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Direito à saúde: (in)congruência entre o arcabouço jurídico e o sistema de saúde

Resumos

Objetivo

discutir o direito à saúde, incorporação nos instrumentos jurídicos e o desdobramento na prática no Sistema Nacional de Saúde, em Moçambique.

Método

trata-se de uma análise documental, de cunho qualitativo, que após leitura exaustiva e interpretativa dos instrumentos jurídicos e de obras que versam sobre o direito à saúde, acesso e cobertura universal, resultaram na construção de três categorias empíricas: instrumentos dos direitos humanos e sua inter-relação com a construção do direito à saúde; sistema nacional de saúde em Moçambique; lacunas entre teoria e prática na consolidação do direito à saúde no país.

Resultados

Moçambique ratificou vários instrumentos jurídicos internacionais e regionais (da África) que tratam sobre o direito à saúde e assegurou em sua Constituição. No entanto, sua incorporação pelo Sistema Nacional de Saúde tem sido limitada, pois não consegue oferecer acesso e cobertura universal aos serviços de saúde de forma equânime em toda sua extensão territorial e nos distintos níveis de atenção.

Conclusões

a efetivação do direito à saúde é complexa e exigirá do Estado uma mobilização de ações conjuntas de políticas financeiras, educacionais, tecnológicas, habitacionais, saneamento e gestão, assim como, a garantia do acesso e cobertura universal à saúde.

Direito à Saúde; Sistemas de Saúde; Cobertura de Serviços de Saúde; Acesso aos Serviços de Saúde


Objective

to discuss the right to health, incorporation into the legal instruments and the deployment in practice in the National Health System in Mozambique.

Method

this is a documentary analysis of a qualitative nature, which after thorough and interpretative reading of the legal instruments and articles that deal with the right to health, access and universal coverage, resulted in the construction of three empirical categories: instruments of humans rights and their interrelationship with the development of the right to health; the national health system in Mozambique; gaps between theory and practice in the consolidation of the right to health in the country.

Results

Mozambique ratified several international and regional legal instruments (of Africa) that deal with the right to health and which are ensured in its Constitution. However, their incorporation into the National Health Service have been limited because it can not provide access and universal coverage to health services in an equitable manner throughout its territorial extension and in the different levels of care.

Conclusions

the implementation of the right to health is complex and will require mobilization of the state and political financial, educational, technological, housing, sanitation and management actions, as well as ensuring access to health, and universal coverage.

Right to Health; Health Systems; Health Services Coverage; Health Services Accessibility


Objetivo

discutir el derecho a la salud, su incorporación en los instrumentos jurídicos y las consecuencias en la práctica en el Sistema Nacional de Salud, en Mozambique.

Método

se trata de un análisis documental, de orden cualitativo, que después de lectura exhaustiva e interpretativa de los instrumentos jurídicos y de obras que versan sobre el derecho a la salud, acceso y cobertura universal, resultaron en la construcción de tres categorías empíricas: instrumentos de los derechos humanos y su interrelación con la construcción del derecho a la salud; sistema nacional de salud en Mozambique; y vacíos entre teoría y práctica en la consolidación del derecho a la salud en el país.

Resultados

Mozambique ratificó varios instrumentos jurídicos internacionales y regionales (de África) que tratan sobre el derecho a la salud y los aseguró en su Constitución. Sin embargo, su incorporación por el Sistema Nacional de Salud ha sido limitada, ya que no consigue ofrecer acceso y cobertura universal a los servicios de salud de forma ecuánime en toda su extensión territorial y en los distintos niveles de atención.

Conclusiones

la efectuación del derecho a la salud es compleja y exigirá del Estado una movilización de acciones conjuntas de políticas financieras, educacionales, tecnológicas, habitacionales, saneamiento y administración, así como, la garantía del acceso y cobertura universal a la salud.

Derecho a la Salud; Sistemas de Salud; Coberturas de los Servicios de Salud; Accesibilidad a los Servicios de Saud


Introdução

O direito à saúde insere-se no contexto dos direitos sociais, sendo um dos direitos mais difíceis de proteção, especialmente quando considerados os direitos civis e políticos(11. Silva BK, Bezerra AFB, Tanaka OY. Direito à Saúde e integralidade: uma discussão sobre os desafios e caminhos para a sua efetivação. Interface Comun Saúde Educ. 2012;16(40):249-59.), uma vez que implica, para sua consecução, ações efetivas e proativas dos Estados, por meio da propositura e garantia de políticas e programas no campo da saúde. Não obstante, a boa saúde é almejada por todo ser humano como condição para o exercício do estado de direito. Falar de direito à saúde implica referir-se a um conjunto de normas jurídicas que estabelecem os direitos e obrigações do Estado, coletividades e, também, de forma individual, regulando e monitorando as relações entre eles(11. Silva BK, Bezerra AFB, Tanaka OY. Direito à Saúde e integralidade: uma discussão sobre os desafios e caminhos para a sua efetivação. Interface Comun Saúde Educ. 2012;16(40):249-59.); é referir-se, também, ao acesso e cobertura universal dos serviços de saúde, em qualidade e quantidade para toda população.

A cobertura universal dos serviços de saúde deve oferecer serviços de alta qualidade e acesso, priorizando, ainda, a promoção, prevenção, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos(22. Jacobs B, Ir P, Bigdli M, Annear PL, Damme WV. Addressing access barriers to health services: an analytical framework for selecting appropriate intervention in low-income Asian Contries. Health Policy Plan. 2012;27:288-300.

