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Adesão aos antirretrovirais em pessoas com coinfecção pelo vírus da imunodeficiência humana e tuberculose1 1 Artigo extraído da dissertação de mestrado "Qualidade de vida, religiosidade e adesão à terapia antirretroviral de coinfectados por HIV/Tuberculose", apresentada à Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil.

Resumos

Objetivo:

avaliar os níveis de adesão à terapia antirretroviral em coinfectados pelo HIV/tuberculose e correlacionar esses níveis com as variáveis sociodemográficas e clínicas da população em estudo.

Método:

estudo transversal, com 74 pessoas adultas, de ambos os sexos, coinfectadas por HIV/tuberculose. Utilizou-se, para coleta de dados, um formulário de avaliação sociodemográfica e clínica e o Questionário de Avaliação da Adesão ao Tratamento Antirretroviral. A análise dos dados ocorreu mediante o uso do STATA, versão11, por meio de estatística descritiva, do teste qui-quadrado exato de Fisher e de probabilidade.

Resultados:

predominaram homens (79,7%), com idade entre 30 e 39 anos (35,1%), com baixa renda (75,7%) e tuberculose pulmonar (71,6%). A adesão à terapia antirretroviral mostrou-se inadequada em 78,1% dos homens; 61,0% dos solteiros; 47,0% dos desempregados e 76,5% entre pessoas com renda inferior a um salário-mínimo. Observou-se diferença significativa entre a adesão e o tempo de uso dos antirretrovirais (p=0,018), orientação sexual (p=0,024) e número de filhos (p=0,029).

Conclusão:

os coinfectados apresentaram adesão inadequada aos antirretrovirais, fato que repercute de modo negativo nas condições de saúde das pessoas que vivem com a coinfecção HIV/tuberculose. Constatou-se correlação estatisticamente significante entre os níveis de adesão e algumas características sociodemográficas e clínicas.

Adesão à Medicação; Coinfecção; HIV; Tuberculose


Objective:

assess the adherence levels to antiretroviral therapy in people coinfected with HIV/tuberculosis and correlate these levels with the sociodemographic and clinical variables of the study population.

Method:

cross-sectional study involving 74 male and female adults coinfected with HIV/tuberculosis. For the data collection, a sociodemographic and clinical assessment form and the Antiretroviral Treatment Adherence Assessment Questionnaire were used. For the data analysis, the software STATA version 11 was used, through descriptive statistics, Fisher's chi-square exact test and the probability test.

Results:

men were predominant (79.7%), between 30 and 39 years of age (35.1%), low income (75.7%) and pulmonary tuberculosis (71.6%). Adherence to antiretroviral therapy was inappropriate in 78.1% of the men; 61.0% of single people; 47.0% unemployed and 76.5% among people gaining less than one minimum wage. A significant difference was observed between compliance and length of use of antiretrovirals (p=0.018), sexual orientation (p=0.024) and number of children (p=0.029).

Conclusion:

the coinfected patients presented inappropriate adherence to the antiretrovirals, a fact that negatively affects the health conditions of the people living with HIV/tuberculosis coinfection. A statistically significant correlation was found between the levels of adherence and some sociodemographic and clinical characteristics.

Medication Adherence; Coinfection; HIV; Tuberculosis


Objetivo:

evaluar los niveles de adhesión a la terapia antiretroviral en coinfectados por el VIH/tuberculosis y correlacionar esos niveles con las variables sociodemográficas e clínicas de la población estudiada.

Método:

estudio trasversal con 74 personas adultas, de ambos sexos, coinfectadas por HIV/tuberculosis. Fue utilizado para recolectar los datos un formulario de evaluación sociodemográfica y clínica y el Cuestionario de Evaluación de la Adhesión al Tratamiento Antirretroviral. El análisis de los datos fue efectuado con el uso de STATA, versión 11, mediante estadística descriptiva, la prueba ji-cuadrado exacto de Fisher y de probabilidad.

