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Continuidade do Cateterismo Vesical Intermitente: pode o suporte social contribuir?

Resumos

OBJETIVO:

investigar fatores que interferem na adequada continuidade do cateterismo intermitente e sua relação com suporte social.

MÉTODO:

estudo seccional, descritivo e correlacional, realizado entre 49 pacientes com bexiga neuropática, por lesão medular.

RESULTADOS:

quase todos (92%) deram continuidade ao cateterismo intermitente, mas 46,9% fizeram alguma modificação na técnica. As complicações (28,6% da amostra) consistiram principalmente em infecção e litíase vesical. O suporte social teve escores altos para quem compunha a rede social do paciente.

CONCLUSÃO:

todos percebiam ótimo suporte dos familiares, mas não da estrutura social em geral. Dificuldades foram relacionadas à falta de material e de infraestrutura adequada, induzindo modificações, favorecendo complicações urológicas.

Bexiga Urinária Neurogênica; Cateterismo Urinário; Apoio Social


OBJECTIVE:

to investigate the factors affecting the adequate continuous use of intermittent catheterization and its relation with social support.

METHOD:

sectional, descriptive and correlational study involving 49 patients with neuropathic bladder caused by spinal cord injury.

RESULTS:

almost all (92%) participants continued the intermittent catheterization, but 46.9% made some changes in the technique. The complications (28.6% of the sample) were mainly infection and vesicolithiasis. There were high scores for social support in relation to people that were part of the patient's social support.

CONCLUSION:

All of them noticed great support from the family, but not from the society in general. The difficulties were related to the lack of equipment and inadequate infrastructure, leading to changes that increased urologic complications.

Urinary Bladder; Neurogenic; Urinary Catheterization; Social Support


OBJETIVO:

investigar factores que interfieren en la adecuada continuidad del cateterismo intermitente y su relación con el apoyo social.

MÉTODO:

estudio seccional, descriptivo y de correlación, realizado entre 49 pacientes con vejiga neurógena por lesión medular.

RESULTADOS:

casi todos (92%) dieron continuidad al cateterismo intermitente, sin embargo 46.9% hizo alguna modificación en la técnica. Las complicaciones (28,6% de la muestra) fueron principalmente infección y cálculos en la vejiga. El apoyo social tuvo puntajes altos para quien componía la red social del paciente.

CONCLUSIÓN:

todos percibían óptimo apoyo de los familiares, sin embargo no de la estructura social en general. Las dificultades fueron relacionadas a la falta de material y a la infraestructura inadecuada que induce modificaciones, favoreciendo complicaciones urológicas.

Vejiga Urinaria Neurogénica; Cateterismo Urinario; Apoyo Social


Introdução

O Cateterismo Vesical Intermitente Limpo (CIL) revolucionou o cuidado da bexiga neuropática, promovendo melhoria na qualidade de vida e declínio na mortalidade por complicações renais em pacientes com lesão medular( 11. Di Benedetto P. Clean intermittent self-catheterization in neuro-urology. Eur J Phys Rehabil Med. 2011;47(4):651-9. - 22. Cameron AP, Wallner LP, Tate DG, Sarma AV, Rodriguez GM, Clemens JQ. Bladder management after spinal cord injury in the United States 1972 to 2005. J Urol. 2010;184:213-17. ). É preferido aos cateteres vesicais permanentes por apresentar reduzido risco de infecções urinárias crônicas e sépsis, ser de fácil execução e reduzido custo( 11. Di Benedetto P. Clean intermittent self-catheterization in neuro-urology. Eur J Phys Rehabil Med. 2011;47(4):651-9. , 33. Gormley EA. Urologic Complications of the Neurogenic Bladder. Urologic Clin North Am. 2010;37(4):601-7. - 44. Samson G, Cardenas DD. Neurogenic Bladder in Spinal Cord Injury. Phys Med Rehabil Clin North Am.2007;18(2):255-74. ). Porém, demanda regularidade, disponibilidade, disciplina e adesão, sem as quais pode apresentar eventos adversos em até 56% dos casos( 55. Wilde MH, Brasch J, Zhang Y. A qualitative descriptive study of self-management issues in people with long-term intermittent urinary catheters. J Adv Nurs. 2011;67(6):1254-63. ).

