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Variáveis relacionadas à expectativa de suporte para o cuidado de idosos residentes na comunidade1 1 Artigo extraído da dissertação de mestrado “Expectativas de suporte para o cuidado em idosos da comunidade: Dados do FIBRA-Campinas”, apresentada à Faculdade de Enfermagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil. Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo nº 555082/2006-7 e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº 10/13969-1.

Resumos

OBJETIVO:

comparar a expectativa de suporte para o cuidado, arranjo de moradia e variáveis relacionadas à saúde em função do gênero e idade em idosos da comunidade.

MÉTODO:

foram utilizados dados da Rede de Pesquisa de "Fragilidade em Idosos Brasileiros" amostra de Campinas, SP (n=671), e realizadas análises de descrição e comparação dos dados.

RESULTADO:

as mulheres encontram-se em condições sociodemográficas, de percepção de saúde, dependência e expectativa de suporte para o cuidado ruins, quando comparadas aos homens, e aquelas que têm expectativa esperam receber ajuda de apenas uma pessoa. A idade avançada esteve relacionada a menores percentuais de incapacidade e a maior parte dos idosos avalia sua saúde como boa ou muito boa, independente da idade, enquanto no grupo de mulheres, como informado anteriormente, ocorre a predominância dos que avaliam a própria saúde como ruim ou muito ruim.

CONCLUSÃO:

o presente estudo direciona o enfermeiro na identificação dos idosos em situação de risco para a falta de expectativa de suporte para o cuidado e indica a necessidade de intervenções que visem dar suporte a esse grupo.

Apoio Social; Idoso; Enfermagem


OBJECTIVE:

to compare the anticipated support for care, living arrangements and variables related to health as functions of gender and age in older adults in the community.

METHOD:

data was used from the Research network "Frailty in Brazilian Older Adults" (FIBRA network), sample for Campinas (n=671) analyses of data description and comparison were made.

RESULT:

compared to the men, the women are in worse socio-demographic conditions and have poorer perception of their health and dependency and lower expectations of support for care; those who have expectations anticipate receiving help from only one person. Advanced age was related to lower incapacity percentages and the majority of the older adults assess their health as good or very good, irrespective of their age, although the women predominate in the group composed of those who assess their own health as bad or very bad.

CONCLUSION:

this study guides the nurse in identifying older adults in situations of risk of lack of support for care and indicates the need for interventions aiming at giving support to this group.

Social Support; Aged; Nursing


OBJETIVO:

comparar la expectativa de soporte para el cuidado, el arreglo en la residencia y variables relacionadas a la salud en función del género y edad en ancianos de la comunidad.

MÉTODO:

fueron utilizados datos de la Red de Investigación de "Fragilidad en Ancianos Brasileños" (Red FIBRA), muestra de Campinas (n=671) y realizados los análisis de descripción y comparación de los datos.

RESULTADO:

las mujeres se encuentran en condiciones sociodemográficas, de percepción de salud, de dependencia y de expectativa de soporte para el cuidado malas cuando comparadas a los hombres, y aquellas que tienen expectativa, esperan recibir ayuda de apenas una persona. La edad avanzada estuvo relacionada a menores porcentajes de incapacidad y la mayor parte de los ancianos evalúa su salud como buena o muy buena, independientemente de la edad, pero en las mujeres predomina el grupo de los que evalúan la propia salud como mala o muy mala.

CONCLUSÍON:

el presente estudio orienta al enfermero en la identificación de los ancianos en situación de riesgo por la falta de expectativa de soporte para el cuidado e indica la necesidad de realizar intervenciones que tengan por objetivo dar soporte a ese grupo.

Apoyo Social; Ancianos; Enfermería


Introdução

As condições de saúde e bem-estar na velhice têm diferentes desfechos, de acordo com o gênero, idade, condições sociais e de moradia. Essas podem estar relacionadas à capacidade funcional e às percepções de saúde e cuidado em idosos( 11. Alves LC, Rodrigues RN. Determinantes da auto-percepção de saúde entre idosos do Município de São Paulo, Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2005;17(5-6):333-41. ).

