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Adaptação transcultural e validação para o português brasileiro do Stanford Presenteeism Scale para avaliação do presenteísmo

Resumos

OBJETIVO: descrever o processo de adaptação transcultural e validação para o português brasileiro do Stanford Presenteeism Scale. MÉTODOS: trata-se de estudo metodológico de adaptação cultural e validação de instrumento que envolveu 153 trabalhadores de enfermagem, incluindo seis aspectos de equivalência, obtidos pelas seguintes etapas: tradução, primeira versão de consenso, retrotradução, comitê de especialistas, pré-teste, estudo de confiabilidade teste/reteste e validade dimensional. RESULTADOS: a estabilidade dos itens variou de moderado a quase perfeito e da escala foi quase perfeito. Dois fatores foram identificados pela análise fatorial exploratória: o primeiro incluiu os aspectos físicos - trabalho finalizado e o segundo incluiu os aspectos psicológicos - distração evitada. CONCLUSÕES: os resultados sugerem adequação do instrumento na versão em português brasileiro, indicando seu uso no contexto da população de estudo e em populações semelhantes, contribuindo para o estudo de evidências que embasem estratégias que favoreçam as condições de saúde dos trabalhadores.

Reprodutibilidade dos Testes; Enfermagem do Trabalho; Saúde do Trabalhador; Condições de Trabalho


OBJECTIVE: describe the process of transcultural adaptation and validation of the Stanford Presenteeism Scale for Brazilian Portuguese. METHODS: Methodological study of the cultural adaptation and validation of the tool which involved 153 nursing staff and included six aspects of equivalence, obtained through the following stages: translation, first version of consent, retranslation, specialist committee, pre-test, study of test-retest credibleness and dimensional validity. RESULTS: The stability of the items varied from moderate to almost perfect and the sequence constancy was almost perfect. Two factors were identified through the exploratory fact analysis: the first one included the physical aspects - completing work; and the second one the psychological aspects - avoided distraction . CONCLUSIONS: the results suggest adequacy of the tool in the Brazilian Portuguese version, indicating its use in the context of the study group and in similar groups, contributing to the study of evidences which consolidate strategies that favor the health conditions of the jobholders.

Reproducibility of Results; Occupational Health Nursing; Occupational Health; Working Conditions


OBJETIVO: describir el proceso de adaptación transcultural y validación para el portugués brasileño del Stanford Presenteeism Scale. MÉTODOS: se trata de un estudio metodológico de adaptación cultural y validación de instrumento en que participaron 153 trabajadores de enfermería, incluyendo seis aspectos de equivalencia obtenidos en las siguientes etapas: traducción, primera versión de consenso, retrotraducción, comité de especialistas, prueba piloto, estudio de confiabilidad prueba-reprueba y validez dimensional. RESULTADOS: La estabilidad de los ítems varió de moderado a casi perfecto y el de la escala fue casi perfecto. Dos factores fueron identificados por el análisis factorial exploratorio: el primero incluye los aspectos físicos - trabajo finalizado y el segundo a los aspectos psicológicos - concentración mantenida. CONCLUSIONES: los resultados sugieren que el instrumento es adecuado en la versión en portugués brasileño, indicando su uso en el contexto de la población de estudio y en poblaciones semejantes, contribuyendo así para el estudio de evidencias que contienen estrategias que favorezcan las condiciones de salud de los trabajadores.

Reproducibilidad de los Testes; Enfermería del Trabajo; Salud del Trabajador; Condiciones de Trabajo


ARTIGO ORIGINAL

IDoutoranda, Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Professor Adjunto, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil

IIPhD, Pesquisador, Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIIPhD, Professor Associado, Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IVMSc, Pesquisador Colaborador, Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Professor, Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO: descrever o processo de adaptação transcultural e validação para o português brasileiro do Stanford Presenteeism Scale.

MÉTODOS: trata-se de estudo metodológico de adaptação cultural e validação de instrumento que envolveu 153 trabalhadores de enfermagem, incluindo seis aspectos de equivalência, obtidos pelas seguintes etapas: tradução, primeira versão de consenso, retrotradução, comitê de especialistas, pré-teste, estudo de confiabilidade teste/reteste e validade dimensional.

