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Experiências de famílias de crianças com paralisia cerebral em contexto de vulnerabilidade social

Resumos

OBJETIVO:

descrever e analisar a experiência de famílias de crianças com paralisia cerebral que vivem em situação de vulnerabilidade social.

MÉTODO:

foram entrevistadas seis famílias, residentes em área com essa característica. Optou-se pelo Interacionismo Simbólico como referencial teórico e Análise de Conteúdo Temática de Bardin como método de análise dos dados.

RESULTADO:

a experiência de tais famílias está representada nos temas: Reestruturando a Vida, com as categorias "Desvelando o caminho" e "Acomodando a rotina", e Travando uma Luta Constante, com as categorias: "Cuidador principal tendo sobrecarga", "Convivendo com o preconceito", "Tendo dificuldade de locomoção" e "Vivendo com dificuldades financeiras".

CONCLUSÃO:

a vulnerabilidade social influencia em como a família vive a condição crônica. Profissionais e estratégias de saúde pública são uma potência para minimizar impactos, inclusive os relativos ao orçamento familiar, mas não têm sido efetivos. Eles precisam ser sensibilizados para se tornar recursos de suporte, oferecer e orientar o acesso às redes de apoio e acionar o serviço social, quando necessário. Este estudo agrega conhecimento ao já produzido, ao apontar peculiaridades da vivência familiar em situações de duas variáveis de difícil manejo: cronicidade e vulnerabilidade social, evidenciando o papel do profissional na busca de solução conjunta, com a família, para o enfrentamento de demandas e sofrimentos.

Pobreza; Criança; Paralisia Cerebral; Família; Enfermagem


OBJECTIVE:

to describe and to analyze the experience from families of children with cerebral paralysis living under circumstances of social vulnerability.

METHOD:

six resident families in area with this characteristic were interviewed. It was opted to use the Symbolic Interactionism as theoretic reference and the Thematic Content Analysis of Bardin as analysis method for the data.

RESULT:

the experience of such families is represented in the subjects: Reorganizing the Life, with the categories "Discovering the way" and "Accommodating the routine", and Stopping a Constant Fight with the categories: "Primary Carer being overcharged", "Coexisting with the preconception", "Having locomotion difficulty" and "Living with financial difficulties".

CONCLUSION:

the social vulnerability influences how the family bears the chronic condition. Professionals and strategies of public health are a power to minimize impacts including those related to the family budget, but they have not been effective. They need to be sensitized to become supporting resources, to offer and to guide the access to the support networks and to spur the social service in action when necessary. This study adds knowledge to the already existing by pointing out peculiarities of the family experience in situations regarding two variables of difficult handling: chronicity and social vulnerability, evidencing the role of the professional in search of the solution for the confrontation of demands and sufferings together with the family.

Poverty; Child; Cerebral Palsy; Family; Nursing


OBJETIVO:

describir y analizar la experiencia de familias, con niños que tienen parálisis, cerebral viviendo en situación de vulnerabilidad social.

MÉTODO:

fueron entrevistadas seis familias residentes en un área con esa característica. Se optó por el Interaccionismo Simbólico como referencial teórico y el Análisis de Contenido Temático de Bardin como método de análisis de los datos.

RESULTADO:

la experiencia de esas familias está representada en los temas: Reestructurando la Vida (con las categorías "Revelando el camino" y "Acomodando la rutina"), y Trabando una Lucha Constante (con las categorías "Cuidador principal teniendo sobrecarga", "Conviviendo con el prejuicio", "Teniendo dificultad de locomoción" y "Viviendo con dificultades financieras").

CONCLUSIÓN:

la vulnerabilidad social influye en cómo la familia vive la condición crónica. Los profesionales y las estrategias de salud pública son los factores potenciales para minimizar impactos, inclusive los relativos al presupuesto familiar, sin embargo éstos no han sido efectivos. Los profesionales precisan ser sensibilizados para tornarse recursos de soporte, ofrecer y orientar el acceso a las redes de apoyo y accionar el servicio social cuando sea necesario. Este estudio agrega conocimiento al ya producido, al apuntar peculiaridades de la vivencia familiar en situaciones de dos variables de difícil administración: cronicidad y vulnerabilidad social, evidenciando el papel del profesional en la búsqueda de una solución conjunta con la familia para el enfrentamiento de demandas y sufrimientos.