A dependência funcional para a realização das Atividades de Vida Diária (AVD) em idosos é normalmente gerada pela presença de doenças crônicas, pela longevidade e falta de apoio social e em saúde( 22. Rosset I, Roriz-Cruz M, Santos LF, Haas VJ, Fabrício-Wehbe SCC, Rodrigues RAP. Diferenciais socioeconômicos e de saúde entre duas comunidades de idosos longevos. Ver. Saúde Pública. 2011;45(2):391-400. ). A pior autoavaliação de saúde também tem se mostrado marcador de pior estado de saúde, maior dependência e preditora de mortalidade em idosos( 33. Sargent-Cox KA, Anstey KJ, Luszcz MA. The choice of self-rated health measures matter when predicting mortality: evidence from 10 years follow-up of the Australian longitudinal study of ageing. BMC Geriatr. 2010;10:18. ). Há também diferenças de gênero para as condições sociais e de saúde e necessidade de cuidado entre idosos, sendo que grande parte das mulheres idosas mais longevas se constitui de viúvas que vivem sozinhas, apresentam menor escolaridade, são mais frágeis e têm pior desempenho físico( 44. Duarte YAO. Desempenho funcional e demandas assistenciais. In: Lebrão ML, Duarte YAO. O projeto SABE no município de São Paulo: uma abordagem inicial. 2003. p. 183-200. ).

No atendimento às necessidades dos idosos, os sistemas de suporte social são essenciais, sendo divididos em formais e informais. Entende-se por sistema formal serviços do tipo hospitalar, Instituições de Longa Permanência para Idosos (Ilpi) e atendimento domiciliar, por exemplo. Já o sistema informal ou rede de suporte social são as redes de relacionamentos entre membros da família, amigos, relações de trabalho, de inserção comunitária e de práticas sociais( 55. Bocchi SCM, Angelo M. Between freedom and reclusion: social support as a quality-of-life component in the family caregiver-dependent person binomial. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2008;16(1):15-23. ). Nesse contexto, consideradas as deficiências do setor público em relação ao apoio formal a idosos, a família continua representando fonte principal e única de assistência para grande parte da população idosa( 66. Antonucci,TC, Birditt KS, Sherman CW, Trinh S. Stability and change in the intergerational family: a convoy approach. Ageing and Society. 2011;31(7):1084-106. ).

A expectativa de suporte para o cuidado é uma forma de avaliação do apoio percebido pelo idoso, sendo definida como a crença do idoso de que pessoas próximas proverão sua assistência futura, caso haja necessidade. Essa avaliação subjetiva, quando positiva, representa melhor mecanismo de enfrentamento do estresse na velhice que o suporte, de fato, recebido pelos membros da rede de suporte social, sendo, portanto, considerado fator de proteção no enfrentamento das adversidades e está relacionado ao sentimento de autoeficácia em idosos mais longevos( 77. Krause N. Longitudinal study of social support and meaning in life. Psychol Aging. 2007;22(3):456-69. ).

Idosos que têm expectativa de suporte para o cuidado estão menos propensos à incapacidade funcional, pois a segurança de acreditar que o apoio estará disponível, em caso de necessidade, parece proporcionar benefícios funcionais para os adultos mais velhos. Além disso, ressalta-se a superioridade desse constructo em relação ao suporte recebido como forma de avaliação do suporte social em idosos( 88. Shaw BA, Janevic M. Representative Sample of Older Adults. J Aging Health. 2004;16(4):539-61. ).

Em geral, espera-se que os cuidados informais oferecidos aos idosos dependentes sejam providos por mulheres casadas ou filha( 99. Giacomin KC, Uchoa E, Lima-Costa MFF. Projeto Bambuí: a experiência do cuidado domiciliário por esposas de idosos dependentes. Cad. Saúde Pública. 2005;21(5):1509-18. ). Além disso, é comum a percepção de que os filhos devem cuidar de seus pais idosos, sendo essa ideia fortemente influenciada por aspectos culturais e pela religião( 1010. De Valk HAG, Saad PM. Perceptions of filial obligation among migrant and non-migrant elderly: a comparison at the country of origin and destination.European Population Conference; 2008. ). Embora as normas culturais e expectativas variem conforme a obrigação familiar ou filial, cuidar de um membro mais velho da família é, muitas vezes, visto no contexto de trocas na vida e de solidariedade familiar( 1111. Katz R, Lowenstein A, Phillips J, Daatland SO. Theorizing intergenerational family relations: solidarity, conflict and ambivalence in cross-cultural contexts. In: Benston VL, Acock AC, Allen KR, Dillworth-Anderson P, Klein DM (org). Sourcebook of Family Theory and Research. Thousand Oaks (CA): Sage. 2005; p.393-420. ). Cônjuges, por exemplo, frequentemente mencionam o cumprimento de votos matrimoniais, enquanto filhos adultos falam de retribuir aos pais que se preocupavam com eles enquanto mais jovens.

