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Efetividade do gel de papaína no tratamento de úlceras venosas: ensaio clínico randomizado1 1 Artigo extraído da dissertação de mestrado "Efetividade do gel de papaína no tratamento de úlceras venosas: um ensaio clínico", apresentada à Escola de Enfermagem, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil

Resumos

OBJETIVO:

avaliar a efetividade do gel de papaína a 2% comparado ao gel de carboximetilcelulose a 2% no tratamento de pacientes com úlceras venosas crônicas.

MÉTODO:

ensaio clínico controlado randomizado, com tempo de seguimento de 12 semanas. A amostra foi composta por 18 voluntários e o total de 28 úlceras venosas. No grupo experimento foi utilizado o gel de papaína a 2% e no grupo controle o gel de carboximetilcelulose a 2%.

RESULTADOS:

o grupo experimento apresentou redução significativa da área das lesões, especialmente no período entre a 5ª e a 12ª semana de tratamento, com duas úlceras cicatrizadas e aumento expressivo da quantidade de tecido de epitelização no leito das lesões.

CONCLUSÃO:

o gel de papaína a 2% apresentou maior efetividade quanto à redução da área das lesões, entretanto, se mostrou similar ao gel de carboximetilcelulose a 2%, quanto à redução da quantidade de exsudato e de tecido desvitalizado. Sugere-se a realização de estudos multicêntricos para evidenciar a efetividade do gel de papaína a 2% na cicatrização de úlceras venosas. Número do UTN: U1111-1157-2998

Úlcera da Perna; Papaína; Carboximetilcelulose Sódica; Cicatrização; Ensaio Clínico; Enfermagem


OBJECTIVE:

to assess the effectiveness of 2% papain gel compared to 2% carboxymethyl cellulose in the treatment of chronic venous ulcer patients.

METHOD:

randomized controlled clinical trial with 12-week follow-up. The sample consisted of 18 volunteers and 28 venous ulcers. In the trial group, 2% papain gel was used and, in the control group, 2% carboxymethyl cellulose gel.

RESULTS:

the trial group showed a significant reduction in the lesion area, especially between the fifth and twelfth week of treatment, with two healed ulcers and a considerable increase in the amount of epithelial tissue in the wound bed.

CONCLUSION:

2% papain gel demonstrated greater effectiveness in the reduction of the lesion area, but was similar to 2% carboxymethyl cellulose gel regarding the reduction in the amount of exudate and devitalized tissue. Multicenter research is suggested to evidence the effectiveness of 2% papain gel in the healing of venous ulcers. UTN number: U1111-1157-2998

Leg Ulcer; Papain; Carboxymethylcellulose Sodium; Wound Healing; Clinical Trial; Nursing


OBJETIVO:

evaluar la efectividad del gel de papaína a 2% comparado con el gel de carboximetilcelulosa a 2% en el tratamiento de pacientes con úlceras venosas crónicas.

MÉTODO:

ensayo clínico controlado aleatorio, con tiempo de seguimiento de 12 semanas. La muestra fue compuesta por 18 voluntarios y un total de 28 úlceras venosas. En el grupo experimento, fue utilizado el gel de papaína a 2% y, en el grupo control, el gel de carboximetilcelulosa a 2%.

RESULTADOS:

el grupo experimento presentó reducción significativa de la área de las lesiones, especialmente en el período entre la 5ª y la 12ª semana de tratamiento, con dos úlceras cicatrizadas y aumento expresivo de la cantidad de tejido de epitelización en el lecho de las lesiones.