RESULTADOS: a estabilidade dos itens variou de moderado a quase perfeito e da escala foi quase perfeito. Dois fatores foram identificados pela análise fatorial exploratória: o primeiro incluiu os aspectos físicos - trabalho finalizado e o segundo incluiu os aspectos psicológicos - distração evitada.

CONCLUSÕES: os resultados sugerem adequação do instrumento na versão em português brasileiro, indicando seu uso no contexto da população de estudo e em populações semelhantes, contribuindo para o estudo de evidências que embasem estratégias que favoreçam as condições de saúde dos trabalhadores.

Descritores: Reprodutibilidade dos Testes; Enfermagem do Trabalho; Saúde do Trabalhador; Condições de Trabalho.

Introdução

Absenteísmo e presenteísmo afetam de forma importante as organizações de trabalho, em definições que se contrapõem(1). Enquanto no primeiro o trabalhador está ausente do trabalho por motivo de doença, o segundo é definido como a presença do indivíduo no trabalho apesar de doente ou com algum problema físico ou psicológico(1-3). Diferente do absenteísmo, objetivamente identificado e amplamente investigado(4), o presenteísmo é um fenômeno estudado mais recentemente e muitas vezes pouco percebido, embora muito presente nas organizações de trabalho. Interfere negativamente na produtividade e no desempenho do trabalhador, uma vez que o indivíduo que permanece trabalhando sem condições adequadas de saúde não consegue desempenhar satisfatoriamente suas atribuições(1-4).

Porém, além da quantidade, o presenteísmo afeta também a qualidade do trabalho desempenhado, refletindo em erros e omissões nas tarefas(1). Além disso, é reconhecido como um dos fatores de risco para um futuro absenteísmo por doença(2,5), sendo que tanto o absenteísmo quanto o presenteísmo se relacionam com a perda de produtividade, ocasionando custos elevados. No absenteísmo, os custos podem ser diretamente mensurados, observando-se perda total da produtividade. Já os custos diretos e indiretos do presenteísmo são mais difíceis de serem estimados, uma vez que a perda de produtividade ocorre durante o trabalho, podendo gerar ainda maior impacto nas organizações(3,6-9).

Frente à magnitude do problema, diversos estudos vêm sendo realizados(2-3,7,10-11) e, na área da enfermagem, estudos internacionais destacam o alto índice de presenteísmo e as consequências para a equipe, instituição e usuários de saúde(8,12-14). Estando a enfermagem totalmente envolvida com o cuidado humano, é essencial que seus trabalhadores se encontrem preparados física e emocionalmente, a fim de desenvolver satisfatoriamente todas as responsabilidades que lhes são atribuídas. Permanecer trabalhando sem condições físicas e psicológicas pode ocasionar a redução da capacidade de concentração e do nível de atenção, representando sérios riscos para aqueles que se encontram sob seus cuidados(8,12-13).

Apesar de o tema ser relativamente recente, 17 instrumentos de pesquisa(15) que avaliam o absenteísmo e/ou presenteísmo e suas implicações no contexto do trabalho e na saúde do trabalhador já foram descritos na literatura. Dentre os instrumentos disponíveis, o Stanford Presenteeism Scale (SPS-6)(16) destaca-se por avaliar exclusivamente o presenteísmo. Por meio desse instrumento busca-se conhecer a relação entre o presenteísmo, problemas de saúde e a produtividade entre os trabalhadores. É composto por seis itens, em uma escala tipo Likert, variando de um (discordo totalmente) a cinco (concordo totalmente); o escore obtido pela soma das pontuações dos itens pode variar de seis a trinta. Originalmente, é aplicado por meio de autopreenchimento em que os respondentes determinam até que ponto concordam com as afirmações que descrevem como seu estado de saúde pode ou não afetar seu trabalho. A escala mede habilidades dos participantes para se concentrar e executar o trabalho, apesar de ter um problema de saúde, por meio de dois fatores: finalizar o trabalho e evitar distração. O primeiro fator está relacionado às causas físicas e o segundo refere-se aos aspectos psicológicos(16).