3. Andrade LOM, Pellegrini Filho A, Salar O, Rígoli F, Salazar LM, Serrate PCF, et al. Social determinants of health, universal health coverage and sustainable development: case studies from Latin American Countries. Lancet. 2015;385;1343-54. doi: oeg/10.1016/SO140-6736(14)61494-X.
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-44. Richard F, Hercot D, Québraogo C, Delvaux T, Samaké S, Olmem JV, et al. Sub-saharan Africa and the MDGs: the need to move beyond "quick impact" model. Reprodutive Health Matters. 2011;19(38):42-55. Doi: 101016/50968-8080(11)38579-5.
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). Neste contexto, os sistemas de saúde e seus governos, para garantia desta cobertura, devem atuar sobre os determinantes sociais e ambientais de saúde(33. Andrade LOM, Pellegrini Filho A, Salar O, Rígoli F, Salazar LM, Serrate PCF, et al. Social determinants of health, universal health coverage and sustainable development: case studies from Latin American Countries. Lancet. 2015;385;1343-54. doi: oeg/10.1016/SO140-6736(14)61494-X.
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4. Richard F, Hercot D, Québraogo C, Delvaux T, Samaké S, Olmem JV, et al. Sub-saharan Africa and the MDGs: the need to move beyond "quick impact" model. Reprodutive Health Matters. 2011;19(38):42-55. Doi: 101016/50968-8080(11)38579-5.
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-55. Atun R, Andrade LOM, Almeida G, Cotler D, Dmytraczenko T, Frenz P, et al. Health System reform and universal health coverage in Latin American. Lancet. 2015;385(9974):1230-47. doi: org/1011016/S0140-6736(14)61646-9.
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), destacando que a atuação sobre estes fatores deve ser uma tarefa de todos os setores do Estado.

Em vários países do mundo, sobretudo os países em via de desenvolvimento, como Moçambique, existem vários obstáculos de acesso aos serviços de saúde, que constituem um entrave para a cobertura universal. Entre eles destacam-se: escassez de infraestrutura sanitária, insuficiência de recursos humanos, falta de equipamentos, maior demanda, dificuldade de pagamento dos usuários pelos serviços prestados, atitude dos profissionais e características dos serviços de saúde(55. Atun R, Andrade LOM, Almeida G, Cotler D, Dmytraczenko T, Frenz P, et al. Health System reform and universal health coverage in Latin American. Lancet. 2015;385(9974):1230-47. doi: org/1011016/S0140-6736(14)61646-9.
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). Todas estas barreiras contribuem para a privação do direito à saúde das populações.

A independência de Moçambique da dominação portuguesa no ano de 1975 não significou, necessariamente, o pleno exercício do direito à saúde para a maioria da população. Ao contrário, o grande desafio está justamente em melhorar a elevada taxa de desnutrição crônica, sobretudo em crianças, alta insegurança alimentar, baixos níveis de escolaridade das mulheres, dificuldade de acesso à água potável, níveis insuficientes de saneamento básico, disponibilidade e acesso aos serviços de saúde de boa qualidade, distribuição equitativa dos profissionais de saúde nas áreas urbanas, periféricas e rurais, onde as carências sanitárias são mais elevadas(33. Andrade LOM, Pellegrini Filho A, Salar O, Rígoli F, Salazar LM, Serrate PCF, et al. Social determinants of health, universal health coverage and sustainable development: case studies from Latin American Countries. Lancet. 2015;385;1343-54. doi: oeg/10.1016/SO140-6736(14)61494-X.
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).

Estes são alguns dos desafios que revelam as dificuldades do Estado em operacionalizar as metas de cobertura e acesso universal à saúde, ocasionados também pela insuficiência de recursos financeiros destinados ao sistema de saúde, sistemas de informações deficitários, relação negativa entre os profissionais de saúde e as pessoas e o encaminhamento tardio para cuidados mais especializados de pacientes com determinada condição em unidade sanitária de nível inferior(33. Andrade LOM, Pellegrini Filho A, Salar O, Rígoli F, Salazar LM, Serrate PCF, et al. Social determinants of health, universal health coverage and sustainable development: case studies from Latin American Countries. Lancet. 2015;385;1343-54. doi: oeg/10.1016/SO140-6736(14)61494-X.
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4. Richard F, Hercot D, Québraogo C, Delvaux T, Samaké S, Olmem JV, et al. Sub-saharan Africa and the MDGs: the need to move beyond "quick impact" model. Reprodutive Health Matters. 2011;19(38):42-55. Doi: 101016/50968-8080(11)38579-5.
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-55. Atun R, Andrade LOM, Almeida G, Cotler D, Dmytraczenko T, Frenz P, et al. Health System reform and universal health coverage in Latin American. Lancet. 2015;385(9974):1230-47. doi: org/1011016/S0140-6736(14)61646-9.
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). O acesso aos serviços de saúde torna-se efetivo quando acompanhado pela cobertura universal, entendida como o desenvolvimento de sistemas de financiamento de saúde pelo Estado, que permitam que as pessoas utilizem os serviços e ações de saúde sem ônus financeiro, como o desembolso direto para obtenção dos cuidados necessários à saúde(33. Andrade LOM, Pellegrini Filho A, Salar O, Rígoli F, Salazar LM, Serrate PCF, et al. Social determinants of health, universal health coverage and sustainable development: case studies from Latin American Countries. Lancet. 2015;385;1343-54. doi: oeg/10.1016/SO140-6736(14)61494-X.
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,66. Noronha JC. Cobertura universal de saúde: como misturar conceitos, confundir objetivos, abandonar princípios. Cad. Saúde Pública. 2013;29(5):847-849.). Isto requer que os serviços sejam fornecidos equitativamente, independentemente da localização geográfica, valores culturais, crenças, religião e etnia. A falta de acesso e cobertura universal constitui-se em uma barreira para concretização do direito à saúde em Moçambique.

