Resumos
OBJETIVO:
identificar a prevalência e os fatores associados à sobreposição dos diferentes tipos de violência contra a mulher, notificada em serviços sentinela.
MÉTODO:
estudo transversal, realizado com 939 fichas de notificação de casos de violência contra a mulher, referentes ao triênio de 2006 a 2008, em Fortaleza, Ceará. Análises univariada e múltipla por regressão logística foram realizadas.
RESULTADO:
os resultados mostraram associação positiva entre a sobreposição de tipos de violência contra a mulher com a escolaridade variando de analfabeta a ensino fundamental e a agressão ter ocorrido outras vezes.
CONCLUSÃO:
esse conhecimento contribui para o delineamento de ações específicas que visam o enfrentamento dessa problemática, assim como gera subsídios para proposta adequada de atendimento e encaminhamento das vítimas que buscam os serviços de saúde.
Violência contra a Mulher; Fatores de Risco; Serviços de Saúde; Estatísticas de Serviços de Saúde
OBJECTIVE:
to identify the prevalence and the factors associated to the imposition of the different types of violence against women informed in sentry services.
METHOD:
transversal study accomplished through 939 notification forms of cases of violence against women, referring to the three years from 2006 to 2008 in Fortaleza, Ceará. Univariate and multiple analyses by logistic regression were realized.
RESULT:
the results showed a positive association between the imposition of types of violence against women with a schooling varying from illiterate to basic education and the aggression which had occurred other times.
CONCLUSION:
this knowledge contributes to the delineation of specific actions that aim at facing this problem, as well as generates subsidies for adequate attendance proposals and guidance for the victims who call on health services.
Violence Against Women; Risk Factors; Health Services; Health Services Statistics
OBJETIVO:
identificar la prevalencia y los factores asociados a la sobreposición de los diferentes tipos de violencia contra la mujer notificados en servicios centinela.
MÉTODO:
estudio transversal realizado con 939 fichas de notificación de casos de violencia contra la mujer, referentes al trienio de 2006 a 2008, en Fortaleza, Ceará. Fueron realizados el análisis univariado y el múltiple por regresión logística.
RESULTADOS:
los resultados mostraron asociación positiva entre la sobreposición de tipos de violencia contra la mujer, con la escolaridad variando de analfabeta a enseñanza fundamental y la agresión haber ocurrido otras veces.
CONCLUSIÓN:
este conocimiento contribuye para el delineamiento de acciones específicas que tengan por objetivo enfrentar esta problemática, así como generar subsidios para elaborar una propuesta adecuada de atención y encaminamiento de las víctimas que buscan los servicios de salud.
Violencia contra la Mujer; Factores de Riesgo; Servicios de Salud; Estadísticas de Servicios de Salud
Introdução
A violência contra a mulher é um fenômeno que reflete as desigualdades de gêneros na sociedade( 11. Ilha MM, Leal SMC, Soares JSF. Mulheres internadas por agressão em um hospital de pronto socorro: (in)visibilidade da violência. Rev Gaúcha Enferm. 2010;31(2):328-34. ), manifesta-se como problema de saúde pública pela magnitude de sua prevalência( 22. Silva MA, Falbo GH Neto, Figueiroa JN, Cabral JE Filho. [Violência contra a mulher: prevalência e fatores associados em pacientes de um serviço público de saúde no Nordeste brasileiro]. Cad Saúde Pública. 2010;26(2):264-72. Inglês. ), gravidade e recorrência, assim como pelas consequências negativas na qualidade de vida das vítimas.
Estudos mundiais revelam elevada prevalência e variabilidade (de 15 a 71%) do
problema(
33. Babu BV, Kar SK. Domestic violence against women in eastern
India: a population-based study on prevalence and related issues. BMC Public
Health. 2009;9:129. doi:10.1186/1471-2458-9-129
https://doi.org/10.1186/1471-2458-9-129...
-
44. Vieira EM, Perdona GSC, Santos MA. Fatores associados à violência
física por parceiro íntimo em usuárias de serviços de saúde. Rev Saúde Pública.
2011;45(4):730-7.