Resultados:

predominaron hombres (79,7%), con edad entre 30 y 39 años (35,1%), baja renta (75,7%) y tuberculosis pulmonar (71,6%). La adhesión a la terapia antiretroviral se mostró inadecuada en 78,1% de los hombres; 61,0% de los solteros; 47,0% de los desempleados y 76,5% entre personas con renta inferior a un salario-mínimo. Se observó diferencia significativa entre la adhesión y el tiempo de uso de los antiretrovirales (p=0,018), orientación sexual (p=0,024) y número de hijos (p=0,029).

Conclusión:

los coinfectados presentaron adhesión inadecuada a los antiretrovirales, hecho que influye negativamente en las condiciones de salud de las personas que viven con la coinfección HIV/tuberculosis. Se constató correlación estadísticamente significante entre los niveles de adhesión y algunas características sociodemográficas y clínicas.

Cumplimiento de la Medicación; Coinfección; VIH; Tuberculosis


Introdução

A infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) tem sido considerada um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento da Tuberculose (TB) ativa, a partir de uma infecção latente em pessoas infectadas pelo Mycobacterium tuberculosis (11. Kipp AM, Pungrassami P, Nilmanat K, Sengupta S, Poole C, Strauss RP, et al. Socio-demographic and AIDS-related factors associated with tuberculosis stigma in Southern Thailand: a quantitative, cross-sectional study of stigma among patients with TB and healthy community members. BMC Public Health [Internet]. 2011 [Acesso 20 abril 2015];11:675. Disponível em: http://www.biomedcentral.com/1471-2458/11/675
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).

A infecção pelo HIV representa um desafio significativo para o controle da TB mundial. A TB é a segunda principal causa de morte por doenças infecciosas em todo o mundo e a principal causa entre pessoas que vivem com HIV. Aproximadamente, 13,0% dos casos de TB ocorrem em pessoas que vivem com HIV(22. Adane AA, Alene KA, Koye DN, Zeleke BM. Non-adherence to anti-tuberculosis treatment and determinant factors among patients with tuberculosis in Northwest Ethiopia. PLoS ONE [Internet]. 2013 [Acesso 20 abril 2015];8(11). Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3823971/pdf/pone.0078791.pdf
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).

A adesão ao tratamento da TB e do HIV/AIDS é de fundamental importância para o controle das infecções, visto que, mesmo sendo consideradas infecções crônicas, o tratamento da tuberculose tem duração de seis a nove meses, a depender do tipo de TB, enquanto que o tratamento do HIV/AIDS perdura por toda a vida(33. Méda ZC, Lin YT, Sombié I, Maré D, Morisky DE, Chen YMA. Medication-adherence predictors among patients with tuberculosis or human immunodeficiency virus infection in Burkina Faso. J Microbiol Immunol Infect. [Internet]. 2014 [Acesso 21 abril 2015];47:222-32. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.jmii.2013.05.001
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).

A coinfecção HIV/TB resulta em taxas de mortalidade mais altas do que a infecção somente pelo HIV(44. Komati S, Shaw PA, Stubbs N, Mathibedi MJ, Malan L, Sangweni P, et al. Tuberculosis risk factors and mortality for HIV infected persons receiving antiretroviral therapy in south Africa. Aids. 2010;24(12):1849-55.). A resistência aos tuberculostáticos, assim como o elevado risco de transmissão do bacilo da TB, surgiu em razão do abandono e do uso inadequado dos fármacos contra a TB. As pessoas que vivem com HIV têm maior risco de reativação da infecção tuberculosa latente e como consequência da resposta imunológica deficiente. Em coinfectados, a mortalidade comumente se relaciona ao diagnóstico tardio, uma vez que algumas pessoas com HIV adiam a procura pelos serviços de saúde por receio de receber um diagnóstico de AIDS(55. Thompson MA, Mugavero MJ, Rivet Amico K, Cargill VA, Chang LW, Gross R, et al. Guidelines for improving entry into and retention in care and antiretroviral adherence for persons with HIV: evidence-based recommendations from an International Association of Physicians in AIDS Care Panel. Ann Intern Med. 2012;156(11):817-33.).