Visando aprofundamento desta temática realizou-se revisão de literatura nas bases de dados da Literatura Latino-Americana e do Caribe, em Ciências da Saúde - (LILACS), PubMed e Scopus , não sendo encontrados artigos sobre Moçambique. Para contribuição acadêmica desta discussão, utilizaram-se legislações que dispõem sobre o direito à saúde, elaborando-se algumas questões que nortearão este estudo reflexivo: quais instrumentos internacionais e regionais que ratificam o direito à saúde em Moçambique? Quais os instrumentos jurídicos de Moçambique que contemplam o direito à saúde? Com que arcabouços teóricos, legais e sociais pode-se compreender o desfasamento entre teoria e prática sobre o direito à saúde em Moçambique? Para responder a estas questões, o artigo apresenta como objetivo discutir o direito à saúde, incorporação nos instrumentos jurídicos e o desdobramento na prática no Sistema Nacional de Saúde em Moçambique.

Método

Trata-se de uma análise documental, de cunho qualitativo, que seguiu as orientações de Souza, Kamorski e Luís(77. Souza J, Kametorski LP, Luís MAV. Análise documental e observação participante na pesquisa em saúde mental. Rev Baiana Enferm. 2011;25(2):221-28.) e Viswambharan e Priya(88. Viswambharan AP, Priya KR. Documentary analysis as a qualitative methodology to explore disaster mental health: insights from analysing a documentary on communal riots. Qual Res. 2015;1-17. doi: 10.1177/1468794114567494.
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), que tomam a análise documental como um processo analítico, a partir de fontes documentais, que possibilitam a identificação, verificação e apreciação de documentos, para ampliação e problematização dos conhecimentos preexistentes. O uso da análise documental amplia o conhecimento, cujo entendimento necessita de um recorte histórico contextual, permitindo a compreensão sobre os processos de evolução de práticas, comportamentos, tendências e aplicação de algumas medidas(66. Noronha JC. Cobertura universal de saúde: como misturar conceitos, confundir objetivos, abandonar princípios. Cad. Saúde Pública. 2013;29(5):847-849.).

Para este estudo foi utilizada toda legislação oficial de Moçambique sobre direito à saúde, publicada no Boletim da República de Moçambique entre 1975 e 2010, além da Constituição da República. Também consultaram-se a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Após leitura exaustiva dos documentos foram construídas três categorias empíricas: "Instrumentos dos Direitos Humanos sua inter-relação com a construção do direito á saúde"; "Sistema nacional de saúde em Moçambique"; e "Lacunas entre teoria e práticas na consolidação do direito à saúde no país".

Resultados

Foram analisados cinco documentos legislativos nacionais: a Constituição da República de Moçambique de 2004; Um Decreto-lei; e três leis. A Figura 1 apresenta estes documentos legislativos.

Figura 1-
Instrumentos de legislação analisados que dispõem sobre direito à saúde em Moçambique

Em seguida, analisaram-se as três categorias empíricas, mobilizando-se a bibliografia que evidencia a situação da existência do direito à saúde ou não, cobertura e acesso aos serviços de saúde.

Instrumentos de direitos humanos e sua inter-relação com a construção do direito à saúde em Moçambique

Quando os países membros da Organização Mundial de Saúde e da União Africana aprovaram instrumentos afirmando o direito à saúde, Moçambique ainda era uma colônia portuguesa, sem característica jurídica própria para aderir a esta prerrogativa do estado de direito. Porém, com a independência em 1975, Moçambique aderiu a vários instrumentos internacionais e regionais de direitos humanos que, de forma direta ou indireta, tangenciavam a garantia do direito à saúde. Para exemplificar melhor, a Figura 2 ilustra alguns instrumentos de direitos humanos, com algum teor de direito à saúde e a posição de Moçambique.

Figura 2
- Instrumentos internacionais de direitos humanos e o vínculo ou não de Moçambique a estes instrumentos

Identifica-se que, Moçambique participa como Estado membro de vários tratados internacionais e regionais de relevância para a implantação do direito à saúde, embora não tenha ratificado o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

No contexto interno, Moçambique possui instrumentos importantes, capazes de garantir o direito à saúde, especialmente a Constituição da República de 2004(1010. Moçambique. Constituição da República de Moçambique [Internet]. Maputo: Imprensa Nacional; 2004. [Acesso 13 jan 2015]. Disponível em: http://www.mozambique.mz/pdf/constituicao.pdf
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), que explicita no artigo 49 a responsabilidade do Estado pelo acesso aos serviços de saúde a todos os moçambicanos: "todos os cidadãos têm o direito à assistência médica e sanitária, nos termos da lei bem como o dever de promover e defender a saúde pública". Embora o artigo, em epígrafe, refira-se à garantia à saúde, a Constituição não explicita, de forma contundente, a obrigação do país em oferecer serviços de saúde equitativa a todos.