Em estudo realizado com 1.005 idosos brasileiros( 1212. BUPA. Bupa Health Pulse, 2010. [disponível em: http://www.bupa.com/about-us/information-centre/bupa-health-pulse-2010].
disponível em: http://www.bupa.com/about...
) foi constatado que o cuidado informal realizado por familiares cuidadores, com quem a maioria dos idosos espera contar na velhice, está lentamente deixando de existir, à medida que aumentam as mudanças sociais e econômicas das famílias. A população mundial está diante de uma 'crise global de cuidados', podendo haver impacto em todas as sociedades, a menos que os indivíduos e governos comecem a se preparar para isso.

Na Rede de Pesquisa sobre Fragilidade em Idosos Brasileiros (Rede Fibra), grupo multicêntrico de estudos dedicados ao fenômeno de fragilidade de idosos da comunidade, foi abordado o grau de dependência dos idosos para realização das AVDs e a expectativa de suporte para o cuidado, ou seja, a presença de alguém para ajudá-lo, caso ele viesse a precisar, de forma a verificar o grau de limitação apresentado pelos idosos e o auxílio disponível percebido por eles( 1313. Fontes AP, Fortes-Burgos ACG, Mello DM, Pereira AA, Neri AL. Arranjos domiciliares, expectativa de cuidado, suporte social percebido e satisfação com as relações sociais. In: Neri AL, Guariento ME (org.). Fragilidade, saúde e bem-estar em idosos: dados do estudo FIBRA Campinas. Campinas (SP): Alínea. 2011; p.55-74. ).

Assim sendo, buscou-se comparar a expectativa de suporte para o cuidado, arranjo de moradia e variáveis relacionadas à saúde, em função do gênero e faixa etária, em idosos de Campinas, SP. Espera-se que os resultados aqui apresentados possam direcionar o enfermeiro tanto na identificação de idosos em situação de risco - oferecendo subsídios para a elaboração de estratégias que busquem reduzir e até mesmo suprir as necessidades de cuidado do idoso e de sua família - como na busca por novos recursos de assistência.

Método

Trata-se de estudo transversal, realizado com base nos dados da cidade de Campinas, São Paulo, Brasil, obtidos na Rede de Pesquisa sobre Fragilidade em Idosos Brasileiros (Rede Fibra). A Rede tem por foco o estudo do fenômeno de fragilidade na população idosa brasileira e de suas relações com variáveis sociodemográficas, psicológicas, de saúde e cuidado( 1414. Neri AL, Yassuda MS, Fortes-Burgos ACG, Mantovani EP, Arbex FS, Torres AVS, et al. FIBRA Campinas: fundamentos e metodologia de um estudo sobre fragilidade em idosos da comunidade. In: Neri AL, Guariento ME (org.): Fragilidade, saúde e bem-estar em idosos: dados do estudo FIBRA Campinas. Campinas (SP): Alínea. 2011. p.27-54. ). Os critérios de inclusão foram: ter idade igual ou superior a 65 anos, compreender as instruções, concordar em participar e ser morador permanente no domicílio e no setor censitário. Foram considerados inelegíveis para a pesquisa: a) presença de problemas de memória, atenção, orientação espacial e temporal, e de comunicação, sugestivos de grave déficit cognitivo; b) incapacidade permanente ou temporária para andar, permitindo-se o uso de bengala ou andador, mas não de cadeira de rodas; c) perda localizada de força e afasia decorrentes de grave acidente vascular encefálico; d) comprometimentos graves da motricidade, da fala ou da afetividade, associados à doença de Parkinson em estágio avançado ou instável; e) déficits de audição ou de visão graves, dificultando fortemente a comunicação, e f) idosos em terminalidade. Para o presente estudo, incluiu-se como mais um critério de inclusão o fato de o idoso ter respondido às questões relacionadas às variáveis de interesse. Dos 835 idosos entrevistados em Campinas, 671 se enquadraram nos critérios de inclusão e foram selecionados para o presente estudo.