CONCLUSIÓN:

el gel de papaína a 2% presentó mayor efectividad en lo que se refiere a la reducción de la área de las lesiones, entretanto, se mostró similar al gel de carboximetilcelulosa a 2%, en lo que se refiere a la reducción de la cantidad de exudado y de tejido desvitalizado. Se sugiere la realización de estudios multicéntricos para evidenciar la efectividad del gel de papaína a 2% en la cicatrización de úlceras venosas. Número del UTN: U1111-1157-2998

Úlcera de la Pierna; Papaína; Carboximetilcelulosa de Sodio; Cicatrización de Heridas; Ensayo Clínico; Enfermería


Introdução

O tratamento das úlceras crônicas, sobretudo as de origem venosa, representa ônus considerável para os serviços de saúde11. Purwins S, Herberger K, Debus ES, Rustenbach SJ, Pelzer P, Rabe E, et al. Cost-of-illness of chronic leg ulcers in Germany. Int Wound J. 2010 Apr;7(2):97-102. - 22. Sen CK, Gordillo GM, Roy S, Kirsner R, Lambert L, Hunt TK, et al. Human skin wounds: a major and snowballing threat to public health and the economy. Wound Repair Regen. 2009 Nov-Dec;17(6):763-71.. Há necessidade de recursos humanos especializados e terapias adjuvantes, as quais frequentemente são adotadas por tempo longo de tratamento. Adicionalmente, esse tipo de lesão, muitas vezes, afeta a capacidade funcional do indivíduo, ocasionando impacto multidimensional - social, psicológico, financeiro33. Lopes CR, Figueiredo M, Ávila AM, Soares LMBM, Dionisio VC. Avaliação das limitações de úlcera venosa em membros inferiores. J Vasc Bras. 2013 Mar;12(1):5-9..

A úlcera venosa representa o estágio mais avançado da insuficiência venosa crônica, com prevalência de 0,5 a 2% na população mundial, sendo maior que 4% em indivíduos acima de 65 anos de idade. Sua incidência varia entre 2 e 5 novos casos por mil pessoas por ano44. van Gent WB, Wilschut ED, Wittens C. Management of venous ulcer disease. BMJ 2010;341:c6045. - 55. Raju S, Neglén P. Chronic venous insufficiency and varicose veins. N Engl J Med 2009;360:2319-27..

Pesquisas desenvolvidas nos últimos anos têm contribuído para o aumento importante na disponibilidade de novos produtos para a cicatrização de feridas66. Lazarus G, Valle MF, Malas M, Qazi U, Maruthur NM, Doggett D, et al. Chronic venous leg ulcer treatment: future research needs. Wound Repair Regen. 2014 Jan-Feb;22(1):34-42.

7. O'Connor S, Murphy S. Chronic venous leg ulcers: is topical zinc the answer? A review of the literature. Adv Skin Wound Care. 2014 Jan;27(1):35-44.

8. Serra R, Buffone G, de Franciscis A, Mastrangelo D, Vitagliano T, Greco M, et al. Skin grafting followed by low-molecular-weight heparin long-term therapy in chronic venous leg ulcers. Ann Vasc Surg. 2012 Feb;26(2):190-7.
- 99. Korelo RIG, Valderramas S, Ternoski B, Medeiros DS, Andres LF, Adolph SMM. Microcurrent application as analgesic treatment in venous ulcers: a pilot study. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012 Aug;20(4):753-60.. Os curativos à base de papaína vêm sendo estudados em diferentes formulações e concentrações como uma opção no tratamento de úlceras venosas1010. Borges EL, Caliri MHL, Haas VJ. Systematic review of topic treatment for venous ulcers. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2007 Dec;15(6):1163-70..

Em revisão sistemática com o objetivo de analisar as evidências sobre o uso da papaína no processo de cicatrização de feridas, os resultados apontaram a deficiência de um padrão de formas e apresentação para uso do produto, além do predomínio de estudos de baixa qualidade, segundo as escalas internacionais de avaliação, indicando a necessidade de desenvolvimento de pesquisas com maior rigor metodológico para a avaliação mais precisa da efetividade da papaína no processo de reparo tecidual1111. Leite AP, Oliveira BGRB, Soares MF, Barrocas DLR. Uso e efetividade da papaína no processo de cicatrização de feridas: uma revisão sistemática. Rev Gaúch Enferm. 2012 Sep;33(3):198-207..