Ressalta-se que, além da constitucionalidade da garantia do direito à saúde para a população, Moçambique, por meio de sua Constituição, enfatiza a importância da participação social na saúde, em especial na promoção e defesa da saúde pública, com o envolvimento das bases comunitárias(22. Jacobs B, Ir P, Bigdli M, Annear PL, Damme WV. Addressing access barriers to health services: an analytical framework for selecting appropriate intervention in low-income Asian Contries. Health Policy Plan. 2012;27:288-300.), muito embora não aponte quais instrumentos ou ferramentas constitucionais ou infraconstitucionais o Estado utilizará para favorecer a participação social.

Em relação à responsabilidade do Estado, a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, ratificada pelo governo de Moçambique, cita no artigo 16 que "toda pessoa tem o direito ao gozo do melhor estado de saúde que for capaz de atingir" e reforça, ainda, que os "Estados membros da presente carta se comprometem a tomar as medidas necessárias para proteger a saúde das suas populações e para lhes assegurar assistência médica em caso de adoecimento"(1111. Carta Africa dos Direitos do Homem e dos povos. [Internet]. Nairobi, 1981. [Acesso 22 março 2015]. Disponível em: http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/carta-africa.html.
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). Esta Carta deixa implícita a missão de qualquer Estado membro no empenho à garantia da saúde de sua população, embora não assegure a garantia enquanto responsabilidade ou dever do Estado, no entanto, reforça a liberdade individual de usufruir o melhor estado de saúde que for capaz de obter.

Moçambique ainda encontra grandes desafios para ofertar equitativamente o estado de direito à saúde, não apenas na melhoria dos serviços de saúde, mas na garantia de ações efetivas e amplas, que atuem positivamente nos determinantes sociais que influenciam o direito à saúde. Neste sentido, pode-se citar as ações no combate à insegurança alimentar, segurança pública, abastecimento e acesso à água potável, medidas sanitárias em ambientes privados e públicos, acesso à educação básica e superior, saneamento ambiental, políticas de redução da pobreza, consumo de álcool, drogas e tabaco, que constituem os determinantes sociais que limitam o acesso e cobertura universal dos serviços de saúde(33. Andrade LOM, Pellegrini Filho A, Salar O, Rígoli F, Salazar LM, Serrate PCF, et al. Social determinants of health, universal health coverage and sustainable development: case studies from Latin American Countries. Lancet. 2015;385;1343-54. doi: oeg/10.1016/SO140-6736(14)61494-X.
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,55. Atun R, Andrade LOM, Almeida G, Cotler D, Dmytraczenko T, Frenz P, et al. Health System reform and universal health coverage in Latin American. Lancet. 2015;385(9974):1230-47. doi: org/1011016/S0140-6736(14)61646-9.
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).

O Sistema Nacional de Saúde em Moçambique

Com a independência de Moçambique, o Conselho de Ministros, por meio do Decreto-lei nº 5/75 de 19 de agosto de 1975(1212. Decreto-Lei n. 5/75 de 19 de agosto de 1975 (MZ). Dispõe sobre a nacionalização das clínicas privadas. Boletim da República, I Série, n. 24, 19 de agosto de 1975.), nacionalizou as clínicas privadas que existiam durante o período colonial, com objetivo de maximizar os recursos, oferecendo maior acesso aos servicos de saúde que prestavam assistência indiscriminada aos cidadãos moçambicanos. O Decreto em seu artigo 1º refere que "todas as atividades em matéria de prevenção e tratamento da doença, assim como a preparação de quadros técnicos de saúde, são exclusivos do Estado". Neste sentido, todas as atividades de atenção primária, secundária e terciária passaram a ser de responsabilidade única e exclusiva do Estado, que se tornou o único provedor e promotor dos serviços de saúde para todo o país, assumindo, assim, o controle de hospitais portugueses e clínicas privadas(1212. Decreto-Lei n. 5/75 de 19 de agosto de 1975 (MZ). Dispõe sobre a nacionalização das clínicas privadas. Boletim da República, I Série, n. 24, 19 de agosto de 1975.). Esta conjuntura decorre de uma posição política de um governo com características socialistas, que enfatizava, por meio dos princípios de igualdade e equidade, o acesso à assistência médica e farmacêutica à população moçambicana.

Em 1977 esta situação mudou, em decorrência da Lei nº 2/77(1313. Lei n. 2/77 de 27 de setembro de 1977 (MZ). Dispõe sobre a criação de taxas de internamento hospitalar e possibilidade de atualização das mesmas. Boletim da República. I série, n. 24, 27 de setembro de 1977.), que enfatiza em seu artigo 1º a gratuidade das ações sanitárias apenas em caráter profilático. Neste sentido, o Ministério da Saúde (MISAU) adotou critérios de pagamentos com valor fixo para consultas médica e farmacêutica, das 11 províncias do país, com preços considerados acessíveis a todos.

A adoção de participação, por meio de pagamentos, limitava o acesso da população aos serviços de saúde, dado que o país, naquele momento, apresentava elevada taxa de desemprego (30%), além do elevado índice de analfabetismo (68%)(44. Richard F, Hercot D, Québraogo C, Delvaux T, Samaké S, Olmem JV, et al. Sub-saharan Africa and the MDGs: the need to move beyond "quick impact" model. Reprodutive Health Matters. 2011;19(38):42-55. Doi: 101016/50968-8080(11)38579-5.
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), fatores que ocasionavam desinformação e indisponibilidade para os pagamentos estabelecidos pelo MISAU. Associados a estes fatos, a maioria da população residia em zonas rurais, onde os serviços de saúde são mais deficitários, agravando ainda mais o estado de direito ao acesso à saúde.