Trata-se de um questionário utilizado na literatura internacional(6,11), considerado um instrumento de simples aplicação, que apresentou adequadas propriedades psicométricas em outros estudos(6,17). A escala original, elaborada na língua inglesa(16), e a versão adaptada para Portugal(6,11) apresentaram consistência interna elevada e a análise fatorial de ambos os estudos discriminou duas dimensões, corroborando o constructo teórico(6) da existência de dois fatores independentes (trabalho completado e distração evitada).

Diante da importância do diagnóstico do presenteísmo nas organizações de trabalho e da ausência de instrumentos nacionais, a divulgação de instrumento adaptado poderá contribuir para o diagnóstico do presenteísmo entre trabalhadores de enfermagem no contexto brasileiro e no desenvolvimento de estratégias que favoreçam as condições de saúde desses trabalhadores. Portanto, este artigo teve como objetivo apresentar a adaptação cultural e validação para a cultura brasileira do Stanford Presenteeism Scale para avaliação do presenteísmo.

Métodos

O processo de tradução e adaptação do SPS-6 seguiu o roteiro proposto por estudos internacionais(18) e nacionais(19), incluindo seis aspectos de equivalência: conceitual (busca a existência de um conceito comum nas duas populações, aquela em que a escala foi desenvolvida e aquela em que vai ser aplicada), de itens (em que os conceitos são investigados, geralmente, por meio de perguntas ou itens que sejam correspondentes nos dois idiomas), semântica (envolve a transferência de significado das palavras contidas no instrumento original para a versão), operacional (refere-se ao formato do instrumento, métodos de medida, forma de aplicação), de mensuração (refere-se às propriedades psicométricas do instrumento) e funcional (ambos os instrumentos, original e nova versão devem medir os mesmos conceitos em culturas diferentes). A adaptação e utilização da escala foram autorizadas pelo autor da mesma e o estudo obteve parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) sob Protocolo nº058/2011. Todos os sujeitos que participaram do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

A adaptação e a validação do instrumento seguiram as etapas, mostradas a seguir.

1 - Tradução da escala: realizada por três tradutores brasileiros, com domínio da língua inglesa, de forma independente. Por meio de reunião com a pesquisadora, cada tradutor recebeu um guia com as instruções do trabalho a ser realizado, sendo destacada a importância da equivalência semântica dos termos, em detrimento de apenas uma tradução literal.

Foi elaborado um instrumento específico, autopreenchível para a tradução e comentários pertinentes, sendo solicitado que cada tradutor atribuísse uma nota, variando de 0 (nenhuma dificuldade) a 10 (dificuldade máxima) que expressasse o grau de dificuldade na tradução de cada item e opção de resposta.

2 - Primeira versão de consenso: por intermédio de reunião com a pesquisadora e as duas orientadoras do estudo, as três traduções foram avaliadas. Foram analisados a redação, o uso da linguagem coloquial e a equivalência do sentido (semântica) das perguntas e respostas pelos tradutores. Foram realizadas algumas modificações, de acordo com as sugestões dadas pelos avaliadores e uma versão foi elaborada.

3 - Retrotradução: a primeira versão passou pelo processo de retrotradução para o inglês, por dois profissionais que possuíam o inglês como idioma nativo e domínio do português, de forma independente. Diante das duas retrotraduções, uma nova reunião com a pesquisadora e orientadoras foi realizada para definir a versão retrotraduzida.

4 - Comitê de especialistas: a versão original em inglês, a versão de consenso da tradução para o português e as duas retroduções para o inglês foram comparadas por um comitê de especialistas, com o objetivo de desenvolver a versão a ser utilizada em pré-teste. O comitê foi composto por duas pesquisadoras na área de saúde do trabalhador, uma epidemiologista e uma pesquisadora com formação em Letras, todas com experiência em uso de escalas e em estudos epidemiológicos sobre a saúde do trabalhador.