O objetivo do estudo foi avaliar a efetividade do gel de papaína a 2% comparado ao gel de carboximetilcelulose a 2%, no tratamento de pacientes com úlceras venosas crônicas.

Método

Trata-se de um Ensaio Clínico Controlado Randomizado (ECCR), desenvolvido em ambulatório especializado no tratamento de feridas de um hospital universitário no Estado do Rio de Janeiro, Brasil.

A amostra consecutiva foi constituída por todos os indivíduos de ambos os sexos que atenderam os critérios de inclusão, quais sejam: idade ≥18 anos; presença de uma ou mais úlceras de perna de etiologia venosa, com tempo mínimo de evolução de 6 semanas; ter indicação de uso dos géis de papaína a 2% e de carboximetilcelulose a 2%; demonstrar compreensão das orientações da equipe de saúde para garantir a continuidade do tratamento em domicílio ou apresentar responsável legal que o faça; ter disponibilidade para comparecer ao ambulatório uma vez por semana; estar regularmente matriculado na instituição de realização da pesquisa

Foram excluídos pacientes com úlcera infectada, associada à erisipela, celulite ou linfangite, com úlcera com presença de tecido desvitalizado recobrindo todo o leito da lesão; com lesões circulares nos membros inferiores, com pulsos distais não palpáveis; sem condições domiciliares adequadas para o armazenamento dos produtos; pacientes com história pregressa de alcoolismo ou de doenças psiquiátricas, indivíduos com alergia a quaisquer dos produtos utilizados na pesquisa e/ou ao látex; pacientes com afecções hepáticas e/ou renais.

Os critérios de descontinuidade foram: presença de infecção na lesão durante o tempo de seguimento, utilização de outro produto na ferida que não o proposto pela pesquisa, ocorrência de evento adverso grave e não comparecimento às consultas semanais no ambulatório.

Os pacientes foram recrutados de abril a novembro de 2013 e o período de acompanhamento ocorreu entre abril de 2013 e janeiro de 2014.

A amostra inicial do estudo foi constituída por 21 voluntários randomizados e alocados em dois grupos, 11 no Grupo Experimento e 10 no Grupo Controle. Ocorreram três perdas por ausência às consultas semanais agendadas no ambulatório, resultando numa amostra de 18 pacientes, sendo 10 no Grupo Experimento e 8 no Grupo Controle.

Os pacientes que concordaram em participar do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foram randomizados e alocados em dois grupos: Grupo Experimento (PP) e Grupo Controle (CB). No Grupo Experimento o curativo da úlcera foi realizado com gel de papaína a 2% e no Grupo Controle o produto utilizado foi o gel de carboximetilcelulose a 2%. A randomização foi realizada com auxílio da tabela de números aleatórios, por uma colaboradora da pesquisa e os pesquisadores do estudo foram informados da alocação do paciente apenas no momento da primeira consulta de cada voluntário.

Nas situações em que o paciente possuía mais de uma lesão, todas foram tratadas com o mesmo produto, de acordo com a alocação do paciente no estudo.

O gel de papaína a 2% foi formulado com papaína, EDTA, propilenoglicol, carbopol 940, conservantes e água purificada. O gel de carboximetilcelulose a 2% teve em sua formulação carboximetilcelulose, propilenoglicol, conservantes e água purificada. Os produtos utilizados na pesquisa foram desenvolvidos pela farmácia universitária.

O desfecho primário do estudo foi a redução da área da lesão, avaliada por meio da técnica de planimetria manual para cálculo da área em centímetros quadrados. O registro fotográfico digital foi utilizado como técnica complementar na avaliação da lesão. Os desfechos secundários foram a redução de tecido desvitalizado no leito da úlcera e a redução da quantidade de exsudato.