Em 1991 novas mudanças são percebidas, através da criação do Sistema Nacional de Saúde (SNS), Lei nº 25/91(1414. Lei n. 25/91 de 31 de dezembro de 1991 (MZ). Dispõe sobre a criação do Serviço Nacional de Saúde. Boletim da República. I Série, n. 54, 31 de dezembro de 1991.), à luz da Constituição da República de 1990, que estabeleceu novamente o direito à assistência médica e sanitária a todos os cidadãos, por meio do MISAU. Seu objetivo centrava-se na promoção da saúde, prevenção de doenças, assistência e reabilitação, associando-se à formação de recursos humanos e pesquisas para seu desenvolvimento contínuo. Assim, o SNS estabeleceu uma organização sanitária em diferentes níveis de atenção: nível primário - constituído por centros e postos de saúde, cada um compreendendo as respectivas áreas de saúde; nível secundário - formado por hospitais distritais, gerais e rurais; nível terciário - composto por hospitais provinciais; e nível quaternário - constituído por hospitais centrais e especializados. As instituições que fazem parte do SNS, sob gestão do MISAU, são os centros de higiene, instituições de formação profissional, laboratórios especializados e instituições de pesquisa.

O SNS centraliza os recursos financeiros e organiza, de forma hierárquica, as orientações técnicas do MISAU às direções provinciais. Desta forma, o Governo Central determina o percentual do orçamento geral do Estado para o MISAU, que varia de ano a ano, e este distribui para as províncias. Esta centralização faz com que os recursos financeiros sejam canalizados, na maioria, para as unidades sanitárias nos níveis terciário e quaternário, em detrimento de centros de saúde, que, na maioria, encontram-se em zonas rurais e periféricas das cidades, reduzindo o acesso da população às unidades sanitárias, o que interfere no pleno direito de acesso aos serviços de saúde para a população residente distante dos centros urbanos.

Outro fator que deve ser considerado é que o MISAU depende, para operacionalização de suas ações, de doações de Organizações Internacionais e de países parceiros, sobretudo ocidentais. Estes recursos nem sempre satisfazem as necessidades de cobertura e acesso aos serviços de saúde para a população, não apenas por serem exíguos, mas, também, por não serem alocados de forma equitativa geograficamente, privilegiando hospitais de alta complexidade, interferindo diretamente no direito à saúde da população(2-6).

Retomando as discussões sobre as nacionalizações, em 1991, período do advento da democratização do país, o SNS admitiu sua incapacidade de ser o único provedor dos serviços de saúde, retomando as atividades da assistência médica privada, que tinham sido nacionalizadas após a independência do Estado. Por outro lado, em 2004, o Estado reconhece, oficialmente, a necessidade das atividades dos praticantes da medicina tradicional, com aprovação da política da medicina tradicional e sua estratégia de implementação, cujo objetivo primordial é sua integração ao SNS, para garantia do acesso aos cuidados de saúde primários e qualidade a toda a população moçambicana(1515. Lei n. 40/2004 de 18 de fevereiro de 2004 (MZ). Dispõe sobre Regulamento geral dos hospitais. Boletim da República, I Série, n. 7. 18 de fevereiro de 2004.).

Este reconhecimento representa avanços que o Estado vem oferecendo, desde sua independência, na consolidação da área da medicina tradicional, com a criação do Gabinete de Estudos de Medicina Tradicional em 1977 e a Criação da Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique(1515. Lei n. 40/2004 de 18 de fevereiro de 2004 (MZ). Dispõe sobre Regulamento geral dos hospitais. Boletim da República, I Série, n. 7. 18 de fevereiro de 2004.). Este reconhecimento não parece ser, necessariamente, uma valorização desta prática sanitária e da importância dos médicos tradicionais, mas uma limitação do SNS em ofertar acesso universal aos serviços de saúde e cobertura à toda população, uma vez que, neste período, o SNS cobria apenas 40% dos serviços, sendo que os demais eram cobertos pelos praticantes da medicina tradicional e serviços de saúde privados. Salienta-se que, mesmo envidado todos os esforços empreendidos pelo Estado, até 2013 o SNS cobria apenas cerca de 50%(4,8).

O fato da medicina tradicional ter sido reconhecida como partícipe do SNS, sem dúvida, agrega valor ao direito à saúde e respeito à cultura local, na medida em que as pessoas podem consultar livremente os médicos tradicionais. No entanto, ainda não existe uma integração efetiva destas práticas sanitárias com o SNS, não garantindo a regulação do MISAU sobre a oferta destes serviços e protocolos sistematizados com referência e contrarreferência que permitam a coordenação da atenção de uma forma mais articulada, dificultando, ainda mais, a garantia do direito à saúde. É importante referir que, a medicina tradicional cobre 100% de toda população moçambicana, isto é, mesmo as pessoas que têm acesso ao SNS também acessam o sistema de medicina tradicional.

