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Suporte para aprendizagem na perspectiva da segurança do paciente na atenção primária em saúde1 1 Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq, processo nº 401265/2013-7.

RESUMO

Objetivo:

analisar o suporte para a aprendizagem, na perspectiva da segurança do paciente, oferecido no ambiente de trabalho, segundo os profissionais de saúde atuantes na atenção primária.

Método:

estudo transversal, conduzido com 86 profissionais de saúde atuantes na atenção primária. Utilizou-se instrumento validado, aplicado via web. Foi realizada análise estatística descritiva com apresentação de mediana, média, desvio padrão e coeficiente de variação.

Resultados:

foram evidenciados pontos favoráveis de suporte à aprendizagem, como respeito mútuo, autonomia para organizar o trabalho e a valorização de novas ideias, que obtiveram médias acima de 7,0. As variáveis que dificultam o processo de aprendizagem no ambiente de trabalho, percebidas pelos profissionais, foram a resistência às mudanças e o excesso de serviço que impede a reflexão sobre como melhorar o trabalho, com média acima de 6,0.

Conclusão:

o estudo evidencia indicadores relacionados ao processo de desenvolvimento de pessoal na área da saúde e aponta a influência do suporte à aprendizagem para a melhoria dos processos de trabalho e da segurança do paciente. É necessário que seja estabelecida uma cultura de avaliação sistemática das intervenções educativas em saúde, objetivando diagnosticar ações mais incisivas para a mudança de atitude dos profissionais de saúde e, portanto, da prática clínica.

Descritores:
Segurança do Paciente; Gestão do Conhecimento; Atenção Primária em Saúde; Indicadores da Qualidade em Assistência a Saúde

ABSTRACT

Objective:

to analyze the support for learning, in the perspective of patient safety, offered in the work environment, according to health professionals working in primary care.

Method:

a transversal study, held with 86 health professionals working in primary care. A validated instrument was used, applied via the Internet. Descriptive statistical analysis was undertaken with a presentation of median, mean, standard deviation and coefficient of variation.

Results:

points which are favorable to supporting learning were evidenced, such as mutual respect, autonomy for organizing the work and valorization of new ideas, which obtained means above 7.0. The variables which hinder the process of learning in the work environment, perceived by the professionals, were: resistance to changes, and excess of work impeding reflection on how to improve the work, with means above 6.0.

Conclusion:

the study found evidence of indicators related to the process of staff development in the area of health and indicates the influence of support for learning for the improvement of the work processes and of patient safety. It is necessary that a culture involving the systematic assessment of educational interventions in health should be established, the aim being to diagnose actions which are more incisive for changing health professionals' attitude and, therefore, clinical practice.

Descriptors:
Patient Safety; Knowledge Management; Primary Health Care; Quality Indicators in Health Care

RESUMEN

Objetivo:

analizar el soporte para el aprendizaje, en la perspectiva de la seguridad del paciente, ofrecido en el ambiente de trabajo, según los profesionales de la salud actuantes en la atención primaria.

Método:

estudio transversal, realizado con 86 profesionales de la salud actuantes en la atención primaria. Se utilizó un instrumento validado, aplicado vía web. Fue realizado un análisis estadístico descriptivo con presentación de mediana, promedio, desviación estándar y coeficiente de variación.

Resultados:

fueron evidenciados puntajes favorables de soporte al aprendizaje, como: respeto mutuo, autonomía para organizar el trabajo y la valorización de nuevas ideas, los que obtuvieron promedios arriba de 7,0. Las variables que dificultan el proceso de aprendizaje en el ambiente de trabajo, percibidas por los profesionales, fueron la resistencia a los cambios y el exceso de servicio que impide la reflexión sobre cómo mejorar el trabajo, con promedio arriba de 6,0.