A coleta de dados ocorreu de setembro de 2008 a junho de 2009, em uma sessão única com 40 a 120 minutos de duração, a partir da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em formato aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (208/2007). Seguiam-se os questionários de identificação e de dados sociodemográficos, o Miniexame do Estado Mental (MEEM), medidas de pressão arterial e antropométricas, coleta de sangue, exame bucal e as medidas do fenótipo de fragilidade. O desempenho superior à nota de corte obtido no MEEM foi adotado para participação dos idosos nas demais medidas. As variáveis do presente estudo foram investigadas mediante as condições apresentadas na Figura 1.

Figura 1
Caracterização operacional das variáveis. Campinas, SP, Brasil, 2012

Foi realizada análise descritiva de frequência das variáveis categóricas, com valores de frequência absoluta (n) e distribuição relativa (%), e estatística descritiva das variáveis numéricas, com valores de média, desvio-padrão, mínimo e máximo. Para comparação das principais variáveis categóricas entre gênero e faixa etária foram utilizados os testes qui-quadrado ou exato de Fisher. O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5%.

Resultados

Dos 900 idosos que participaram da primeira fase de coleta de dados do estudo Fibra, 689 atingiram pontuação acima da nota de corte para o MEEM e fizeram parte da segunda fase de coleta. Desses, 671 responderam todas as questões de interesse do presente estudo e formaram então a amostra final descrita a seguir.

Os idosos eram, em sua maioria mulheres (68,70%), com idade entre 65 e 90 anos, sendo a média (DP) de 72,31 (5,33) e a mediana de 72 anos. Mais da metade dos idosos (57,10%) tinha nenhuma, uma ou duas doenças. Desses, aproximadamente 11% negaram ter alguma doença. Cerca de 60% avaliaram sua saúde como "boa" ou "muito boa".

De forma geral, os idosos apresentavam bom desempenho funcional, mantendo sua independência para a realização das AIVDs (74,14%) e ABVDs (89,47%). No entanto, 94,10% idosos apontaram pelo menos uma AVD comprometida e 92,23% deixaram de realizar pelo menos uma AAVD. Grande parte reside com alguém (83,91%) e relatou ter expectativa de suporte para o cuidado (89,12%), sendo que 44% esperam receber cuidados de uma pessoa, e número semelhante de idosos espera de duas ou mais pessoas.

Ao comparar as variáveis de interesse em função do gênero, maior número de mulheres moram sozinhas (20,52%) e têm maior número de doenças (49,02%). Quando comparadas aos homens, têm maior número de incapacidades em ABVDs (12,42%) e pior avaliação da própria saúde (7,39%) (Tabela 1).

Tabela 1
Análise comparativa das variáveis de interesse do estudo em função do gênero (n=671). Campinas, SP, Brasil, 2008-2009

O percentual de homens que deixou de realizar alguma AAVD (95,59%) foi maior que o de mulheres, assim como a expectativa de suporte para cuidado esteve mais presente nos homens (93,33%). O número de pessoas de quem espera receber cuidados, em caso de necessidade, também foi maior entre os homens (55,34%), sendo que grande parte das mulheres espera receber ajuda de apenas uma pessoa (46,84%).

Na comparação das mesmas variáveis em função das faixas etárias, encontrou-se que 22,55% dos idosos mais velhos vivem sozinhos e têm incapacidade para as AIVDs (35,96%) (Tabela 2).

Tabela 2
Análise comparativa das variáveis de interesse do estudo em função da idade (n=671). Campinas, SP, Brasil, 2008-2009

Discussão

Conforme os critérios de participação, no presente estudo foram selecionados idosos com quadro cognitivo preservado e, em sua maioria, com capacidade funcional também preservada. Deve-se ressaltar que não foram considerados, portanto, idosos que estão restritos a seus domicílios, com limitações físicas e cognitivas maiores e a expectativa de suporte para o cuidado desses indivíduos.

