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Comunicação do idoso e equipe de Saúde da Família: há integralidade? 1 1 Artigo extraído da dissertação de mestrado “Comunicação do Idoso e Equipe de Saúde da Família no Município de Porto Feliz-SP: Acesso à Integralidade?” apresentada à Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Resumos

OBJETIVO:

verificar as formas de comunicação utilizadas em quatro Unidades Básicas de Saúde com equipes da Estratégia Saúde da Família, em Porto Feliz, São Paulo, e como interferem no atendimento e controle da saúde dos idosos.

MÉTODO:

buscou-se apreender a comunicação entre idosos e profissionais de saúde por meio da pesquisa qualitativa. Realizou-se entrevista com 20 idosos de ambos os sexos.

RESULTADOS:

emergiram dos discursos e observações temas centrais de análise, por intermédio da comunicação assertiva e comunicação bloqueada, cujos elementos verbais e não verbais desvelaram subjetividade do processo de comunicação, da cultura local e dos fatores psicossociais, contribuindo de forma positiva e também negativa para o atendimento em saúde dos idosos. As equipes de enfermagem da Estratégia Saúde da Família mostraram formas de comunicação favoráveis à adesão dos idosos ao atendimento e controle da saúde. Aspectos negativos não trouxeram consequências totalmente prejudiciais, porém, devem ser evitados, para facilitar o cuidado integral ao idoso.

CONCLUSÃO:

vale reforçar a necessidade de aprimoramento da equipe de enfermagem e demais profissionais da saúde sobre comunicação em saúde como tecnologia inovadora, levando credibilidade aos programas de promoção e prevenção em saúde, referentes a usuários idosos.

Atenção Primária à Saúde; Comunicação; Idoso; Saúde da Família; Enfermagem


OBJECTIVE:

to verify the forms of communication used in four Primary Health Units with Family Health Program teams in Porto Feliz, São Paulo, and how they impact in the care and control of the health of elderly people.

METHOD:

this qualitative study sought to capture the communication between elderly people and healthcare professionals. Interviews were conducted with 20 elderly people of both sexes.

RESULTS:

from the discourses and observations, assertive communication and blocked communication emerged as the central analysis themes, the verbal and nonverbal elements of which, unveiled subjectivity of the communication process, of the local culture and of the psychosocial factors positively and negatively contributing to the healthcare for elderly people. The nursing teams of the Family Health Strategy showed forms of communication that favored the adherence of the elderly people to the care and control of their health. Negatives aspects did not have completely prejudicial consequences, however, should be avoided, in order to facilitate integral care to elderly people.

CONCLUSION:

it is worth reinforcing the need for improvement of the nursing team and other healthcare professionals regarding health communication as an innovative technology, bringing credibility to the health promotion and prevention programs with elderly users.

Primary Health Care; Communication; Aged; Family Health; Nursing


OBJETIVO:

verificar las formas de comunicación utilizadas en cuatro Unidades Básicas de Salud con equipos de la Estrategia Salud de la Familia, en Porto Feliz estado de Sao Paulo y como interfieren en la atención y control de la salud de los ancianos.

MÉTODO:

se buscó entender la comunicación entre ancianos y profesionales de salud a través de una investigación cualitativa. Se realizaron entrevistas con 20 ancianos de ambos sexos.

RESULTADOS:

de los discursos y observaciones surgieron los siguientes temas centrales de análisis: comunicación asertiva y comunicación bloqueada, cuyos elementos verbales y no verbales, revelaron la subjetividad del proceso de comunicación, de la cultura local y de los factores psicosociales, contribuyendo de forma positiva y también negativa para la atención de la salud a los ancianos. Los equipos de enfermería de la Estrategia Salud de la Familia mostraron formas de comunicación favorables a la adhesión de los ancianos a la atención y control de la salud. Los aspectos negativos no provocaron consecuencias totalmente perjudiciales, sin embargo deben ser evitados, para facilitar el cuidado integral al anciano.