Para avaliação das feridas, foi utilizado o Protocolo de Avaliação de Clientes com Lesões Tissulares, instrumento do ambulatório da instituição, resultado de pesquisa1212. Oliveira, BGRB. O protocolo de pesquisa e assistência no espaço da consulta de enfermagem para clientes com lesões tissulares e doenças crônicas. [tese de professor titular]. Niterói: Universidade Federal Fluminense. Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa; 2002.. Conforme o protocolo, o tipo de tecido foi classificado em granulação, epitelização, esfacelo e necrose de coagulação e a quantidade de cada tecido foi registrada como: ausente; de 1 a 25%; de 26 a 50%; de 51 a 75% e de 76 a 100% da área total da lesão. Para avaliar a efetividade do produto no tratamento das lesões, comparou-se a quantidade de cada tecido na primeira e a na última semana de seguimento.

Em relação ao exsudato, a quantidade foi avaliada em: ausente, quando o leito da ferida encontrava-se seco, pouca, quando o leito da ferida apresentava-se úmido e envolvia drenagem de menos de 25% do curativo, moderada, quando o leito da ferida estava saturado e a drenagem envolvia de 25 a 75% do curativo e grande, quando o leito da ferida estava banhado em fluido e a drenagem envolvia mais de 75% do curativo1313. Santos VLCG, Sellmer D, Massulo MME. Inter rater reliability of Pressure Ulcer Scale for Healing (PUSH) in patients with chronic leg ulcers. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2007 Jun;15(3):391-6. - 1414. Harris CL, Bates-Jensen B, Parslow N, Raizman R, Singh M, Ketchen R. The Bates-Jensen Wound Assessment Tool (BWAT)(c) Pictorial Guide validation project. J Wound Ostomy Continence Nurs. 2010;37(3):253-9..

Os participantes foram avaliados semanalmente e os registros de planimetria e fotografia da lesão foram realizados a cada duas semanas. Na primeira visita, foram coletados os dados referentes às condições sociodemográficas e de saúde dos pacientes. A troca do curativo foi realizada uma vez por semana pelos pesquisadores no ambulatório de feridas e diariamente pelo paciente no domicílio. Para realização do curativo no domicílio, os pacientes foram previamente orientados, inclusive por meio de folhetos informativos, quanto ao curativo, armazenamento e transporte dos produtos. Tais procedimentos foram realizados por duas pesquisadoras enfermeiras, para os dois grupos de tratamento.

O material necessário para troca diária do curativo no domicílio, o "kit curativo", foi fornecido aos pacientes dos Grupos Experimento e Controle. O kit curativo foi composto por bisnaga contendo o gel de papaína a 2% ou gel de carboximetilcelulose a 2%, gaze, atadura, esparadrapo, solução fisiológica a 0,9%, solução emoliente para a pele ao redor da lesão e recipiente para transporte do produto.

O tempo de seguimento foi de 77 dias/12 semanas, definido com base na média de dias de estudos clínicos experimentais internacionais de pacientes com úlceras crônicas1515. Watson JM, Kang'ombe AR, Soares MO, Chuang LH, Worthy G, Bland JM, et al. VenUS III: a randomised controlled trial of therapeutic ultrasound in the management of venous leg ulcers. Health Technol Assess. 2011 Mar;15(13):1-192. - 1616. Scottish Intercollegiate Guidelines Network (SIGN). Management of chronic venous leg ulcers. A national clinical guideline. Edinburgh (Scotland): Scottish Intercollegiate Guidelines Network (SIGN); 2010..

O cegamento dos participantes e dos pesquisadores foi comprometido devido às características inerentes aos produtos, como refrigeração a 4ºC do gel de papaína, e manutenção em temperatura ambiente do gel de carboximetilcelulose. Houve cegamento dos assessores de resultado, que efetuaram a análise estatística dos dados.