No concernente à evolução da doença, tem sido observada a redução da sobrevida de pessoas com HIV/AIDS após o desenvolvimento da TB ativa. Ainda, a infecção pelo HIV altera a infecção por TB, sua manifestação clínica, duração do tratamento e tolerância aos tuberculostáticos. Entretanto, com a realização correta do tratamento, aproximadamente 90,0% dos coinfectados com TB ativa podem obter alta por cura(66. Kittikraisak W, Kingkaew P, Teerawattananon Y, Yothasamut J, Natesuwan S, Manosuthi W, et al. Health related quality of life among patients with tuberculosis and HIV in Thailand. PLoS One. 2012;7(1):e29775. doi:10.1371/journal.pone.0029775
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).

A Terapia Antirretroviral (TARV) reduz significativamente o risco de morbidade e mortalidade por TB. Estudo aponta que o uso adequado da TARV diminui o risco do desenvolvimento da TB em 65,0%, independentemente da contagem de linfócitos T CD4+(77. Suthar AB, Lawn SD, Del Amo J, Getahum H, Dye C, Sculier D, et al. Antiretroviral therapy for prevention of tuberculosis in adults with HIV: a systematic review and meta-analysis. PLoS Med. 2012;9(7). doi:10.1371/journal.pmed.1001270
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).

As pessoas em tratamento concomitante das duas doenças podem estar em risco para diminuir a adesão em um ou em ambos os tratamentos. A baixa adesão ao tratamento da TB e do HIV pode levar ao aumento do risco da resistência aos medicamentos, de recaídas, de óbito e, ainda, prolongar a infecciosidade(88. Naidoo P, Peltzer K, Louw J, Matseke G, Mchunu G, Tutshana B. Predictors of tuberculosis (TB) and antiretroviral (ARV) medication non-adherence in public primary care patients in South Africa: a cross sectional study. BMC Public Health. [Internet]. 2013 [Acesso 21 abril 2015];13:396. Disponível em: http://www.biomedcentral.com/1471-2458/13/396
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).

As características frequentemente apontadas em pesquisas, sobre adesão às medicações relacionadas às diversas condições de saúde, incluem as questões sociais, ambientais, culturais e psicológicas dos pacientes, bem como características intrínsecas ao tratamento(11. Kipp AM, Pungrassami P, Nilmanat K, Sengupta S, Poole C, Strauss RP, et al. Socio-demographic and AIDS-related factors associated with tuberculosis stigma in Southern Thailand: a quantitative, cross-sectional study of stigma among patients with TB and healthy community members. BMC Public Health [Internet]. 2011 [Acesso 20 abril 2015];11:675. Disponível em: http://www.biomedcentral.com/1471-2458/11/675
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).

Diante do exposto, objetivou-se avaliar os níveis de adesão à terapia antirretroviral em coinfectados pelo HIV/tuberculose e correlacionar esses níveis com as variáveis sociodemográficas e clínicas da população em estudo.

Método

Trata-se de estudo descritivo, de corte transversal, realizado em hospital público de ensino e referência para diagnóstico e tratamento de doenças infecciosas, no Estado do Ceará. A coleta de dados ocorreu em um período consecutivo de seis meses, de setembro de 2012 a janeiro de 2013.

A população foi constituída por 74 pessoas com coinfecção HIV/TB e em acompanhamento no ambulatório do serviço, cujos critérios de inclusão foram: idade igual ou superior a 18 anos, de ambos os sexos, com diagnóstico médico de infecção pelo HIV e de tuberculose (coinfecção HIV/TB), formalmente registrado no prontuário. Esse número representou 90,2% do total de coinfectados em atendimento no serviço, no período da pesquisa.