Lacunas entre teoria e prática na consolidação do direito à saúde no país

O direito à saúde, embora dependa de legislações específicas que assegurem direitos e deveres, requer esforços mútuos para sua operacionalização. Neste contexto, enfatiza-se a importância da disponibilidade, que envolve a construção de infraestruturas e existência de serviços de atenção à saúde em quantidade suficiente para toda população; acessibilidade, que implica em serviços e atenção à saúde disponíveis para toda população, sem discriminação; acessibilidade física, em que as unidades sanitárias estejam ao alcance de todos, envolvendo a redução de distâncias e meios de transportes capazes de satisfazer as necessidades dos usuários e maior atenção às pessoas mais vulneráveis nas comunidades; e acessibilidade econômica, que implica no reconhecimento das dificuldades de acesso ao trabalho e maior equidade nos pagamentos que, caso permaneçam, devem ser o mais acessível possível para todos; o acesso da população à informação sem discriminação, bem como, o dever dos profissionais de saúde em respeitar a ética médica e reconhecer as questões culturais presentes nos contextos onde trabalham, podem constituir entrave no atendimento(33. Andrade LOM, Pellegrini Filho A, Salar O, Rígoli F, Salazar LM, Serrate PCF, et al. Social determinants of health, universal health coverage and sustainable development: case studies from Latin American Countries. Lancet. 2015;385;1343-54. doi: oeg/10.1016/SO140-6736(14)61494-X.
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4. Richard F, Hercot D, Québraogo C, Delvaux T, Samaké S, Olmem JV, et al. Sub-saharan Africa and the MDGs: the need to move beyond "quick impact" model. Reprodutive Health Matters. 2011;19(38):42-55. Doi: 101016/50968-8080(11)38579-5.
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5. Atun R, Andrade LOM, Almeida G, Cotler D, Dmytraczenko T, Frenz P, et al. Health System reform and universal health coverage in Latin American. Lancet. 2015;385(9974):1230-47. doi: org/1011016/S0140-6736(14)61646-9.
https://doi.org/10.11016/S0140-6736(14)6...
-66. Noronha JC. Cobertura universal de saúde: como misturar conceitos, confundir objetivos, abandonar princípios. Cad. Saúde Pública. 2013;29(5):847-849.).

Finalmente, para garantir este direito, deve haver qualidade nos serviços prestados, nos equipamentos e recursos humanos(33. Andrade LOM, Pellegrini Filho A, Salar O, Rígoli F, Salazar LM, Serrate PCF, et al. Social determinants of health, universal health coverage and sustainable development: case studies from Latin American Countries. Lancet. 2015;385;1343-54. doi: oeg/10.1016/SO140-6736(14)61494-X.
https://doi.org/10.1016/SO140-6736(14)61...
). Em Moçambique, onde a maioria da população está desempregada, e por mais "simbólicos" que sejam os valores de pagamentos, estes interferem no acesso e cobertura universal dos serviços de saúde, nos custos da consulta médica, medicamentos e, sobretudo, no transporte para aqueles que moram em locais distantes das unidades sanitárias.

O direito à saúde tem se constituído como um direito regulado e de aplicação progressiva, conforme são concebidas linhas ou princípios para o cumprimento de programas do Estado(11. Silva BK, Bezerra AFB, Tanaka OY. Direito à Saúde e integralidade: uma discussão sobre os desafios e caminhos para a sua efetivação. Interface Comun Saúde Educ. 2012;16(40):249-59.). Neste contexto, os Estados esforçam-se para aplicar o direito à saúde, de acordo com suas condições financeiras, como diz o Pacto de 1966: "cada Estado Membro no presente Pacto compromete-se a adotar medidas, (...) principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, (...), o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, (...), a adoção de medidas legislativas"(1616. Pacto Internacional dos Direitos Económicos e Culturais. Adotada pela resolução n. 2.200-A (XXI) na Assembleia Geral das Nações Unidas em 16 de Dezembro de 1996. [Internet]. [Acesso 22 março 2015]. Disponível em: http://www.oas.org/dil/port/1966%20Pacto%20Internacional%20sobre%20os%20Direitos%20Econ%C3%B3micos,%20Sociais%20e%20Culturais.pdf.
http://www.oas.org/dil/port/1966%20Pacto...
). O mais importante, neste processo de direito à saúde, é reconhecer que o Estado possui o dever imediato de cumprir as obrigações essenciais, tendo como responsabilidade legislar, regulamentar, desenhar e efetivar políticas, assim como, mobilizar recursos financeiros.

Para que o direito à saúde seja efetivado junto à população, seria necessário um empoderamento, que envolvesse acesso universal à educação, saúde, emprego, promoção de igualdade de gênero e grupos étnicos, além da capacidade de resposta das instituições(11. Silva BK, Bezerra AFB, Tanaka OY. Direito à Saúde e integralidade: uma discussão sobre os desafios e caminhos para a sua efetivação. Interface Comun Saúde Educ. 2012;16(40):249-59.-22. Jacobs B, Ir P, Bigdli M, Annear PL, Damme WV. Addressing access barriers to health services: an analytical framework for selecting appropriate intervention in low-income Asian Contries. Health Policy Plan. 2012;27:288-300.,66. Noronha JC. Cobertura universal de saúde: como misturar conceitos, confundir objetivos, abandonar princípios. Cad. Saúde Pública. 2013;29(5):847-849.,1111. Carta Africa dos Direitos do Homem e dos povos. [Internet]. Nairobi, 1981. [Acesso 22 março 2015]. Disponível em: http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/carta-africa.html.
http://www.gddc.pt/direitos-humanos/text...
). Seria importante, também, a intervenção de base comunitária, para garantia do acesso de uma ampla variedade de serviços de saúde promocional, preventiva, curativa e reabilitação(33. Andrade LOM, Pellegrini Filho A, Salar O, Rígoli F, Salazar LM, Serrate PCF, et al. Social determinants of health, universal health coverage and sustainable development: case studies from Latin American Countries. Lancet. 2015;385;1343-54. doi: oeg/10.1016/SO140-6736(14)61494-X.
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-44. Richard F, Hercot D, Québraogo C, Delvaux T, Samaké S, Olmem JV, et al. Sub-saharan Africa and the MDGs: the need to move beyond "quick impact" model. Reprodutive Health Matters. 2011;19(38):42-55. Doi: 101016/50968-8080(11)38579-5.
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).

