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Boas práticas para a coleta de sangue de cordão umbilical e placentário1 1 Artigo extraído da dissertação de mestrado "Boas Práticas para a Coleta de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário: Atuação do Enfermeiro", apresentada à Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

Resumo

Objetivos:

identificar fatores relacionados à qualidade das amostras do sangue de cordão umbilical e placentário e definir boas práticas para sua coleta em um banco público de sangue de cordão umbilical e placentário.

Método:

pesquisa descritiva, abordagem quantitativa, realizada em um banco público de sangue de cordão umbilical e placentário, desenvolvida em duas etapas: 1) verificação dos fatores obstétricos, neonatais e operacionais, obtidos por coleta em instrumento próprio e observação não participante; 2) definição das boas práticas, por meio do agrupamento de não-conformidades observadas antes, durante e após a coleta do sangue. Os dados foram analisados por meio da estatística descritiva, utilizando-se dos softwares Statistica(r) e R(r).

Resultados:

houve correlação da influência dos fatores obstétricos e neonatais em menor escala quando comparados aos fatores operacionais, resultando na necessidade de readequar a prática profissional do enfermeiro e da equipe obstétrica envolvida no processo da coleta desse tipo de sangue. A partir das não-conformidades foram definidas boas práticas para o enfermeiro antes, durante e após a coleta.

Conclusão:

as boas práticas definidas neste estudo são importante ferramenta gerencial para o trabalho do enfermeiro na obtenção de amostras de sangue com alta qualidade celular.

Descritores:
Enfermagem; Gerenciamento da Prática Profissional; Bancos de Sangue; Células-Tronco; Sangue Fetal.

Abstract

Objective:

to identify the factors related to the quality of umbilical cord and placental blood specimens, and define best practices for their collection in a government bank of umbilical cord and placental blood.

Method:

this was a descriptive study, quantitative approach, performed at a government umbilical cord and placental blood bank, in two steps: 1) verification of the obstetric, neonatal and operational factors, using a specific tool for gathering data as non-participant observers; 2) definition of best practices by grouping non-conformities observed before, during and after blood collection. The data was analyzed using descriptive statistics and the following statistical software: Statistica(r) and R(r).

Results:

while there was a correlation with obstetrical and neonatal factors, there was a larger correlation with operational factors, resulting in the need to adjust the professional practices of the nursing staff and obstetrical team involved in collecting this type of blood. Based on these non-conformities we defined best practices for nurses before, during and after blood collection.

Conclusion:

the best practices defined in this study are an important management tool for the work of nurses in obtaining blood specimens of high cell quality.

Descriptors:
Nursing; Practice Management; Blood Banks; Stem Cells; Fetal Blood

Resumen

Objetivos:

identificar factores relacionados a la calidad de las muestras de la sangre del cordón umbilical y de la placenta y definir buenas prácticas para su recolección en un banco público de sangre del cordón umbilical y de la placenta.

Método:

investigación - descriptiva, abordaje cuantitativo, realizada en un banco público de sangre - del cordón umbilical y de la placenta, desarrollada en dos etapas: 1) verificación de los factores obstétricos, neonatales y operacionales, obtenidos por recolección con instrumento propio y observación no participante; 2) definición de las buenas prácticas, por medio del agrupamiento de no-conformidades observadas antes, durante y después de la recolección de la sangre. Los datos fueron analizados por medio de la estadística descriptiva, utilizando los softwares Statistica(r) y R(r).

Resultados:

hubo correlación de la influencia de los factores obstétricos y neonatales en menor escala cuando comparados a los factores operacionales, resultando en la necesidad de readecuar la práctica profesional del enfermero y del equipo obstétrico que participa en el proceso de la recolección de ese tipo de sangre. A partir de las no-conformidades fueron definidas buenas prácticas para el enfermero antes, durante y después de la recolección.

Conclusión:

las buenas prácticas definidas en este estudio son importante herramienta administrativa para el trabajo del enfermero en la obtención de muestras de sangre con alta calidad celular.