Nessa etapa, foram analisadas as equivalências conceitual e semântica em dois encontros com duração média de quatro horas cada e consultas ao autor da escala foram feitas ao longo do processo de tradução para dirimir dúvidas e manter a equivalência semântica.

5 - Pré-teste: a versão definida pelos especialistas foi submetida a pré-testes com 30 voluntários de outra unidade hospitalar, com o objetivo de testar a escala quanto à compreensão, clareza das perguntas e respostas e dificuldades encontradas. Após reunião com os voluntários, ocasião em que foram explicitados os objetivos do estudo, a escala foi aplicada em forma de entrevista e, ao término, cada participante foi questionado sobre o instrumento em relação aos itens descritos anteriormente. O tempo médio de aplicação da escala foi de 20 minutos e nenhuma dúvida ou dificuldade de entendimento foi relatada.

6 - O instrumento foi inserido em questionário multidimensional e aplicado ao conjunto de trabalhadores de enfermagem de um hospital universitário em Juiz de Fora, MG. Do total de 313 elegíveis, 272 (86,9%) aderiram ao estudo metodológico de adaptação cultural e validação de instrumento. A validade dimensional foi realizada com base no conjunto de trabalhadores que responderam referir problemas de saúde nos últimos 30 dias (153 trabalhadores, correspondendo a 56,2%).

7 - Estudo de confiabilidade teste/reteste: foi realizado em subamostra de conveniência composta por 50 (32,7%) trabalhadores que referiram presenteísmo nos últimos 30 dias. Esses trabalhadores responderam o SPS-6 de 7 a 14 dias, após a aplicação do questionário.

Os questionários foram aplicados por cinco enfermeiras por meio de entrevista face a face. Essas foram treinadas e orientadas quanto à forma correta de abordagem do trabalhador, e quanto aos objetivos e questões éticas do estudo. A coleta de dados se deu nos meses de agosto e setembro de 2011, no local e horário de trabalho, de acordo com a disponibilidade de cada trabalhador.

Avaliação da estabilidade temporal: feita utilizando-se o coeficiente de correlação intraclasse (CCIC) para a avaliação do escore global e estatística Kappa com ponderação quadrática para avaliação dos itens. Adotaram-se os seguintes critérios(20) para a avaliação do nível de confiabilidade: < 0 pobre; 0 a 0,20=fraca; 0,21 a 0,40=provável, 0,41 a 0,60=moderada; 0,61 a 0,80=substancial e 0,81 a 1,00=quase perfeita. O coeficiente alfa de Cronbach foi utilizado para avaliar a consistência interna da escala global e respectivas dimensões, sendo que o valor mínimo de 0,70 foi utilizado para considerar que os itens avaliam consistentemente o mesmo constructo(21).

A capacidade do instrumento em discriminar as dimensões subjacentes à versão original da escala foram avaliadas por meio da análise fatorial, aplicando-se o método dos eixos principais (Principal Axis Factoring) e rotação varimax para a extração de fatores. Estipulou-se, na interpretação do fator, carga fatorial mínima de ±0,30. O número de fatores com autovalor (eigenvalue) superior a um e o Cattell's Scree test determinaram o número de fatores que deveriam ser extraídos. O índice de Kaiser Meyer-Olkin (KMO) e o teste de esfericidade de Bartlett (BTS) avaliaram a adequação dos itens ao procedimento de análise fatorial(22). Todas as análises foram feitas utilizando-se o programa SPSS (versão 18).

Resultados

Embora não tenha sido identificado o termo presenteísmo no dicionário brasileiro, o conceito tem sido amplamente utilizado, principalmente na área da economia e administração. Portanto, admitiu-se a equivalência conceitual nos dois idiomas.

