Acessibilidade / Reportar erro

Intercorrências na gravidez em puérperas brasileiras atendidas nos sistemas público e privado de saúde 1 1 Artigo extraído da tese de doutorado “Intercorrências na gestação: prevalência e fatores associados”, apresentada ao Departamento de Enfermagem, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, Brasil. Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil, processo nº 473708/2012-4.

RESUMO

Objetivo:

analisar a prevalência de intercorrências na gravidez e o perfil sociodemográfico das puérperas com intercorrências segundo financiamento do parto.

Métodos:

estudo transversal com entrevistas a 928 puérperas com partos financiados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e convênios e particulares (não SUS). A amostra foi calculada a partir dos nascimentos registrados no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos, estratificados por hospital e tipo de financiamento do parto. Os dados foram analisados por meio do teste Qui-quadrado e Exato de Fisher.

Resultados:

para todas puérperas, a prevalência foi 87,8%, com média de 2,4 intercorrências por mulher. Para partos SUS, infecção do trato urinário (38,2%), anemia (26,0%) e leucorreia (23,5%) foram mais frequentes. Para partos não SUS houve maior prevalência de sangramento vaginal (26,4%), infecção do trato urinário (23,9%) e leucorreia (23,7%). Puérperas que realizaram parto pelo SUS relataram maior número de intercorrências relacionadas às doenças infecciosas e as atendidas por convênios e particulares, as relacionadas a doenças crônicas. Observou-se maior frequência de puérperas adolescentes, não brancas e sem companheiro entre aquelas com parto SUS (p<0,001).

Conclusão:

a elevada prevalência de intercorrências indica necessidade de monitoramento e prevenção dos agravos na gestação, principalmente para gestantes com características sociodemográficas desfavoráveis.

Descritores:
Complicações na Gravidez; Gravidez; Morbidade; Cuidado Pré-natal; Financiamento da Assistência à Saúde

ABSTRACT

Objective:

to analyze the prevalence of pregnancy complications and sociodemographic profile of puerperal patients with complications, according to the form of financing of the childbirth service.

Method:

cross-sectional study with interview of 928 puerperal women whose childbirth was financed by the Unified Health System, health plans and private sources (other sources than the Unified Health System). The sample was calculated based on the births registered in the Information System on Live Births, stratified by hospital and form of financing of the childbirth service. Data were analyzed using the chi-square and Fisher’s exact tests.

Results:

the prevalence was 87.8% for all puerperal women, with an average of 2.4 complications per woman. In the case of deliveries covered by the Unified Health System, urinary tract infection (38.2%), anemia (26.0%) and leucorrhea (23.5%) were more frequent. In turn, vaginal bleeding (26.4%), urinary tract infection (23.9%) and leucorrhoea (23.7%) were prevalent in deliveries that were not covered by the Unified Health System. Puerperal women that had their delivery covered by the Unified Health System reported a greater number of intercurrences related to infectious diseases, while women who used health plans and private sources reported intercurrences related to chronic diseases. A higher frequency of puerperal adolescents, non-white women, and women without partner among those assisted in the Unified Health System (p < 0.001).

Conclusion:

the high prevalence of complications indicates the need for monitoring and preventing diseases during pregnancy, especially in the case of pregnant women with unfavorable sociodemographic characteristics.

Descriptors:
Pregnancy Complications; Pregnancy; Morbidity; Prenatal Care; Healthcare Financing

RESUMEN

Objetivo:

analizar la prevalencia de alteraciones durante el embarazo y el perfil socio-demográfico de los partos con alteraciones, según financiamiento del parto.

Método:

estudio transversal, con entrevistas a 928 mujeres que han dado a luz siendo financiado tanto por el Sistema Único de Salud como por convenios y particulares (no pertenecientes al Sistema Único de Salud). La muestra fue calculada a partir de los nacimientos registrados en el Sistema de Informaciones sobre Nacidos Vivos, estratificados por hospital y tipo de financiamiento del parto. Los datos fueron analizados por medio del test chi-cuadrado y exacto de Fisher.

Resultados:

para todas las puérperas, la prevalencia fue 87,8%, con media de 2,4 alteraciones por mujer. Para partos financiados por el Sistema Único de Salud, infección del tracto urinario (38,2%), anemia (26,0%) y leucorrea (23,5%) fueron las más frecuentes. Para partos no realizados por medio del Sistema Único de Salud hubo mayor prevalencia de sangramiento vaginal (26,4%), infección del tracto urinario (23,9%) y leucorrea (23,7%). Las que realizaron parto por el Sistema Único de Salud relataron mayor número de alteraciones relacionadas a las enfermedades infecciosas, mientras que las atendidas por convenios y particulares, las relacionadas a enfermedades crónicas. Se observó mayor frecuencia de adolescentes, no blancas y sin compañero entre aquellas con parto por el Sistema Único de Salud (p<0,001).

