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Necessidades de cuidados e carga de trabalho de enfermagem a pacientes psiquiátricos institucionalizados

Resumos

OBJETIVOS: este estudo descritivo, de abordagem quantitativa, teve como propósito investigar as necessidades de cuidados de enfermagem de pacientes com transtornos mentais, as horas médias de assistência dispensadas e a carga de trabalho da equipe de enfermagem. MÉTODO: foi conduzido em um hospital neuropsiquiátrico público, localizado na Região Sudeste do Brasil, no ano 2010, tendo como sujeitos 105 pacientes. Para caracterizar o perfil assistencial foi aplicado um instrumento de classificação de pacientes. O tratamento estatístico foi realizado por meio de Análise de Componentes Principais e Análise de Variância. RESULTADOS: houve predomínio de pacientes na categoria de cuidados discreta (73,3%). As horas médias de assistência variaram de 0,57 a 0,88 (enfermeiros) e de 1,97 a 3,16 (auxiliares de enfermagem) e a carga de trabalho de 119,6 a 183 horas. CONCLUSÕES: este estudo evidenciou que a demanda por cuidados da maioria dos pacientes era em nível de dependência discreta e que não necessitariam estar institucionalizados. Ainda, que as horas de assistência dispensadas pela equipe de enfermagem estavam insuficientes para atender as necessidades cuidativas dos pacientes.

Pessoas Mentalmente Doentes; Enfermagem Psiquiátrica; Avaliação em Enfermagem


OBJECTIVES: This descriptive study used a quantitative approach to assess the nursing care needs of patients with mental disorders, the mean number of care hours these patients were provided and the workload these patients require nursing team. METHODS: The research was conducted in a public neuropsychiatric hospital located in south eastern Brazil in 2010 and included 105 patients as subjects. A patient classification tool was applied to characterise care profiles. Statistical analysis was performed using principal component analysis and analysis of variance. RESULTS: Patients were predominantly in the low care category (73.3%). The mean care hours ranged from 0.57 to 0.88 for nurses and 1.97 to 3.16 for nursing assistants, and the workload ranged from 119.6 to 183 hours . CONCLUSIONS: The present study showed that the care needs of most patients were at a low level of dependency and that most patients did not need to be institutionalised. Furthermore, it was found that the care hours provided by the nursing staff were not sufficient to meet the care needs of the patients.

Mentally ill Persons; Psychiatric Nursing; Nursing Assessment


OBJETIVOS: El propósito de este estudio descriptivo con abordaje cuantitativo fue investigar las necesidades de cuidados de enfermería de pacientes con trastornos mentales, el promedio de horas de asistencia prestadas y la carga de trabajo del equipo de enfermería. MÉTODO: El estudio fue realizado en 2010 en un hospital neuropsiquiátrico público situado en la región sudeste de Brasil e incluyó 105 pacientes. Un instrumento de clasificación de pacientes fue aplicado para caracterizar el perfil asistencial. El tratamiento estadístico fue realizado mediante Análisis de Componentes Principales y Análisis de Varianza. RESULTADOS: Predominaron los pacientes de la categoría discreta de cuidados (73,3%). El promedio de horas de asistencia varió entre 0,57 y 0,88 (enfermeros) y entre 1,97 y 3,16 (auxiliares de enfermería) y la carga de trabajo entre 119,6 y 183 horas. CONCLUSIONES: Este estudio muestra que la demanda de cuidados de la mayoría de los pacientes correspondía a un nivel discreto de dependencia y que no necesitarían estar institucionalizados. Igualmente, que las horas de asistencia prestadas por el equipo de enfermería era insuficiente para atender las necesidades de cuidado de los pacientes.