). No Brasil, as estatísticas de mortalidade apontam que a cada duas
horas ocorre um homicídio de mulher(
55. Reichenheim ME, Souza ER, Moraes CL, Jorge MHPM, Silva CMFP,
Minayo MCS. Violence and injuries in Brazil: the effect, progress made, and
challenges ahead. Lancet. 2011;377(9781):1962-75.
), representando o último grau de uma escala de agressão que, muitas
vezes, se inicia com a violência psicológica. A literatura apresenta ainda os
parceiros ou ex-parceiros íntimos como os principais perpetradores dessa
violência(
66. Schraiber LB, D'Oliveira AFPL, Couto MT, Hanada H, Kiss LB,
Durand JG, et al. Violência contra mulheres entre usuárias de serviços públicos
de saúde da Grande São Paulo. Rev Saúde Pública.
2007;41(3):359-67.
-
77. Gadoni-Costa LM, Zucatti APN, Dell'Aglio DD. Violência contra a
mulher: levantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma delegacia
para a mulher. Estudos Psicologia. 2011;28(2):219-27.
).
Entre as acepções do que seja a violência contra a mulher, o estudo norteia-se
pela definição da Convenção de Belém do Pará, adotada pela Organização dos
Estados Americanos, em 1994, como qualquer ação ou conduta baseada no gênero,
que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher,
tanto no âmbito público como no privado(
88. Decreto nº 1.973, de 1 de agosto de 1996 (BR). Promulga a
convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a
mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994. 1996. [acesso 9 abr
2012]. Disponível em:
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/112212/decreto-1973-96
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1...
).
Segundo a Lei nº11.340/2006, os tipos de violência contra a mulher se manifestam
nas formas física, psicológica, sexual, patrimonial e moral(
99. Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006 (BR). Cria mecanismos para
coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. 2006. [acesso 21 jun
2012]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
). Contudo, pesquisas advertem a inter-relação dos tipos de
violência, configurando-se os casos em eventos complexos em que essas formas se
entrelaçam, repercutindo na gravidade das situações(
66. Schraiber LB, D'Oliveira AFPL, Couto MT, Hanada H, Kiss LB,
Durand JG, et al. Violência contra mulheres entre usuárias de serviços públicos
de saúde da Grande São Paulo. Rev Saúde Pública.
2007;41(3):359-67.
-
77. Gadoni-Costa LM, Zucatti APN, Dell'Aglio DD. Violência contra a
mulher: levantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma delegacia
para a mulher. Estudos Psicologia. 2011;28(2):219-27.
).
Na compreensão do fenômeno, autores advogam a influência de fatores sociais na ocorrência dos casos de violência( 1010. Moura LBA, Gandolfi L, Vasconcelos AMN, Pratesi R. Violências contra mulheres por parceiro íntimo em área urbana economicamente vulnerável, Brasília, DF. Rev Saúde Pública. 2009;43(6):944-53. ). A baixa escolaridade, a pobreza, o menor rendimento salarial da mulher ou o desemprego, e o uso de álcool e de drogas ilícitas entre os parceiros parecem exacerbar a magnitude do problema.
A violência contra a mulher tem sido uma demanda frequente na rotina dos serviços de saúde, os quais desempenham papel fundamental no diagnóstico, registro, notificação e tratamento dos casos( 1111. Gawryszewski VP, Silva MMA, Malta DC, Mascarenhas MDM, Costa VC, Matos SG, et al. A proposta da rede de serviços sentinela como estratégia da vigilância de violências e acidentes. Ciência Saúde Coletiva. 2007;11(Sup):1269-78. ), além de se apresentarem como locais propícios à efetivação de estratégias necessárias frente à problemática.
Os serviços de referência de violências sentinela foram instituídos com o propósito de contribuir para a visibilidade do fenômeno, pelo potencial que apresentam para gerar informações de qualidade. Esse conhecimento produzido é imprescindível para a implementação de estratégias de prevenção e controle do problema, para a avaliação das ações implementadas e para o planejamento dos recursos e serviços( 1111. Gawryszewski VP, Silva MMA, Malta DC, Mascarenhas MDM, Costa VC, Matos SG, et al. A proposta da rede de serviços sentinela como estratégia da vigilância de violências e acidentes. Ciência Saúde Coletiva. 2007;11(Sup):1269-78. ).