Conclusión:

el estudio evidencia indicadores relacionados al proceso de desarrollo de personal en el área de la salud y apunta la influencia del soporte al aprendizaje para la mejoría de los procesos de trabajo y de la seguridad del paciente. Es necesario que sea establecida una cultura de evaluación sistemática de las intervenciones educativas en salud, objetivando diagnosticar acciones más incisivas para la cambio de actitud de los profesionales de la salud y, por tanto, de la práctica clínica.

Descriptores:
Seguridad del Paciente; Gestión del Conocimiento; Atención Primaria de Salud; Indicadores de Calidad en la Atención Sanitaria

Introdução

As investigações sobre a segurança dos pacientes têm sido centradas na assistência hospitalar, devido à maior densidade tecnológica e aos inúmeros riscos nesses ambientes. Entretanto, sabe-se que a maioria dos cuidados é prestada por serviços da atenção primária à saúde (APS)11. Marchon GS, Mendes Junior WV. Segurança do paciente na atenção primária à saúde: revisão sistemática. Cad Saúde Pública. 2014;30(9):1-21., que também podem resultar em incidentes se não forem orientados por critérios mínimos de qualidade e segurança.

Estudo canadense aponta que 31% dos eventos adversos detectados durante a internação ocorrem antes da admissão, sendo possível que tenham sucedido na APS22. Baker GR, Norton PG, Flintoft V, Blais R, Brown A, Cox J, et al. The Canadian Adverse Events Study: the incidence of adverse events among hospital patients in Canada. CMAJ. 2004;170(11):1678-86.. A estimativa desses eventos na literatura varia de 0,004 a 240 por mil consultas e cerca de 45% a 76% são evitáveis33. Makeham M, Dovey S, Runciman W, Larizgoita I. Methods an measures used in primary care. Patient safety research. Dunedin, NZ: World Health Organization; 2008.. Segundo a Health Foundation, no Reino Unido, aproximadamente 1% a 2% das consultas realizadas na APS podem causar incidentes e, considerando que 90% das relações profissional de saúde e paciente estão centradas na APS, o número de incidentes nesse modelo de atenção pode superar as estimativas do contexto hospitalar44. Ministerio de Sanidad y Consumo. Estudio APEAS. Estudio sobre la seguridad de los pacientes en atención primaria de salud. Madrid: Ministerio de Sanidad y Consumo; 2008. 194 p..

Considerando que a APS é a porta de entrada do sistema de saúde e que tem a premissa de resolver cerca de 85% dos problemas da população55. Roncoletta AFT. O impacto da Medicina de Família na graduação médica: aprendizado centrado na continuidade e atenção primária. Mundo Saúde. 2010;34(3):375-83., seus profissionais devem ter uma atuação assertiva. Essa realidade remete à importância de oferecer um suporte de aprendizagem efetivo, temática ainda pouco estudada na área de saúde, e que consiste em uma cultura organizacional que favorece o desenvolvimento de intervenções educacionais, no intuito de provocar mudanças no comportamento de indivíduos, em função das interações ocorridas no ambiente de trabalho66. Lebbon AR, Lee SC, Johnson DA. Feedback facilitates transfer of training with US Hispanic workers in a healthcare laundry linen facility. Inj Prev. 2015;(14)..

Intervenções educacionais em saúde têm como principal objetivo prover conhecimento e habilidades aos profissionais a fim de atenderem às reais necessidades do paciente e, assim, melhorar a qualidade clínica e os desfechos da assistência77. Clark E, Draper J, Rogers J. Illuminating the process: enhancing the impact of continuing professional education on practice. Nurse Educ Today. 2015;35(2):388-94.. Entretanto, se não existir um movimento favorável para a construção do conhecimento, independente do programa educativo desenvolvido, a mudança no cenário onde a assistência à saúde acontece pode ser inviabilizada.

Considerando que a avaliação do suporte para a aprendizagem pode direcionar a tomada de decisão dos gestores responsáveis pelo desenvolvimento e aprimoramento profissional da equipe de saúde, o presente estudo objetivou analisar o suporte para a aprendizagem, na perspectiva da segurança do paciente, oferecido no ambiente de trabalho, segundo os profissionais de saúde atuantes na atenção primária.