Enfermos Mentales; Enfermería Psiquiátrica; Evaluación en Enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Necessidades de cuidados e carga de trabalho de enfermagem a pacientes psiquiátricos institucionalizados1

Helena Ayako MukaiI; Marli de Carvalho JericóII; Márcia Galan PerrocaII

IMestranda, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, SP, Brasil

IIPhD, Professor, Departamento de Enfermagem Especializada, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, SP, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVOS: este estudo descritivo, de abordagem quantitativa, teve como propósito investigar as necessidades de cuidados de enfermagem de pacientes com transtornos mentais, as horas médias de assistência dispensadas e a carga de trabalho da equipe de enfermagem.

MÉTODO: foi conduzido em um hospital neuropsiquiátrico público, localizado na Região Sudeste do Brasil, no ano 2010, tendo como sujeitos 105 pacientes. Para caracterizar o perfil assistencial foi aplicado um instrumento de classificação de pacientes. O tratamento estatístico foi realizado por meio de Análise de Componentes Principais e Análise de Variância.

RESULTADOS: houve predomínio de pacientes na categoria de cuidados discreta (73,3%). As horas médias de assistência variaram de 0,57 a 0,88 (enfermeiros) e de 1,97 a 3,16 (auxiliares de enfermagem) e a carga de trabalho de 119,6 a 183 horas.

CONCLUSÕES: este estudo evidenciou que a demanda por cuidados da maioria dos pacientes era em nível de dependência discreta e que não necessitariam estar institucionalizados. Ainda, que as horas de assistência dispensadas pela equipe de enfermagem estavam insuficientes para atender as necessidades cuidativas dos pacientes.

Descritores: Pessoas Mentalmente Doentes/Classificação; Enfermagem Psiquiátrica; Avaliação em Enfermagem.

Introdução

No Brasil, cinco milhões de pessoas (3% da população) sofrem de transtornos mentais severos e persistentes e 23 milhões (12% da população) necessitam de algum atendimento em saúde mental, eventual ou contínuo(1). Em vista dessa situação, o Ministério da Saúde, através da Portaria 251/GM 2002(2), estabeleceu diretrizes e normas para regulamentação da assistência hospitalar em psiquiatria.

Portadores de transtornos mentais, apesar de não apresentarem problemas clínicos que necessitem de assistência de enfermagem contínua, requerem observação constante devido à instabilidade de humor com ocorrências de auto e heteroagressividade, tentativas de fuga e suicídio(3). Identificar as necessidades de pessoas com doença mental possibilita aos profissionais de saúde estabelecer planos de intervenção e tratamento individualizado, tornando o processo de reabilitação mais eficiente(4). Dessa forma, torna-se essencial o conhecimento da demanda por cuidados dos pacientes em relação à enfermagem para implementação de mudanças necessárias, no processo de assistir e no gerenciamento da assistência.

Referencial teórico

A Organização Mundial da Saúde (OMS)(5) enfatiza que o portador de doença crônica, incluindo a pessoa com transtorno mental, demanda cuidado planejado e atenção capaz de prever suas necessidades. Os conceitos de necessidade têm sido abordados de diversas maneiras e por diferentes autores. As necessidades são consideradas como o conjunto de carências físicas e sociais que deverão ser satisfeitas com a finalidade de o indivíduo experimentar bem-estar(6) e, também, como estados de tensões conscientes ou inconscientes, resultantes dos desequilíbrios hemodinâmicos dos fenômenos vitais comuns a todos os seres humanos. O que varia de um indivíduo para outro é a manifestação das necessidades e a maneira de satisfazê-las ou atendê-las. Na impossibilidade de realizá-las por si só, faz-se necessário o auxílio de pessoas habilitadas(7).

Durante muito tempo, as necessidades dos pacientes com transtornos mentais foram negligenciadas devido ao desconhecimento da doença e de seu portador, com predomínio do preconceito sobre o conhecimento(8). A não identificação dessas necessidades impossibilita intervenções de reabilitação, ocasionando déficit no funcionamento psicossocial e gerando institucionalizações(9).