Os serviços sentinelas são responsáveis pela notificação de casos de violência
contra grupos específicos em resposta à Lei nº10.778, que tornou obrigatória a
notificação compulsória de violência contra a mulher nos serviços de saúde
públicos e privados(
1212. Lei nº 10.778, de 24 de novembro de 2003 (BR). Estabelece a
notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a
mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados. 2003. [acesso
14 mai 2012]. Disponível em:
http://www.abenfomg.com.br/site/arquivos/outros/09_LEI_DE_NOTIFICACAO_VIOLENCIA.PDF
http://www.abenfomg.com.br/site/arquivos...
). Importante acrescentar que a Portaria nº104, de 25 de janeiro de
2011, dispõe sobre a violência doméstica, sexual e/ou outras violências como o
45º evento de notificação compulsória, em todo o território nacional(
1313. Portaria nº 104, de 25 de janeiro de 2011 (BR). Define as
terminologias adotadas em legislação nacional, a relação de doenças, agravos e
eventos em saúde pública de notificação compulsória em todo território nacional
e estabelece fluxos, critérios, responsabilidades e atribuições aos
profissionais de saúde. 2011. [acesso 20 jun 2012]. Disponível em:
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/portaria_104_26_2011_dnc.pdf
http://portal.saude.gov.br/portal/arquiv...
).
Reconhece-se a crescente publicação sobre o tema, contudo a prevalência e a
diversidade tipológica que adentram os serviços de saúde refletem a complexidade
do problema e exigem contínuas investigações. Enquanto as pactuações
internacionais alertam os governos sobre o valor dos direitos humanos e a
redução das iniquidades sociais, a saúde integral da mulher ainda se mantém
ameaçada pela força, poder e desrespeito à sua condição de cidadã(
88. Decreto nº 1.973, de 1 de agosto de 1996 (BR). Promulga a
convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a
mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994. 1996. [acesso 9 abr
2012]. Disponível em:
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/112212/decreto-1973-96
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1...
-
99. Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006 (BR). Cria mecanismos para
coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. 2006. [acesso 21 jun
2012]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
).
Considerando que o profissional enfermeiro transita nos níveis hierárquicos de atenção à saúde da mulher, neste estudo pretende-se contribuir com a prática social dessa categoria, pois a compreensão do fenômeno favorece o delineamento de estratégias e ações específicas, visando a prevenção e o enfrentamento da violência contra esse grupo, bem como fomenta a promoção da saúde.
O estudo assume como construtos teóricos analíticos os dispositivos legais que
legislam sobre o tema, considerando as especificidades da violência contra a
mulher(
88. Decreto nº 1.973, de 1 de agosto de 1996 (BR). Promulga a
convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a
mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994. 1996. [acesso 9 abr
2012]. Disponível em:
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/112212/decreto-1973-96
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1...
-
99. Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006 (BR). Cria mecanismos para
coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. 2006. [acesso 21 jun
2012]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
,
1212. Lei nº 10.778, de 24 de novembro de 2003 (BR). Estabelece a
notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a
mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados. 2003. [acesso
14 mai 2012]. Disponível em:
http://www.abenfomg.com.br/site/arquivos/outros/09_LEI_DE_NOTIFICACAO_VIOLENCIA.PDF
http://www.abenfomg.com.br/site/arquivos...
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1313. Portaria nº 104, de 25 de janeiro de 2011 (BR). Define as
terminologias adotadas em legislação nacional, a relação de doenças, agravos e
eventos em saúde pública de notificação compulsória em todo território nacional
e estabelece fluxos, critérios, responsabilidades e atribuições aos
profissionais de saúde. 2011. [acesso 20 jun 2012]. Disponível em:
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/portaria_104_26_2011_dnc.pdf
http://portal.saude.gov.br/portal/arquiv...
).