Utilizou-se o teste qui-quadrado (c2) para variáveis binomiais. O teste de Friedman foi usado para a associação entre uma variável ordinal e outra nominal, para amostras com mais de duas medidas. Quando houve associação de uma variável ordinal e outra dicotômica, foi utilizado o teste de Mann-Whitney, para dados não pareados e o teste de Wilcoxon para dados pareados. Os valores referentes à área das lesões foram calculados por postos médios e foram realizadas comparações múltiplas entre os postos, considerando diferentes pares de semanas de tratamento. As áreas das lesões foram comparadas entre as semanas de tratamento. Adotou-se o nível de significância de 5%.

A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina, do Hospital Universitário Antonio Pedro, Faculdade Fluminense de Medicina, e aprovado sob nº196/98; CAAE nº0154.0.258.000-08.

Resultados

Participaram da pesquisa 18 pacientes, sendo 10 do Grupo Experimento e 8 do Grupo Controle, totalizando 28 úlceras, em tratamento por 12 semanas.

O Grupo Experimento e o Grupo Controle foram homogêneos quanto às características sociodemográficas e de saúde, conforme apresentado na Tabela 1.

Tabela 1.
Distribuição das variáveis sociodemográficas e de saúde dos pacientes, segundo o grupo de tratamento. Niterói, RJ, Brasil, 2014

A idade dos indivíduos variou de 45 a 85 anos, com média de 61,94 anos e desvio-padrão de ±12,5. Nos 18 participantes foram identificadas 28 úlceras venosas, visto que havia paciente com mais de uma lesão, sendo cinco o maior número de lesões em um mesmo paciente. Dessas, 16 lesões integraram o Grupo Experimento e 12 o Grupo Controle.

Em relação à caracterização das úlceras venosas, a maioria teve início há mais de dez anos (53,6%), 3,6% iniciaram de 7 a 10 anos, 32,1% estavam abertas de 4 a 6 anos e 10,7% há menos de 3 anos. A localização mais acometida foi a região maleolar (53,6%) e o membro inferior prevalente foi o esquerdo (64,3%).

A área das lesões dos pacientes do Grupo Experimento, quando comparadas entre as semanas de tratamento, apresentou diferença significativa (p=0,006). As lesões do Grupo Controle não apresentaram alteração estatisticamente significativa em relação à área, entre as semanas de tratamento com p-valor de 0,408.

Para avaliar o momento em que ocorreu a variação expressiva entre as semanas de tratamento do Grupo Experimento, foram realizadas comparações múltiplas entre as áreas das lesões, considerando diferentes pares de semanas de tratamento (Tabela 2).

Tabela 2.
Comparação das áreas das lesões do Grupo Experimento, considerando diferentes semanas de tratamento (n=16). Niterói, RJ, Brasil, 2014

Observa-se na Tabela 2 que houve diferença significativa entre a área das lesões em vários intervalos do tratamento. Contudo, após a utilização do teste de Dunn e correção do p-valor ajustado, a variação expressiva ocorreu entre a 5ª e a 12ª semana (p-valor ajustado=0,032), o que indica que, nesse momento do tratamento, houve redução estatisticamente significativa da área das lesões tratadas com o gel de papaína a 2%.

A Figura 1 apresenta a área de cada lesão do estudo na primeira e na última semana de tratamento.

Figura 1.
Evolução da área das úlceras venosas, segundo o grupo de tratamento. Niterói, RJ, Brasil, 2014

A Figura 1 ilustra que 62,5% das lesões do Grupo Experimento apresentaram redução da área, sendo que duas feridas (12,5%) cicatrizaram completamente. Em 37,5% das úlceras a área sofreu aumento ao final do tratamento. No Grupo Controle, 50% das lesões apresentaram redução da área, 33,3% tiveram aumento na área e 16,7% das úlceras mantiveram, ao final do tratamento, a mesma área existente no início do estudo.