CONCLUSIÓN:

es válido reforzar la necesidad de perfeccionar el equipo de enfermería y otros profesionales de la salud sobre la comunicación en salud como una tecnología innovadora, llevando credibilidad a los programas de promoción y prevención de la salud utilizados por los usuarios ancianos.

Atención Primaria de Salud; Comunicación; Anciano; Salud de la Familia; Enfermería


Introdução

A preocupação com o tema do envelhecimento da população brasileira e a consequente adoção de medidas na busca de solução dos problemas relacionados ao assunto é uma conquista resultante de demandas trazidas pela parcela idosa, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Criada pela Portaria nº2.528, de 19 de outubro de 2006, a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa - PNSPI - tem como finalidade primordial a recuperação, manutenção e promoção da autonomia e da independência da pessoa idosa, direcionando medidas coletivas e individuais de saúde para esse fim, em consonância com os princípios e diretrizes do SUS. É alvo dessa política todo cidadão brasileiro com 60 anos ou mais( 11. Ministério da Saúde (BR). Atenção à Saúde da Pessoa Idosa e Envelhecimento. Série Pactos Pela Saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2006. ).

Nesse sentido, o crescimento desse segmento da população fez com que aumentassem a preocupação e o interesse por medidas voltadas às demandas das pessoas com mais de 60 anos. Mostra-se, portanto, necessária a implantação de políticas públicas adequadas, visando a promoção do envelhecimento com qualidade de vida( 22. Almeida RT. A comunicação do idoso e equipe de saúde da família no município de Porto-Feliz-SP: acesso à integralidade? [dissertação de mestrado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 2012. 103 p. ).

O idoso, ao buscar assistência à saúde, espera algo além da atenção à doença. Ele quer acolhimento e espera estabelecer vínculos com a equipe de saúde em um ambiente de comunicação que permita autonomia, resolubilidade e responsabilização( 33. Santos AM, Assis MMA. Da fragmentação à integralidade construindo e (des)construindo a prática de saúde bucal no Programa Saúde da Família (PSF) de Alagoinhas, BA. Ciência Saúde Coletiva. 2006;11(1):53-61. ).

O processo de envelhecimento traz, como consequência, maior expediente para o idoso procurar os serviços de saúde e deslocar-se nos diferentes níveis de atenção. Para os mais carentes, principalmente, qualquer dificuldade torna-se um mote para bloquear ou interromper a continuidade da assistência à saúde( 44. Costa MFBNA, Ciosak SI. Atenção Integral à saúde do idoso no Programa Saúde da Família: visão dos profissionais da saúde. Rev Esc Enferm Univ São Paulo. 2010;44(2):437-44. ).

Dessa forma, o diálogo na busca do consenso constitui elemento imprescindível para o bom desenvolvimento do trabalho em equipe, visto que possibilita o desenvolvimento de uma prática comunicativa, pois "provoca" na equipe a escuta do outro, o que pressupõe o estabelecimento de um canal de comunicação( 55. Araújo MBS, Rocha PM. Trabalho em equipe: um desafio para a consolidação da estratégia de saúde da família. Ciência Saúde Coletiva. 2007;12(2):455-64. ).

A comunicação faz parte da vida do ser humano( 22. Almeida RT. A comunicação do idoso e equipe de saúde da família no município de Porto-Feliz-SP: acesso à integralidade? [dissertação de mestrado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 2012. 103 p. ) e, na área da saúde, torna-se essencial, na obtenção de valiosas informações para a condução terapêutica, embora, no cotidiano, muitas pessoas tenham dificuldade de se expressar ou de interpretar a linguagem da comunicação.

Observa-se que a equipe de saúde precisa exercer a verdadeira comunicação, estando atenta à interpretação da linguagem verbal e especialmente da não verbal, nem sempre valorizada, mas de muita importância na interlocução. Quando a linguagem não verbal é eficaz, torna-se excelente ferramenta para a busca do atendimento integral das necessidades de saúde.