A complicação mais frequente do CIL é a infecção de trato urinário, que pode chegar até mesmo a índices semelhantes aos da técnica asséptica, se o paciente negligenciar os cuidados necessários( 66. International Continence Society. Documents. [acesso 28 nov 2009]. Disponível em: http://www.icsoffice.org
http://www.icsoffice.org...

7. Singh R, Rohilla RK, Sangwan K, Siwach R, Magu NK, Sangwan SS. Bladder management methods and urological complications in spinal cord injury patients. Indian J Orthop. 2011; 45(2):141-7.
- 88. Afsar SI, Yemisci OU, Cosar SNS, Cetin N. Compliance with clean intermittent catheterization in spinal cord injury patients: a long-term follow-up study. Spinal Cord. 2013;51: 645-9. ). A prática do CIL envolve desafios específicos para o paciente, mas há evidências de que a boa orientação, a adesão do paciente e o uso de material apropriado ajudam a prevenir complicações( 11. Di Benedetto P. Clean intermittent self-catheterization in neuro-urology. Eur J Phys Rehabil Med. 2011;47(4):651-9. , 77. Singh R, Rohilla RK, Sangwan K, Siwach R, Magu NK, Sangwan SS. Bladder management methods and urological complications in spinal cord injury patients. Indian J Orthop. 2011; 45(2):141-7. ).

Na clínica, onde trabalham as autores deste estudo, observa-se que muitos pacientes não seguem as orientações ao retornarem para seus domicílios, apesar de apresentarem interesse e bom aprendizado durante o treinamento para CIL. Alteram a regularidade prescrita, descuidam da técnica ou, até mesmo, a abandonam completamente, aumentando assim o risco de infecções e outras complicações urinárias. Na busca para intervir de forma eficaz para melhorar a aderência dos pacientes às orientações recebidas, desenvolveu-se este trabalho para identificar fatores relacionados a esse problema.

Nas últimas décadas, crescente interesse surgiu sobre a função do suporte social na saúde. Vários estudos mostraram a importância do suporte social na recuperação de doenças ou traumas e na manutenção da saúde( 99. Dimatteo MR. Social Support and Patient Adherence to Medical Treatment: a Meta-Analysis. Health Psychology. 2004;23(2):207-18. - 1010. Müller R, Peter C, Cieza A, Geyh S. The role of social support and social skills in people with spinal cord injury--a systematic review of the literature. Spinal Cord. 2012;50(2):94-106. ). Não encontrando pesquisas que investigassem o suporte social em relação à continuidade do CIL, a proposta, aqui, também foi averiguar essa variável, adotando como conceito de suporte social a percepção que a pessoa tem de possuir assistência disponível, de receber cuidados e atenção de outros e de fazer parte de uma rede social de apoio( 1111. Flaherty JA, Gaviria FM, Pathak DS. The measurement of social support: The social support network inventory. Compr Psychiatry.1983;24:521-9. ).

Os seguintes objetivos foram estabelecidos: (1) investigar fatores que interferem na adequada continuidade do CIL e (2) verificar se há relação significante entre o suporte social e a continuidade do CIL.

Compreender melhor a correlação existente entre essas variáveis certamente haverá contribuição para o cuidado e acompanhamento de pessoas com bexiga neuropática.

Método

Este estudo seccional, descritivo e correlacional foi desenvolvido na Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, unidade de Belo Horizonte, MG, Brasil, que desenvolve atividades de reabilitação para doenças do aparelho locomotor, através de atendimento interdisciplinar.

A amostra foi composta por 49 pacientes adultos com lesão medular, que realizaram o CIL durante a reabilitação e retornaram para atendimento pela equipe, entre novembro de 2011 e fevereiro de 2012. O valor da amostra foi calculado considerando-se o coeficiente de correlação linear de Pearson, com nível de significância de 5%, poder do teste de, no mínimo, 80%, e médio poder de efeito (r=0,40).