Sua relevância está em diagnosticar indicadores favoráveis e desfavoráveis para a disseminação do conhecimento e possibilitar o direcionamento de ações que promovam mudanças no ambiente de trabalho e nas atitudes dos profissionais de saúde, em prol de uma assistência de qualidade e segura, contribuindo para o fortalecimento desse modelo assistencial que foi criado para efetivar os princípios do Sistema Único de Saúde.

Método

Estudo transversal realizado entre junho e julho de 2014, em que foi utilizado formulário autoaplicável, que foi enviado por correio eletrônico, a todos os profissionais de saúde vinculados à rede da APS em Goiânia (GO), cadastrados no Telessaúde Goiás. Foram enviados 501 formulários e obteve-se o retorno de 86 profissionais, o que correspondeu a uma aceitabilidade de 17,2%.

O formulário web foi constituído de duas partes. A primeira investigou o perfil dos profissionais de saúde, construída pelos pesquisadores e avaliada quanto à clareza e objetividade. A segunda constou de uma escala de avaliação validada88. Abbad GS, Sallarenzo LH, Coelho-Júnior FA, Zerbini T, Vasconcelos KT. Suporte à transferência de treinamento e suporte à aprendizagem. In Abbad GS, Mourão L, Meneses PPM, Zerbini T, Borges-Andrade JE, Vilas-Boas RL, organizadores. Medidas de Avaliação em Treinamento, Desenvolvimento e Educação. Ferramentas para gestão de pessoas. Porto Alegre: Artmed; 2012. p.125-9., que investiga o suporte à aprendizagem percebido na unidade de trabalho, incentivado pelos chefes imediatos e pelos colegas de trabalho. Em uma escala de 0 a 10, os profissionais julgaram 38 afirmativas relacionadas ao suporte oferecido para a aprendizagem, onde 0 correspondeu a nunca e 10, a sempre. Quanto maior o escore atribuído, maior foi a percepção do profissional de saúde sobre a presença do item no ambiente de trabalho e, quanto menor o escore, menor foi a percepção do item no ambiente de trabalho.

Realizada análise estatística descritiva com apresentação de mediana, média, desvio padrão e coeficiente de variação. Quanto maior o intervalo do coeficiente de variação, maior a diferença de opinião em relação à presença do item no ambiente de trabalho.

Os aspectos éticos seguiram o disposto na Resolução do Conselho Nacional de Saúde Nº466/2012. Estudo vinculado à pesquisa "Impacto de um programa interativo em segurança do paciente por meio da tele-educação, no processo de trabalho de unidades básicas de saúde e estratégia saúde da família, vinculados ao Telessaúde", aprovado por Comitê de Ética sob Protocolo nº 630.266/2014 com fomento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Resultados

Participaram do estudo 86 profissionais de diversas categorias vinculadas aos serviços de saúde da APS. A Tabela 1 apresenta as características gerais dessa população.

Tabela 1
Caracterização dos profissionais da rede de atenção primária à saúde do município de Goiânia, vinculados ao Telessaúde Goiás. Goiânia, GO, Brasil, 2014

A idade média foi de 36,5 anos (± 10 anos), com faixa etária de 21 a 40 anos predominante para 68,6% (59) dos profissionais. O nível superior de escolaridade e a titulação máxima de especialista foram mais frequentes, com proporção de 86,1% (74) e 46,5% (40), respectivamente. O tempo médio de formado foi 11 anos (±9,5 anos), o de experiência profissional foi 8,3 anos (± 7,7 anos) e o de atuação na unidade de saúde atual foi 4,6 anos (± 5,8 anos). A função assistencial foi predominante para 58,1% (50) dos profissionais e o tipo de vínculo empregatício referido por 67,4% (58), foi o público. A renda mensal de até três salários mínimos foi afirmada por 26,7% (23) dos profissionais, seguido de mais de três a seis salários e de mais de seis a nove salários, ambos com 20,9% (18) de respostas.