Na prática clínica, a comunicação pode ter forte influência na satisfação, na adesão ao tratamento e, consequentemente, nos resultados de saúde, sugerindo a necessidade de preparo técnico e humano dos profissionais envolvidos( 66. Damasceno MMC, Zanetti ML, Carvalho EC, Teixeira CRS, Araújo MFM, Alencar AMPG. Therapeutic communication between health workers and patients concerning diabetes mellitus care. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012;20(4):685-92. ), principalmente na Atenção Básica (AB).

A definição operacional do conceito de comunicação, neste estudo, refere-se ao desenvolvimento das formas de interação, de maneira efetiva e eficaz, levando-se em conta os aspectos biopsicossociais relacionados a cada grupo populacional.

Considerando-se as lacunas de estudos relacionados à comunicação entre o idoso e a equipe da Estratégia Saúde da Família (ESF), acredita-se que esta pesquisa possa contribuir para a visibilidade do processo interativo, como fonte de resolutividade das necessidades em saúde dos idosos inseridos nos programas de saúde da AB.

Cabe destacar ainda que, com a expansão da ESF nos últimos anos, nos municípios brasileiros torna-se relevante este estudo que teve como objetivos verificar as formas de comunicação utilizadas na AB e o modo como essas interferem no atendimento e no controle da saúde dos idosos.

Método

Trata-se de estudo de natureza descritiva e exploratória, com abordagem qualitativa. Foram utilizadas algumas evidências quantitativas de caráter sociodemográfico para caracterizar os indivíduos entrevistados.

Participaram da pesquisa idosos de ambos os sexos que atenderam os seguintes critérios de inclusão: ter 60 anos ou mais, estar cadastrado na equipe da ESF, ser capaz de expressar sentimentos e percepções e concordar em participar da pesquisa, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

O local da pesquisa compreendeu a área urbana de Porto Feliz, SP, em quatro Unidades Básicas de Saúde (UBS), cada uma delas com uma equipe da ESF, e nos locais em que havia maior concentração de idosos cadastrados.

O dimensionamento do número de participantes foi obtido pela amostragem por saturação em pesquisa qualitativa. O fechamento amostral por saturação teórica é operacionalmente definido como a suspensão de inclusão de novos participantes, quando os dados obtidos passam a apresentar, na avaliação do pesquisador, certa redundância ou repetição, não sendo considerado relevante persistir na coleta de dados( 77. Fontanella BJB, Ricas J, Turato ER. Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cad Saúde Pública. 2008;24(1):17-27. ).

Assim, foram entrevistados cinco idosos de cada equipe da ESF, totalizando 20 idosos, considerando-se o entendimento da homogeneidade, da diversidade e da intensidade das informações necessárias, refletindo as múltiplas dimensões do objeto de estudo( 88. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11. ed. São Paulo (SP): Hucitec; 2008; 384p . ).

Os instrumentos utilizados para a coleta de dados constituíram-se de roteiro para observação direta, contendo os elementos das formas verbais e não verbais de comunicação, apreendidas durante o atendimento ao idoso, um instrumento com questões fechadas sobre as condições sociodemográficas dos idosos e questões abertas para entrevistas com esses sujeitos.

Os depoimentos foram gravados e transcritos, na íntegra, pela própria pesquisadora e, após a leitura exaustiva dos registros dos discursos, os dados foram interpretados de acordo com a técnica da análise temática( 88. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11. ed. São Paulo (SP): Hucitec; 2008; 384p . ).

Os dados foram coletados entre os meses de junho e setembro de 2011, após aprovação do Comitê de Ética da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (Processo nº1032/211/CEP-EEUSP).