Pobreza; Niño; Parálisis Cerebral; Família; Enfermería


Introdução

A paralisia cerebral é condição ocasionada pelo dano ou má-formação do cérebro, decorrente principalmente de prematuridade e intercorrências adversas na hora do parto. Acarreta limitações funcionais, as quais impactam as atividades motoras, intelectuais e comportamentais do indivíduo acometido( 11. Parkes J, McCullough N, Madden A, McCahey E. The health of children with cerebral palsy and stress in their parents. J Adv Nurs. 2009;65(11):2311-23. - 22. Svedberg LE, Englund E, Malker H, Stener-Victorin E. Comparison of impact on mood, health, and daily living experiences of primary caregivers of walking and non-walking children with cerebral palsy and provided community services support. European J Paediatr Neurol. 2010;14(3):239-46. ). A literatura internacional registra que a prevalência dessa condição é de 2 a 2,5 por 1.000 nascimentos( 33. Dolk H, Parkes J, Hill N. Trends in prevalence of cerebral palys in Northern Ireland, 1981-1997. Develop Med Child Neurol. 2006;48:406-12. ) e a expectativa de vida é de 20 anos( 44. Hemming K, Hutton JL, Cover A, Platt MJ. Regional variation in the survival of people with cerebral palsy in the United Kingdom. Pediatrics. 2005;16(6):1383-90. ). Em países subdesenvolvidos, a incidência dessa condição é superior, observando-se 7 casos por 1.000 nascimentos. Dados nacionais oficiais sobre essa incidência não foram localizados, mas estima-se por ano cerca de 30.000 a 40.000 novos casos( 55. Mancini MC, Fiúza PM, Rebelo JM, Magalhães LC, Coelho ZAC, Paixão ML, et al. Comparação do desempenho de atividades funcionais em crianças com desenvolvimento normal e crianças com paralisia cerebral. Arq Neuropsiquiatr. 2002;60(2-B):446-52. ). Por caracterizar-se como de longa duração e recorrente, por estabelecer dependência contínua, ser incurável, irreversível e degenerativa, tal condição é considerada crônica( 66. Marcon SS, Radovanovic CAT, Waidman MAP, Oliveira MLF. Life experience and reflections from a study group on families facing chronic health situation. Texto & Contexto-Enferm. 2005;14:116-24. ). Especificamente na infância, a condição crônica impõe modificações na vida e limita a participação da criança em atividades normais para sua idade, e também a restringe no brincar( 77. Vieira MA, Lima RAG. Children and adolescents with a chronic disease: living with changes. . Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2002;10(4):552-60. - 88. Herzer M, Godiwala NBS, Hommel KA, Driscoll K, Mitchell M, Crosby LE, et al. Family functioning in the context of pediatric chronic conditions. J Develop Behavior Pediatrics. 2010;31(1):26-34. ). Famílias que possuem criança em condição crônica de doença são financeiramente mais vulneráveis, já que os gastos são três vezes maiores do que com as crianças saudáveis. Tal quadro é verificado porque, além dos custos envolvidos com materiais de suporte, transporte e terapêutica, as demandas decorrentes da condição crônica interferem na capacidade dos pais em se manterem no emprego( 99. Looman WS, O'Conner-Von SK, Ferski GJ, Hildenbrand DA. Financial and employment problems in families of children with special health care needs: implications for research and practice. J Pediatr Healthcare. 2009;23(2):117-25. ).

O status socioeconômico é fator determinante da situação de saúde, sendo a pobreza atrelada às piores condições de vida da criança em condição crônica complexa( 1010. Wang C, Guttmann A, Dick PT. Neighborhood income and health outcomes in infants: how do those with complex chronic conditions fare? Archiv Pediatrics Adolesc Med. 2009;163(7):608-15. ). O ambiente é considerado promotor de desdobramentos negativos da doença, já que o contexto em que a família vive reflete em suas condições psicológicas e físicas, além de restringir o acesso ao tratamento( 1111. Rose SM, Hatzenbuehler S. Embodying social class: the link between poverty, income inequality and health. Intern Soc Work. 2009;52(4):459-71. - 1212. Nikiema B, Spencer N, Seguin L. Poverty and chronic illness in early childhood: a comparison between the United Kingdom and Quebec. Pediatrics. 2010;125(3):499-507. ).

No Brasil, a desigualdade na distribuição de renda e elevados níveis de vulnerabilidade social interferem no acesso à saúde. O censo de 2010 revela que 8,5% dos brasileiros vivem em condição de extrema pobreza (renda per capita inferior a R$70 por mês), dentre os quais 17% se concentram no Sudeste do país( 1313. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento. PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Brasilia; 2011. ). Compreender o contexto e o impacto que as condições econômicas possuem na saúde da população, bem como suas estratégias de enfrentamento, pode instrumentalizar a atuação profissional no sentido de estabelecer parceria de cuidado, potencializar as conquistas e estabelecer conjuntamente metas a serem alcançadas.

Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi descrever e analisar a experiência de famílias em situação de vulnerabilidade social que têm crianças com paralisia cerebral. Buscou-se promover a reflexão sobre a temática sob a perspectiva familiar, com vistas a perceber em que medida a situação de vulnerabilidade social influencia e interfere na vivência com a condição crônica.

Método

Este artigo deriva da análise de resultados da dissertação de mestrado "Doença crônica na infância no contexto de vulnerabilidade social: a experiência da família", cujo desenvolvimento foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição de ensino superior, ao qual o programa de pós-graduação se vincula, tendo todas as recomendações da Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, observadas.