Anteriormente à coleta de dados, a pesquisa foi aprovada pelos Comitês de Ética da Rede Sarah nº669 e da Comissão de Ética da Universidade Federal de Minas Gerais 0046.0.203.000-11. Os pacientes foram convidados a participar, após orientação sobre a pesquisa. Os que aceitaram, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Os dados foram coletados através de entrevistas individuais e inseridos no programa SPSS, versão 13.0, por meio do qual foram tratados e analisados usando-se estatística descritiva e correlacional. A análise de correlação entre o suporte social e as variáveis sociodemográficas e clínicas foi realizada pela correlação de Spearman. O teste não paramétrico de Kruskal-Wallis foi utilizado para comparar os resultados entre o grupo que manteve continuidade do CIL e o grupo que o abandonou.

Os dados foram coletados utilizando-se os seguintes instrumentos: (1) formulário sociodemográfico, para coleta de dados pessoais do paciente, tais como idade, sexo, escolaridade, estado civil e causa da lesão medular, (2) questionário de acompanhamento da reabilitação vesical, para informações sobre fatores que dificultaram ou que facilitaram a continuação do uso do CIL no domicílio e (3) Inventário da Rede de Suporte Social (SSNI- versão em Português), para investigar o suporte social percebido pelo paciente.

O SSNI (Social Support Network Inventory)( 1111. Flaherty JA, Gaviria FM, Pathak DS. The measurement of social support: The social support network inventory. Compr Psychiatry.1983;24:521-9. ) permite avaliar a satisfação da pessoa com o suporte recebido, ou seja, com a forma com que suas necessidades têm sido atendidas por aqueles com quem ela interage socialmente, seja na família ou comunidade. Esse instrumento propicia averiguar a composição da rede social da pessoa e, através de dez itens fechados e um aberto, investiga a existência de suporte prático e emocional. Cada item permite um escore de 0 a 5, que indica 'nenhum suporte' ou 'máximo suporte'. Quanto mais alto o escore, maior é o suporte que o paciente percebe receber. O SSNI é um instrumento largamente utilizado, confiável, válido, simples e fácil de ser aplicado. Foi traduzido, adaptado e validado no Brasil entre mulheres em tratamento para câncer de mama e pacientes com diabetes mellitus, demonstrando boa validade e confiabilidade, com um alfa de Cronbach de 0,9( 1212. Lima EDRP, Norman ME, Lima, AP. Translation and Adaptation of the Social Support Network Inventory in Brazil. J Nurs Scholarship. 2005; 37(3):258-60. - 1313. Gomes-Villas Boas LC, Foss MC, Freitas MCF, Pace AE. Relação entre apoio social, adesão aos tratamentos e controle metabólico de pessoas com diabetes mellitus. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012;20(1):52-8. ). No presente estudo, o mesmo resultado foi encontrado, confirmando ótima consistência interna do SSNI-versão em Português.

Resultados

A amostra foi predominantemente de homens jovens e solteiros, com média de 33,9 anos de idade (dp=12,64). A maioria apresentava baixo nível educacional e baixa renda familiar. Quase 80,0% sofreram lesões traumáticas, predominando as lesões por acidentes de trânsito (51,0%), motociclísticos ou automobilísticos. Após a lesão, apenas 6,0% voltaram a desenvolver atividades remuneradas. Mais detalhes são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Informações sociodemográficas. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2011

Quase metade dos pacientes (44,9%) não realizava o CIL antes de serem atendidos no serviço de reabilitação e, após esse período, apenas 4 (8,2%) não deram continuidade a essa técnica de esvaziamento vesical. Dentre esses 4 que abandonaram o CIL, 2 acharam ter tido melhora neurológica e não mais precisar do cateterismo, 1 morava em asilo e disse não ter suporte social, e o outro interrompeu por orientação médica, para tratamento de infecção urinária. Esses dois últimos passaram a utilizar sonda vesical de demora.