Descriptores:
Enfermería; Gestión de La Práctica Profesional; Bancos de Sangre; Células Madre; Sangre Fetal

Introdução

A coleta de sangue de cordão umbilical e placentário (SCUP), segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), pode ser realizada pelo enfermeiro ou outro profissional de nível superior devidamente habilitado, durante o terceiro estágio do parto normal ou cesáreo11. Montenegro CAB, Rezende J Filho. Obstetrícia fundamental. 12 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2013. 724 p.. A operação objetiva a captação de células-tronco hematopoiéticas (CTH) para bancos públicos de sangue de cordão umbilical e placentário (BPSCUP) e que serão utilizadas para o tratamento via transplante de pacientes, em uma série de doenças malignas ou não malignas22. Roura S, Pujal JM, Monton CG, Genis AB. The role and potential of umbilical cord blood in an era of new therapies: a review. Stem Cell Res Ther. [Internet]. 2015 [Acesso 30 ago 2015]; 6(1):123. Disponível em: http://www.stemcellres.com/content/pdf/s13287-015-0113-2.pdf
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A garantia da qualidade das CTH obtidas depende diretamente de condutas profissionais da equipe obstétrica. Por essa razão, a celularidade tem sido alvo de atenção por parte dos enfermeiros, devido à necessidade de obtenção de volume e quantidade adequados de CTH para o suprimento dos BPSCUP33. Juutistenaho S, Eskola M, Sainio S, Aranko K, Kekomäki R.Association of stress-related perinatal factors and cord blood unit hematopoietic progenitors is dependent on delivery mode. Transfusion. [Internet]. 2010 [Acesso 30 ago 2015]; 50(3):663-71. Disponível m: http://www.readcube.com/articles/10.1111%2Fj.1537-2995.2009.02467.x?r3_referer=wol&tracking_action=preview_click&show_checkout=1&purchase_referrer=onlinelibrary.wiley.com&purchase_site_license=LICENSE_DENIED
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-44. Machin LL, Brown N, Mcleod D. Two's company-Three's a crowd': the collection of umbilical cord blood for commercial stem cell banks in England and the midwifery profession. Midwifery. [Internet]. 2012; [Acesso 30 ago 2013]. 28(3):358-65. Disponível em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0266613811000556
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.

Para tanto, o conhecimento dos fatores obstétricos, neonatais ou operacionais que podem influenciar no volume e na celularidade do SCUP deve ser considerado entre as inúmeras competências dos enfermeiros que atuam nos BPSCUP. O conhecimento desses fatores possibilita a definição de boas práticas para a realização da coleta de SCUP com volume e celularidade adequados, na busca por resultados satisfatórios em situações e contextos diversos55. Izu M, Silvino ZR, Lima DLO, Oliveira BGRB, Braga FHP, Bouzas LFS. Influence of obstetric and neonatal factors in cellularity and volume of the umbilical cord. Rev Enferm UFPE. [Internet]. 2013 [Acesso 30 ago 2015]; 7(7):4621-6. Disponível em: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/download/4255/6536
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. O termo "boas práticas" tem sido amplamente empregado para o cuidado em saúde desde 1990, a partir da discussão sobre as ferramentas de gestão da qualidade nas instituições de saúde, promovida pela Organização Pan-americana de Saúde66. Costa VT, Meirelles BHS, Erdmann AL. Best practice of nurse managers in risk management. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [Internet] 2013 [Acesso 8 out 2014] 21 (5): Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v21n5/pt_0104-1169-rlae-21-05-1165.pdf
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.

Nesse estudo, objetivou-se identificar os fatores relacionados à qualidade das amostras do SCUP e definir as boas práticas para a sua coleta em um BPSCUP.

Método

Pesquisa descritiva, de abordagem quantitativa, realizada em uma unidade de coleta externa de SCUP de um BPSCUP de um hospital universitário do sul do país. No local do estudo, o enfermeiro é responsável pelo gerenciamento do serviço e pela seleção e captação de mulheres doadoras de SCUP, coleta, cadastro no registro nacional de células-tronco de cordão umbilical (Renacord), transporte das amostras, alimentação de indicadores de produção e qualidade e consulta de follow up. Nesse serviço, ressalta-se, a coleta de SCUP é realizada exclusivamente pelo enfermeiro.