Nesse sentido, compreender os fatores que podem contribuir para a superposição dos tipos de violência contra a mulher, bem como características sociodemográficas e comportamentais das mulheres em situação de violência, características das agressões e dos agressores, podem contribuir sobremaneira para qualificar a assistência, além de proporcionar cuidado contextualizado por parte dos enfermeiros. Ademais, o enfrentamento da violência é complexo e está associado à falta de visibilidade do problema pelas diferentes instâncias, especialmente pelos serviços de saúde.
Nesse contexto, o estudo tem como objetivo identificar a prevalência e os fatores associados à sobreposição dos diferentes tipos de violência contra a mulher, violência essa notificada em serviços sentinela.
Métodos
Trata-se de estudo transversal que utilizou como fonte de dados as fichas de
notificações de mulheres vítimas de violência, em Fortaleza, Ceará, referentes
ao triênio de2006 a 2008. Fortaleza, capital do Ceará, similar a outras
metrópoles(
22. Silva MA, Falbo GH Neto, Figueiroa JN, Cabral JE Filho.
[Violência contra a mulher: prevalência e fatores associados em pacientes de um
serviço público de saúde no Nordeste brasileiro]. Cad Saúde Pública.
2010;26(2):264-72. Inglês.
) brasileiras, concentra número significativo de registros de
violência contra a mulher(
1414. Diniz K. Em Fortaleza, violência contra a mulher é epidemia
crônica. Grupo UN 15 dez 2011. [acesso 20 junho de 2012]. Disponível em:
http://www.grupoun.net/em-fortaleza-violencia-contra-a-mulher-e-epidemia-cronica/
http://www.grupoun.net/em-fortaleza-viol...
).
Situando o leitor, na época do estudo, o atendimento à violência contra a mulher em Fortaleza era ofertado por quatro serviços sentinela. O estudo alcançou três desses serviços, abrangendo 75% das notificações no triênio selecionado, ou seja, 960 casos.
Para efeito de análise, o estudo tomou por base as notificações de mulheres com idade igual ou superior a 12 anos e residentes em Fortaleza. Dos 960 casos encontrados foram excluídas 21 fichas: 16 por agressão a menor de 12 anos e cinco por não identificar o tipo de violência, resultando em 939 fichas analisadas. Para a operacionalização da coleta de dados uma das autoras manteve contato prévio com os gestores desses serviços, apresentou os objetivos da pesquisa, bem como agendou data e horário para realizá-la.
Essa etapa aconteceu manualmente, ficha a ficha, no período de julho a outubro de 2009. Importante referir que a apropriação desses dados deu-se em sala reservada, sob monitoramento de funcionários dos serviços, considerando o sigilo que envolve atendimentos dessa natureza.
As tipologias de violência adotadas no estudo seguiram as mencionadas na ficha de
notificação(
1515. Ministério da Saúde (MS). Sistema de informação de agravos de
notificação (SINAN), ficha de notificação/investigação individual, violência
doméstica, sexual e/ou outras violências. Brasília - 2008. 2008. [acesso 13 mar
2012]. Disponível em: http://saude.gov.br/svs
http://saude.gov.br/svs...
). Dessa forma, consideraram-se os dados da ocorrência que se
referiram à violência física, psicológica/moral, negligência/abandono, sexual,
tortura e patrimonial. Vale ressaltar que a ficha ainda inclui o tráfico de
seres humanos e o trabalho infantil que, por demandarem outros construtos
epistemológicos, não foram alvos desta investigação.
A variável dependente foi o registro de dois ou mais tipos de violência contra a
mulher e, como variáveis independentes, dados sociodemográficos (situação
conjugal, faixa etária, escolaridade, cor, ocupação, orientação sexual, se
estava gestando, se possuía alguma deficiência); dados da agressão (local de
ocorrência, se ocorreram outras vezes, número de envolvidos); dados do agressor
(sexo, tipo de relação com a vítima, suspeita de uso de álcool). As variáveis
foram descritas de acordo com a nomenclatura referida na ficha de
notificação(
1515. Ministério da Saúde (MS). Sistema de informação de agravos de
notificação (SINAN), ficha de notificação/investigação individual, violência
doméstica, sexual e/ou outras violências. Brasília - 2008. 2008. [acesso 13 mar
2012]. Disponível em: http://saude.gov.br/svs
http://saude.gov.br/svs...