Resultados

Da análise dos dados das condições sociodemográficas dos 20 idosos que participaram do estudo, verificou-se que 15 idosos residiam em domicílios próprios e estavam casados, demonstrando que a conformação da vida familiar estava centralizada no casamento e o padrão de formação familiar era o da união estável.

Considerando-se, principalmente, o local em que ocorreu a entrevista, a UBS, juntamente com a equipe da ESF, houve predomínio de mulheres (14) que buscaram o atendimento em saúde, sendo o número delas significativamente maior que o de homens (6). Porém, na faixa etária entre 70 e79 anos de idade, houve número maior de homens (5) em relação ao número de mulheres (3).

A baixa escolaridade dos idosos foi constatada: quatro idosos declararam analfabetismo, 14 idosos foram alfabetizados até a 4ª série do ensino fundamental e apenas dois idosos informaram ter concluído o ensino fundamental.

A renda familiar declarada por 19 dos idosos - num total de 11 aposentados (6 idosos e 5 idosas) - variava entre um e três salários-mínimos. Entretanto, 9 idosas revelaram não ter aposentadoria.

Os discursos dos idosos foram identificados pela letra E, seguida de um número de ordem de sequência das entrevistas. De suas leituras repetidas, acrescidas dos relatórios das observações, emergiram os temas de análises, classificados em temas centrais de análises( 88. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11. ed. São Paulo (SP): Hucitec; 2008; 384p . ) que foram relacionados às formas de comunicação: comunicação assertiva e comunicação bloqueada, com unidades temáticas: elemento verbal e elemento não verbal.

Comunicação assertiva verbal e não verbal

Os enfermeiros das equipes de saúde da ESF, selecionadas para este estudo, empregaram entonação adequada da linguagem, estabelecendo um diálogo acolhedor, falando de forma clara, pausada, olhando de frente para cada idoso.

A linguagem própria originária de sua região empregada pelos idosos não interferiu no processo de comunicação, sendo respeitada pela equipe de saúde e considerada no atendimento das necessidades dos idosos.

Aspectos positivos da comunicação assertiva, como a linguagem adequada, reforçada pela demonstração de expressões faciais, como sorriso, olhar de frente para o idoso, escuta atenta, foram constatados durante a observação nos atendimentos, principalmente da equipe de enfermagem da ESF.

A facilitação da verbalização do idoso foi visualizada principalmente nas ações de enfermagem, em que o idoso podia se expressar de maneira a relatar suas necessidades de saúde, sem bloqueios ou inibições revelados na fala da idosa: ... sim, falo tudo, peço tudo, já aproveito se eu não entender peço pra repetir, eu tenho que perguntar né. Eu pergunto (E16).

A reciprocidade de intenção desvelou uma validação da compreensão por parte do idoso, das mensagens feitas pelos profissionais da equipe de saúde, como se revelou no seguinte discurso do idoso: ... ah compreendo, consigo compreender tudo sim (E10).

Os profissionais das equipes da ESF estabeleciam estratégias, induzindo o idoso ao comparecimento à UBS para o controle da sua saúde, por meio da apresentação do cartão de agendamento, utilizando-o para marcar a data da consulta com a enfermeira ou com o médico. No entanto, os idosos comparecem às consultas periodicamente, conforme referiu um idoso: ... eu e minha mulher temos este cartão de agendamento que eles marcam e eu uso pra não esquecer quando eu tenho que vir (E4).

O contato telefônico, realizado pela equipe de enfermagem, seja para efetuar um reagendamento do atendimento como para agendar o comparecimento do idoso para avaliação do resultado dos exames, mostrou bom uso dessa tecnologia, promovendo estratégia bem aceita pelos idosos, como se nota neste discurso do idoso: ... venho sempre, nunca faltei e se o atendimento não for possível naquele dia, eles me ligam desmarcando e isso é bom porque a gente não perde tempo de ir lá (E16).