A categoria profissional com maior participação nesse estudo foi de enfermeiros com 44,2% (38), seguido de odontólogos com 17,4% (15) e médicos com 16,3% (14). O número de vínculo empregatício foi variável e 46,5% (40) dos profissionais referiram dois ou mais vínculos. A qualificação em saúde pública foi referida por 40,7% (35) dos profissionais e a formação em segurança do paciente foi referida por 11,6% (10). Comprovou-se a fragilidade dos profissionais em relação a uma qualificação específica sobre segurança do paciente, pois somente 14,0% (12) dos profissionais afirmaram ter recebido treinamento sobre segurança do paciente, na unidade de trabalho e 88,4% (76) negaram ter realizado algum curso de formação nessa área.

Considerando que a construção do conhecimento no contexto da prática necessita de incentivos organizacionais, foi investigada a percepção dos profissionais da APS sobre o suporte à aprendizagem na unidade de trabalho, que está discriminada nas Tabelas 2, 3 e 4.

Tabela 2
Suporte à aprendizagem oferecido na unidade de trabalho para os profissionais da atenção primária à saúde do município de Goiânia, GO, Brasil, 2014

Tabela 3
Suporte à aprendizagem oferecido pelo chefe imediato para os profissionais da atenção primária à saúde do município de Goiânia, GO, Brasil, 2014

Tabela 4
Suporte à aprendizagem oferecido pelos colegas de trabalho aos profissionais da atenção primária à saúde do município de Goiânia, GO, Brasil, 2014

Ao analisar a consistência interna da escala utilizada, obteve-se alpha de Cronbach de 0,8, o que atesta boa confiabilidade nas respostas obtidas pelos profissionais da APS sobre o suporte para a aprendizagem oferecido na unidade de trabalho.

Os escores de percepção dos itens relacionados ao suporte à aprendizagem presentes no ambiente de trabalho variaram de 4,2 a 7,6. O grande intervalo do coeficiente de variação (0,31 a 0,72) indicou divergência de opiniões em relação ao suporte oferecido.

Dentre as variáveis favoráveis ao suporte de aprendizagem mais perceptíveis pelos profissionais da APS, destacaram-se o respeito mútuo, a autonomia para organizar o trabalho e a valorização de novas ideias, que obtiveram escores acima de 7,0, com mediana entre 7,0 e 8,0. Entretanto, foi relativamente baixa a percepção sobre a existência de tempo para a busca de novos conhecimentos, que obteve escore médio de 4,7.

Dentre as variáveis que dificultam o suporte à aprendizagem, a mais perceptível no ambiente de trabalho foi a resistência a mudanças, com média de 6,2 e mediana de 6,0, além do excesso de serviço que impede a reflexão sobre como melhorar o trabalho, com média de 5,7 e mediana de 6,0. Entretanto, ao analisar esse excesso de trabalho como fator de impedimento do profissional para a participação de treinamentos, o escore foi relativamente baixo, obtendo média de 4,9.

Mesmo diante dessas contradições é perceptível, ao profissional, a tolerância a erros e a aceitação dos riscos quando se tenta aplicar novas habilidades, cujos escores obtiveram média de 5,9 e 5,8, respectivamente. A média de 6,5 foi obtida no item que avalia a abertura a críticas quando alguém aplica novas habilidades e indicou um movimento para existência do suporte à aprendizagem no ambiente de trabalho.

Na análise de consistência interna da escala de avaliação do suporte para a aprendizagem, oferecido pelo chefe imediato, obteve-se alpha de Cronbach de 0,9, que indicou confiabilidade excelente. Variáveis que dificultam o suporte para a aprendizagem, como inibir novas habilidades e ignorar mudanças propostas a partir do conhecimento adquirido em treinamentos, obtiveram escore de 4,0 e 4,1 e indicaram que apesar de pouco presente, essa conduta ainda é adotada pelos chefes imediatos, na percepção de alguns profissionais da APS.