A pesquisa foi desenvolvida em duas etapas: 1a) verificação dos fatores obstétricos, neonatais e operacionais, os quais foram obtidos por coleta em instrumento próprio e observação não participante, 2a) definição das boas práticas, por meio do agrupamento de não-conformidades observadas antes, durante e após a coleta de SCUP.

A condução da pesquisa respeitou os aspectos éticos previstos na Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da referida instituição, sob o Parecer da Plataforma Brasil nº 327.621 e CONEP/CAAE nº 16117713.1.0000.0102, em 07 de agosto de 2013. Os participantes foram esclarecidos sobre os procedimentos da pesquisa e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Os participantes da pesquisa foram divididos em dois grupos:

  • -50 parturientes doadoras voluntárias de amostras de SCUP, que foram coletadas no período de agosto de 2013 a abril de 2014;

  • -14 profissionais da equipe de obstetrícia que validaram as boas práticas para a coleta de SCUP, no período de setembro a outubro de 2014.

A primeira etapa da pesquisa consistiu na verificação dos fatores obstétricos, neonatais e operacionais. Os dados foram obtidos por meio da análise documental em prontuário da parturiente e do recém-nato das 50 doações voluntárias de SCUP, nos registros do BPSCUP para os fatores maternos e neonatais, e de registros em um diário de campo provenientes de observação não participante (período total de 12 horas 50 minutos) do manejo placentário para os fatores operacionais.

Utilizou-se um instrumento semiestruturado, elaborado com base nos dados do histórico de produção do local de estudo, identificando as causas e as interferências de descartes de amostras de SCUP naquele serviço, da mesma maneira que da literatura vigente sobre os fatores de interferência no volume e celularidade. A validação de conteúdo do instrumento foi obtida por enfermeiras experts, que atuam nos demais BPSCUP da Rede Brasil Cord, por meio da Técnica Delphi. O critério de seleção desses experts incluiu a qualificação e a experiência profissional das enfermeiras77. Alexandre NMC, Coluci MZO. Validade de conteúdo nos processos de construção e adaptação de instrumentos de medidas. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2011, 16(7): 3061-68. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232011000800006&script=sci_arttext
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, bem como o histórico de produção dos BSCUPS. Foram selecionadas quatro enfermeiras, mas apenas três atenderam aos critérios de seleção. Foram realizadas três rodadas, considerando as opções "concordo" e "discordo" em cada item do instrumento, além da opção "considerações" para as demais contribuições das enfermeiras. A partir do consenso obtido ao final da terceira rodada, obteve-se o instrumento definitivo de coleta de dados da primeira etapa da pesquisa.

Para a qualidade das amostras foi estabelecida a celularidade mínima de 7 x108 de total de células nucleadas para coleta de SCUP, considerando o valor praticado no referido BPSCUP.

Os dados coletados nessa etapa foram tabulados e sistematizados em planilha eletrônica do Excell(r) , submetidos à análise estatística descritiva quantitativa e de conteúdo por aproximação, e posteriormente tratados pelos softwares R(r) eStatistica(r).

Inicialmente, os dados foram resumidos, por meio do cálculo de medidas descritivas, a média, mínimo, máximo e desvio padrão para as variáveis contínuas e de tabelas de frequência para as variáveis categóricas. Em seguida, para identificar as causas de descartes de amostras de SCUP, foram aplicadas técnicas estatísticas não paramétricas de associação, em virtude do pressuposto de normalidade dos dados não ter sido atendido, segundo o teste de aderência de Lilliefors. Para a verificação da associação entre as variáveis contínuas foi calculado o coeficiente de Spearman, considerando 5% como nível de significância (p<0,05). Para as variáveis categóricas (comparação de duas amostras independentes) aplicou-se o Teste de Mann-Withney ou, ainda, o Teste de Kruskal-Wallis (comparação entre mais de duas amostras independentes). Foram ajustados modelos de regressão múltipla para as variáveis "celularidade" e "volume" pelo procedimento Stepwise.