Os participantes foram captados para o estudo durante o comparecimento à consulta ambulatorial de rotina. As entrevistas foram realizadas em ambiente privativo, permitindo o sigilo e a confidencialidade das informações obtidas.

Para coleta de dados, utilizou-se um instrumento de avaliação sociodemográfica e clínica, cujas variáveis obtidas, por fonte primária, foram: idade, sexo, cor autorreferida, escolaridade, ocupação, renda, situação conjugal, orientação sexual, número de filhos e número de pessoas que residem no mesmo domicílio. Os dados clínicos foram: sorologia atual do parceiro, tempo de diagnóstico da infecção pelo HIV, tempo de uso dos antirretrovirais, quantidade de internações por complicações decorrentes do HIV, contagem de linfócitos T CD4+, carga viral e forma de exposição da tuberculose.

Com o propósito de avaliar a adesão ao tratamento antirretroviral, foi empregada a versão brasileira do Questionário para Avaliação da Adesão ao Tratamento Antirretroviral (CEAT-HIV), instrumento aplicável a pessoas com infecção pelo HIV, contendo 20 questões, em que a pontuação total é obtida pela soma das respostas de todos os itens (valor mínimo possível 17, valor máximo possível 89). Quanto maior a pontuação, maior o grau de adesão ao tratamento. O grau de adesão obedece às seguintes categorias: inadequada ou baixa/insuficiente (escore bruto ≤74), boa/adequada (escore bruto entre 75 e 79) e estrita (escore bruto ≥80)(99. Remor E, Milner-Moskovics J, Preussler G. Adaptação brasileira do "Cuestionario para la Evaluación de la Adhesión al Tratamiento Antirretroviral. Rev Saúde Pública. 2007;41(5):685-94.). No presente estudo, para fins de análise dos dados, considerando que foi empregado o teste qui-quadrado exato de Fisher, classificou-se a adesão em boa/adequada e estrita (escore bruto ≥75) e inadequada ou baixa/insuficiente (escore bruto ≤74). A adesão inadequada caracteriza-se pelo abandono do tratamento por completo ou pelo seu seguimento incorreto.

Para as análises estatísticas, utilizou-se o programa STATA, versão 11.0. As características sociodemográficas e clínicas foram dispostas mediante estatística descritiva, por distribuições de frequências uni e bivariadas e medidas descritivas (média e desvio-padrão). Os valores de p foram obtidos mediante uso do teste qui-quadrado exato de Fisher e de probabilidade. O nível de significância adotado foi de 5,0% (p≤0,05).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob Protocolo nº93.437, atendendo as recomendações da Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados

Considerando-se as 74 pessoas investigadas, 79,7% eram do sexo masculino. A faixa etária predominante foi de 30 a 39 anos (35,1%), com média de idade de 37,7 anos (desvio-padrão-dp=10,88), cuja idade mínima foi de 20 anos e a máxima de 71 anos.

Na distribuição da cor autorreferida, predominaram indivíduos de cor parda (58,1%). Quanto ao estado civil, 31,1% estavam casados ou em união estável. No tocante à orientação sexual, 61,7% referiram ser heterossexuais. Quanto à escolaridade, 42,4% relataram ter cursado o ensino médio completo, sendo a média de, aproximadamente, 9,3 anos de estudo, com valor mínimo de 0 e máximo de 20 anos de estudo. No concernente à situação ocupacional, observou-se que 40,5% estavam desempregados e 75,7% tinham renda inferior a um salário-mínimo (Tabela 1).

Conforme a adesão à medicação, para este estudo, considerou-se apenas o consentimento da terapia antirretroviral, visto que a literatura não apresenta nenhum instrumento validado para mensurar a adesão à TARV e aos tuberculostáticos, concomitantemente, entre os coinfectados por HIV/TB.