O estudo foi desenvolvido em um município do interior do Estado de São Paulo, em bairros com Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS) sob o índice 5. Esse índice é composto por indicadores de renda, escolaridade, ciclo de vida familiar e segregação espacial. Considera, também, que o local de residência influencia as condições de vida do indivíduo em virtude da possibilidade ou dificuldade de acesso a bens e a serviços públicos e privados. Assim, por meio de setores censitários, mapeia áreas segundo graus de vulnerabilidade. O grau cinco é atribuído a regiões que possuem as piores condições na dimensão socioeconômica, sendo o índice máximo de vulnerabilidade social encontrado no município em estudo. A finalidade de tal indicador é dimensionar políticas públicas de enfrentamento a essa situação( 1414. Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (BR). Índice Paulista de Vulnerabilidade Social. [acesso 29 jan 2011]. Disponível em: http://www.seade.gov.br/projetos/ipvs/apresentacao.php
http://www.seade.gov.br/projetos/ipvs/ap...
).

Foi disponibilizada, pelo município, uma listagem com o endereço de 20 famílias que viviam em situação de vulnerabilidade social 5 e que tinham, em sua composição, uma criança com paralisia cerebral. Por meio dos endereços listados, a pesquisadora se dirigiu às residências para expor a pesquisa e convidar as famílias a participarem, em uma nova data, de acordo com a preferência dos membros. Caso não houvesse contato no domicílio, eram realizadas duas novas tentativas antes do descarte do endereço. Das famílias listadas, seis aceitaram participar da presente pesquisa.

Visando conhecer a experiência familiar, optou-se pelo referencial teórico do Interacionismo Simbólico, que concebe o ser humano como ativo, que interage no contexto social e atribui significados por intermédio de suas relações, o que repercute em seu comportamento. De forma cíclica, esse processo determina a interação da pessoa com o outro e consigo própria( 1515. Blumer H. Symbolic interacionism: perspective and method. Berkeley: Berkeley, CA: University of California Press; 1969. ).

Conduzir a entrevista de forma semidirigida permite ao pesquisador a compreensão imediata de informações, esclarecimento de questões dúbias e adequações no curso da entrevista( 1616. Turaro ER. Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa. 4ed. Vozes: Petrópolis; 2010. 685 p. ). À luz de tais conhecimentos, as famílias foram instigadas a discorrer sobre suas experiências, por uma questão norteadora: Como tem sido para vocês vivenciar a doença de (nome da criança) no dia a dia?". As entrevistas foram gravadas, transcritas na íntegra e sistematizadas, segundo o método da Análise de Conteúdo Temática, proposta por Bardin( 1717. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2006. ).

Esse método constitui-se em um conjunto de técnicas utilizadas para o entendimento dos significados implícitos nas mensagens. A análise preconiza as seguintes etapas: que a transcrição das entrevistas, feita na íntegra, seja lida com detalhamento e profundidade, para apreender sobre como a família vive essa experiência. Essa fase é denominada pré-análise. As leituras posteriores têm a finalidade de melhor explorar o material, que passa pelo processo de desmembramento e reagrupamento, denominado sistematização dos dados. Na sequência, os dados, que já foram inicialmente separados por temas, recebem uma releitura, cujo processo de reflexão e análise dos resultados produz a interpretação dos mesmos( 1717. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2006. ).

Resultados

Foram identificados dois temas que discorrem sobre a experiência familiar de viver em situação de vulnerabilidade social tendo uma criança com paralisia cerebral. O tema Reestruturando a Vida agrega as categorias: "Desvelando o caminho" e "Acomodando a rotina", enquanto o tema Travando Uma Luta Constante abarca as categorias: "Cuidador principal tendo sobrecarga", "Convivendo com o preconceito", "Tendo dificuldade de locomoção" e "Vivendo com dificuldades financeiras". A seguir apresenta-se cada um deles. E, para elucidar as categorias, foram selecionados trechos das entrevistas dos participantes, identificando quanto ao parentesco com a criança, número da entrevista e folha em que se encontrava o seu recorte.

Reestruturando a vida

Em relação a esse tema, pode-se verificar que, ao receber o diagnóstico de que a criança tem paralisia cerebral, a família sofre grande impacto proporcionado pela perda e luto do filho idealizado e pela necessidade de adentrar em um mundo de demandas desconhecidas. O futuro torna-se incerto, pois o universo da condição crônica não fazia parte das perspectivas familiares. Como desconhece as estratégias de cuidado dessa criança, a família enfrenta dificuldades, pois se percebe em um movimento de desvelar caminhos para poder prosseguir.

As novas necessidades inseridas no cotidiano familiar promovem a reestruturação das relações, das rotinas de cada membro, bem como da rotina familiar, pois a dependência da criança exige dedicação integral de um dos cônjuges, o que restringe a possibilidade de inserção de um deles no mundo do trabalho e, consequentemente, na renda familiar. A família precisa acomodar a rotina para se organizar e conseguir atender às necessidades de cuidado da criança.

Desvelando o caminho

A condição da criança é inicialmente desconhecida pela família, que passa a perceber, no dia a dia, comportamentos diferentes do esperado para uma criança saudável e, a partir daí, se mobiliza em busca de compreensão do quadro.

A gente só foi percebendo com o tempo! Porque ele não engatinhava, ele não parava em pé! Aí a gente percebeu que ele era uma criança diferente (Irmã, E1, P.5).