O estímulo à busca de novas soluções para os problemas de trabalho é percebido pelos profissionais e obteve média de 6,5 e mediana de 7,0. Esse aspecto condiz com os resultados da análise de valorização das sugestões de mudança e encorajamento para aplicar novas habilidades que obtiveram os mesmos escores de média e mediana.

Também foi perceptível ao profissional de saúde, o apoio do chefe para aplicar novas habilidades, uma vez que esses assumem os riscos de novas formas de realizar o trabalho e possuem disponibilidade para esclarecerem dúvidas. Entretanto, o coeficiente de variação acima de 0,4 para ambas as variáveis indica que esses aspectos devem ser trabalhados de forma mais incisiva entre os profissionais que não possuem a mesma percepção.

Elogios ao aplicar novas habilidades são proferidos pelo chefe imediato, com média de 6,3 e mediana de 6,5. Entretanto, a média de 5,8 e mediana de 6,0 foram obtidas ao avaliar a remoção de dificuldades e obstáculos, pelo chefe imediato, diante da aplicação de novas habilidades, o que indica uma percepção moderada dessas variáveis.

Na avaliação do suporte à aprendizagem oferecido pelos colegas de trabalho da APS, a análise de consistência interna indicou alpha de Cronbach de 0,7, o que corresponde à confiabilidade aceitável. A média dos itens favoráveis ao suporte para aprendizagem variou de 6,8 a 7,8, com mediana entre 7,0 e 8,0 e coeficiente de variação entre 0,28 e 0,33. As percepções mais fortes dos profissionais de saúde foram em relação ao recebimento de orientações pelos colegas diante de dificuldades para aplicarem novas habilidades e elogios recebidos, com medianas de 8,0 e média acima de 7,0.

Destaca-se que críticas negativas diante de um erro decorrente da aplicação de novas habilidades no trabalho e o sentimento de ameaça pelos colegas quando são aplicados novos conhecimentos, foram pouco perceptíveis, obtendo escores abaixo de 4,0.

Discussão

A análise realizada permitiu conhecer o perfil dos profissionais de saúde da APS e as percepções acerca do suporte à aprendizagem oferecido no ambiente de trabalho.

Os profissionais atuantes na APS possuem um perfil diversificado em relação à faixa etária, à titulação, ao vínculo com a unidade de saúde, dentre outras características que podem estar a favor dos processos de gestão do conhecimento. Essa diversidade também é observada em estudos desenvolvidos com profissionais que atuam na APS das diversas regiões do território brasileiro99. Gonçalves CR, Cruz MT, Oliveira MP, Morais AJD, Moreira KS, Rodrigues CAQ, et al. Human resources: critical factor for primary health networks. Saúde Debate. 2014;38(100):26-34.

10. Marsiglia RMG. Perfil dos Trabalhadores da Atenção Básica em Saúde no Município de São Paulo: região norte e central da cidade. Saúde Soc. 2011;20(4):900-11.
-1111. Ohira RHF, Cordoni-Junior L, Nunes EFPA. Análise das práticas gerenciais na Atenção Primária à Saúde nos municípios de pequeno porte do norte do Paraná, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva. 2014;19(11):4439-48..

Considerando o contexto da APS, apesar da predominância do vínculo público, verificou-se que mais de 30% dos profissionais de saúde são mantidos por contrato temporário. Esse tipo de regime favorece a rotatividade de pessoal, característica não compatível com os princípios desse modelo de atenção. Em municípios de pequeno porte, a proporção de contratos na APS podem alcançar 96,7%99. Gonçalves CR, Cruz MT, Oliveira MP, Morais AJD, Moreira KS, Rodrigues CAQ, et al. Human resources: critical factor for primary health networks. Saúde Debate. 2014;38(100):26-34., o que implica na necessidade de avaliar o processo de seleção e recrutamento de pessoal desenvolvido.