Pela Tabela 1, observam-se as correlações entre as características sociodemográficas e os níveis de adesão aos antirretrovirais dos coinfectados por HIV/TB. Do total, 10 (13,5%) foram classificados com graus de adesão adequada, e 64 (86,5%) apresentaram níveis inadequados.

Ao serem avaliadas as variáveis sexo, idade, cor, situação conjugal, escolaridade, ocupação, renda e número de moradores em um mesmo domicílio, correlacionadas aos níveis de adesão, não se verificaram diferenças estatisticamente significantes. Em contrapartida, obtiveram-se diferenças proporcionais estatisticamente significantes entre orientação sexual e adesão (valor de p=0,024) e número de filhos e adesão (p=0,029) (Tabela 1).

Tabela 1
- Distribuição das características sociodemográficas dos 74 coinfectados por HIV/tuberculose e os níveis de adesão aos antirretrovirais. Fortaleza, CE, Brasil, 2012

Ao se avaliarem as características clínicas dos coinfectados por HIV/TB e a correlação com o grau de adesão, foi observado que, em relação ao conhecimento da sorologia do parceiro sexual, das 23 pessoas cujos parceiros realizaram o teste anti-HIV, 86,9% encontram-se com adesão inadequada (n=20), independente do resultado do referido teste. Pode-se observar que as três pessoas com adesão adequada tinham parceria sexual atual soroconcordantes (Tabela 2).

Obteve-se significância estatística em relação ao tempo de uso da TARV e os níveis de adesão (p=0,018), entretanto, as demais variáveis (sorologia do parceiro, tempo de diagnóstico, contagem de CD4+, carga viral e internações) não se mostraram proporcionalmente semelhantes, pois os valores de p foram superiores a 0,05 (p≥0,05).

Tabela 2
- Distribuição das características clínicas dos 74 coinfectados por HIV/tuberculose e os níveis de adesão aos antirretrovirais. Fortaleza, CE, Brasil, 2012

Ao se analisarem as formas de exposição da tuberculose, demonstrou-se o predomínio do acometimento pulmonar; e no tocante à correlação com a adesão à TARV, não se observou diferença estatisticamente significante (p=0,374) (Tabela 3).

Tabela 3
- Distribuição das formas de apresentação da tuberculose e os níveis de adesão aos antirretrovirais dos 74 coinfectados por HIV/tuberculose. Fortaleza, CE, Brasil, 2012

Discussão

Semelhante ao encontrado no presente estudo, a coinfecção HIV/TB foi mais frequente em indivíduos na faixa etária de 30 a 39 anos, que representa a parte mais economicamente ativa da população(1010. Prado TN, Caus AL, Marques M, Maciel EL, Golub JE, Miranda AE. Epidemiological profile of adult patients with tuberculosis and AIDS in the state of Espírito Santo, Brazil: cross-referencing tuberculosis and AIDS databases. J Bras Pneumol. 2011;37(1):93-9.-1111. Rodrigues JLC, Fiegenbaum M, Martins AF. Prevalência de coinfecção tuberculose/HIV em pacientes do Centro de Saúde Modelo de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Sci Med. 2010;20(3):212-7.). No Brasil, a epidemia da AIDS vem crescendo entre os indivíduos mais jovens e mulheres. Entretanto, conforme observado em outros estudos(1111. Rodrigues JLC, Fiegenbaum M, Martins AF. Prevalência de coinfecção tuberculose/HIV em pacientes do Centro de Saúde Modelo de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Sci Med. 2010;20(3):212-7.-1212. Neves LAS, Canini SEM, Reis RK, Santos CB, Gir E. Aids e tuberculose: a coinfecção vista pela perspectiva da qualidade de vida dos indivíduos. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(3):704-10.), a população que apresentou a coinfecção HIV/TB incluía predominantemente homens em idade economicamente produtiva.