A baixa escolaridade dos idosos traduziu uma diferença cultural entre eles e os profissionais das equipes de saúde. Esse fato pareceu não influenciar como obstáculo para o entendimento dos idosos, pois esses esclareciam suas dúvidas, como pode ser percebido na fala do idoso: ... eles procuram ajudar a gente no que for preciso e a orientação deles a gente entende. Quando não consigo compreender tenho essa coisa de poder perguntar (E12).

Expressões faciais como sorriso, interesse, atenção, foram observadas, sendo essas formas não verbais de comunicação expressas tanto pelos idosos como pela equipe de enfermagem, havendo demonstração de reciprocidade, sinais de vínculo, afeto e respeito entre os interlocutores.

Comunicação bloqueada verbal e não verbal

A comunicação bloqueada retratou-se com a falta de diálogo entre um profissional de saúde da AB e um profissional do nível de média complexidade, criando barreiras no cuidado em saúde, como mostra o discurso da idosa: ... eu vim aqui (AB) com o médico novo e ele me encaminhou pra fazer cirurgia, mas acho que o cirurgião (serviço de média complexidade) estava mal-humorado. Ele olhou o papel (guia de referência e contrarreferência) e falou sobre o médico que encaminhou: "aquele moleque faz essas coisas, não sabe nada" (E5).

Ausência da escuta gerou comunicação bloqueada, como esclarece este discurso da idosa: ... quando é atendimento com a médica, ela só passa receita, ela não pergunta nada e aí às vezes estou precisando até de um remedinho, alguma coisa que eu tô sentindo, às vezes nem peço pra ela porque fica estranho (E13).

Gestos de irritação e agressividade do profissional, acompanhados de linguagem inapropriada, foram fatores que geraram comunicação bloqueada, revelando inabilidade do profissional de uma unidade de média complexidade, resultando em exposição e constrangimento da idosa, como ficaram expostos na sua fala: ... o cirurgião rasgou a guia de encaminhamento na minha frente. Eu levei um susto e saí de lá. Essas coisas assim que a gente é mais de idade e já fica mais sensível e continua com os mesmos problemas (E5).

Observou-se diferença cultural existente entre a maioria dos idosos e profissionais de saúde participantes do estudo, gerando comunicação bloqueada, particularmente relacionada à figura do médico, que pareceu ter interferido na integralidade do cuidado em saúde.

Foi possível apreender uma comunicação bloqueada relacionada ao "mito ligado à figura do médico", quando a idosa referiu estar com vergonha e constrangida perante o profissional, denotando estar com medo e dificuldade para a verbalização de suas necessidades, quer pela postura do profissional quer pela barreira social existente, como mostrou o depoimento da idosa: ... às vezes eu sinto até envergonhada da médica. Às vezes eles tratam bem a gente, às vezes não, mas muitas vezes eu já saí de lá com dúvida. Não, não, não, pergunto não (E13).

As equipes de enfermagem da ESF estudadas foram facilitadoras do atendimento em saúde ao idoso. Contudo, para se ultrapassar as barreiras da comunicação reveladas por esse "mito ligado à figura do médico", estratégias inovadoras devem ser articuladas, tendo em vista a obtenção da integralidade no cuidado em saúde do idoso.

Discussão

Estudos realizados( 99. Figueiredo WS. Masculinidades e cuidado: diversidade e necessidades de saúde dos homens na atenção primária [tese doutorado]. São Paulo (SP): Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2008. 295 p. ) apontaram na direção da perspectiva de gênero para a compreensão dos padrões de morbimortalidade masculina e levantaram a questão das necessidades de saúde dos homens no contexto das relações socioculturais em que eles vivem.

As necessidades de saúde, sua apresentação por homens aos serviços e como são tomadas pelos profissionais constituem questões das relações entre o exercício da masculinidade e as práticas de cuidado em saúde( 1010. Schraiber LB, Figueiredo WS, Gomes R, Couto MT, Pinheiro TF, Machin R, et al. Necessidades de saúde e masculinidades: atenção primária no cuidado aos homens. Cad Saúde Pública 2010;26(5):961-70. ).