Mas o que acontece em Moçambique? Para que haja direito à saúde, é imprescindível, entre outros fatores, recursos financeiros destinados aos diferentes níveis do SNS e dos demais subsistemas de saúde; descentralização política sobre a implantação e coordenação, para que as decisões sejam tomadas em outros níveis (central, provincial e distrital); e tecnologia médica, que envolve um conjunto de instrumentos e processos que respondem, eficazmente, às necessidades dos serviços de saúde(1717. Sanchez RM, Ciconelli RM. Conceitos de acesso à saúde. Rev Panam Salud Publica. 2012;31(3):260-8.).

Os desafios apresentados e um dos aspectos a ser considerado relacionam-se ao financiamento realizado pelo Estado moçambicano, um dos mais baixos da região da África Austral, além da dependência externa de cerca de 66% de seus gastos. Moçambique gasta, aproximadamente, 39 dólares per capita em saúde, representando muito menos da média regional(44. Richard F, Hercot D, Québraogo C, Delvaux T, Samaké S, Olmem JV, et al. Sub-saharan Africa and the MDGs: the need to move beyond "quick impact" model. Reprodutive Health Matters. 2011;19(38):42-55. Doi: 101016/50968-8080(11)38579-5.
https://doi.org/10.1016/50968-8080(11)38...
). Embora o Produto Interno Bruto (PIB) esteja crescendo nos últimos anos, em torno de 7% ao ano, o orçamento do Estado alocado ao SNS é de 6,6%, abaixo do recomentado na região da África, de 15%(44. Richard F, Hercot D, Québraogo C, Delvaux T, Samaké S, Olmem JV, et al. Sub-saharan Africa and the MDGs: the need to move beyond "quick impact" model. Reprodutive Health Matters. 2011;19(38):42-55. Doi: 101016/50968-8080(11)38579-5.
https://doi.org/10.1016/50968-8080(11)38...
).

A descentralização e transparência não está bem definida no MISAU, uma vez que não existe visibilidade sobre a prestação de contas para a população como um todo, muito embora exista um conjunto de políticas, estratégias, leis e regulamentos(33. Andrade LOM, Pellegrini Filho A, Salar O, Rígoli F, Salazar LM, Serrate PCF, et al. Social determinants of health, universal health coverage and sustainable development: case studies from Latin American Countries. Lancet. 2015;385;1343-54. doi: oeg/10.1016/SO140-6736(14)61494-X.
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,88. Viswambharan AP, Priya KR. Documentary analysis as a qualitative methodology to explore disaster mental health: insights from analysing a documentary on communal riots. Qual Res. 2015;1-17. doi: 10.1177/1468794114567494.
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,1212. Decreto-Lei n. 5/75 de 19 de agosto de 1975 (MZ). Dispõe sobre a nacionalização das clínicas privadas. Boletim da República, I Série, n. 24, 19 de agosto de 1975.). O país carece de tecnologia médica, insumos e processos em quantidade e qualidade(33. Andrade LOM, Pellegrini Filho A, Salar O, Rígoli F, Salazar LM, Serrate PCF, et al. Social determinants of health, universal health coverage and sustainable development: case studies from Latin American Countries. Lancet. 2015;385;1343-54. doi: oeg/10.1016/SO140-6736(14)61494-X.
https://doi.org/10.1016/SO140-6736(14)61...
-44. Richard F, Hercot D, Québraogo C, Delvaux T, Samaké S, Olmem JV, et al. Sub-saharan Africa and the MDGs: the need to move beyond "quick impact" model. Reprodutive Health Matters. 2011;19(38):42-55. Doi: 101016/50968-8080(11)38579-5.
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,1515. Lei n. 40/2004 de 18 de fevereiro de 2004 (MZ). Dispõe sobre Regulamento geral dos hospitais. Boletim da República, I Série, n. 7. 18 de fevereiro de 2004.); portanto, não dispõe de infraestrutura suficiente para atender plenamente o acesso aos meios diagnósticos, capazes de responder com segurança à elucidação diagnóstica de diferentes patologias que acometem a população. A cobertura dos serviços de saúde, embora tenha aumentado, ainda é baixa para satisfazer todas as necessidades de saúde da população(44. Richard F, Hercot D, Québraogo C, Delvaux T, Samaké S, Olmem JV, et al. Sub-saharan Africa and the MDGs: the need to move beyond "quick impact" model. Reprodutive Health Matters. 2011;19(38):42-55. Doi: 101016/50968-8080(11)38579-5.
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,1313. Lei n. 2/77 de 27 de setembro de 1977 (MZ). Dispõe sobre a criação de taxas de internamento hospitalar e possibilidade de atualização das mesmas. Boletim da República. I série, n. 24, 27 de setembro de 1977., 1717. Sanchez RM, Ciconelli RM. Conceitos de acesso à saúde. Rev Panam Salud Publica. 2012;31(3):260-8.).