).
O teste qui-quadrado (χ2) foi utilizado para analisar o fato de a mulher sofrer dois ou mais tipos de violência em relação às variáveis independentes. Estabeleceu-se p<0,05 para significância estatística. A seleção das variáveis para a construção do modelo de regressão logística multivariada baseou-se no método de seleção automática (stepwise). A força de associação entre as variáveis independentes e a dependente foi expressa em valores estimados de Odds ratio (OR) bruto e ajustado, com Intervalo de Confiança (IC) de 95%. Os dados foram organizados no programa SPSS (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos), versão 16.0; e analisados com o software STATA (Stata Corp LP, College Station, TX 77845, USA), versão 11.0.
A pesquisa obedeceu às normas da Resolução nº196/96, do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta pesquisas com seres humanos e encontra-se aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Fortaleza, sob Parecer nº123/2009.
Resultados
Entre as 939 fichas analisadas, a frequência de sobreposição de violência contra a mulher foi de 73,9% (694). Somente um tipo de violência foi vivenciado por 245 mulheres (26,1%), distribuído entre violência psicológica/moral (85,7%), física (74,9%), negligência/abandono (18,2%), sexual (13,3%), patrimonial (4,0%) e tortura (2,7%).
A idade média das mulheres vítimas de violência analisadas foi de 33,26 anos (DP=11,05). A média de idade entre as mulheres vítimas de dois ou mais tipos de violência foi de 33,32 anos (DP=10,57) e no grupo de um tipo de violência foi de 33,08 anos (DP=12,30).
As mulheres casadas que tinham idade igual ou maior que 30 anos, possuindo escolaridade variando de analfabeta a ensino fundamental, pardas, desempregadas, que mantinham relações sexuais só com homens, não gestantes e que não possuíam deficiência foram as mais frequentes (Tabela 1).
Na Tabela 1, observa-se que a variável escolaridade apresentou significância estatística (p=0,029) com o fato de a mulher ser vítima de dois ou mais tipos de violência, enquanto situação conjugal, faixa etária, cor, ocupação, relações sexuais, gestante e possuir algum tipo de deficiência não apresentaram significância (p>0,05).
No grupo das mulheres que sofreram dois ou mais tipos de violência, a frequência do local da agressão foi maior na residência (89,9%), a violência foi recorrente (91,4%), com o envolvimento de um agressor (88,2%), do sexo masculino (97,5%), parceiro íntimo da vítima (73,8%) e suspeita de consumo de álcool (66,5%). Entre as mulheres que sofreram um tipo de violência, também predominou a residência (81,6%), a agressão ocorreu outras vezes (80,5%), com um agressor envolvido (89,5%), do sexo masculino (96,6%), parceiro íntimo da vítima (65,8%) e com suspeita de uso de álcool (57,7%) (Tabela 2).
Na Tabela 2, a maioria das variáveis mostrou significância estatística (p<0,05) na análise univariada, com exceção do número de envolvidos e sexo do autor da agressão.
A análise não ajustada mostrou uma associação positiva entre a mulher sofrer dois ou mais tipos de violência com a escolaridade (OR=1,39; IC95%=1,01-1,91); local de ocorrência (OR=2,00; IC95%=1,28-3,08); agressão ocorreu outras vezes (OR=2,55; IC95%= 1,63-3,97); relação do agressor com a vítima (OR= 1,46; IC95%=1,04-2,03) e suspeita de uso de álcool pelo agressor (OR=1,45; IC95%=1,03-2,04) (Tabela 3).
No modelo de regressão logística múltipla observou-se que estavam associados positivamente à mulher sofrer dois ou mais tipos de violência, a escolaridade variando de analfabeta a ensino fundamental (OR=1,43; IC95%=1,05-1,96) e a agressão ter ocorrido outras vezes (OR=2,41; IC95%=1,57-3,71) (Tabela 3).