A partir dos dados obtidos na primeira etapa, elaborou-se uma lista de boas práticas para este BPSCUP, considerando o resultado dos fatores obstétricos, neonatais e operacionais analisados. Essa lista foi organizada pelos pesquisadores, de acordo com as três etapas do processo: antes, durante e após a coleta de SCUP, e foi submetida a análise em reuniões de consenso de especialistas. Participaram 14 profissionais de obstetrícia (médicos obstetras, médicos residentes em obstetrícia, docentes médicos obstetras e enfermeiros), em encontros individuais que totalizaram 19 horas e 20 minutos. A validação de conteúdo pelos especialistas abrangeu a avaliação global da lista de boas práticas e das ações executadas individualmente (clareza e pertinência)77. Alexandre NMC, Coluci MZO. Validade de conteúdo nos processos de construção e adaptação de instrumentos de medidas. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2011, 16(7): 3061-68. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232011000800006&script=sci_arttext
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. Não existiu discordância em nenhum item apresentado, o que resultou na validação da lista de boas práticas para a coleta de SCUP nesse BPSCUP.

Resultados

Fatores de influência no volume e celularidade do sangue de cordão umbilical e placentário

Os fatores obstétricos peso placentário - volume (rs=0,382923, p=0,006057) e celularidade (rs=0,339155, p=0,015978) -, características do cordão umbilical quanto ao calibre - volume (DP± 29,56, p=0,0051) e celularidade (DP± 4,86, p=0,0095) - e fluxo sanguíneo - volume (DP± 29,56, p=0,00001) e celularidade (DP± 3,64, p=0,00001) - apresentaram influência tanto para o volume obtido quanto para a celularidade apresentada no SCUP, demonstrando que quanto maior o peso placentário, mais calibroso seja o segmento do cordão e mais cheio seja o vaso, maior será o volume de SCUP coletado e maior será a celularidade apresentada.

Como fator neonatal identificou-se somente o peso do recém-nato diretamente associado ao volume obtido (rs=0,362558, p=0,009667), porém, sem influência na celularidade do SCUP, indicando que recém-natos de maior peso ao nascer apresentam maior volume de SCUP coletado.

Os fatores operacionais foram os que destacaram-se como de maior influência no volume e celularidade do SCUP, quando observou-se a relação direta do volume coletado com a celularidade obtida (rs=0,873151, p=0,000000), ou seja, quanto maior o volume de sangue coletado, maior a celularidade apresentada.

A obtenção de volume adequado de SCUP foi relacionada às intercorrências durante o manejo placentário pelo profissional da obstetrícia como: o clampeamento e secção inadequados do cordão (deixando o segmento curto - menos de 30 cm), o que ocorreu em 29,37% das coletas (DP± 19,96, p=0,00054); o excesso de pressão manual durante a dequitação placentária por tração controlada, em 23,43% das coletas (DP± 10,87, p=0,0004); a ocorrência da ruptura ou laceração do segmento do cordão por excesso de pressão manual, em 21,60% das coletas (DP± 10,80, p= 0,021); e o desclampeamento da extremidade do segmento do cordão por esquecimento do profissional da equipe obstétrica, em 14,80% das coletas (DP± 5,81, p= 0,0007). Esses fatores operacionais indicam que o manejo placentário inadequado resulta em baixo volume de SCUP coletado.