A avaliação das necessidades tornou-se parte da prática clínica de rotina dos serviços de saúde mental. A percepção do próprio paciente sobre suas necessidades de cuidados e a dos profissionais de saúde foram comparadas em investigação norueguesa(10). Estudos realizados na Inglaterra e Polônia, junto a pacientes com diferentes transtornos mentais, evidenciaram que as necessidades não satisfeitas são mais importantes as que dizem respeito à área social(11). Também, que elas são um forte indicador de percepção de saúde menos favorável e pior qualidade de vida. Diferentes meios ecológicos podem originar diferentes necessidades(12).

No Brasil, os estudos realizados na temática de cuidados dos portadores de transtornos mentais são, na sua maioria, voltados aos atendimentos em hospitais gerais, ambulatórios e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), evidenciando a existência de dificuldades da equipe de enfermagem relativas à percepção das necessidades e dos cuidados específicos a serem prestados a esses pacientes(13).

Trabalhar com pessoas em sofrimento mental exige do enfermeiro o cuidar, respeitando os princípios da cidadania e dos direitos humanos, participar na construção de planos terapêuticos individuais e enfatizar em suas ações o sujeito e as suas potencialidades(8).

Uma das formas de se avaliar as necessidades de cuidados dos pacientes é a utilização de instrumentos. O Sistema de Classificação de Pacientes (SCP) é um método que consiste na identificação dos cuidados individualizados requeridos pelos pacientes, agrupando-os em categorias, permitindo identificar o perfil assistencial e a carga de trabalho da equipe de enfermagem(14). Carga de trabalho pode ser conceituada como as atividades realizadas em um determinado período pela equipe no processo de cuidar e o tempo despendido para executar essas ações(15). Sua mensuração possibilita o dimensionamento da equipe de enfermagem para atendimento de qualidade das necessidades cuidativas dos pacientes.

A aplicação do SCP, como um dos indicadores para determinar o perfil dos pacientes e para o dimensionamento de pessoal de enfermagem, foi recomendada pela Resolução 293/2004, do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen)(16). Encontra-se disponibilizado na literatura instrumento para uso junto a pacientes com transtorno mental(3). A não utilização de instrumento de classificação nessa especialidade já tinha sido evidenciada(17). Destaca-se a existência de apenas um estudo aplicando esse instrumento em unidade de internação psiquiátrica em um hospital geral(18).

Diante da escassez de publicações científicas nacionais avaliando as necessidades de cuidados de pacientes com transtornos mentais, este estudo teve por objetivos: 1. investigar as necessidades de cuidados de enfermagem de pacientes com transtornos mentais; 2. analisar as áreas de cuidados que mais contribuem para a classificação dos pacientes nas diferentes categorias de cuidados e 3. identificar as horas médias de assistência e mensurar a carga de trabalho da equipe de enfermagem.

Método

Delineamento

O estudo caracteriza-se como descritivo com abordagem quantitativa. Foi desenvolvido em um hospital neuropsiquiátrico público com 340 leitos, localizado na Região Sudeste do Brasil, nos meses de agosto e setembro de 2010. Foram objetos de investigação somente os pacientes com transtornos mentais internados nas Gerências de Atenção Integral à Saúde (GAIS) IV e Núcleo de Moradias Protegidas (NMP), totalizando 105 pacientes, distribuídos em três unidades de internação.

A GAIS IV dispõe de 70 leitos (unidades F1 e F3) destinados ao atendimento de moradores com transtornos mentais persistentes e severos com história de vários anos de internação. O NMP é composto pela unidade C3 (40 leitos) e oito apartamentos destinados a pacientes com menor grau de dependência.

A equipe de enfermagem, lotada nessas unidades, era composta por: duas enfermeiras e 28 auxiliares de enfermagem (F1), duas enfermeiras e 21 auxiliares de enfermagem (F3) e duas enfermeiras e 26 auxiliares de enfermagem (C3). Durante o plantão noturno, as duas enfermeiras ficavam lotadas em mais de uma unidade.

Os instrumentos

Foi elaborada uma ficha de dados sociodemográficos (sexo, idade) e clínicos (tempo de internação e diagnóstico clínico). Os dados foram extraídos do sistema de gestão hospitalar.