O grau de dificuldade atribuído pelos tradutores variou de "nenhuma dificuldade" a "pouca dificuldade". Duas expressões apresentaram algum grau de dificuldade de tradução:"distracted me from do item My (health problem) distracted me from taking pleasure in my work e I felt hopeless no item I felt hopeless about finishing certain work tasks due my health problem, por não terem uma expressão diretamente correspondente na língua portuguesa. Na reunião de consenso, novas consultas foram feitas a dicionários da língua inglesa e portuguesa com o objetivo de buscar a melhor opção para essas questões. Para a expressão distracted me from foi adotado, a princípio, a tradução "não me permitiu" e para I felt hopeless, "eu me senti desanimado". A primeira versão de consenso foi avaliada e comparada com a original por especialistas e realizadas algumas adequações sugeridas. A expressão I felt hopeless, foi então substituída por "eu me senti sem ânimo".

Após a realização das retrotraduções para o inglês, uma nova reunião de consenso foi realizada em que as retrotraduções com a versão traduzida foram comparadas com vistas a concluir a versão final do instrumento. Porém, verificaram-se ainda algumas divergências relacionadas com a expressão anteriormente mencionada distracted me from, mantendo a dificuldade de encontrar uma palavra que mantivesse a equivalência semântica entre as escalas. Foi então realizada uma consulta ao autor da escala original apresentando as dúvidas e possibilidades de tradução. Frente a sua resposta, decidiu-se pela seguinte tradução: "Devido ao meu problema de saúde não pude ter prazer no trabalho", por ter sido considerada aquela que melhor representaria o sentido da expressão em inglês, sendo então concluída a versão final do instrumento traduzido para a língua portuguesa. A descrição dos itens da versão original e em português brasileiro encontra-se na Figura 1.


A subamostra que participou do estudo de confiabilidade teste/reteste apresentou, de maneira geral, características semelhantes aos trabalhadores presenteístas do estudo seccional, embora se tenha observado entre eles maior proporção de enfermeiros e menor proporção de trabalhadores diurnos (Tabela 1).

As médias dos escores de cada item do SPS-6 foram semelhantes no teste e no reteste. O Kappa ponderado dos itens da escala variou de 0,61 a 0,94 e a escala global apresentou coeficiente de correlação intraclasse de 0,91 (Tabela 2).

O teste de esfericidade de Bartlett rejeitou a hipótese nula de que a matriz de correlação dos dados fosse uma matriz identidade (p<0,001) e o teste KMO foi igual a 0,674. Esses resultados indicam que houve relativa adequação da matriz dos dados à análise fatorial.

De acordo com os procedimentos da análise fatorial, o modelo com dois fatores (dimensões) apresentaram ajustes adequados. Os autovalores dos dois fatores foram iguais a 2,494 e 1,440, respectivamente, e a proporção da variância explicada por cada um foi estimada em 41,56 e 24%, respectivamente. Portanto, esses dois fatores explicaram, em conjunto, 65,6% da variância encontrada nos dados. Após a rotação varimax das cargas dos fatores, três itens tiveram cargas mais altas no fator I e três no fator II. O primeiro fator abrangeu todos os itens relacionados aos aspectos físicos e o segundo aos aspectos psicológicos que envolvem o presenteísmo, sendo que a correlação entre eles foi de 0,312. (Tabela 3)

Discussão

Este estudo apresentou as etapas da adaptação transcultural e validação para o português brasileiro de um instrumento de avaliação do presenteísmo no ambiente de trabalho. Cada etapa do processo de adaptação do instrumento foi realizada de forma cuidadosa, sendo que sucessivas alterações foram necessárias baseadas em discussões entre pesquisadores, especialistas e revisão de literatura, com o objetivo de se obter a equivalência conceitual, semântica e operacional. Além disso, buscou-se, também, apresentar resultados da equivalência de mensuração.

Apesar de a palavra presenteísmo não apresentar definição nos dicionários da língua portuguesa, o tema tem sido utilizado em investigações científicas sendo, portanto, considerado equivalente nos dois idiomas.