Conclusión:

la elevada prevalencia de alteraciones indica necesidad de monitoramiento y prevención de los agravios en la gestación, principalmente para gestantes con características sociodemográficas desfavorables.

Descriptores:
Complicaciones del Embarazo; Embarazo; Morbilidad; Atención Prenatal; Financiación de la Atención de la Salud

Introdução

A gestação é um acontecimento fisiológico na vida da mulher e seu desenvolvimento ocorre, em geral, sem complicações. No entanto, a cada ano centenas de milhares de mulheres morrem devido a intercorrências durante a gestação e parto11. World Health Organization (WHO). Trends in maternal mortality: 1990 to 2015: estimates by WHO, UNICEF, UNFPA, World Bank Group the United Nations Population Division. Library Cataloguing-in-Publication Data. Geneva: World Health Organization; 2015.[cited Apr 14, 2016]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/194254/1/9789241565141_eng.pdf?ua=1
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665...
.

Tem sido observado que os problemas de saúde, durante a gestação, têm aumentado mundialmente, principalmente devido a complexas interações entre fatores demográficos e estilo de vida, além dos avanços da medicina moderna22. Narayan B, Nelson-Piercy C. Medical problems in pregnancy. Clin Med. [Internet]. 2017 [cited Jun 6, 2017];17(3):251-7. Available from: http://www.clinmed.rcpjournal.org/content/16/Suppl_6/s110.long.
http://www.clinmed.rcpjournal.org/conten...
, com novas práticas diagnósticas e terapêuticas.

Entre as principais intercorrências clínicas na gravidez, relatadas na literatura, destacam-se as Infecções do Trato Urinário (ITU)33. Novaes ES, Oliveira RR, Melo EC, Varela PLR, Mathias TAF. Obstetric profile of public health system users after implantation of the network mother from the state of Paraná-Brazil. Cienc Cuid Saúde. [Internet]. 2015 [cited Dec 16, 2016];14(4):1436-44. Available from: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/viewFile/27343/16488.
http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/C...
-44. Matuszkiewicz-Rowinska J, Małyszko J, Wieliczko M. Urinary tract infections in pregnancy: old and new unresolved diagnostic and therapeutic problems. Arch Med Sci. [Internet]. 2015 [cited Jun 6; 2017];11(1):67-77. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4379362/.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
, a Doença Hipertensiva Específica da Gestação (DHEG), anemia e hiperemese55. Fossum S, Vikanes AV, Naess Ø, Vos L, Grotmol T, Halvorsen S. Hyperemesis gravidarum and long-term mortality: a population-based cohort study. BJOG. [Internet]. 2016;124 (7):1080-7 [cited Jun 3, 2017]. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1471-0528.14454/full.
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.11...
-66. Ye C, Ruan Y, Zou L, Li G, Li C, Chen Y, et al. The 2011 survey on Hypertensive Disorders of Pregnancy (HDP) in China: prevalence, risk factors, complications, pregnancy and perinatal outcomes. PLOS ONE. [Internet]. 2014;9(6):e1001180 [cited Jun 5, 2017]. Available from: http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0100180.
http://journals.plos.org/plosone/article...
. Nos Estados Unidos da América, em estudo multicêntrico sobre hospitalizações na gravidez, mostrou-se aumento de 71% na ocorrência de DHEG, entre 1994 e 201177. Leffert LR, Clancy CR, Bateman BT, Bryant AS, Kuklina EV. Hypertensive disorders and pregnancy-related stroke: frequency, trends, risk factors, and outcomes. Obstet Gynecol. [Internet]. 2015 [cited Jun 6, 2017]; 125(1):121-31. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4445352/.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
. Em outro estudo, ainda nos Estados Unidos da América, apontou-se que as principais intercorrências associadas à mortalidade materna foram a pré-eclâmpsia e a hemorragia obstétrica88. Clark SL, Belfort MA, Dildy GA, Herbst MA, Meyers JA, Hankins GD. Maternal death in the 21st century: causes, prevention, and relationship to cesarean delivery. Am J Obstet Gynecol. [Internet]. 2008 [cited Jun 6, 2017];199(1):36. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0002937808002688?via%3Dihub.
http://www.sciencedirect.com/science/art...
.