Para caracterizar o perfil assistencial dos pacientes foi aplicado um instrumento de classificação validado para a especialidade psiquiátrica(3), composto por 11 áreas de cuidados: 1- cuidados com a aparência e higiene; 2- expressão do pensamento; 3- humor e afeto; 4- atividades; 5- interação social; 6- alimentação e hidratação; 7- sono; 8- medicação; 9- eliminações; 10- sinais vitais e outros controles e 11- problemas e queixas somáticas. Cada uma das áreas possui gradação de 1 a 3, apontando a intensidade crescente de complexidade do cuidado. A pontuação mínima é de 11 e a máxima de 33 pontos. Através do escore, o paciente pode ser classificado em uma das três categorias de cuidados: discreta (11-18 pontos), intermediária (19-26 pontos) e plena (27-33 pontos).

Procedimento de coleta de dados

Os pacientes internados nas unidades investigadas foram classificados, diariamente, de segunda a sexta-feira, por seis semanas consecutivas, até se completar 30 dias pelos enfermeiros (seis no total) lotados nas unidades. Os enfermeiros foram orientados sobre o instrumento e sua utilização.

Os dados foram coletados do Núcleo de Pessoal (registro de ausências não previstas) e planilhas de escala de pessoal, disponibilizadas pela diretoria de enfermagem (ausências previstas).

Para os cálculos foram descontadas horas não trabalhadas como férias, descanso semanal remunerado, cobertura em outra unidade, desconto de horas, licença médica, suspensão, falta e outros e consideradas as seguintes equações(19):

1 - horas de enfermeiro = número de horas prestadas por enfermeiro/número de pacientes-dia no período;

2 - horas de técnico-auxiliar = número de horas prestadas por técnico-auxiliar/número de pacientes-dia no período;

3 - relação enfermagem/leito - número de profissionais de enfermagem/média de pacientes-dia;

4 - relação enfermeiro/leito - número de enfermeiros/média de pacientes-dia e

5 - relação auxiliar de enfermagem/leito - número de auxiliares de enfermagem/média de pacientes-dia;

6 - carga de trabalho = produto da quantidade média diária de pacientes assistidos, segundo o grau de dependência da equipe de enfermagem x tempo médio de assistência(20). Utilizaram-se as horas médias de assistência por categoria de cuidado recomendadas pela Resolução 293/2004 do Cofen(16). Dessa forma, consideraram-se 3,8 horas para assistência discreta, 5,6 horas para assistência intermediária e 9,4 horas para assistência plena. Optou-se por esses valores devido à inexistência no Brasil de horas médias de assistência de enfermagem destinadas, especificamente, a pacientes com transtornos mentais.

A coleta de dados somente foi conduzida após autorização formal do hospital, consentimento livre e esclarecido dos enfermeiros e parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer nº319/2010).

Apresentação e tratamento dos dados

A análise estatística foi realizada utilizando-se a Análise de Componentes Principais (ACP) pela matriz de covariância e análise de variância (ANOVA) para comparação de médias quando da normalidade dos dados. Quando não houve normalidade, foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis com comparações pareadas de medianas e ajuste de Bonferroni. Os dados descritivos são apresentados como porcentagens, médias, desvio-padrão e variação. A análise estatística foi realizada através do programa R.2.11.1, Copyright The R Foundation for Statistical Computing.

Resultados

Dos pacientes em estudo, predominou o sexo masculino 60 (57,1%), faixa etária entre 41 e 60 anos - 61 (58,1%), tempo de internação entre 6 e 15 anos - 59 (56,2%). O tempo médio de internação foi de 10,9 (DP=7,3) anos com variação de 1 a 29 anos (Tabela 1).