A percepção de desamparo e a falta de comprometimento dos profissionais de saúde com a situação vivenciada mobilizam a família a buscar respostas por iniciativa própria. O quadro da criança começa a ser desvelado com base em informações fragmentadas que a família recebe de diversos profissionais, além de por meio da relação com mães que vivenciam situações semelhantes à de sua criança e que contam como foi seu percurso. A falta de orientações concretas gera insegurança no cuidado ofertado à criança, e a família passa a refletir sobre a eficácia da assistência prestada.

Ninguém me contou! Eles nasceram prematuros e saíram do hospital. De repente eu percebi que tinha algo de errado e o médico me mandou fazer fisioterapia. Lá me falaram que eram nove meses de fisioterapia. E esses nove meses já tinham passado. Aí eu fui perguntar para a fisioterapeuta na época, "não eram só nove meses? Mas já passaram nove meses". E ela disse "Não, pode ser 1 ano, 2, 10, 30 anos!" e a gente tá até hoje fazendo fisioterapia! (Mãe, E2, P.1).

Quando finalmente recebe o diagnóstico, a família nem sempre o aceita, não se conformando com um futuro de restrições e impossibilidades, mas almejando a melhora da criança. O cuidado é integrado à rotina, ignorando as previsões pessimistas, sempre em busca do melhor desenvolvimento da criança.

Por mais que ele tenha ficado quase dois meses na UTI, eu pensei que quando ele voltasse para casa e tomasse os medicamentos, ele ia melhorar. E até eu entender que não era assim (pausa) foi muito difícil! Depois de conversar sobre paralisia cerebral eu comecei a andar para lá e para cá! [...] um fala uma coisa e o outro fala outra e a gente começa a encaixar na cabeça da gente e tocar a vida! (Mãe, E5, P.2).

A família reflete sobre as consequências que a alteração neuromotora acarreta, comparando com outras crianças, e sofre ao pensar no futuro a que seu filho foi destinado.

Você vê os outros crescendo, evoluindo e ele não! Então para a gente é difícil, muito difícil! (Pai, E1, P.2).

Mas meu pai não aceita! Ele (pai) vê todos (outros filhos) correndo e brincando. E ele (criança) era para ser normal! (Irmã, E1, P.6).

Acomodando a rotina

Com o passar do tempo, a família passa a reconhecer os sinais e sintomas manifestos pela criança e consegue desenvolver estratégias de cuidado, relacionando as necessidades com melhores formas de suprir as demandas. O que, a princípio, era enfrentado com dificuldade passa a ser agregado de maneira natural à rotina familiar, sendo realizado de forma mais segura.

Hoje se ele tem uma crisezinha eu já sei! No começo eu assustava, ficava desesperada, a minha vontade era de pegar ele e levar no hospital! [...] ficava desesperada! Hoje não [...] Eu já entendo que faz parte, que ele tem as fases dele! Então eu já tô mais experiente! Experiência no cuidar dele (Mãe, E5, P.3).

Os familiares associam o que vivenciam na experiência cotidiana com o que observam na prática dos profissionais, desenvolvendo assim sua maneira própria de cuidar. Essa é a estratégia do cuidador - não depender exclusivamente do serviço de saúde -, o que é relatado com orgulho e satisfação pelo alcance de autonomia.

Eu ficava meio preocupada se eu era capaz de cuidar dele. Depois que eu comecei a ir nos atendimentos e pegar bastante amizade nesses lugares, fui desenvolvendo e comecei a aprender. Hoje eu já posso dizer que eu tô bem craque no cuidado dele! (Mãe, E5, P.1).

A família sente-se gratificada ao observar que, apesar das dificuldades impostas, consegue se reestruturar e criar estratégias, tendo o cuidado da criança sob controle.

No começo foi horrível! Eu entrei em um mundo que eu era leiga. Eu não sabia nem o que era paralisia cerebral. Hoje eu sei mais. Não que eu seja uma expert, mas eu já sei, conheço um pouco mais! E a gente vai se adaptando às coisas que aparecem e vai aprendendo. [...] Eu mesma faço, não dependo mais do hospital (Mãe, E2, P.1/6).

A família convive e participa do processo de conquistas alcançadas. Percebe os avanços e progressos que a criança realiza, por menores e mais lentos que sejam, sentindo-se gratificada pelo esforço e empenho.

Cada vez que ele sorri, a gente vê que ele tá melhorando, então para a gente é uma alegria! (Irmã, E1, P.6).

Eu acho que para ele tá bom! Pelo menos não tá atrofiando! Mas andar, que é o sonho que a gente tem, e falar, isso é só por Deus mesmo! Mas só dele não atrofiar já está ótimo! Não sei, eu aceito ele tão bem que para mim isso é detalhe! (Mãe, E4, P.2).

Ele era duro, duro, duro! Você pegava e ele ficava todo duro! E já hoje não, ele já se mexe bastante! (Mãe, E5, P.6).

A trajetória é marcada pela constante mobilização familiar em busca de auxílios garantidos pela legislação brasileira. A família enfrenta processos burocráticos cansativos, cuja demora não respeita as necessidades prementes, uma vez que as crianças prosseguem crescendo e se desenvolvendo, demandando tomada de decisão e adoção de medidas rápidas para se evitar maiores sequelas físicas e mentais.