Os mesmos fatores e outros foram associados à celularidade adquirida nas amostras de SCUP com significância: secção inadequada do cordão (deixando o segmento curto - menos de 30 cm), em 5,26% das coletas (DP± 3,26, p=0,0005); o excesso de pressão manual durante a dequitação placentária por tração controlada, em 4,46% das coletas (DP± 1,60, p=0,0004); a ocorrência da ruptura ou laceração do segmento do cordão, em 4,37% das coletas (DP± 1,82, p=0,036); o desclampeamento da extremidade do segmento do cordão para o esvaziamento placentário pelo profissional da equipe obstétrica, em 2,90% das coletas (DP± 1,67, p=0,024); o desclampeamento da extremidade do segmento do cordão por esquecimento do profissional da equipe obstétrica, em 3,24% das coletas (DP± 1,30, p=0,0004); o desclampeamento da extremidade do segmento do cordão para a coleta de tipagem sanguínea pelo profissional da equipe obstétrica, em 2,90% das coletas (DP± 1,60, p= 0,006); e a sequência de clampeamentos no segmento de cordão (utilizando uma segunda pinça além da extremidade, procedendo com a dequitação placentária por tração controlada), em 3,63% das coletas (DP± 1,92, p=0,036). Assim, esses fatores podem concorrer para o baixo volume coletado e, consequentemente, baixa celularidade da unidade de SCUP.

Ainda como resultado do manejo placentário inadequado, constatou-se a correlação do volume obtido com o aspecto do segmento do cordão, pois 45,52% dos cordões coletados estavam macerados (DP± 29,56, p=0,0003), o que influenciou a celularidade apresentada em 8,13% das unidades (DP± 4,86, p=0,0001). Pressupõe-se que a maceração dos cordões coletados foi associada ao excesso de pressão manual durante a dequitação placentária por tração controlada e à sequência de clampeamentos no segmento do cordão umbilical.

Outro fator de origem operacional identificado foi o tempo gasto entre a coleta de SCUP e o transporte e o processamento da unidade coletada, existindo correlação com o volume (DP± 29,56, p=0,0355) e celularidade final (DP± 4,86, p=0,0233) apresentados. Das 50 amostras coletadas, 44 tiveram todo o processo finalizado em até 12 horas e 06 em até 24 horas.

Constatou-se melhor aproveitamento final em laboratório na recuperação do volume das amostras com variação de tempo total de até 12 horas (Média=42,39545, DP± 28,42352) e celularidade (Média=7,58409, DP± 4,794907), quando comparadas às amostras com variação de tempo de até 24 horas (volume - Média=68,45, DP± 30,02957, celularidade - Média=12,13333, DP± 3,488075). Dessa forma, verificou-se que quanto maior o tempo entre a coleta do SCUP, o transporte da unidade coletada e seu processamento em laboratório, menor será o aproveitamento final do volume e da celularidade da amostra de sangue.

Em virtude da influência dos fatores obstétricos, neonatais e operacionais no volume e na celularidade identificados neste estudo, das 50 amostras de sangue coletadas apenas 18 foram criopreservadas com volume e celularidade satisfatórios. As 32 unidades restantes foram desqualificadas por baixo volume (DP± 29,56, p=0,00001) e baixa celularidade (DP± 4,86, p=0,00001), resultando em um coeficiente de desqualificação de 64%.

Não-conformidades da coleta de sangue de cordão umbilical e placentário

A partir da análise dos resultados obtidos na primeira etapa da pesquisa, verificou-se o manejo placentário inadequado pelos profissionais da equipe obstétrica para a obtenção da coleta de SCUP pelo enfermeiro de BPSCUP, destacando-se as seguintes não-conformidades:

  • -clampeamento e secção inadequados do segmento do cordão umbilical;

  • -excesso de pressão manual, durante a dequitação placentária por tração controlada;

  • -ruptura ou laceração do segmento do cordão umbilical;

  • -desclampeamento do segmento do cordão umbilical (por esquecimento, ou para coleta de exames, ou para esvaziamento placentário);

  • -sequência de clampeamentos no segmento do cordão ao proceder a dequitação por tração controlada.

Além das não-conformidades elencadas, considerou-se uma não-conformidade a ser superada a atuação insatisfatória do enfermeiro em BPSCUP na administração do tempo entre a coleta do SCUP, transporte da unidade coletada e processamento da mesma.

Assim, a partir das não-conformidades e dos fatores de influência identificados, e das atribuições do enfermeiro de BPSCUP, definiu-se as boas práticas do enfermeiro antes, durante e após a coleta de SCUP, as quais foram validadas pelos profissionais da equipe obstétrica atuante no processo de trabalho do BPSCUP.