A maioria realizava o autocateterismo 32 (65,3%) e 13 (26,5%) faziam o CIL assistido, pois precisavam da ajuda de outra pessoa. A média de esvaziamento vesical por CIL era de 4 por dia.

O material necessário para o cateterismo é importante fator na continuidade desse método pelos pacientes. Fica, contudo, oneroso, principalmente considerando-se a baixa renda familiar da maioria. Apenas 13 (26,5%) recebiam integralmente o material necessário pelo Sistema de Saúde. Além do material necessário, 33 (73,5%) precisavam fazer uso de medicações anticolinérgicas, porém, apenas 18,4% as recebiam gratuitamente, sendo somente esses os que usavam o medicamento conforme prescrito.

Os problemas para uma adequada continuidade do CIL foram identificados e apresentados na Tabela 2. Os mais frequentes foram concernentes a dificuldades e modificações na realização da técnica.

Tabela 2
Problemas na execução do CIL. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2011

As modificações na técnica foram relacionadas aos intervalos prescritos, à falta de higienização das mãos ou genitália antes da cateterização e à não utilização de lubrificantes para evitar traumatismo da uretra. A falta de infraestrutura e a limitação financeira para compra do material necessário foram as principais dificuldades apresentadas para a realização da técnica correta. Como exemplo, queixavam-se da falta de banheiros públicos adequados, da existência de barreiras arquitetônicas por toda a parte, ou do custo do material (como lubrificantes) para um orçamento familiar já tão comprometido.

Ambas as modificações na técnica e as complicações podem interferir, provocando desconforto ou dor durante o cateterismo, sensação que foi relatada por metade da amostra. A complicação mais frequente foi a litíase vesical (28,2%), acompanhada por quadro de hidronefrose ou dilatação ureteral em 18,4% dos casos. Infecção urinária esteve presente em 20,0% da amostra, porém, já havendo sido diagnosticada antes do início do estudo. Traumatismo uretral ocorreu em 6 pacientes (12,2%) e perda urinária durante os intervalos foi mencionada por, aproximadamente, 33,0% dos pacientes, mesmo com uso de medicações anticolinérgicas, em períodos que o paciente aumentou a ingesta hídrica.

Não houve diferença estatisticamente significante entre suporte social e continuidade do CIL. Todos os pacientes tiveram altos escores no SSNI, variando entre 4,0 e 5,0 em uma escala com possível variação de 0 (nenhum suporte) a 5 (excelente suporte). A média total alta indicou que os pacientes percebiam ter bom suporte das pessoas que compunham sua rede social, conforme apresentado na Tabela 3.

Tabela 3
Medidas do Social Support Network Inventory

Apesar da alta percepção de suporte, os dados indicaram rede social bem reduzida, variando de 1 a 3 pessoas, sempre da família e principalmente de mães ou de esposas. Os resultados mostraram, também, que os pacientes casados apresentaram escores um pouco mais altos de suporte social, contudo, sem significância estatística quando comparados aos não casados. Os itens do SSNI que apresentaram escores mais altos foram 'suporte emocional' e 'suporte prático', indicando que essas mães e esposas não apenas proviam apoio na área emocional, mas, também, estavam sempre disponíveis para ajudar no cateterismo e outras necessidades práticas da vida diária dos pacientes.

O teste não paramétrico de Kruskal-Wallis foi utilizado para comparar as medianas de cada variável de interesse. A única variável que mostrou diferença significante foi o sexo, mostrando que as mulheres apresentaram escores mais altos de suporte social do que os homens (p<0,05).

Para avaliar a média do Suporte Social com as variáveis quantitativas, utilizou-se o teste de correlação de Spearman. Houve fraca correlação para 'idade' e moderada correlação para o 'número de membros na família', indicando que o suporte social aumentava à medida que aumentava a idade do paciente e o número de familiares imediatos. Para as demais variáveis não houve correlação significativa.