[...] se eu souber que o (criança) tem direito, eu corro atrás! Eu faço valer! (Mãe, E4, P.10).

Travando uma luta constante

A condição crônica de doença da criança demanda cuidados contínuos e a família se organiza para atender a tais necessidades. Associadas a esse processo estão a própria dinâmica familiar e as necessidades individuais de seus membros, o que, de modo geral, faz com que o cuidador principal tenha sobrecarga sobre si. O cotidiano é marcado por um movimento contínuo de driblar dificuldades para poder cuidar da criança, marcadamente relacionadas às que incluem locomoção da criança de um atendimento para outro. Em meio a tudo isso resta ainda à família lidar com as situações de preconceitos, que a desgastam e entristecem. O ponto central de dificuldades dessa experiência familiar está na vivência de dificuldades financeiras, que retrata a vulnerabilidade social das famílias participantes da pesquisa, ressaltando sua influência no cotidiano do cuidado familiar e profissional das crianças com paralisia cerebral.

Cuidador principal tendo sobrecarga

A mãe, como cuidadora principal, centraliza, além das atividades domésticas, as de assistência à criança. Dificilmente consegue realizar qualquer atividade sem que a criança esteja presente, por não poder contar com a ajuda de outra pessoa para dividir o cuidado. A falta de tempo de realizar outras tarefas acaba isolando o cuidador de atividades sociais e de lazer. Quando pensa sobre o futuro, sofre, porque percebe a dependência da criança e não visualiza uma pessoa de confiança com quem possa contar em sua ausência. Além do sofrimento psíquico, há também a sobrecarga física. As atividades cotidianas tornam-se mais difíceis com o crescimento da criança e, como as necessidades dela são colocadas em primeiro lugar, o cuidador dificilmente acha tempo para cuidar de si. É uma trajetória marcada como solitária e exigente.

[...] eu tô com um problema na minha coluna. Semana passada eu fui ao médico e eu tava com ele (criança) porque não tinha com quem deixá-lo! [...] Foi até bom porque eu mostrei para o médico. Ele disse que eu tô com desgaste na coluna, me passou medicação e falou da fisioterapia. Falou que eu não podia pegar peso! Aí eu mostrei o (criança) e disse: "isso aqui eu não tenho como evitar! Isso aqui é a minha rotina todo dia!". Porque meu marido tá fora de casa o dia todo! (Mãe, E5, P.9).

Ele (criança) não fica com ninguém [...] se eu for fazer alguma coisa ele tem que ir junto (Pai, E3, P.3).

E como só eu cuido dele, nesse levanta e agacha, eu tô com desgaste na coluna! (Mãe, E5, P2).

E se eu não tiver aqui amanhã ou depois? Como vai ser? Nossa!! eu não gosto nem de pensar! (Mãe, E5, P.9).

Convivendo com o preconceito

A essa trajetória já marcada por tantas dificuldades soma-se uma outra que submete a família a um peso diferenciado, que é o preconceito. Ela julga que tais atitudes ocorram porque há falta de sensibilidade, desconhecimento da situação vivenciada e, em consequência, menosprezo pelas dificuldades e limitações que a criança e a família enfrentam. Busca entender as peculiaridades da sua situação e tenta não sofrer, mas nem sempre consegue.

Ninguém da família vem visitar, ninguém faz nada! Parece que ele é um monstrinho! Minha sogra pegava ele assim (faz o gesto de segurar longe do corpo) (Mãe, E4, P.3).

Tendo dificuldade de locomoção

À medida que a criança cresce aumentam os obstáculos relacionados à locomoção, visto que o transporte público e as vias de acesso não atendem às demandas e limitações das pessoas com necessidades especiais. Para ter acesso a transporte especial, disponibilizado pela prefeitura, a família enfrenta processo burocrático de difícil ingresso e, ao conseguir, relata que o mesmo é inflexível para atender às demandas da família. As ruas e os estabelecimentos não estão adaptados às necessidades do cadeirante. Ao prospectar todas as dificuldades a serem enfrentadas, evitam sair com a criança, mas a rotina terapêutica implica viagens e tratamentos de saúde contínuos.

Tem um monte de rampas pra subir e pra descer! Eu vou lá com o transporte, mas lá eu que carrego. E com a minha idade (pausa)! A idade chega pra ele e chega também pra mãe! [...] É horrível andar com ele pela calçada! É tudo quebrado, cheio de buraco! Na cidade mesmo, tem loja que tem rampinha pra subir, tem loja que não! É difícil! Quem vai consertar isso? A prefeitura não faz nada! (Mãe, E4, P.7/11).

[...] o carrinho é muito grande (para andar de ônibus). Até dá, naqueles ônibus especiais, mas quase não tem. Então ela (Mãe) leva ele no colo (Pai, E3, P.3).

A mobilidade dentro da residência também se torna árdua. As famílias relatam o desejo de adaptar os domicílios de forma a tornar esse processo menos cansativo e mais prático. Apesar de ser um grande desejo, ponderam o custo envolvido nessas reformas e as necessidades de saúde são elencadas como prioritárias no planejamento orçamentário.