Boas práticas do enfermeiro de BPSCUP para a coleta de sangue de cordão umbilical e placentário:

a) antes da coleta de sangue de cordão umbilical e placentário:

  • -Apropriar-se dos dados das possíveis candidatas à doação de SCUP no Centro Cirúrgico Obstétrico (CCO) e a equipe obstétrica deve informar intercorrências que desqualifiquem a doação de SCUP.

  • -Avaliar a condição fisiológica (limiar de dor) e emocional da candidata a doação antes de fazer a abordagem para a realização da consulta de enfermagem (entrevista) e obtenção da assinatura no TCLE.

  • -Sinalizar no prontuário uma potencial doadora e comunicar a equipe obstétrica a possibilidade de realizar a coleta de SCUP extrauterina após a dequitação placentária.

  • -Manter preparado e acessível material (em sua totalidade) que será utilizado na coleta, antes de receber a placenta das mãos do profissional da equipe obstétrica.

  • -Acompanhar a evolução do trabalho de parto de cada candidata à doação de SCUP.

  • -Triar as candidatas a doação considerando a ocorrência de partos simultâneos, dando preferência a recém-natos de maior peso estimado (tendo como referência a ecografia obstétrica), placentas maiores e de maior peso (quando possível aferir) e cordões umbilicais de maior calibre e maior fluxo sanguíneo aparente.

  • -Acompanhar e orientar a equipe obstétrica durante o clampeamento, a secção do segmento do cordão umbilical e placentário e a dequitação placentária.

b) durante a coleta de sangue de cordão umbilical e placentário:

  • -Acondicionar a placenta no suporte placentário, com cuidado para não "garrotear" os vasos do segmento do cordão umbilical na fenestra.

  • -Utilizar as duas extremidades agulhadas do sistema de coleta fechado, efetuando a sua troca no caso de coágulos.

  • -Ordenhar a placenta manualmente durante a última punção do vaso do segmento do cordão com a técnica correta, para não contaminar o sistema de coleta fechado.

c) após a coleta de sangue de cordão umbilical e placentário:

  • -Encaminhar as unidades de SCUP coletadas para o laboratório de processamento, preferencialmente no mesmo dia da realização da coleta, sem ultrapassar o intervalo de 24 horas.

  • -Manter um programa de educação permanente para capacitar a equipe obstétrica e os novos enfermeiros.

Discussão

Os fatores obstétrico e neonatal 'peso placentário' e 'peso do recém-nato' foram identificados em outros estudos como influentes na obtenção de volume e celularidade do SCUP55. Izu M, Silvino ZR, Lima DLO, Oliveira BGRB, Braga FHP, Bouzas LFS. Influence of obstetric and neonatal factors in cellularity and volume of the umbilical cord. Rev Enferm UFPE. [Internet]. 2013 [Acesso 30 ago 2015]; 7(7):4621-6. Disponível em: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/download/4255/6536
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,88. Mancinelli F, Tamburini A, Spagnoli A, Malerba C, Suppo G, Iasorella R et al. Optimizing umbilical cord blood collection: impact of obstetric factors versus quality of cord blood units. Transplant Proc. [Internet]. 2006 [Acesso 12 ago 2013] 38(4):1174-6. Disponível em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0041134506003472
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-99. Keersmaekers CL, Mason BA, Keersmaekers J, Ponzini M, Mlynarek, R.A. Factors affecting umbilical cord blood stem cell suitability for transplantation in an in utero collection program. Transfusion. [Internet] 2014 [Acesso 30 ago 2015]; 54(3):545-9. Disponível em: http://www.readcube.com/articles/10.1111%2Ftrf.12340?r3_referer=wol&tracking_action=preview_click&show_checkout=1&purchase_site_license=LICENSE_DENIED
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. No entanto, não existe indicação de limite mínimo ou máximo de peso placentário estabelecido para a realização da coleta de SCUP. Não foram encontrados estudos para o fator obstétrico 'características do segmento do cordão umbilical' em relação ao calibre e ao fluxo sanguíneo.