Identificou-se alta frequência de trabalhadores de enfermagem que referiram trabalhar apesar de apresentarem problemas de saúde. Esses resultados corroboram estudos internacionais(2,7-8,12-13) e estudo nacional(23) que identificaram profissionais de enfermagem como parte de uma categoria com elevados índices de presenteísmo. O grau de compromisso que os profissionais de enfermagem têm com os enfermos os leva a evitar faltas no trabalho, o que poderia justificar os altos índices de presenteísmo nessa profissão(24). Além disso, as longas jornadas de trabalho e o alto nível de exigência física podem influenciar a saúde desses trabalhadores, afetando diretamente a sua produtividade(24). A competitividade no mercado de trabalho, o número reduzido de profissionais de enfermagem, principalmente nas instituições hospitalares, podem, da mesma forma, favorecer a ocorrência do presenteísmo na enfermagem(8).

A estabilidade temporal dos itens, avaliada por meio do Kappa ponderado, variou de moderada a quase perfeita, e o coeficiente de correlação intraclasse mostrou confiabilidade quase perfeita. No entanto, nenhum estudo anterior que nos permitisse comparar esses resultados foi identificado.

A consistência interna das duas dimensões identificadas apresentou valores superiores ao critério mínimo adotado (0,70), apresentando, portanto, adequada consistência interna no fator 1, que integra os aspectos físicos relacionados ao presenteísmo e no fator 2, relacionado aos aspectos psicológicos. Esses fatores, de acordo com os autores do instrumento, formam duas dimensões distintas: "trabalho finalizado" e "distração evitada", respectivamente. Resultados semelhantes foram identificados no estudo que adaptou o instrumento em Portugal(6).

Os resultados da análise dimensional em dois fatores "trabalho finalizado" e "distração evitada", assim como as cargas fatoriais identificadas, encontram-se em concordância com os apresentados na versão original em inglês(16) e na versão de Portugal(6).

Algumas limitações devem ser levadas em conta na avaliação dos resultados apresentados. O estudo realizado com grupo específico de trabalhadores não contempla as especificidades que poderiam estar presentes em outras ocupações, principalmente aquelas não relacionadas à área da saúde. Além disso, o reduzido tamanho da amostra compromete a precisão das estimativas e não permitiu explorar a confiabilidade, segundo subgrupos relativos à idade, sexo e escolaridade.

Além disso, entrevistas realizadas no ambiente de trabalho podem influenciar a fidedignidade das respostas dos participantes e no tempo de aplicação do questionário, embora se tenha buscado minimizar possíveis vieses, aplicando-se entrevistas em locais reservados e com horários previamente agendados. Outro aspecto que merece reflexão acerca da influência nos resultados refere-se à operacionalização via entrevista face a face, diferente da abordagem do estudo original. Portanto, sugere-se a realização de outros estudos, para que se construa um conjunto de evidências acerca da utilização do SPS-6 em estudos de associações com diferentes exposições e desfechos de saúde, estudos esses relacionados ao processo de trabalho no contexto brasileiro e em comparações internacionais.

O absenteísmo é reconhecido como importante problema que reflete as condições de saúde da equipe de enfermagem(25) e a avaliação do presenteísmo permitirá complementar o entendimento da complexa rede de causalidade envolvida no fenômeno de adoecimento dos trabalhadores de enfermagem.

Conclusões

Por ser um instrumento específico para avaliar o presenteísmo, diferente de outros instrumentos descritos na literatura, o SPS-6 possibilita mensurar a influência de problemas de saúde na qualidade de trabalho e no desempenho do trabalhador, mostrando-se um instrumento de fácil entendimento, favorecendo o seu preenchimento e análise.

O rigoroso cuidado realizado em todas as etapas de adaptação do SPS-6 permite constatar-se que o SPS-6 apresentou propriedades psicométricas adequadas e comparáveis aos estudos internacionais, sendo indicada sua aplicação em futuros estudos de mensuração e investigação do presenteísmo entre trabalhadores de enfermagem e populações com características semelhantes.

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  • Adaptação transcultural e validação para o português brasileiro do Stanford Presenteeism Scale para avaliação do presenteísmo

    Heloisa Campos PaschoalinI; Rosane Harter GriepII; Márcia Tereza Luz LisboaIII; Diana Corrêa Bandeira de MelloIV
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      18 Abr 2012
    • Aceito
      14 Nov 2012
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