Dentre os diagnósticos houve predominância de esquizofrenia (n=50; 47,7%) e retardo mental (n=41; 39%). O diagnóstico de esquizofrenia foi mais frequente nas unidades F1 (n=20; 50%) e C3 (n=21; 53,8%) e o de retardo mental na unidade F1 (n=15; 37,5%). Em relação ao nível de dependência, observou-se maior número de pacientes classificados como nível de dependência discreta (n=77; 73,3%), sendo a maior concentração na unidade C3 (n=35; 89,7%). O nível de dependência plena foi encontrado somente na unidade F1 (n=2; 5%) (Tabela 2).

A Tabela 3 mostra a distribuição dos pacientes com esquizofrenia e retardo mental, segundo as variáveis demográficas (sexo e idade) e tempo de internação em razão do grande número desses diagnósticos na população estudada. Houve discreto predomínio do sexo masculino, tanto nos pacientes com esquizofrenia (n=27; 54%) quanto nos portadores de retardo mental (n=22; 53,7%). A idade média foi de 57,9 (10,9) anos para esquizofrenia e de 52,8 (13,7) para retardo mental. A média do tempo de internação dos pacientes com esquizofrenia foi de 10,3 (6,0) anos e, para os pacientes com retardo mental, 11,9 (7,9), não evidenciando diferença significativa entre os gêneros.

A Tabela 4 apresenta a análise de componentes principais dos fatores 1 e 2, mostrando quanto cada fator explica e o quanto cada variável entra na composição fatorial através dos pesos. Analisando os 11 indicadores, os dois primeiros fatores correspondem (60,3%) à variação total dos dados. O primeiro fator, que explica a intensidade dos cuidados por si só, representa (46,3%) da variabilidade total, sendo considerado, dessa forma, o mais importante, ou seja, aquele que tem mais poder de discriminação.

Quando analisados os pesos fatoriais é possível destacar que as áreas de cuidados mais significantes no fator 1 são: interação social (0,51), expressão do pensamento (0,42), atividades (0,38), cuidados com a aparência e higiene (0,37), eliminações (0,35) e humor e afeto (0,34). Os indicadores críticos interação social (51%) e expressão do pensamento (42%) apresentaram maior peso fatorial e o indicador sinais vitais e outros controles o menor peso (0,01).

O fator 2 explica a contraposição entre a necessidade de cuidados das áreas biológicas e sociais, representando (14%) da variabilidade total. Ele combina as áreas de cuidados: alimentação/hidratação (0,57), eliminações (0,53), cuidados com a aparência e higiene (0,29) e sinais vitais e outros controles (0,25), contrapondo-as às áreas expressão do pensamento (-0,28), atividades (-0,28), interação social (-0,22) e humor e afeto (-0,20). As áreas de cuidados alimentação/hidratação (0,57), eliminações (0,53), expressão do pensamento e atividades (-0,28 cada) foram as que mais contribuíram para a percepção dessa contraposição interna dentro dos grupos.

A carga média de trabalho nas três unidades investigadas variou de 119,6 (DP=6,0) a 183 (DP=8,5) horas; as horas médias de assistência dispensadas aos pacientes de 0,57 a 0,88 (enfermeiros) e 1,97 a 3,16 (auxiliares de enfermagem). Em relação ao número de profissionais/leito nas unidades houve variação de 0,27 a 0,42, enfermeiros/leito variação 0,07 a 0,11 e auxiliares de enfermagem/leito variação 0,20 a 0,31 (Tabela 5).

Discussão

A esquizofrenia foi o diagnóstico de maior predomínio (n=50; 47,7%), corroborando outros estudos realizados (43,3%)(21), seguido de retardo mental (n=41; 39%). O longo tempo de internação encontrado (10,9 anos) pode estar relacionado a fatores como o perfil sociodemográfico da população institucionalizada (objeto de outro estudo), evidenciando número significativo de pacientes idosos (n=28; 26,7%), analfabetos (n=60; 57,1%), solteiros (n=94; 89,5%) e sem fonte de renda (n=71; 67,7%), e, também, por dificuldade de interação social decorrente dos agravos, discriminação e exclusão social. A existência de instituições de longa permanência contraria a proposta de desinstitucionalização da Reforma Psiquiátrica, com a criação de vários dispositivos, como os ambulatórios, CAPS, Residências Terapêuticas e unidades de internação em hospitais gerais.