Sobre a influência dos fatores operacionais relacionados ao manejo placentário no volume e na celularidade do SCUP existe evidências de que a secção inadequada do cordão umbilical (inferior a cinco centímetros do abdômem)22. Roura S, Pujal JM, Monton CG, Genis AB. The role and potential of umbilical cord blood in an era of new therapies: a review. Stem Cell Res Ther. [Internet]. 2015 [Acesso 30 ago 2015]; 6(1):123. Disponível em: http://www.stemcellres.com/content/pdf/s13287-015-0113-2.pdf
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resulta em menor volume e celularidade88. Mancinelli F, Tamburini A, Spagnoli A, Malerba C, Suppo G, Iasorella R et al. Optimizing umbilical cord blood collection: impact of obstetric factors versus quality of cord blood units. Transplant Proc. [Internet]. 2006 [Acesso 12 ago 2013] 38(4):1174-6. Disponível em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0041134506003472
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9. Keersmaekers CL, Mason BA, Keersmaekers J, Ponzini M, Mlynarek, R.A. Factors affecting umbilical cord blood stem cell suitability for transplantation in an in utero collection program. Transfusion. [Internet] 2014 [Acesso 30 ago 2015]; 54(3):545-9. Disponível em: http://www.readcube.com/articles/10.1111%2Ftrf.12340?r3_referer=wol&tracking_action=preview_click&show_checkout=1&purchase_site_license=LICENSE_DENIED
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-1010. Nakagawa R, Watanabe T, Kawano Y, Kanai S, Suzuya H, Kaneko M et al. Analysis of maternal and neonatal factors that influence the nucleated and CD34+ cell yield for cord blood banking. Transfusion. [Internet] 2004 [Acesso 10 mai 2013] 44 (2): 262-267. Disponível em: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1537-2995.2004.00645.x/full
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O conhecimento dos demais fatores operacionais relacionados ao manejo placentário inadequado são inovadores para a prática profissional do enfermeiro de BPSCUP, considerando-se que não existem estudos registrados em literatura nessa temática. Embora nem todos os fatores descritos sejam da governabilidade do enfermeiro, cabe ressaltar que esses interferem diretamente na promoção e execução da coleta de SCUP, considerando-se que o manejo placentário inadequado resulta em baixo volume coletado e, consequentemente, em baixa celularidade da unidade de SCUP. Por esta razão, eles foram considerados na elaboração das boas práticas para a coleta de SCUP.

O tempo entre a coleta de SCUP, transporte e processamento das unidades coletadas, classificado como fator operacional nessa pesquisa, depende, em grande parte, da atuação do profissional enfermeiro. Cabe a ele manter uma logística do transporte de unidades de forma adequada para o processamento precoce. Sabe-se que a demora no processamento da amostra de sangue ocasiona a diminuição gradativa do número de células nucleadas, células viáveis e células CD34+, sugerindo que o intervalo de tempo entre a coleta e o processamento da amostra deve ser o mínimo possível1111. Barini R, Ferraz UC, Acácio GL, Machado IN. Does the time between collecting and processing umbilical cord blood samples affect the quality of the sample? Einstein. [Internet] 2011 [Acesso 30 ago 2015] 9(2): 207-11. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1679-45082011000200207&script=sci_abstract
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S167...
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Diante dos resultados apresentados, foram definidas boas práticas para a coleta de SCUP; vale ressaltar que as evidências científicas para a coleta de SCUP são escassas.

Nessa direção, a Prática Baseada em Evidências pode ser uma grande aliada do enfermeiro que atua em BPSCUP, para promover a excelência do serviço. Com relação ao objeto desse estudo, constatou-se que é de sua competência a seleção e captação de doadoras de SCUP, a coleta de amostras de SCUP e de sorologias das doadoras, o gerenciamento de enfermagem e o follow up das doadoras. Para tanto, o enfermeiro deve manter vigilância sobre os diversos fatores que interferem na operacionalização da coleta e armazenamento do SCUP, de forma a cumprir as recomendações e aplicar as melhores evidências disponíveis para obter o volume e a celularidade adequados de SCUP.