Discussão
Este estudo apresenta como diferencial a identificação dos fatores associados à sobreposição de tipos de violência contra a mulher, sendo escassas, na literatura brasileira, investigações que elegeram como objeto de pesquisa essa especificidade.
Os achados mostraram maior prevalência de mulheres vítimas de dois ou mais tipos de violência, indicando que esses se sobrepõem e dificilmente ocorrem isoladamente. Outras investigações encontraram resultados similares, destacando o entrelaçamento das agressões física, sexual e psicológica, e advertindo que a superposição de diversos tipos de violência parece estar associada à maior gravidade dos casos e à procura por serviços especializados( 66. Schraiber LB, D'Oliveira AFPL, Couto MT, Hanada H, Kiss LB, Durand JG, et al. Violência contra mulheres entre usuárias de serviços públicos de saúde da Grande São Paulo. Rev Saúde Pública. 2007;41(3):359-67. - 77. Gadoni-Costa LM, Zucatti APN, Dell'Aglio DD. Violência contra a mulher: levantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma delegacia para a mulher. Estudos Psicologia. 2011;28(2):219-27. , 1616. Kronbauer JFD, Meneghel SN. Perfil da violência de gênero perpetrada por companheiro. Rev Saúde Pública 2005;39(5):695-701. ).
A residência constituiu-se em um lugar privilegiado para a ocorrência desses casos, reafirmando o que está posto na literatura( 1717. Garcia MV, Ribeiro LA, Jorge MT, Pereira GR, Resende AP. Caracterização dos casos de violência contra a mulher atendidos em três serviços na cidade de Uberlândia, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública. 2008;24(11):2551-63. - 1818. Leôncio KL, Baldo PL, João VM, Biffi RG. O perfil de mulheres vitimizadas e de seus agressores. Rev Enferm UERJ. 2008;16(3):307-12. ) que mais de 90% das agressões contra as mulheres acontecem no ambiente doméstico. O lar é o local mais escolhido pelo fato de as agressões serem facilitadas por transcorrerem na privacidade, resguardado da interferência de outras pessoas( 1818. Leôncio KL, Baldo PL, João VM, Biffi RG. O perfil de mulheres vitimizadas e de seus agressores. Rev Enferm UERJ. 2008;16(3):307-12. ). Dessa forma, o âmbito privado que circunscreve o fenômeno inibe o rompimento e a visibilidade das casuísticas.
A maior ocorrência da violência perpetrada pelo parceiro íntimo da vítima,
conforme encontrado nesta pesquisa, expressa subordinação e dominação, na qual
existe distribuição desigual de privilégios, direitos e deveres, estabelecendo
assimetrias de poder embasadas nas diferenças de gênero(
1919. Deeke LP, Boing AF, Oliveira WF, Coelho EBS. A Dinâmica da
Violência Doméstica: uma análise a partir dos discursos da mulher agredida e de
seu parceiro. Saúde Soc. 2009;18(2):248-58.
). As agressões perpetradas pelo companheiro ou ex-companheiro são
reconhecidas como uma das formas mais frequentes de violência contra a
mulher(
77. Gadoni-Costa LM, Zucatti APN, Dell'Aglio DD. Violência contra a
mulher: levantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma delegacia
para a mulher. Estudos Psicologia. 2011;28(2):219-27.
,
1717. Garcia MV, Ribeiro LA, Jorge MT, Pereira GR, Resende AP.
Caracterização dos casos de violência contra a mulher atendidos em três serviços
na cidade de Uberlândia, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública.
2008;24(11):2551-63.
,
2020. Lettiere A, Nakano AMS. Violência doméstica: as possibilidades e
os limites de enfrentamento. Rev. Latino-Am. Enfermagem.
2011;19(6):1421-8.
). Em estudo realizado na Região Leste da Índia, com 1.718 mulheres,
constatou-se maior risco de violência por parte do marido do que por qualquer
outra pessoa(
33. Babu BV, Kar SK. Domestic violence against women in eastern
India: a population-based study on prevalence and related issues. BMC Public
Health. 2009;9:129. doi:10.1186/1471-2458-9-129
https://doi.org/10.1186/1471-2458-9-129...