Estudo desenvolvido no Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, sobre o perfil epidemiológico de morbimortalidade masculina, entretanto, concluiu que a baixa procura pelos serviços de saúde não está atrelada apenas ao consumo dos serviços de saúde, mas, sim, ao fato de os hábitos de cuidados estarem mais presentes em mulheres do que em homens( 1111. Laurenti R, Melo-Jorge MHP, Gotlieb SLD. Perfil epidemiológico da morbi-mortalidade masculina. Ciencia Saúde Coletiva 2005;10(1):35-46. ).

A conformação da vida familiar dos idosos tem sido centralizada no casamento, demonstrando que o padrão de formação familiar é o da união estável, conferindo-lhe um aspecto histórico e cultural.

Se, por um lado, as pessoas idosas podem apresentar algumas dificuldades na comunicação verbal, por outro, elas podem estar muito atentas e treinadas na decodificação da comunicação não verbal, por já terem vivenciado inúmeras experiências ao longo da vida( 1212. Ministério da Saúde (BR). Cadernos de Atenção Básica. Departamento de Atenção Básica. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2006. ).

A bagagem de conhecimento é algo herdado dos predecessores; é algo que se pode acrescentar à própria experiência vivida e que só pode ser compreendido por meio de ações exteriorizadas que constituem a base da comunicação e da relação social( 1313. Schütz A. El Problema de la Realidad Social. Buenos-Aires: Amorrortu; 1974. 336 p. ).

Nesse sentido, a equipe de saúde deve estar atenta ao usar as formas verbais e não verbais de comunicação, para o atendimento das necessidades de saúde da população idosa, visando a integralidade, e que poderá ser viabilizado por meio de uma comunicação assertiva, que significa emitir uma mensagem seguindo um objetivo, coerência entre sentimentos, pensamentos e atitudes( 22. Almeida RT. A comunicação do idoso e equipe de saúde da família no município de Porto-Feliz-SP: acesso à integralidade? [dissertação de mestrado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 2012. 103 p. ).

Vale ressaltar que, na comunicação não verbal, as expressões faciais podem denotar alegria, tristeza, raiva, indiferença, desprezo, vergonha, interesse, medo e que essas expressões todas podem auxiliar a perceber como anda a interação do profissional de saúde, a relação com o idoso( 1414. Silva MJP. A importância da comunicação verbal e não-verbal no cuidado domiciliar de idosos. In: Duarte YA de O, Diogo MJD, organizadoras. Atendimento domiciliar: um enfoque gerontológico. São Paulo (SP): Atheneu; 2000. p. 203-12. ).

Gestos de irritação, agressividade, assim como a ausência da escuta do profissional levam o idoso ao constrangimento durante o atendimento e à descontinuidade do tratamento, interferindo na dinâmica da comunicação e, como consequência, no controle da saúde, refletindo uma comunicação bloqueada.

A escuta é um dos elementos da forma de comunicação não verbal que validam uma comunicação assertiva( 22. Almeida RT. A comunicação do idoso e equipe de saúde da família no município de Porto-Feliz-SP: acesso à integralidade? [dissertação de mestrado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 2012. 103 p. ). Estar em silêncio enquanto fala o interlocutor pode não significar estar simplesmente calado, se esse tempo for de participação no ato de comunicação em presença, se isso significar uma oportunidade para reencontrar o equilíbrio pessoal, se for a forma escolhida para dar espaço ao interlocutor e a "janela" de abertura para um relacionamento saudável.

A capacidade de ausculta tem sido relacionada a um dispositivo tecnológico de destacada relevância nas propostas de humanização da saúde: o acolhimento. Assim, é no contínuo da interação entre usuário e serviços de saúde, em todas as oportunidades em que se faça presente a possibilidade de escuta do outro, que se dá o acolhimento( 1515. Ayres JRCM. O cuidado, os modos de ser (do) humano e as práticas de saúde. Saúde e Sociedade. 2004;13(3):16-29. ).