Quanto aos desfechos secundários, o tecido de esfacelo, desfavorável à cicatrização, apresentou redução estatisticamente significativa da 1ª para a 12ª semana de tratamento, tanto nas lesões no Grupo Experimento (p-valor=0,001) quanto no Grupo Controle (p-valor=0,004). O tecido de granulação, viável para a cicatrização, apresentou aumento significativo da 1ª semana para a 12ª semana de tratamento no Grupo Experimento (p-valor=0,021) e no Grupo Controle (p-valor=0,031).

O tecido de epitelização, que representa o fechamento da ferida, apresentou aumento significativo apenas no Grupo Experimento (p-valor=0,004), enquanto o Grupo Controle apresentou o p-valor de 0,063. Ressalta-se que duas úlceras (12,5%) do Grupo Experimento cicatrizaram totalmente ao final do tratamento.

Em relação à quantidade de exsudato, a maioria (68,8%) das úlceras do Grupo Experimento apresentou, na primeira visita do estudo, pouca quantidade de exsudato. Na última visita, 37,5% das lesões possuía pouca quantidade, 37,5% moderada, 12,5% grande e 12,5% ausência de exsudato, sem diferença significativa ao final do estudo (p-valor=0,727). No Grupo Controle, 50% das lesões apresentaram pouca quantidade de secreção ao início do estudo, 25% moderada e 25% grande. Ao final do estudo, 58% das lesões passaram a pequena quantidade de exsudato (p-valor=0,750).

Discussão

Ao analisar os dados sociodemográficos, observou-se a prevalência de aposentados, sendo 22,2% da amostra aposentados por invalidez em decorrência das úlceras crônicas, que podem ocasionar o afastamento precoce da vida laboral, além de afetar a qualidade de vida e gerar ônus relevante para os sistemas de saúde e previdenciário do país.

O baixo nível de escolaridade, associado à condição socioeconômica precária dos participantes, contribui para a diminuição do acesso a informações sobre prevenção e cuidados com o tratamento da úlcera venosa. Cabe destacar que todos os participantes do estudo eram portadores de insuficiência venosa crônica, 61,1% apresentava hipertensão arterial sistêmica e 11,1% diabetes mellitus. Esses fatores revelam a necessidade de serviço público de saúde de qualidade, que abarque o tratamento e o acompanhamento dos pacientes, para que os indivíduos se tornem agentes ativos da sua condição de saúde1717. Oliveira BGRB, Castro JBA, Granjeiro JM. Panorama epidemiológico e clínico de pacientes com feridas crônicas tratados em ambulatório. Rev Enferm UERJ. 2013 Dec;21(5):612-7..

Na avaliação de úlceras venosas crônicas, dois itens são preditores significativos de cicatrização, a área e o tempo de duração da lesão. As lesões deste estudo possuíam a área conforme o padrão nacional, onde 89,3% das úlceras apresentavam medida menor ou igual a 26cm218-19. Estudos internacionais consideram feridas grandes a partir de 10cm215. Entretanto, a classificação nacional para área de feridas apresenta padrão distinto dos internacionais, sendo considerada pequena a ferida com menos de 50cm2, média de 50cm2 a 150cm2, grande entre 150cm2e 250cm2 e extensa quando possui área maior que 250cm220.

Outro dado relevante é o tempo de duração das úlceras venosas, tendo a maioria (53,6%) início há mais de 10 anos. Cabe ressaltar que, entre as úlceras abertas há menos de 3 anos, todas eram feridas recidivantes, o que evidencia a cronicidade desse tipo de lesão e a necessidade de implementar medidas de prevenção quando ocorre a cicatrização.