Ele tem uma cadeira [...] mas o problema é que ele cresce muito [...]. Inclusive eu tô levando ele no colo [...] mas é difícil carregar, ele é grande! [...] Eu quero adaptar a casa! A gente tá tentando adaptar o corredor para poder aterrar lá na frente pra poder fazer uma rampa pra ficar melhor! Porque desse jeito é complicado. E eu também queria fazer outro banheiro, já adaptado! Porque tenho que ficar levando ele no colo! Você acha que eu tô desse jeito por quê? (refere-se à dor nas costas) (Mãe, E2, P.7/8).

Vivendo com dificuldades financeiras

O componente financeiro desempenha papel fundamental no cuidado. Em condição de vulnerabilidade social, afeta a dinâmica familiar, obriga a aprender a administrar o dinheiro e a elencar as necessidades principais.

Se tivesse mais dinheiro ia ser mais gostoso! [...] A gente faz assim, vai arrumando o que tá dando problema e se sobrar a gente vai vendo o que faz! (Mãe, E5, P.12).

Sem dinheiro é difícil! Precisa de dinheiro para fazer as coisas! [...] Gasta muito! Só de fralda... nas viagens (tratamentos) sempre tem que ter um dinheiro para lanchar fora! E a gente tem aqui a dificuldade de não tê-lo! De estar fora e não ter 1 real para tomar uma água. [...] É horrível não ter o dinheiro! Às vezes eu levava um leite e chegava lá e o leite azedava. Aí ficava o dia todo sem comer. É difícil, eu passei por situações difíceis! (Mãe, E2,P.7).

Tô só aguardando. Ela (assistente social) me falou que é só liberar a verba que eles fazem a órtese. E ela está aí esperando. Para mim é cansativo. Eu fui ver se dava para eu comprar, mas era R$800. E tinha que dar R$400 de entrada. Ela tem o auxilio. Mas com esse dinheiro eu compro as coisas dela de comer. Aquele suco que ela toma, o único que ela toma, é quase R$5! E as coisas que ela come eu não posso tirar. Então não dá para eu tirar R$400 na órtese! Fica pesado! (Mãe, E6, P. 11/13).

A falta de dinheiro gera angústia, pois não há recurso suficiente para o tratamento e o suporte de que a criança necessita. Os membros abdicam de suas necessidades em prol da criança e realizam um esforço físico bastante grande para fazer o que é possível. Outro tipo de sofrimento é saber o que faria bem à criança e não poder lhe oferecer.

Ô se ia ajudar ter mais dinheiro! Porque aí eu ia pagar a equoterapia! Eu também queria pagar a piscina! (Mãe, E1, P.8).

Se eu tivesse dinheiro para pagar uma piscina eu ia colocar ele para ir fazer hidroterapia [...] meu sonho é ver ele na piscina! [...] ele ama água! [...] O pessoal diz que dinheiro é maldição. Eu digo que não ter dinheiro é que é maldição! (Mãe, E4, P.4/6).

Além disso, a família se depara com outra triste realidade, que só dificulta o cuidado e desfavorece as relações. Percebe que nas instituições de saúde muitos profissionais têm motivação financeira. Esse fator é presente mesmo dentro do sistema público de saúde, causando desconfiança e fragilidade nos vínculos.

Eu liguei pra ela "Drª tá acontecendo assim, assim e assado" e ela disse "Você pode pagar uma consulta no (Hospital)?". E eu não podia, nessa época meu marido tava desempregado! Aí eu falei "Mas Drª foi a sua injeção!" e ela disse "Eu medico meus pacientes como eu sei medicar e agora eu não posso fazer nada!" [...] Ela (médica) queria que eu pagasse uma consulta pra ela ver ele! E nessa época eu não tinha nada, não tinha convênio! Meu marido tava desempregado e eu tinha outros 2 filhos pequenos! (Mãe, E4, P.3).

Ele (criança) ia fazer cirurgia pra alongar o tendão. Ele ia fazer primeiro uma perna e depois de três meses ele ia fazer a outra. O médico aqui queria fazer um de cada vez por isso (gesticula dinheiro)! Aí coloca o bichinho pra judiar! (Mãe, E3, P.8).

Discussão

Os resultados desta pesquisa apontam que a condição crônica na criança influencia e interfere na dinâmica familiar. Na interação estabelecida com a criança, cada membro familiar atribui significados às experiências, desenvolve estratégias e cuidados. A família passa a aceitar a condição da criança e seu cuidado é tido como um trabalho, com rotinas e deveres. Apesar dessa postura de enfrentamento que a família estabelece com a situação, adversidades e dificuldades continuam a ocorrer, pois a vivência da experiência não é um processo linear nem estático, mudando com o decorrer do tempo.