Além do conhecimento dos fatores que influenciam na obtenção de volume e celularidade do SCUP, a competência técnica do enfermeiro, o entrosamento com a equipe obstétrica e a colaboração da mesma tornam-se primordiais para o sucesso na coleta. Considera-se como boa prática do enfermeiro manter um programa de treinamento para a equipe de obstetrícia, com vistas a otimizar a seleção de doadoras1212. Arrojo IP, Lamas MDCH, Verdugo LP, Alfaro PR, Pena RR, Gordo FS, et al. Trends in cord blood banking. Blood Transfus. [Internet] 2012 [Acesso 12 mar 2013]10(1): 95-100. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3258995/
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e adequar o manejo placentário.

Entre os instrumentos para as boas práticas do enfermeiro, destacam-se a comunicação e o planejamento. A comunicação, como um ponto articulador e imprescindível para o gerenciamento de enfermagem, é fundamental para viabilizar o processo de trabalho1313. Bernardino E, Felli VEA, Peres AM. Competências gerais para o gerenciamento em enfermagem de hospitais. Cogitare Enferm. [Internet] 2010. [Acesso 31 out 2014] 15(2): 349-353. Disponível em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/cogitare/article/download/17875/11665
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de todos os profissionais envolvidos direta ou indiretamente na coleta de SCUP. O planejamento das atividades é essencial para a correta realização da coleta de SCUP1414. Oliveira FCT, Silva PDF. Células-tronco hematopoiéticas e seu armazenamento em bancos de sangue de cordão umbilical e placentário. AC&T Científica. [Internet] 2011 [Acesso 10 mai 2013] 1(1): Disponível em: http://www.ciencianews.com.br/arquivos/ACET/IMAGENS/revista_virtual/hematologia/artigodegani.pdf
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, de modo a conferir eficiência, praticidade e segurança ao procedimento.

Assim, a adoção das boas práticas em BSCUP pressupõe mudança de atitudes e ações, seja de forma individual, coletiva ou organizacional, implicando em benefícios potenciais para a assistência prestada66. Costa VT, Meirelles BHS, Erdmann AL. Best practice of nurse managers in risk management. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [Internet] 2013 [Acesso 8 out 2014] 21 (5): Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v21n5/pt_0104-1169-rlae-21-05-1165.pdf
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Conclusão

Foram identificados fatores relacionados à qualidade das amostras de SCUP e definidas boas práticas para a sua coleta no BPSCUP estudado, alcançando-se os objetivos inicialmente propostos.

Considerando que no local de estudo a coleta é realizada exclusivamente por enfermeiros, a identificação dos fatores que podem influenciar positivamente no volume e na celularidade do SCUP é primordial para a definição da prática profissional para a obtenção de amostras de sangue de alta qualidade.

O estudo evidenciou a necessidade de desenvolver e aprimorar habilidades técnicas da equipe obstétrica durante o manejo placentário no terceiro estágio do parto para coleta de SCUP. Nesse processo, o papel do enfermeiro na área operacional e no gerenciamento do serviço mostra-se estratégico no processo de trabalho da equipe de saúde em BSCUP.

O estudo de um único BPSCUP e a possibilidade de validação das boas práticas pela equipe do serviço poderiam ser considerados limitações da pesquisa. Porém, dadas a escassez de estudos nessa área e a riqueza das informações, os resultados obtidos podem fomentar novas pesquisas ou contribuir para a definição de boas práticas a serem adotadas em outros BPSCUP. Da mesma forma, as boas práticas elencadas podem servir como guia a ser utilizado por profissionais de obstetrícia, especialmente aqueles que estão iniciando como residentes médicos e enfermeiros, considerando os resultados do estudo a serem obtidos em um hospital de ensino.

References

  • 1
    Artigo extraído da dissertação de mestrado "Boas Práticas para a Coleta de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário: Atuação do Enfermeiro", apresentada à Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2015
  • Aceito
    10 Fev 2016
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