNQI). 2001.[acesso 18 jun 2010]. Disponível em: http://www.nursingworld.org/MainMenuCategories/ThePracticeofProfessionalNursing/PatientSafetyQuality/Research-Measurement/The-National-Database/NDNQIBrochure.aspx
  • 19. Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations (JCAHO). Accreditation Program: Critical Access Hospital. 2011. [acesso 25 fev 2011]. Disponível em: http://www.jointcommission.org/assets/1/6/2011_NPSGs_CAH.pdf
  • 20. Pasquali L, Capovilla AGS, Alonso AOL, Alves AR, Borba ACP, Batista CG, et al. Instrumentação Psicológica: Fundamentos e Práticas. Porto Alegre: Artmed; 2010.560 p.
  • Corresponding Author:
    William Mendes Lobão
    Universidade do Estado da Bahia
    Departamento de Ciências da Vida
    Rua Silveira Martins, 2555
    Bairro: Cabula
    CEP: 41150-000, Salvador, BA, Brasil
    E-mail:
  • 1
    Paper extracted from Master's Thesis "Construção, validação e normatização da Escala de Predisposição à ocorrência de eventos adversos (EPEA)" presented to Escola de Enfermagem, Universidade Federal da Bahia, Brazil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2012

    Histórico

    • Recebido
      23 Jan 2012
    • Aceito
      03 Ago 2012
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: rlae@eerp.usp.br