).
Outro achado relevante desta pesquisa, que reitera a literatura( 44. Vieira EM, Perdona GSC, Santos MA. Fatores associados à violência física por parceiro íntimo em usuárias de serviços de saúde. Rev Saúde Pública. 2011;45(4):730-7. , 77. Gadoni-Costa LM, Zucatti APN, Dell'Aglio DD. Violência contra a mulher: levantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma delegacia para a mulher. Estudos Psicologia. 2011;28(2):219-27. ), mostra a associação do uso de álcool pelo agressor com as situações de violência contra a mulher. Investigações reconhecem a ingestão do álcool como fator precipitante da violência doméstica, podendo ser explicado pelo efeito desinibidor da conduta dos agressores, como um meio de minimizar a responsabilidade pelo comportamento violento, ou, ainda, a combinação do uso de álcool com a prática de violência pode agir como fator denunciante da personalidade impulsiva( 2121. Rovinski SLR. Dano psíquico em mulheres vítimas de violência. Rio de Janeiro: Lumen; 2004. 271 p. ).
Autores( 2222. Reinaldo AMS, Pillon SC. Repercussões do alcoolismo nas relações familiares: estudo de caso. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2008;16(esp):529-34. ) também demonstraram, em pesquisa de abordagem qualitativa, os transtornos decorrentes do consumo de álcool nas famílias, enfatizando os altos níveis de conflitos interpessoais, que eclodem nas diversas formas de violência doméstica. Contudo, o álcool não é o responsável básico pelas agressões, atuando como facilitador de situações previamente determinadas( 1717. Garcia MV, Ribeiro LA, Jorge MT, Pereira GR, Resende AP. Caracterização dos casos de violência contra a mulher atendidos em três serviços na cidade de Uberlândia, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública. 2008;24(11):2551-63. ).
A análise bivariada não ajustada mostrou associação entre a mulher ser vítima de dois ou mais tipos de violência com as variáveis: escolaridade, local de ocorrência, agressão ocorreu outras vezes, relação do agressor com a vítima e suspeita de uso de álcool pelo agressor. Após o ajuste das variáveis, somente a baixa escolaridade, variando de analfabeta a ensino fundamental, e o fato de a agressão ter ocorrido outras vezes mantiveram-se associadas positivamente com o desfecho.
O baixo nível educacional das mulheres vítimas de violência é apontado em estudos
em outros países(
33. Babu BV, Kar SK. Domestic violence against women in eastern
India: a population-based study on prevalence and related issues. BMC Public
Health. 2009;9:129. doi:10.1186/1471-2458-9-129
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) e no Brasil(
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perpetrada por companheiro. Rev Saúde Pública
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em mulheres brasileiras. Rev Saúde Pública. 2009;43(2):299-310.
). Em país da Ásia Meridional, os níveis mais altos de escolaridade
tornam-se fator de proteção contra as formas de violência(
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https://doi.org/10.1186/1471-2458-9-129...
). Pesquisa brasileira, realizada a partir de fichas de atendimento
médico e laudos de institutos médicos legais, mostrou que a maior parte das
vítimas não havia concluído o ensino fundamental(
1717. Garcia MV, Ribeiro LA, Jorge MT, Pereira GR, Resende AP.
Caracterização dos casos de violência contra a mulher atendidos em três serviços
na cidade de Uberlândia, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública.
2008;24(11):2551-63.
).
Mulheres de todos os níveis educacionais, no entanto, enfrentam situações de violência( 77. Gadoni-Costa LM, Zucatti APN, Dell'Aglio DD. Violência contra a mulher: levantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma delegacia para a mulher. Estudos Psicologia. 2011;28(2):219-27. ). O que diferencia a conduta dessas mulheres é que as mais esclarecidas teriam maior autonomia pessoal, diminuindo a tolerância às agressões( 44. Vieira EM, Perdona GSC, Santos MA. Fatores associados à violência física por parceiro íntimo em usuárias de serviços de saúde. Rev Saúde Pública. 2011;45(4):730-7. ). E, quando vitimadas, quase sempre recorrem a consultórios médicos e escritórios de advocacia particulares. Desse modo, pode ocorrer sub-representação nos registros, associando as situações de violência contra a mulher à pobreza( 77. Gadoni-Costa LM, Zucatti APN, Dell'Aglio DD. Violência contra a mulher: levantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma delegacia para a mulher. Estudos Psicologia. 2011;28(2):219-27. ), visto que a maioria das investigações é realizada em serviços públicos.