Discussão

Semelhante a dados encontrados por todo o mundo, os resultados mostraram predomínio de homens jovens, com lesões de origem traumática, principalmente por acidentes de trânsito( 14l4. Center. Annual Statistical Reports. 2011. [acesso 13 nov 2012]. Disponível em: https://www.nscisc.uab.edu/reports.aspx
https://www.nscisc.uab.edu/reports.aspx...
- 1515. Década de ação para a segurança no trânsito 2011-2020. [acesso 13 nov 2012]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto.cfm?idtxt
http://portal.saude.gov.br/portal/saude/...
). A Organização Mundial de Saúde tem alertado para a violência no trânsito, instando com os serviços de saúde pública para agirem com prevenção eficaz e persistente. Estima-se que, mundialmente, a cada ano, 50 milhões de pessoas perdem a saúde em acidentes de trânsito e projeções indicam que esse número aumentará cerca de 65% nos próximos 20 anos, se drásticas medidas de prevenção não forem tomadas( 1515. Década de ação para a segurança no trânsito 2011-2020. [acesso 13 nov 2012]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto.cfm?idtxt
http://portal.saude.gov.br/portal/saude/...
).

Metade da amostra apresentou baixa ou nenhuma escolaridade e limitada renda familiar. Esses pacientes eram principalmente trabalhadores braçais e o baixo nível educacional tornava mais difícil a viabilidade de emprego após a lesão. Durante o período da coleta de dados, com exceção de três pacientes, nenhum estava desenvolvendo alguma atividade remunerada. Além do peso financeiro para a família, essa situação também reflete em sobrecarga no Serviço de Previdência Social, principalmente ao se considerar as características de cronicidade da lesão. Deletérias são as consequências econômicas que a baixa empregabilidade e o não retorno ao trabalho envolvem, não apenas para o indivíduo e família, mas também para a economia do país( 1616. Lasprilla JCA, Plaza SLO, Drew A, Romero JL, Pizarro JA, Francis K, et. al. Family needs and psychosocial functioning of caregivers of individuals with spinal cord injury from Colombia, South America. NeuroReabilitation. 2010;37:83-93. ). Além do encargo econômico e físico, estima-se que, aproximadamente, metade da população com lesão medular sofra de problemas de saúde mental, seja com depressão, ansiedade, estresse clínico ou por desordem pós-traumática, o que mostra a alta probabilidade de comorbidades entre esses indivíduos e a enorme necessidade de suporte social( 22. Cameron AP, Wallner LP, Tate DG, Sarma AV, Rodriguez GM, Clemens JQ. Bladder management after spinal cord injury in the United States 1972 to 2005. J Urol. 2010;184:213-17. , 1616. Lasprilla JCA, Plaza SLO, Drew A, Romero JL, Pizarro JA, Francis K, et. al. Family needs and psychosocial functioning of caregivers of individuals with spinal cord injury from Colombia, South America. NeuroReabilitation. 2010;37:83-93. ).

Os resultados mostraram ótimo suporte social daqueles que os pacientes consideravam formar sua rede social; contudo, essa rede de suporte era bastante reduzida em todos os casos, variando de uma a três pessoas, geralmente as mães ou esposas. Apesar do apoio emocional e prático, essa reduzida rede refletiu na limitação ou falta de suprimento para a continuidade do CIL naqueles pacientes que o abandonaram. Havia suporte da família, mas não da sociedade no que se refere ao melhor oferecimento de infraestrutura, disponibilidade do material necessário para o CIL ou mesmo oportunidades de trabalho para que o indivíduo tivesse autossuficiência financeira. O estudo mostrou que, apesar da maioria dos pacientes continuar com a prática do CIL, várias modificações na técnica eram feitas devido à falta de condições materiais, o que aumentava o risco de complicações urológicas.

Não houve diferença de suporte social estatisticamente significante entre os dois grupos. No entanto, é importante considerar que o tamanho da amostra não possui poder suficiente para detectar diferença entre os grupos de pacientes. Somente quatro não deram continuidade ao CIL e, desses, um se recusou a responder ao SSNI, pois disse que não tinha qualquer suporte social, sendo esse exatamente o motivo pela troca do CIL para cateterismo permanente.