Em estudo desenvolvido nos EUA com 165 pacientes com úlceras venosas e tempo de seguimento de 12 semanas, verificou-se que úlcera com área grande e longo tempo de duração é improvável a rápida cicatrização2121. Phillips TJ, Machado F, Trout R, Porter J, Olin J, Falanga V. Prognostic indicators in venous ulcers. J Am Acad Dermatol. 2000 Oct;43(4):627-30.. Outro estudo evidenciou que o bom prognóstico das úlceras venosas depende diretamente do tamanho e do tempo de evolução da úlcera. Ferida com área inferior a 10cm2 e duração menor que 12 meses tem 71% de chance de cicatrização até a 24ª semana de tratamento, enquanto a ferida maior que 10cm2 e com mais de 12 meses de duração tem 22% de chance de cura2222. Margolis DJ, Allen-Taylor L, Hoffstad O, Berlin JA. The accuracy of venous leg ulcer prognostic models in a wound care system. Wound Repair Regen. 2004 Apr;12(2):163-8..

Os resultados demonstraram que as úlceras venosas tratadas com o gel de papaína a 2% apresentaram redução significativa da área das lesões, especialmente entre a 5ª e a 12ª semana de tratamento (p-valor ajustado=0,032). Estudos que examinam a efetividade da papaína têm sido positivos, mas a maior parte não possui comparativo controlado, ou tem envolvido o tratamento de ampla variedade de feridas e não o tratamento de úlceras de perna2323. Alvarez OM, Fernandez-Obregon A, Rogers RS, Bergamo L, Masso J, Black M. A prospective, randomized, comparative study of collagenase and papain-urea for pressure ulcer debridement. Wounds. 2002 Sep;14(9):293-301..

O Grupo Controle que utilizou o gel de carboximetilcelulose a 2% nas úlceras venosas não demonstrou redução significativa da área das lesões (p-valor=0,408), ao longo de 12 semanas de tratamento. Em revisão sobre o uso de curativos com carboximetilcelulose, há evidências que sugerem que esses curativos são mais eficazes na cicatrização de úlceras diabéticas do que outros curativos, porém, esse achado é duvidoso devido ao risco de viés nos estudos originais2424. Dumville JC, O'Meara S, Deshpande S, Speak K. Hydrogel dressings for healing diabetic foot ulcers. Cochrane Database Syst Rev. 2013;7:CD009101..

A redução da quantidade de tecido desvitalizado, desfecho secundário da pesquisa, foi alcançada tanto no Grupo Experimento (p-valor=0,001) quanto no Grupo Controle (p-valor=0,004). O tecido desvitalizado prolonga a fase inflamatória e favorece a proliferação de micro-organismos e biofilmes, retardando todo o processo cicatricial. A remoção do tecido desvitalizado é preconizada no tratamento de feridas, na preparação do leito da lesão antes da aplicação do curativo. A papaína é um agente desbridante químico devido à sua ação enzimática, que provoca a dissociação das moléculas de proteína, dissolvendo os tecidos necróticos. Já o gel de carboximetilcelulose atua como desbridante autolítico, onde a destruição de tecido desvitalizado ocorre pela ação de enzimas do exsudato que permanece em contato com a úlcera2525. Sibbald RG, Goodman L, Woo KY, Krasner DL, Smart H, Tariq G, et al. Special considerations in wound bed preparation 2011: an update. Adv Skin Wound Care. 2011 Sep;24(9):415-36; quiz 437-8..

Em relação aos tecidos sadios, os dados da pesquisa foram favoráveis com aumento da quantidade de tecido de granulação tanto no Grupo Experimento (p-valor=0,021) quanto no Grupo Controle (p-valor 0,031). O crescimento de tecido de granulação também foi observado em estudo internacional com feridas tratadas com produto que associa papaína e ureia em comparação a feridas tratadas com colagenase2323. Alvarez OM, Fernandez-Obregon A, Rogers RS, Bergamo L, Masso J, Black M. A prospective, randomized, comparative study of collagenase and papain-urea for pressure ulcer debridement. Wounds. 2002 Sep;14(9):293-301..