As manifestações de violência contra a mulher se mostraram associadas diretamente, neste estudo, ao fato de as agressões serem recorrentes, indicando que o problema revela-se de forma intensa e repetitiva na vida das vítimas. Autores( 1919. Deeke LP, Boing AF, Oliveira WF, Coelho EBS. A Dinâmica da Violência Doméstica: uma análise a partir dos discursos da mulher agredida e de seu parceiro. Saúde Soc. 2009;18(2):248-58. , 2525. Lima VLA, Souza ML, Monticelli M, Oliveira MFV, Souza CBM, Costa CAL, et al. Violência contra mulheres amazônicas. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2009;17(6):968-73. ) expõem que as mulheres, muitas vezes, desistem da denúncia formal por serem dependentes financeira ou emocionalmente do agressor, como também por medo, ou constrangimento, da exposição do caso. Esse episódio contribui para a violência adquirir caráter rotineiro.
Investigações demonstram que a maior parte das agressões contra a mulher não se constituem em um único acontecimento, mas em vários episódios que podem perdurar por décadas( 1010. Moura LBA, Gandolfi L, Vasconcelos AMN, Pratesi R. Violências contra mulheres por parceiro íntimo em área urbana economicamente vulnerável, Brasília, DF. Rev Saúde Pública. 2009;43(6):944-53. , 1919. Deeke LP, Boing AF, Oliveira WF, Coelho EBS. A Dinâmica da Violência Doméstica: uma análise a partir dos discursos da mulher agredida e de seu parceiro. Saúde Soc. 2009;18(2):248-58. ). Esse contexto colabora para o nível de gravidade das situações de violência, repercutindo negativamente na saúde física, mental e social das mulheres vitimadas. E os reflexos desse problema são nitidamente percebidos no âmbito dos serviços de saúde, seja pelos custos que representam seja pela complexidade do atendimento que demandam.
Conclusão
Os resultados desta pesquisa mostraram, como fatores associados à sobreposição de tipos de violência contra a mulher, a escolaridade baixa e a recorrência da agressão.
É importante salientar que o estudo em questão trata-se de uma demanda de serviços sentinelas, e os achados obtidos não podem ser generalizados para a população de mulheres vitimadas em geral, considerando que parcela dessas vítimas sequer procura atendimento.
Esse conhecimento, no entanto, contribui para delinear ações específicas que visam o enfrentamento dessa casuística, assim como gera subsídios para proposta adequada de atendimento e encaminhamento das vítimas que buscam os serviços de saúde, contribuindo para a visibilidade da violência contra a mulher.
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13Portaria nº 104, de 25 de janeiro de 2011 (BR). Define as terminologias adotadas em legislação nacional, a relação de doenças, agravos e eventos em saúde pública de notificação compulsória em todo território nacional e estabelece fluxos, critérios, responsabilidades e atribuições aos profissionais de saúde. 2011. [acesso 20 jun 2012]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/portaria_104_26_2011_dnc.pdf
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14Diniz K. Em Fortaleza, violência contra a mulher é epidemia crônica. Grupo UN 15 dez 2011. [acesso 20 junho de 2012]. Disponível em: http://www.grupoun.net/em-fortaleza-violencia-contra-a-mulher-e-epidemia-cronica/
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25Lima VLA, Souza ML, Monticelli M, Oliveira MFV, Souza CBM, Costa CAL, et al. Violência contra mulheres amazônicas. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2009;17(6):968-73.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jul-Aug 2013
Histórico
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Recebido
25 Jun 2012 -
Aceito
22 Abr 2013