Fortalecendo dados de outros estudos, as principais complicações foram a infecção urinária e a litíase vesical. Impedir o enchimento excessivo da bexiga é uma das medidas de prevenção mais importantes para ambas as complicações. Essa última é comumente causada pela estase urinária, a qual ocorre quando o paciente não obedece aos intervalos entre os cateterismos, ou quando não segue a ingesta hídrica recomendada, muitas vezes reduzindo-a significantemente na tentativa de necessitar de menos cateterizações por dia( 11. Di Benedetto P. Clean intermittent self-catheterization in neuro-urology. Eur J Phys Rehabil Med. 2011;47(4):651-9. ). O estudo mostrou que isso acontecia quando os pacientes saíam de casa, pois enfrentavam dificuldades como falta de banheiros ou de higiene nos locais públicos, além de barreiras arquitetônicas, problema que acabava induzindo-os a se isolarem socialmente.

O traumatismo uretral, ocorrido em seis pacientes, é outra complicação comum entre os usuários de cateterismo intermitente, principalmente os do sexo masculino. A lubrificação e cuidadosa introdução do cateter, bem como o uso de cateteres hidrofílicos são fatores importantes para minimizar o risco dessa complicação. Entre os pacientes que apresentaram esse problema, a ausência do material adequado esteve associada ao desenvolvimento dos traumatismos uretrais.

Problema frequente entre os pacientes com bexiga neuropática, a perda urinária durante os intervalos foi mencionada por 33% da amostra. O uso de medicações anticolinérgicas é importante para o controle desse episódio; contudo, apenas 18,4% da amostra usavam esse medicamento, por não terem condições de comprá-lo e nem o receberem pela Previdência Social.

Conclusão

Os resultados do presente estudo sublinharam a importância do suporte social para a continuidade do CIL. Por parte dos que compunham a rede social de apoio ao paciente, o suporte era ótimo e, provavelmente por esse motivo, a grande maioria dos pacientes não abandonou a técnica. Porém, o estudo mostrou a necessidade de suporte também do sistema social. A necessidade de oportunidades para trabalho e qualificação se une à necessidade de infraestrutura adequada para que o indivíduo com lesão medular possa retornar não só a se integrar socialmente, mas, também, a ter uma vida produtiva. A falta de infraestrutura induz ao isolamento social, pois, além de dificultar a locomoção, dificulta também os cuidados específicos para o esvaziamento vesical. O custo do material necessário para o cateterismo é um peso financeiro para mais de 70% dos pacientes que, em razão disso, faziam várias modificações na técnica, colocando sua saúde em risco.

O manejo da bexiga neuropática é um desafio para os pacientes e o enfermeiro deve motivá-los para a reabilitação vesical e continuidade do cateterismo após a alta. O CIL é a forma de esvaziamento vesical preferida, considerada como técnica-ouro, pois apresenta menos complicações e melhores resultados, sendo que as medidas para prevenção de complicações mais frequentes são a boa educação, boa aderência do paciente, o uso de material apropriado e aplicação de boa técnica de cateterização.

A importância do suporte social para a adesão dos pacientes a tratamentos crônicos tem sido evidenciada em vários estudos com outras populações. Este estudo contribuiu com informações sobre a relação entre o suporte social e a continuidade do cateterismo vesical em pacientes com lesão medular, além de investigar fatores relacionados à continuidade do CIL nessa população, contribuindo, dessa forma, para que o enfermeiro intervenha adequadamente na prevenção de complicações urinárias do paciente com bexiga neuropática, promovendo sua qualidade de vida e inclusão social, ajudando-o a recuperar sua autonomia e a melhorar sua autoestima.

Este estudo apresenta as limitações de uma pesquisa correlacional. Apesar de sugerir o relacionamento entre variáveis, esse método não permite que se façam inferências causais. Além disso, um maior tamanho de amostra permitiria mais profunda investigação das variáveis estudadas. Recomenda-se, aqui, que outros estudos sejam realizados nessa área, para que se estabeleça maior grau de acurácia no problema da continuidade do CIL pelo paciente com bexiga neuropática.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    02 Maio 2013
  • Aceito
    11 Mar 2014
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