Em todo o processo de comunicação interpessoal, o corpo expressa um sentimento subjacente à mensagem, e essa expressão é inconsciente e percebida também de forma inconsciente, muitas vezes com maior clareza do que o verbalizado.

O gestual, principalmente o de apoio, é uma forma de comunicação não verbal que promove a comunicação assertiva, pois, assim como a expressão facial, o gesto de apoio reforça o uso da linguagem adequada, ao mesmo tempo pode reforçar o vínculo dos idosos aos atendimentos nas UBSs. A comunicação bloqueada( 22. Almeida RT. A comunicação do idoso e equipe de saúde da família no município de Porto-Feliz-SP: acesso à integralidade? [dissertação de mestrado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 2012. 103 p. ), da mesma forma que a comunicação assertiva, pode direcionar toda a trajetória de um acompanhamento ao idoso; porém, esse direcionamento pode ocorrer de forma a criar barreiras, quer em relação ao tratamento, quer em relação à própria unidade de saúde em si, podendo interferir no processo de comunicação.

Assim, ambientes ruidosos constituem barreira de comunicação( 22. Almeida RT. A comunicação do idoso e equipe de saúde da família no município de Porto-Feliz-SP: acesso à integralidade? [dissertação de mestrado]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 2012. 103 p. ) que interferem no processo de comunicação em geral, mais ainda no atendimento em saúde, particularmente com os idosos que podem apresentar algum grau de declínio da acuidade auditiva decorrente do processo do envelhecimento.

Dentre as principais barreiras existentes na comunicação, entretanto, destaca-se a humana, que compreende cultura, temperamento, regionalismo, classe social, emoções, percepções, entre outras, que podem ser definidas por barreiras psicossociais.

O "mito ligado à figura do médico" pareceu dificultar a fidelização do idoso à UBS, bem como a busca para os acessos a outros níveis de assistência, consequentemente dificultando a integralidade do cuidado em saúde e a promoção da saúde do idoso.

Quanto à tecnologia, em geral, essa é recurso que atua como facilitadora, estendendo as capacidades do indivíduo, conferindo segurança e agilidade, preservando e organizando dados, produzindo informações. Assim, a tecnologia não é meramente um recurso do indivíduo, mas, também, do grupo social( 1616. Virgil J. Síntese da relação da tecnologia com o ser humano e a sociedade. Informação & Informação. 2008;13(1):48-71. ).

O atendimento em saúde, respeitando o princípio da integralidade, desloca a prática em saúde da intervenção/medicalização para o cuidado. Entretanto, a verticalização do sistema cria alguns óbices favorecedores da fragmentação do trabalho, porque ainda falta comunhão de esforço da AB com a média e a alta complexidade, favorecendo a falta de diálogo entre os profissionais(17) e dificultando a consecução dos resultados do trabalho.

A conscientização por parte do profissional de saúde, quanto à utilização das formas de comunicação assertiva, deve ocorrer para viabilizar a verbalização do idoso, facilitando o tratamento terapêutico e, consequentemente, criando vínculo e o controle da saúde.

Na humanização das ações, portanto, os profissionais da saúde devem estar atentos para perceberem os usuários do SUS com suas subjetividades, carências e medos de verbalizar anseios ou de dizer algo que o profissional não goste, atitudes que resultam em aceitar passivamente o que lhe é imposto e que, na maioria das vezes, pode levar a efeitos nocivos para a saúde( 1717. Garcia TR, Egry EY, organizadoras. Integralidade da atenção no SUS e sistematização da assistência de enfermagem. Porto Alegre (RS): Artmed; 2010. 336 p. ).