Dentre as variáveis estudadas, aquela que está fortemente associada às condições socioeconômicas precárias é a escolaridade. Utilizando-a como uma medida substituta da pobreza, sugere-se que as pessoas com a referida coinfecção encontrem-se em situação de empobrecimento, possuindo uma capacidade diminuída para lidar com as consequências das doenças em razão da deficiência de acesso a serviços preventivos, diagnósticos e curativos(1313. Hino P, Takahashi RF, Bertolozzi MR, Egry EY. Coinfection of Tuberculosis/Human Immunodeficiency Virus in an Administrative District in the City of São Paulo. Acta Paul Enferm. 2012;25(5):755-61.).

Relata-se que a coinfecção HIV/TB apresenta associação significativa com a residência em área urbana e a TB extrapulmonar. Após o estabelecimento da AIDS, sabe-se que as formas extrapulmonares da TB se tornam mais comuns(1010. Prado TN, Caus AL, Marques M, Maciel EL, Golub JE, Miranda AE. Epidemiological profile of adult patients with tuberculosis and AIDS in the state of Espírito Santo, Brazil: cross-referencing tuberculosis and AIDS databases. J Bras Pneumol. 2011;37(1):93-9.). Em relação à forma da TB, essa informação não corrobora os achados do presente estudo, em que o predomínio da forma clínica da tuberculose foi a pulmonar em pessoas que vivem com HIV.

Quanto à situação ocupacional, existem altos índices de desemprego entre os portadores da coinfecção. Tal achado também foi observado neste estudo, demonstrando que as dificuldades econômicas e sociais podem refletir-se em suas possibilidades profissionais, restringindo-os a condições desfavoráveis de vida e trabalho, mantendo seu estado de pobreza(1414. Cheade MFM, Ivo ML, Siqueira PHGS, Sá RG, Honer MR. Caracterização da tuberculose em portadores de HIV/AIDS em um serviço de referência de Mato Grosso do Sul. Rev Soc Bras Med Trop. 2009; 42(2):119-25.).

Em outro estudo, a atividade profissional foi citada como um dos fatores mais relevantes para o enfrentamento da condição de infectado pelo HIV. O ambiente de trabalho foi apontado como um local de convivência e troca de experiência entre as pessoas, o que favorece o enfrentamento psíquico da infecção. Na situação de enfermidade, a disponibilidade do apoio social eleva a autoestima e a vontade de viver, o que contribui para o sucesso de seu tratamento(1515. Ferreira RCM, Figueiredo MAC, Souza LB. Trabalho, HIV/AIDS: enfrentamento e dificuldades relatadas por mulheres. Psicol Estud. 2011;16(2):259-67.).

Os participantes do presente estudo apresentaram níveis de contagem de células T CD4+ baixos e carga viral elevada, corroborando a literatura e indicando que a TB é uma infecção oportunista, fortemente associada à diminuição do sistema imunológico. Observa-se que as pessoas com coinfecção HIV/TB geralmente apresentam maior comprometimento do sistema imunológico, quando comparadas aos indivíduos apenas com infecção pelo HIV, em fase assintomática(1212. Neves LAS, Canini SEM, Reis RK, Santos CB, Gir E. Aids e tuberculose: a coinfecção vista pela perspectiva da qualidade de vida dos indivíduos. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(3):704-10.).

As dificuldades mais frequentes enfrentadas pelas pessoas vivendo com coinfecção HIV/TB estão relacionadas às questões socioeconômicas, aos fatores sociais, ao estilo de vida, como também às dificuldades com os regimes terapêuticos e com os intervalos entre as doses das medicações, caracterizando-se como motivos que interferem de forma significativa na adesão continuada e eficaz(1616. Filho MPS, Luna IT, Silva KL, Pinheiro PNC. Pacientes vivendo com HIV/AIDS e coinfecção tuberculose: dificuldades associadas à adesão ou ao abandono do tratamento. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(2):139-45.).