Em relação às necessidades de cuidados, a maioria dos pacientes se encontrava no nível de dependência discreta (73,3%). Outros estudos, utilizando o mesmo instrumento, encontraram, nessa mesma categoria, 58% em instituição psiquiátrica(3) e 62% em unidade de internação psiquiátrica de hospital geral(18).

Interação social (0,51) e expressão do pensamento (0,42) representaram os maiores pesos fatoriais, ou seja, foram as áreas de cuidados mais importantes para captar as mudanças nas categorias de cuidados. A qualidade da interação social é um dos fatores mais importantes na recuperação e prevenção dos problemas de saúde mental(22). No instrumento de classificação, essa área de cuidado aborda o comportamento do paciente nas relações sociais e interpessoais e avalia sua colaboração e interesse em ocupar-se, bem como a possível hostilidade, tolerância e negligência com suas responsabilidades(3). Investigação realizada na Escócia(23), junto a idosos portadores de transtornos mentais, revelou as necessidades sociais como as mais frequentes.

Questionou-se, neste estudo, se as necessidades de cuidados de enfermagem diferiam entre pacientes esquizofrênicos e com retardo mental, porém, não foram evidenciadas alterações (p<0,18). Os pacientes estudados encontravam-se alocados em três unidades distintas (F1, F3 e C3), conforme o diagnóstico médico e julgamento clínico dos enfermeiros.

A avaliação da carga de trabalho e a adequação dos recursos humanos de enfermagem permitem assistência segura e de qualidade. Indicadores têm sido utilizados para mensurar e avaliar os efeitos da assistência prestada e, dentre eles, o indicador de gestão de pessoas, referenciado pelo Compromisso com a Qualidade Hospitalar (CQH), que possibilita avaliar as horas de assistência de enfermagem por categoria profissional e de cuidado(24).

A composição da equipe de enfermagem lotada nas unidades de internação foi representada por 9,6% de enfermeiros e 90,4% de auxiliares de enfermagem. A carga média de trabalho variou de 119,6 a 183h e impossibilita comparações devido à inexistência de estudos brasileiros abordando esse tema. Investigando-se as horas de assistência por categoria profissional, os valores variaram de 0,57 a 0,88h para enfermeiros e de 1,97 a 3,16h para auxiliares de enfermagem, totalizando de 2,56 a 4,04h de cuidados por paciente nas 24h.

No que se refere às unidades de internação, encontrou-se variação de 0,27 a 0,42 profissionais/leito. O número de pacientes que pode ser terapeuticamente assistido pela equipe de enfermagem ainda não se encontra bem delineado na literatura(3). Dados apresentados em 2009, pelo CQH, referente a quatro hospitais psiquiátricos, revelaram a mediana de 0,12 enfermeiros/leito (variação 0,08 a 0,37)(24). A Resolução da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) 864/2002, do Rio de Janeiro, institui como parâmetro de dimensionamento de recursos humanos para enfermagem 5,5 horas de atendimento por paciente/dia em clínica psiquiátrica(25).

Na unidade F1 estavam alocados pacientes com necessidades de maior assistência clínica, sendo enfatizada a reabilitação psiquiátrica com enfoque na reabilitação psicossocial e na melhoria da qualidade de vida. Foi constatado, após a classificação, ser a única unidade a alocar pacientes com dependência plena (5%). Ela apresentou menor proporção de profissionais de enfermagem/leito (0,27), enfermeiro/leito (0,07) e menor número de horas dispensadas por enfermeiro (0,57) em relação à assistência de enfermagem. A carga de trabalho, de acordo com o perfil assistencial por paciente, foi de 4,57h contra a efetivamente realizada de 2,75h, observando-se defasagem de 1,82h. Considerando ser essa única unidade a apresentar pacientes na categoria de cuidados plena (5%), as horas dispensadas para assistência de enfermagem ficam aquém dos valores preconizados pela Resolução Cofen/2004(16) (9,4h de enfermagem por paciente na assistência plena) ou da Resolução SMS/2002(25) (5,5h de atendimento por paciente/dia).