Não se pode negar as melhorias em algumas áreas da saúde, como o aumento de partos assistidos por profissionais de saúde, fixada em 54,3%; redução da pobreza para quase 50%; e redução da mortalidade neonatal de 50% para 30,4%(88. Viswambharan AP, Priya KR. Documentary analysis as a qualitative methodology to explore disaster mental health: insights from analysing a documentary on communal riots. Qual Res. 2015;1-17. doi: 10.1177/1468794114567494.
https://doi.org/10.1177/1468794114567494...
,44. Richard F, Hercot D, Québraogo C, Delvaux T, Samaké S, Olmem JV, et al. Sub-saharan Africa and the MDGs: the need to move beyond "quick impact" model. Reprodutive Health Matters. 2011;19(38):42-55. Doi: 101016/50968-8080(11)38579-5.
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,1313. Lei n. 2/77 de 27 de setembro de 1977 (MZ). Dispõe sobre a criação de taxas de internamento hospitalar e possibilidade de atualização das mesmas. Boletim da República. I série, n. 24, 27 de setembro de 1977.); mas o estado de direito à saúde ainda está longe de ser efetivado à toda população. Outros fatores associados à falta de cobertura dos serviços de saúde em países como Moçambique estão relacionados a desigualdades sociais, sistemas políticos governamentais(33. Andrade LOM, Pellegrini Filho A, Salar O, Rígoli F, Salazar LM, Serrate PCF, et al. Social determinants of health, universal health coverage and sustainable development: case studies from Latin American Countries. Lancet. 2015;385;1343-54. doi: oeg/10.1016/SO140-6736(14)61494-X.
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4. Richard F, Hercot D, Québraogo C, Delvaux T, Samaké S, Olmem JV, et al. Sub-saharan Africa and the MDGs: the need to move beyond "quick impact" model. Reprodutive Health Matters. 2011;19(38):42-55. Doi: 101016/50968-8080(11)38579-5.
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5. Atun R, Andrade LOM, Almeida G, Cotler D, Dmytraczenko T, Frenz P, et al. Health System reform and universal health coverage in Latin American. Lancet. 2015;385(9974):1230-47. doi: org/1011016/S0140-6736(14)61646-9.
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-66. Noronha JC. Cobertura universal de saúde: como misturar conceitos, confundir objetivos, abandonar princípios. Cad. Saúde Pública. 2013;29(5):847-849.) e para os casos dos países africanos adicionam-se instabilidades política e econômica. Para países com estas características, a cobertura universal dos serviços requer reforma dos sistemas, promoção dos princípios de equidade, solidariedade e ação coletiva para superar as desigualdades(33. Andrade LOM, Pellegrini Filho A, Salar O, Rígoli F, Salazar LM, Serrate PCF, et al. Social determinants of health, universal health coverage and sustainable development: case studies from Latin American Countries. Lancet. 2015;385;1343-54. doi: oeg/10.1016/SO140-6736(14)61494-X.
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4. Richard F, Hercot D, Québraogo C, Delvaux T, Samaké S, Olmem JV, et al. Sub-saharan Africa and the MDGs: the need to move beyond "quick impact" model. Reprodutive Health Matters. 2011;19(38):42-55. Doi: 101016/50968-8080(11)38579-5.
https://doi.org/10.1016/50968-8080(11)38...
-55. Atun R, Andrade LOM, Almeida G, Cotler D, Dmytraczenko T, Frenz P, et al. Health System reform and universal health coverage in Latin American. Lancet. 2015;385(9974):1230-47. doi: org/1011016/S0140-6736(14)61646-9.
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), pois a ausência de tudo isso não poderá garantir acesso e cobertura universal e, consequentemente, o direito à saúde.

Conclusão

O tema sobre direito à saúde é complexo, uma vez que é perpassado por várias esferas, entre elas, saúde, direito, políticas financeiras, educacionais, tecnológicas, habitacionais, saneamento e gestão.

Em Moçambique, as ações do Estado, representado pelo SNS, demonstram o distanciamento entre as políticas preconizadas e as práticas de saúde, com incipiente enfoque na equidade e qualidade, muito embora haja, sistematicamente, um aumento da procura pelos serviços de saúde.

As dificuldades de acesso e cobertura universal e, consequentemente, o estabelecimento do direito à saúde é reflexo do: subfinanciamento no campo da saúde; dificuldades de descentralização dos processos assistenciais e tecnologias médicas; baixa cobertura do SNS; falta de profissionais qualificados e de uma política de fixação destes profissionais; dificuldade nas condições e processo de trabalho no campo da saúde; poucas atividades no campo interdisciplinar e do trabalho em equipe; e prática sistematizada de profissionais como os da enfermagem.

Para que as pessoas usufruam do direito à saúde, além das ações ofertadas pelo governo, deve-se considerar, também, a necessidade de participação da população, com utilização de mecanismos de controle social, requerendo do Estado maior acesso e cobertura dos serviços de saúde.

Para a população geral de Moçambique, as práticas da medicina tradicional podem constituir-se em ampliação do acesso e cobertura universal dos serviços de saúde, mas que sejam contratualizadas, supervisionadas e regulamentadas pelo Estado.

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  • Errata

    No artigo "Direito à saúde: (in)congruência entre o arcabouço jurídico e o sistema de saúde", com número de DOI: 10.1590/1518-8345.0995.2679, publicado no periódico Rev. Latino-Am. Enfermagem, 2016;24:e2679, na página 7:
    Onde se lia:
    "Maria Fernanda do Prado Tostes
    Universidade Estadual do Paraná
    Campus de Paranavaí
    Av. Gabriel Esperidião, s/n
    CEP: 87703-000, Paranavaí, PR, Brasil
    E-mail: mfpprado@gmail.com"
    Leia-se:
    "Fernando Mitano
    Universidade Lúrio. Campus de Marrere
    R. nr. 4250, Km 2,3
    Bairro de Marrere
    Nampula, Moçambique
    E-mail: piqinamita@gmail.com"

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2015
  • Aceito
    16 Jul 2015
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