Apenas o Grupo Experimento apresentou aumento significativo (p-valor=0,004) da quantidade de tecido de epitelização, durante o tratamento. Portanto, o gel de papaína a 2% apresentou resultado superior ao gel de CMC a 2% nessa fase de cicatrização. O tecido de epitelização leva à contração e, consequentemente, ao fechamento da lesão. O aumento desse tecido indica que o tratamento utilizado está favorecendo o processo de reparo tecidual2525. Sibbald RG, Goodman L, Woo KY, Krasner DL, Smart H, Tariq G, et al. Special considerations in wound bed preparation 2011: an update. Adv Skin Wound Care. 2011 Sep;24(9):415-36; quiz 437-8..

A quantidade de exsudato dos dois grupos de tratamento era de pouca a moderada na maioria das lesões, sem alteração significativa da primeira para a última semana de tratamento. Quanto menor a quantidade de exsudato melhor são as condições de cicatrização, considerando a pontuação PUSH1313. Santos VLCG, Sellmer D, Massulo MME. Inter rater reliability of Pressure Ulcer Scale for Healing (PUSH) in patients with chronic leg ulcers. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2007 Jun;15(3):391-6.. O excesso de exsudato está associado à colonização crítica da superfície da lesão, infecção sistêmica ou inflamação persistente da ferida2525. Sibbald RG, Goodman L, Woo KY, Krasner DL, Smart H, Tariq G, et al. Special considerations in wound bed preparation 2011: an update. Adv Skin Wound Care. 2011 Sep;24(9):415-36; quiz 437-8.. Em estudo nacional, a maior parte dos pacientes (60,0%) possuía quantidade de moderada a grande de exsudato1919. Sant'Ana SMSC, Bachion MM, Santos QR, Nunes CAB, Malaquias SG, Oliveira BGRB. Úlceras venosas: caracterização clínica e tratamento em usuários atendidos em rede ambulatorial. Rev Bras Enferm. 2012 Aug;65(4):637-44., o que difere do resultado encontrado nesta pesquisa.

Conclusão

Na avaliação da efetividade do gel de papaína a 2% comparado ao gel de carboximetilcelulose a 2%, no tratamento de úlceras venosas crônicas, conclui-se que o gel de papaína a 2% apresentou maior efetividade quanto ao desfecho primário do estudo, com redução significativa da área das lesões desse grupo, especialmente entre a 5ª e a 12ª semana de tratamento.

Quanto ao desfecho secundário, redução do exsudato, não houve alteração significativa entre os grupos, visto que os pacientes apresentaram de pouca a moderada quantidade de exsudato do início ao término do tratamento, sendo essa uma característica positiva do grupo de pacientes atendidos no Ambulatório de Feridas.

Quanto ao desfecho redução de tecido desvitalizado no leito da úlcera, o resultado foi significativo nos dois grupos. Observou-se que tanto o Grupo Papaína quanto o Grupo Carboximetilcelulose apresentou cicatrização favorável com redução de tecidos desvitalizados e crescimento de tecido de granulação.

Uma das limitações do estudo foi a presença de feridas com tamanho acima do padrão das demais, indicando outliers. Lesões com área grande e tempo de evolução prolongado são de difícil cicatrização. Tais características são apontadas como fatores agravantes para o tratamento. Informações com características subjacentes aos dados podem ser determinantes no conhecimento da população à qual pertence a amostra do estudo e podem orientar intervenções clínicas específicas.

Tendo em vista a importância do tema, acredita-se que este estudo possa colaborar para o desenvolvimento de protocolos de pesquisa para a avaliação de feridas. Sugere-se a realização de estudos multicêntricos que aprofundem a investigação de variáveis relacionadas à efetividade do gel de papaína.

References

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    Artigo extraído da dissertação de mestrado "Efetividade do gel de papaína no tratamento de úlceras venosas: um ensaio clínico", apresentada à Escola de Enfermagem, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jul 2015
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    04 Ago 2014
  • Aceito
    01 Fev 2015
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