O tratamento de pessoas coinfectadas geralmente é difícil. Os pacientes com TB necessitam de tratamento em longo prazo, com vários medicamentos. Para aqueles com HIV/TB, o cumprimento do esquema terapêutico é difícil em razão de terem que usar medicamentos concomitantes para tratar as duas infecções(1010. Prado TN, Caus AL, Marques M, Maciel EL, Golub JE, Miranda AE. Epidemiological profile of adult patients with tuberculosis and AIDS in the state of Espírito Santo, Brazil: cross-referencing tuberculosis and AIDS databases. J Bras Pneumol. 2011;37(1):93-9.). Essa situação pode ter contribuído para que a adesão à TARV, no presente estudo, fosse predominantemente inadequada.

Pesquisa indica que as variáveis significativamente associadas com a não adesão à dupla terapia foram: sexo masculino, baixa renda, presença de três ou mais condições crônicas, ter um parceiro sabidamente soropositivo para o HIV e ter mantido relações sexuais nos últimos três meses(11. Kipp AM, Pungrassami P, Nilmanat K, Sengupta S, Poole C, Strauss RP, et al. Socio-demographic and AIDS-related factors associated with tuberculosis stigma in Southern Thailand: a quantitative, cross-sectional study of stigma among patients with TB and healthy community members. BMC Public Health [Internet]. 2011 [Acesso 20 abril 2015];11:675. Disponível em: http://www.biomedcentral.com/1471-2458/11/675
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).

Em estudo que objetivou identificar os determinantes da adesão à medicação em coinfectados por HIV/TB, demonstrou-se que elevado número de pessoas vivendo em um mesmo domicílio, falta de recursos financeiros, para promover seu autocuidado, e conhecimento deficiente acerca das doenças constituíram fatores que interferiram na adesão adequada à medicação. As variáveis sociodemográficas não foram consideradas fatores preditores que influenciavam na adesão à medicação(33. Méda ZC, Lin YT, Sombié I, Maré D, Morisky DE, Chen YMA. Medication-adherence predictors among patients with tuberculosis or human immunodeficiency virus infection in Burkina Faso. J Microbiol Immunol Infect. [Internet]. 2014 [Acesso 21 abril 2015];47:222-32. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.jmii.2013.05.001
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), diferente da hipótese científica formulada para o presente estudo.

Na avaliação da qualidade de vida de pessoas que vivem com HIV/AIDS, segundo os graus de adesão à medicação antirretroviral, identificou-se que os indivíduos classificados como não aderentes ao tratamento tiveram piores escores em todos os domínios de qualidade de vida, demonstrando que a não adesão à terapêutica é um problema amplo, prejudicando o indivíduo e a população de um modo geral(1717. Silva ACO, Reis RK, Nogueira JA, Gir E. Quality of life, clinical characteristics and treatment adherence of people living with HIV/AIDS. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2014;22(6):994-1000.).

Conclusão

A adesão à TARV, entre os coinfectados, mostrou-se prejudicada em parcela significativa das pessoas em uso de antirretrovirais. Ainda, observou-se diferença estatisticamente significante entre os níveis de adesão aos antirretrovirais e o tempo de uso da TARV, a orientação sexual e o número de filhos.

Os dados demonstraram que há implicações relacionadas à adesão aos medicamentos e à dupla infecção, cuja ingestão adequada das medicações é necessária para alcançar melhores condições clínicas e de saúde. Ainda, as consequências da falta de adesão repercutem, sobremodo, na sobrevivência dos pacientes, podendo acarretar elevação dos índices de mortalidade entre pessoas vivendo com a coinfecção HIV/TB.

O presente estudo aponta a necessidade do desenvolvimento de instrumento de medida de adesão específica para pessoas com coinfecção HIV/TB, demonstrando, desse modo, uma limitação na avaliação da adesão dos coinfectados, uma vez que a sua análise restringiu-se apenas à adesão à TARV.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    18 Dez 2014
  • Aceito
    25 Jul 2015
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