Quanto ao agendamento, esse pode ser um fator favorável à organização dos serviços de saúde, mas pareceu resultar em obstáculo para alguns idosos, gerando insatisfação quanto ao atendimento, criando, muitas vezes, barreira na adesão ao controle de sua saúde, já que os idosos não gostam de ter um dia determinado para comparecer à unidade de saúde, preferindo ir à UBS quando não estão bem.

A comunicação, como a capacidade de diálogo entre os trabalhadores da equipe e desses com os clientes, permite que o processo de trabalho se constitua em um instrumento para produzir a corresponsabilidade, a resolutividade e a autonomia dos clientes para a transformação dos fins em produto( 1818. Cardoso LS, Cezar-Vaz MR, Silva MRS, Costa VZ. The purpose of the communication process of group activities in the Family Health Strategy. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(2):396-402. ).

A falta de conscientização do idoso a respeito da necessidade do controle periódico da saúde exige que a equipe de enfermagem da ESF realize uma comunicação eficaz, considerando-se a cultura local, os fatores psicossociais e as subjetividades do processo de comunicação, podendo colaborar para a mudança de atitude do idoso.

Em contrapartida, a falta de conscientização de alguns profissionais da saúde, quanto ao uso adequado das formas de comunicação para o atendimento ao idoso, pode comprometer a qualidade do atendimento em saúde, quando esse profissional se impõe com uma comunicação bloqueada, podendo levar o idoso a interromper o tratamento terapêutico.

As equipes de enfermagem da ESF buscam o cuidado integral de forma ampla, voltada para a garantia de melhores condições de vida e de saúde no contexto da coletividade, revelando formas eficazes de comunicação na interação entre o idoso, sua família e a equipe de saúde. A comunicação interpessoal é o componente-chave dos profissionais de enfermagem para gerarem o apoio à família e torná-la sua parceira( 1919. Pinheiro EM, Silva MJP, Angelo M, Ribeiro CA. The meaning of interaction between nursing professionals and newborns/families in a hospital setting. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2008;16(6):1012-8. ).

Assim, acredita-se que os profissionais da enfermagem, tanto quanto os demais profissionais da saúde, devem demonstrar interesse pelo cuidado em saúde do idoso e isso requer cordialidade, afeto, respeito, comprometimento e ética, contribuindo para a efetivação do processo de comunicação, da eficácia do tratamento e promovendo qualidade de vida para a população idosa.

Considerações finais

Verificou-se, por intermédio deste estudo, como as formas de comunicação podem interferir no atendimento e controle de saúde dos idosos, mostrando a existência de aspectos positivos, com uma comunicação assertiva verbal e não verbal, como também aspectos negativos, com uma comunicação bloqueada verbal e não verbal.

Dessa forma, analisaram-se as formas de comunicação utilizadas na interação entre idoso e equipe de saúde da ESF, o que permitiu visualizar que as ações da integralidade nem sempre estiveram presentes tanto na AB como também no nível de média complexidade da assistência à saúde, fragilizando o cuidado integral ao idoso e constituindo um grande desafio para os profissionais da saúde na transformação da atitude do idoso que não adere ao tratamento.

A integralidade em sua amplitude e complexidade conceitual demanda a necessidade de estudos que envolvam a AB e outros níveis da assistência à saúde, para o aprimoramento do conhecimento e do cuidado em saúde, sendo importante a capacidade de articulação dos enfermeiros e dos demais membros da equipe com outros aparelhos sociais, a fim de trazer a intersetorialidade para a efetivação do cuidado em saúde.

Considerando-se que a AB busca promoção da saúde, prevenção e tratamento de doenças e que a ESF é o solo fértil para a concretização dessas ações, faz-se necessária a articulação de saberes relacionados às formas verbais e não verbais de comunicação, no atendimento das necessidades em saúde da população idosa, possibilitando caminhar para a obtenção de melhor qualidade de vida.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2013

Histórico

  • Recebido
    22 Maio 2012
  • Aceito
    11 Jun 2013
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