Dados da literatura corroboram os deste estudo, quando apontam que os familiares passam muito mais tempo envolvidos em atividades médicas do que nas de lazer( 88. Herzer M, Godiwala NBS, Hommel KA, Driscoll K, Mitchell M, Crosby LE, et al. Family functioning in the context of pediatric chronic conditions. J Develop Behavior Pediatrics. 2010;31(1):26-34. ); assim, o tratamento de saúde possui dimensão importante na vida familiar( 77. Vieira MA, Lima RAG. Children and adolescents with a chronic disease: living with changes. . Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2002;10(4):552-60. ) e o cerne das preocupações concentra-se no futuro da criança( 1616. Turaro ER. Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa. 4ed. Vozes: Petrópolis; 2010. 685 p. ). Esse quadro aumenta o estresse dos membros, podendo ser fator de conflito familiar( 88. Herzer M, Godiwala NBS, Hommel KA, Driscoll K, Mitchell M, Crosby LE, et al. Family functioning in the context of pediatric chronic conditions. J Develop Behavior Pediatrics. 2010;31(1):26-34. - 99. Looman WS, O'Conner-Von SK, Ferski GJ, Hildenbrand DA. Financial and employment problems in families of children with special health care needs: implications for research and practice. J Pediatr Healthcare. 2009;23(2):117-25. ).

As desigualdades sociais e a pobreza são fenômenos dinâmicos e multidimensionais que podem interferir na saúde dos indivíduos. A esfera financeira possui grande impacto no enfrentamento da cronicidade. A literatura, bem como informações desses participantes, indicam que crianças com condição crônica de saúde demandam maior investimento financeiro familiar já que a mesma impõe ao sujeito uma gama de necessidades que envolvem custo financeiro. Os materiais e recursos destinados à criança são caros e somam-se à dificuldade dos familiares em se manterem no emprego devido à necessidade de tempo para cuidar da criança. Crianças necessitam de diversos serviços de saúde, tratamentos extras e materiais de suporte. Os gastos médicos de crianças com condição crônica são três vezes maiores do que no caso de crianças saudáveis. Esse impacto é relatado pela família: cerca de 40% dos gastos familiares são aumentados em função da condição da criança( 99. Looman WS, O'Conner-Von SK, Ferski GJ, Hildenbrand DA. Financial and employment problems in families of children with special health care needs: implications for research and practice. J Pediatr Healthcare. 2009;23(2):117-25. ). Assim, o custo do tratamento é uma preocupação significativa e de longo prazo, aumentando os níveis de estresse dos pais( 99. Looman WS, O'Conner-Von SK, Ferski GJ, Hildenbrand DA. Financial and employment problems in families of children with special health care needs: implications for research and practice. J Pediatr Healthcare. 2009;23(2):117-25. , 1818. Buran CF, Sawin K, Grayson P, Criss S. Family needs assessment in cerebral palsy clinic. J Specialists Pediatr Nurs. 2009;14(2):86-93. - 1919. Whittingham K, Wee D, Boyd R. Systematic review of the efficacy of parenting interventions for children with cerebral palsy: Child Care Health Develop. 2011;37(4):475-83. ).

O Brasil não é um país pobre, mas um país desigual, com elevada concentração de renda. Os elevados níveis de vulnerabilidade social interferem no acesso à saúde de forma plena( 2020. Lustig DC, Strauser DR. Causal relationships between poverty and disability. Rehab Counsel Bull. 2007;50(4):194-202. ). Para o enfrentamento das condições adversas fazem-se necessárias a identificação e definição das reais necessidades, dificuldades no acesso e condições para viabilização de ações públicas de promoção da saúde direcionadas à população.

É imposto desafio maior àqueles que, além de viver em um meio desfavorecido financeiramente, enfrentam a cronicidade. Os familiares, visando melhor qualidade de vida para sua criança, buscam incansavelmente recursos e estratégias. Colocam o interesse da criança em primeiro plano e enfrentam dificuldades de acesso a produtos e serviços. A burocracia e a falta de esclarecimento permeiam esse processo, de forma que a família necessita desvelar o caminho. O desgaste provocado na família por essa desarticulação é apontado na literatura, em função da baixa resolutividade no sistema( 2121. Moraes JRMM, Cabral IE. The social network of children with special healthcare needs in the (in)visibility of nursing care. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012;20(2):282-8. - 2222. Oliveira BRG, Collet N, Mello DF, Lima RAG. The therapeutic journey of families of children with respiratory diseases in the public health service. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012;20(3):453-61. ). Além disso, a vulnerabilidade social carrega, muitas vezes, um estigma, uma conotação negativa pela sociedade, associada à preguiça e à dependência.

A paralisia cerebral também atrela o estigma pelo qual pessoas com incapacidades cognitivas são consideradas por grande parcela da população como vulneráveis e incapazes de autonomia. E, assim, os indivíduos nem sempre são valorizados e têm sua individualidade desconsiderada. Tal fato é explicitado na usual solidão e no isolamento vivenciados pelas pessoas com deficiências, derivados do relacionamento social restrito ou de redes de apoio ineficientes( 99. Looman WS, O'Conner-Von SK, Ferski GJ, Hildenbrand DA. Financial and employment problems in families of children with special health care needs: implications for research and practice. J Pediatr Healthcare. 2009;23(2):117-25. , 1818. Buran CF, Sawin K, Grayson P, Criss S. Family needs assessment in cerebral palsy clinic. J Specialists Pediatr Nurs. 2009;14(2):86-93. , 2020. Lustig DC, Strauser DR. Causal relationships between poverty and disability. Rehab Counsel Bull. 2007;50(4):194-202. ). Infelizmente, como sinalado neste estudo, esse preconceito é percebido nas relações estabelecidas com indivíduos fora do círculo familiar.