O tempo de formado, de experiência profissional e de atuação na unidade de saúde foi variável, apontando que, simultaneamente, estão trabalhando profissionais mais experientes, que podem contribuir com os colegas nos aspectos rotineiros da unidade e os mais jovens, que podem auxiliar no uso de novas tecnologias, pelo fato de terem saído da academia mais recentemente, favorecendo a transferência contínua de conhecimento entre os profissionais.

Esse cenário tem exigido a implementação de modelos de formação e de gestão da força de trabalho baseados na competência do profissional e requer trabalhadores com um perfil diferenciado, tendo em vista que a aquisição de conhecimento ocorre em momentos e espaços distintos1212. Camelo SHH, Angerami ELS. Competência profissional: a construção de conceitos, estratégias desenvolvidas pelos serviços de saúde e implicações para a enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2013;22(2):552-60.. A qualificação profissional configura-se importante atributo para o melhor desempenho dos serviços de saúde e deve estar pareada a uma política de valorização e manutenção de pessoas, com o objetivo de favorecer a mudança de atitudes e do ambiente.

A literatura aponta que, no contexto organizacional, trabalhar a temática segurança do paciente tem sido complexo e a construção de um ambiente que converge para uma cultura "sem culpa", com a recuperação do incidente e sem o medo de punições pode gerar tensões entre os envolvidos1313. Steven A, Magnusson C, Smith P, Pearson PH. Patient safety in nursing education: Contexts, tensions and feeling safe to learn. Nurse Educ Today. 2014;34(2):277-84.. Verifica-se que a formação curricular em segurança do paciente nos cursos de graduação em saúde acontece de forma fragmentada, limitada a habilidades específicas e se confronta com propostas tradicionais, existindo grande necessidade de elaborar métodos e desenvolver competências profissionais exclusivas para reduzir e prevenir erros em saúde1313. Steven A, Magnusson C, Smith P, Pearson PH. Patient safety in nursing education: Contexts, tensions and feeling safe to learn. Nurse Educ Today. 2014;34(2):277-84.-1414. Bohomol E, Cunha ICKO. Teaching patient safety in the medical undergraduate program at the Universidade Federal de São Paulo. Einstein. 2015;13(1):7-13..

Com fragilidades originadas desde a graduação, a educação em serviço, no contexto da segurança do paciente, torna-se um desafio e deve ser incentivada a fim de sanar as lacunas do conhecimento. Orienta-se o desenvolvimento de uma gestão do conhecimento eficaz nos serviços de saúde, a fim de transferir para o contexto dos profissionais as melhores evidências científicas que asseguram o aperfeiçoamento da prática clínica1515. Grimshaw JM, Eccles MP, Lavis JN, Hill SJ, Squires JE. Knowledge translation of research findings. Implementation Science. 2012;7:1-17..

Dentre as variáveis favoráveis ao suporte à aprendizagem na APS, o respeito mútuo, a autonomia para organizar o trabalho e a valorização de novas ideias foram as mais perceptíveis pelos profissionais de saúde e obtiveram médias acima de 7,0. A literatura aponta correlação proporcional entre o suporte à aprendizagem e o desempenho no trabalho, que está associada ao desenvolvimento das atividades de forma eficiente, atendendo às expectativas organizacionais1616. Balarin CS, Zerbini T, Martins LB. A relação entre suporte à aprendizagem e impacto de treinamento no trabalho. REAd. 2014; 78(2):341-70.. Enfatiza-se, portanto, a influência positiva entre as variáveis do suporte oferecido para a aprendizagem e o impacto das intervenções educacionais no ambiente de trabalho, o que reforça o poder do contexto organizacional no processo de desenvolvimento de pessoal.

O componente autonomia é considerado um dos mais importantes para a promoção da satisfação entre os profissionais1717. Siqueira VTA, Kurcgant P. Satisfação no trabalho: indicador de qualidade no gerenciamento de recursos humanos em enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(1):151-7.. Desse modo, é possível que o profissional que perceba sua autonomia no ambiente de trabalho torne-se um agente proativo, capaz de criar, relacionar, argumentar e, consequentemente, prezar por uma assistência de qualidade.