Os pacientes da unidade F3 necessitam de cuidados mais intensivos em psiquiatria devido à ocorrência de surtos psicóticos frequentes. Nessa unidade, 42,3% dos pacientes foram classificados como de dependência intermediária e encontrou-se a proporção de 0,11 enfermeiro/leito, próximo à mediana do CQH (0,12). A carga de trabalho, de acordo com o perfil assistencial, foi de 4,6h/paciente, próximo à realizada (4,04h). Contudo, não atingiu os valores preconizados pelo Cofen (5,6h) e Resolução SMS (5,5h).

Foram encontrados, na unidade C3, pacientes com menor grau de dependência em relação à enfermagem - dependência discreta (90%). Devido às características desses pacientes, é enfatizado o autocuidado. O tempo médio de assistência para enfermeiros foi de 0,59h e de auxiliares de enfermagem de 1,97h, totalizando 2,56h de assistência da equipe de enfermagem. A relação enfermagem/leito (0,28) mostrou valores próximos aos encontrados na unidade F1.

Resultados da proporção de pessoal de enfermagem/leito denotam diferentes realidades em diferentes serviços. Quantitativos inadequados podem comprometer a qualidade da assistência de enfermagem prestada e o trabalho do enfermeiro. Em estudo realizado em hospital psiquiátrico, observou-se que os profissionais embasados na vivência diária adotavam, de forma rudimentar, a gravidade do paciente como critério para o dimensionamento de pessoal(17). Consequentemente, por não realizarem classificação de pacientes, antecedendo o dimensionamento de pessoal, não conseguiam fundamentar sua argumentação diante da necessidade de ampliação do quadro de pessoal.

Limitações do Estudo

Os achados representam a realidade de uma instituição de longa permanência e podem diferir de outros hospitais que atendem pacientes com transtornos mentais. Uma vez que inexistem horas de assistência de enfermagem destinadas a pacientes dessa especialidade, utilizaram-se os valores recomendados pelo Cofen para a mensuração de carga de trabalho. Dessa forma, o valor encontrado pode não representar com exatidão a carga de trabalho nessa especialidade, mas constitui-se em uma referência.

Implicações para a prática de enfermagem

A identificação do perfil assistencial, mediante utilização de instrumentos válidos e confiáveis, possibilita o planejamento da assistência fundamentada nas reais necessidades cuidativas dos pacientes e a mensuração da carga de trabalho da equipe de enfermagem necessária e a efetivamente realizada. A informação gerada instrumentaliza os gestores na tomada de decisões e ações gerenciais, voltadas à coordenação do processo de cuidar e ajuste quantiqualitativo de pessoal.

Conclusão

Este estudo evidenciou que a demanda de cuidados da maioria dos pacientes era de nível de dependência discreta. De acordo com a Reforma Psiquiátrica, esses pacientes não necessitariam estar institucionalizados, podendo ser atendidos ambulatorialmente. Ainda, que as horas de assistência dispensadas pela equipe de enfermagem estavam insuficientes para atender as necessidades cuidativas dos pacientes.

Espera-se que este estudo possa contribuir para a busca por soluções para a melhoria na assistência de enfermagem aos portadores de transtornos psiquiátricos e subsidiar o dimensionamento de pessoal nessa especialidade. Torna-se necessária a realização de novas pesquisas que permitam comparação com os resultados encontrados nesta investigação.

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  • Corresponding Author:
    Márcia Galan Perroca
    Av. Brigadeiro Faria Lima, 5416 Vila São Pedro
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    E-mail:
  • 1
    Paper extracted from master's thesis "Gestão assistencial ao portador de transtorno mental: avaliação de necessidades cuidativas e carga de trabalho" presented to Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, SP, Brazil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      05 Mar 2012
    • Aceito
      06 Dez 2012
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