Tal fato também é notado na relação com alguns profissionais de saúde que, por vezes, além de ofertarem um serviço de baixa qualidade, desconsideram o poder de decisão dos sujeitos envolvidos( 2020. Lustig DC, Strauser DR. Causal relationships between poverty and disability. Rehab Counsel Bull. 2007;50(4):194-202. , 2323. Mello DF, Lima RAG, Scochi CGS. Health follow-up of children in poverty situation: between the routine and eventuality of daily care. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2007;15(spec number):820-7. ). As ações desarticuladas de profissionais e programas de saúde não contemplam uma atenção integral das necessidades da família. Faz-se necessário promover cuidado integral e resolutivo, que ultrapasse as ações focadas exclusivamente na patologia.

Ao equacionar os procedimentos ao cuidado efetivo das demandas da família, o enfermeiro proporciona uma relação intercessora com o indivíduo, baseada no acolhimento, no vínculo e na escuta efetiva. Assim, considera-se que a relação com os profissionais pode minimizar o impacto da vulnerabilidade social, já que a qualidade do cuidado e a rede de apoio podem ajudá-la a reduzir a interferência que os problemas financeiros ocasionam na assistência. Estudos apontam que proporcionar cuidado coordenado com os serviços e ver a família como parceira permitem potencializar o cuidado ofertado à criança( 99. Looman WS, O'Conner-Von SK, Ferski GJ, Hildenbrand DA. Financial and employment problems in families of children with special health care needs: implications for research and practice. J Pediatr Healthcare. 2009;23(2):117-25. , 1919. Whittingham K, Wee D, Boyd R. Systematic review of the efficacy of parenting interventions for children with cerebral palsy: Child Care Health Develop. 2011;37(4):475-83. , 2323. Mello DF, Lima RAG, Scochi CGS. Health follow-up of children in poverty situation: between the routine and eventuality of daily care. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2007;15(spec number):820-7. ). Assim, o cuidado deve ser proposto por meio de estratégias que se direcionem às reais necessidades da família( 2121. Moraes JRMM, Cabral IE. The social network of children with special healthcare needs in the (in)visibility of nursing care. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012;20(2):282-8. , 2424. Oliveira SHS, Monteiro MAA, Lopes MSV, Brito DMS de, Vieira NFC, Barroso MGT. Strategies to combat poverty and their interface with health promotion. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2007;15:867-73. ).

Conclusão

Neste estudo, observou-se que a doença crônica na criança, especialmente na paralisia cerebral, possui grande impacto na família, que se mobiliza, reestrutura e cria estratégias de enfrentamento. O investimento nas necessidades da criança, elencadas como prioritárias, e o tempo de cuidado a ela destinado interferem na atividade laboral de pelo menos um dos membros da família. Em situação de vulnerabilidade social, o fator financeiro envolvido no tratamento da criança desponta como fonte de preocupação e angústia. Os custos envolvidos são altos e o sistema público não consegue suprir todas as demandas. A família elenca as necessidades e luta diariamente, buscando o melhor para sua criança. Enfrenta barreiras de preconceito, sofrendo, ao ver a ignorância de pessoas que não compreendem e destratam a condição enfrentada, além das barreiras físicas de estruturas inadequadas. Desgasta-se fisicamente no transporte da criança, mas o recurso financeiro limitado é investido em outras áreas elencadas como prioritárias.

Os profissionais de saúde e as estratégias de saúde pública são uma grande potência e espaço privilegiado para minimizar o impacto nas dificuldades familiares, inclusive as relativas ao orçamento da família, mas observou-se que não são efetivos. Tal realidade pede que os profissionais sejam sensibilizados para se tornar recursos de suporte para a família no enfrentamento das dificuldades, prover informações, oferecer e orientar o acesso às redes de apoio disponíveis e acionar o serviço social quando necessário.

Este estudo agrega conhecimento ao já produzido, ao apontar peculiaridades da vivência familiar em situações de duas variáveis de difícil manejo: cronicidade e vulnerabilidade social, evidenciando o papel do profissional na busca de solução conjunta com a família para o enfrentamento de demandas e sofrimentos. A finalização desta pesquisa permite visualizar lacunas do conhecimento no âmbito da enfermagem e aponta para pesquisas futuras que possam ser desenvolvidas, buscando abordar as seguintes demandas: o manejo do preconceito envolvido na vulnerabilidade social, a organização econômica da família no cotidiano do cuidar da criança com paralisia cerebral, a comunicação entre a família e a equipe de saúde, visando recursos de apoio.

Salienta-se que os profissionais de saúde precisam trabalhar de modo a fazer com que os sistemas de referência e contrarreferência funcionem de modo eficiente, para que o cuidado oferecido à criança seja promotor de crescimento, desenvolvimento, reabilitação e acompanhamento contínuo, seguro e eficaz, que beneficie a criança e tranquilize a família, participante mais que ativa nesse processo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2013

Histórico

  • Recebido
    11 Abr 2012
  • Aceito
    18 Jun 2013
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