Apesar disso, puderam ser identificadas diferenças estatisticamente significantes em relação ao gênero e faixa etária nesta amostra, no que diz respeito às variáveis estudadas, estando as mulheres em piores condições sociodemográficas, de percepção de saúde e de cuidado, do que homens idosos. Elas representam a maior parte da amostra deste estudo populacional, reafirmando a questão da feminização da velhice no Brasil( 1515. Muranetti DB, Barbosa AR, Marucci MFN, Lebrão ML. Hipertensão arterial referida e indicadores antropométricos de gordura em idosos. Rev. Assoc. Med. Bras. 2011;57(1):25-30. ) e em outros países( 1616. Arai Y, Iinuma T, Takayama M, Takayama M, Abe Y, Fukuda R, et al. Study protocol The Tokyo Oldest Old Survey on Total Health (TOOTH): A longitudinal cohort study of multidimensional components of health and well-being. BMC Geriatrics. 2010;10(35):1-11. ), sendo essa acompanhada de elevado número de mulheres que moram sozinhas( 1717. Pedrazzi EC, Motta TTD, Vendrúsculo TRP, Fabrício-Wehbe SCC, Cruz IR, Rodrigues RAP. Household arrangements of the elder elderly. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2010;18(1):18-25. ), maior número de doenças crônicas e piores índices funcionais, conforme obtido no grupo feminino( 1818. Lebrão ML, Laurenti R. Condições de saúde. In Lebrão ML, Duarte YAO. SABE-Saúde, Bem-estar e Envelhecimento. O Projeto SABE no Município de São Paulo: Uma abordagem inicial. Organização Pan-Americana da Saúde: Brasília (DF); 2003. p.73-92. ). Esse dado está diretamente relacionado à provável baixa de qualidade de vida, influenciada pelos baixos níveis de escolaridade da maioria dos idosos brasileiros, e a condições econômicas ruins e presença de incapacidades.

Idosos com maior número de doenças crônicas têm maior risco de se tornarem dependentes para as AVDs( 22. Rosset I, Roriz-Cruz M, Santos LF, Haas VJ, Fabrício-Wehbe SCC, Rodrigues RAP. Diferenciais socioeconômicos e de saúde entre duas comunidades de idosos longevos. Ver. Saúde Pública. 2011;45(2):391-400. ), sendo que piores índices funcionais estão presentes nas mulheres, conforme apontam os dados do PNAD de 1998 a 2008( 1919. Camarano AA, Kanso S. Como as famílias brasileiras estão lidando com idosos que demandam cuidados e quais as perspectivas futuras? A visão mostrada pelas PNADs. In: Camarano AA (org.). Cuidados de longa duração para a população idosa: um novo risco social a ser assumido?. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada-Ipea; 2010. p.93-122. ). A literatura aponta que ser mulher tem sido considerado como fator de risco, independente para o declínio funcional, e um dos motivos seria o fato de as mulheres apresentarem maior expectativa de vida, estarem sujeitas a maior número e diferentes tipos de doenças crônicas por viverem em condições socioeconômicas piores que as dos homens, o que limitaria o acesso aos cuidados e a mudanças de comportamentos de saúde( 2020. Ostchega Y, Harris TB, Hirsch R, Parsons VL, Kington R, Katsoff M. Reliability and prevalence of physical performance examination assessing mobility and balance in older persons in the US: data from the third National and Nutrition Examination Survey. J Am Geriatr Soc. 2000;48(9):1136-41. ).

A expectativa de suporte para o cuidado e o número de pessoas de quem o idoso espera receber ajuda estiveram associados ao gênero, o que significa que as mulheres têm ausência de expectativa de suporte para o cuidado, caso venham a precisar de ajuda. Aquelas que têm expectativa esperam receber ajuda de apenas uma pessoa, que na maioria das vezes é o companheiro também idoso.

Mulheres idosas são as principais cuidadoras de seus cônjuges, mas são menos propensas a receber cuidados familiares. Esse é um dos fatores que ajuda a explicar por que, em geral, as mulheres predominam nas instituições de longa permanência. Portanto, se essas viverem em condições de pobreza, não têm expectativa de suporte para o cuidado ou forma de custear esse serviço( 99. Giacomin KC, Uchoa E, Lima-Costa MFF. Projeto Bambuí: a experiência do cuidado domiciliário por esposas de idosos dependentes. Cad. Saúde Pública. 2005;21(5):1509-18. ).

Em estudo realizado com 1.103 idosos nos EUA, mulheres idosas apresentaram piores condições funcionais e de expectativa de suporte para o cuidado( 2121. Shaw B. Anticipated Support From Neighbors and Physical Functioning During Later Lifes. Research on aging. 2005;27(5):503-25. ). Os autores concluíram que as idosas com essa expectativa estiveram menos propensas a ter incapacidade funcional em comparação com aquelas com ausência de expectativa. Isso talvez explique o fato de as mulheres do presente estudo estarem em piores condições de saúde e com ausência de expectativa de suporte para o cuidado, quando comparadas aos homens.