Quanto ao suporte à aprendizagem oferecido pelos chefes, constatou-se média de 6,2 para o encorajamento dos profissionais de saúde ao aplicar novas habilidades, o que deve ser incentivado pela gestão que almeja o aprimoramento contínuo da assistência à saúde. Entretanto, grande parte dos profissionais afirmou que o chefe imediato nunca inibe o uso de novas habilidades e ainda assume possíveis riscos relacionados às novas formas de realizar o trabalho, o que facilita a mudança do contexto da assistência. Esse apoio é importante e deve estar vinculado a um processo sistematizado para o controle desses possíveis riscos, de modo a evitar a ocorrência de falhas que possam resultar em danos ao paciente.

Ressalta-se que para a prevenção dos riscos é necessário identificar e analisar sua origem e sistematizar as medidas preventivas de forma proativa e, não somente, quando os erros ocorrem. Estabelecer uma sistemática de gerenciamento de riscos é um caminho para a busca de melhor controle e monitoramento dos processos de trabalho1818. Hinrichsen SL, Campos MA, Possas LCM, Sabino G, Vilella TAS. Gestão da Qualidade e dos riscos na segurança do paciente: estudo-piloto. RAHIS. 2011;7(7):10-7..

O suporte à aprendizagem oferecido pelos colegas de trabalho obteve os melhores escores, com média variando entre 6,8 e 7,8, com mediana de 7,0 a 8,0. As características mais perceptíveis desse suporte foram o recebimento de orientações pelos colegas de trabalho diante de dificuldades para aplicar novas habilidades e os elogios recebidos quando são aplicadas essas novas habilidades. A potencialidade do trabalho em equipe de forma integrada ficou evidente na percepção dos profissionais de saúde e deve ser cultivada, considerando-se que, trabalhando em conjunto e de forma articulada, as equipes de saúde ampliam sua capacidade de cuidado e de resolução dos problemas de saúde e compartilham a responsabilidade pela melhoria da qualidade de saúde e de vida da população1919. Pereira RCA, Rivera FJU, Artmann E. The multidisciplinary work in the family health strategy: a study on ways of teams. Interface. 2013;17(45):327-40..

Destacou-se baixa percepção dos profissionais em relação às críticas negativas diante de um erro decorrente da aplicação de novas habilidades e ao sentimento de ameaça pelos colegas quando são aplicados novos conhecimentos. Tais aspectos sinalizam uma tendência favorável à aplicação de novos conhecimentos que influencia na adoção de práticas mais seguras. Essa percepção deve ser transferida e disseminada entre os profissionais de saúde na tentativa de aumentar a motivação para se envolverem em programas educativos.

As melhores práticas assistenciais estão diretamente relacionadas ao sucesso e à efetividade na formação e capacitação dos profissionais de saúde2020. Bastos LFL, Ciampone MHT, Mira VL. Asessment of evaluation of transference support and training impact on the work of nurses. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2013;21(6):1274-81.. Argumenta-se que o desenvolvimento de intervenções educativas é mais significativo quando se compreende os processos facilitadores do aprendizado no ambiente de trabalho77. Clark E, Draper J, Rogers J. Illuminating the process: enhancing the impact of continuing professional education on practice. Nurse Educ Today. 2015;35(2):388-94..

Em se tratando da aprendizagem para a prevenção de incidentes, em todos os níveis de atenção à saúde, é necessário um olhar ampliado, para além da própria atuação profissional e atentar para os múltiplos fatores que colocam em risco a segurança do paciente no processo de cuidado. Isso requer um plano factível para a melhoria da qualidade do cuidado, além da ampliação da cultura de segurança na APS, objetivando habilitar não somente os profissionais de saúde, mas também os pacientes, para reconhecerem e gerenciarem os riscos, dando oportunidade a capacidade compartilhada de mudanças no contexto da assistência à saúde11. Marchon GS, Mendes Junior WV. Segurança do paciente na atenção primária à saúde: revisão sistemática. Cad Saúde Pública. 2014;30(9):1-21..