A incapacidade funcional em AAVD, AIVD e ABVD esteve hierarquicamente relacionada às faixas etárias. Ou seja, quanto mais longevos, pior a capacidade funcional, proporcionalmente. Essa seria outra explicação para os piores índices de desempenho funcional das mulheres, evidenciados no presente estudo; especificamente em ABVD, essas têm maior sobrevida; porém, vivem mais anos com incapacidade. Esses resultados confirmam que, embora vivam mais do que os homens, as mulheres passam por um período maior de incapacidade física antes da morte( 2222. Camargos MCS, Rodrigues RN, Machado CJ. Idoso, família e domicílio: uma revisão narrativa sobre a decisão de morar sozinho. Rev. bras. estud. popul. 2011;28(1):217-30. ).

O presente estudo mostrou ainda que a maioria dos idosos avalia a saúde como boa ou muito boa, condizendo com achados da literatura( 1616. Arai Y, Iinuma T, Takayama M, Takayama M, Abe Y, Fukuda R, et al. Study protocol The Tokyo Oldest Old Survey on Total Health (TOOTH): A longitudinal cohort study of multidimensional components of health and well-being. BMC Geriatrics. 2010;10(35):1-11. ). Não houve diferença significativa para os diferentes grupos etários na autopercepção de saúde. No entanto, no que diz respeito ao gênero, as mulheres lideram o grupo que avalia a própria saúde como ruim ou muito ruim.

Em estudo realizado em São Paulo sobre os fatores determinantes da autopercepção de saúde( 11. Alves LC, Rodrigues RN. Determinantes da auto-percepção de saúde entre idosos do Município de São Paulo, Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2005;17(5-6):333-41. ), a chance de autoavaliar a saúde como ruim foi 16% maior para as mulheres. As chances de os idosos relatarem saúde negativa foram mais altas em todos os grupos etários, mas declinaram com o avançar da idade. O idoso que morava sozinho avaliou a sua saúde mais positivamente em relação àqueles que moram acompanhados, mesmo depois do controle pelas variáveis sexo e idade. E a presença de doenças crônicas associadas ao gênero foi o determinante mais fortemente relacionado à autopercepção de saúde, sendo que, para os homens, a presença de quatro ou mais doenças crônicas implicou um risco dez vezes maior de autopercepção ruim de saúde. Para as mulheres, esse risco foi cerca de oito vezes maior. Na ausência ou mesmo na presença de duas ou mais doenças crônicas, as mulheres idosas tiveram maior probabilidade de relatar uma boa autopercepção de saúde, em comparação com os homens.

Considerando-se que a saúde autoavaliada como ruim é significativamente associada com a mortalidade, as mulheres do presente estudo encontravam-se em desvantagem, no sentido de que têm maior vulnerabilidade para o desenvolvimento de doenças que, somada à falta de expectativa de suporte para o cuidado, leva a maior risco de mortalidade.

As limitações do presente estudo estiveram relacionadas à falta de informações a respeito do tipo de cuidado ou das relações familiares. No entanto, foi possível constatar a relevância de se conhecer a realidade social e de expectativa de suporte para o cuidado de idosos que vivem na comunidade, para a prática do enfermeiro, compreendendo-se que o fortalecimento das redes de suporte para idosos é fundamental.

Conclusão

Este estudo direciona o enfermeiro para a compreensão de como o gênero, a idade, percepção de saúde e arranjo de moradia na velhice podem estar relacionados à expectativa de suporte para o cuidado. Conclui-se que a expectativa de suporte para o cuidado dos idosos da cidade de Campinas, SP, está relacionada ao gênero e é independente da idade. Outras variáveis demostraram que os idosos não se consideram bem em relação à percepção de saúde e cuidado, estando suceptíveis ao declínio funcional e à falta de suporte. Isso caracteriza a demanda por cuidados como sendo preponderantemente feminina; no entanto, são elas que não têm expectativa para o cuidado.

Políticas e iniciativas que visem dar apoio a esses idosos e famílias se mostram necessárias, uma vez que deve ser assegurado ao idoso o direito de ser cuidado. Mais pesquisas que investiguem a expectativa de suporte para o cuidado de idosos brasileiros e formas de apoio recebidas também são necessárias, a fim de se compreender outros aspectos relacionados a essa variável em diferentes grupos populacionais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2013

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2012
  • Aceito
    11 Abr 2013
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