O presente estudo aponta que a estrutura organizacional influencia a aprendizagem e é capaz de promover ou não um ambiente seguro com maiores possibilidades para a mudança do contexto onde a prática do cuidar acontece. A manutenção de uma cultura organizacional positiva, a parceria eficaz do trabalho e um ambiente de aprendizagem com apoio mútuo entre os envolvidos são fundamentais para que o compartilhamento de saberes possa prosperar e exercer uma influência positiva na melhoria do paciente e da assistência à saúde77. Clark E, Draper J, Rogers J. Illuminating the process: enhancing the impact of continuing professional education on practice. Nurse Educ Today. 2015;35(2):388-94..

Dessa forma, investir no suporte organizacional para a aprendizagem é uma estratégia significativa para alcançar a qualidade da prática clínica e, consequentemente, melhorar a segurança do paciente. Estudos dessa natureza são escassos na área da saúde, especialmente, na APS. Apesar de ter sido realizado em um contexto específico da atenção à saúde, os resultados obtidos elencam indicadores relacionados ao processo de gestão do conhecimento, que podem ser utilizados na atenção primária, secundária e terciária, como um novo referencial no processo de desenvolvimento dos profissionais de saúde.

Como limitações dessa pesquisa, apresentam-se o baixo número de respondentes e o fato de consistir em uma avaliação geral do suporte organizacional, uma vez que se pode avaliar o suporte para intervenções educacionais específicas e identificar diferentes percepções, dependendo da origem e da complexidade da intervenção. Apesar dessas limitações, o estudo oferece subsídios para o aprimoramento do conceito de suporte à aprendizagem e possibilita verificar a consonância entre as políticas de educação em serviço e o que de real acontece na prática profissional em saúde.

Favorecer um ambiente de compartilhamento de saberes implica na mudança de atitude e organizacional. Espera-se que o estudo desperte o interesse em aprofundar o conhecimento científico nessa temática, a fim de produzir evidências para a prática clínica, especialmente, para aqueles responsáveis por gerir o processo de desenvolvimento de pessoal.

Conclusão

Dentre as variáveis favoráveis ao suporte à aprendizagem, foram destacadas o respeito mútuo, a autonomia, a valorização de novas ideias, o incentivo dos chefes ao uso e aplicação de novas habilidades, a assunção de possíveis riscos no trabalho, o recebimento de orientações diante de dificuldades para aplicar novas habilidades e os elogios recebidos pelos colegas quando são aplicadas novas habilidades no trabalho. Dentre as variáveis que dificultam o processo de aprendizagem foram mais perceptíveis a resistência às mudanças, o excesso de trabalho, as críticas negativas pelos colegas diante de um erro e o sentimento de ameaça decorrente da aplicação de novas habilidades. Foi constatado que não basta promover oportunidades de aprendizado, mas, principalmente, estimular, oferecer suporte para que a aprendizagem aconteça e avaliar os resultados obtidos, objetivando verificar se o tempo investido contribuiu para a melhoria e transformação dos processos de trabalho e das pessoas.

As implicações práticas dos resultados obtidos orientam que o desenvolvimento de ações educacionais, no âmbito da segurança do paciente, seja avaliado de forma mais sistemática nas instituições de saúde, sanando não apenas os problemas relacionados ao suporte à aprendizagem, mas, também, aqueles relacionados à reação do profissional de saúde e ao impacto da intervenção no ambiente de trabalho, com foco no aprimoramento e na otimização dos recursos e esforços empregados em prol da redução de eventos indesejados.

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  • 1 Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq, processo nº 401265/2013-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    19 Mar 2015
  • Aceito
    10 Fev 2016
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