Outro agravo comum na gestação é a ITU, com gravidade e frequência bem conhecidas99. Singh B, Tilak R, Srivastava R, Katiyar D. Urinary tract infection and its risk factors in women: an appraisal. J Pure Appl Microbiol. [Internet]. 2014 [cited Jun 6, 2017];8(5). Available from: https://www.publication/281104683_Urinary_Tract_Infection_and_its_Risk_Factors_in_Women_An_Appraisal
https://www.publication/281104683_Urinar...
. É um dos principais fatores de risco para parto prematuro e restrição do crescimento intrauterino, baixo peso ao nascer e eclâmpsia1010. Easter SR, Cantonwinw DE, Zera CA, Lim KH, Parry SI, McElarath TF. Urinary tract infection during pregnancy, angiogenic factor profiles, and risk of preeclampsia. Am J Obstet Gynecol. [Internet]. 2016 [cited Jun 6, 2017];214(3):387.e1-7. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0002937815012156.
http://www.sciencedirect.com/science/art...
. A anemia que, segundo estimativa, pode atingir 19% das grávidas no mundo1111. Black R, Victora CG, Walker SP, Bhutta ZA, Christian P, Onis M, et al. Maternal and child undernutrition and overweight in low-income and middle-income countries. Lancet. [Internet]. 2013 [cited Jun 5, 2017]; 382(9890):427-51. Available from: http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736%2813%2960937-X/abstract.
http://www.thelancet.com/journals/lancet...
, está associada ao baixo nível sociodemográfico e é mais comum na gestação em países em desenvolvimento1212. Campigotto AC, Farias MCAD, Pinto DCF, Albuquerque FGF. Factors relating to iron deficiency anemia in pregnancy: an integrative review. Int Arch Med. [Internet]. 2015 [cited Jun 5, 2017]; 8(159). Available from: http://imed.pub/ojs/index.php/iam/article/view/1215.
http://imed.pub/ojs/index.php/iam/articl...
.

Mulheres com condições socioeconômicas desfavoráveis, doenças preexistentes, como diabetes, hipertensão, anemias e cardiopatias e adolescentes ou mulheres acima de 35 anos de idade podem apresentar maior probabilidade de agravos que contribuem para resultados indesejáveis, já que intercorrências durante a gestação são fatores preditores da morbimortalidade materna e fetal1313. Kayem G, Kurinczuk J, Lewis G, Golightly S, Brocklehurst P, Knight M. Risk factors for progression from severe maternal morbidity to death: a national cohort study. PLOS ONE. [Internet]. 2011 [cited Jun 5, 2017];6:e29077. Available from: http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0029077.
http://journals.plos.org/plosone/article...
-1414. Nair M, Kurinczuk JJ, Brockehurst P, Sellers S, Lewis G, Knight M. Factors associated with maternal death from direct pregnancy complications: a UK national case-control study. BJOG. [Internet]. 2015 [cited Jun 5, 2017];122:653-62. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1471-0528.13279/full.
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.11...
. Estima-se que, para cada mulher que morre no período da gestação, outras 20 a 30 experimentam intercorrências agudas ou crônicas, com desfechos permanentes que prejudicam a funcionalidade do organismo1515. Firoz T, Chou D, Dadelszen PV, Agrawal P, Vanderkruik R, Tunçalp O, et al. Measuring maternal health: focus on maternal morbidity. Bull World Health Organ. Epub Aug. [Internet]. 2013 [cited May 14, 2016]; 91(10):794-79. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3791656/pdf/BLT.13.117564.pdf. doi: http://dx.doi.org/10.2471/BLT.13.117564
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
. As intercorrências na gestação afetam também a alocação de recursos financeiros destinados à saúde materno-infantil. Nos Estados Unidos da América, em pesquisa realizada com 137.040 lactentes, de 2007 a 2011, encontrou-se prevalência de 75,4% de mulheres com, pelo menos, uma intercorrência no período da gestação, com aumento de U$987 para U$10.287 no custo do atendimento aos recém-nascidos1616. Law A, McCoy M, Lynen R, Curkendall SM, Gatwood J, Juneau PL, et al. Costs of newborn care following complications during pregnancy and delivery. Matern Child Health J. [Internet]. 2015 [cited Jun 5, 2017];19:2081-8. Available from: https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs10995-015-1721-2.
https://link.springer.com/article/10.100...
.

No Brasil, são muitos os programas implantados para assistência, prevenção e controle da morbimortalidade de mulheres durante a gestação, parto e puerpério, em especial aqueles desenvolvidos em nível nacional, como o Rede Cegonha*, e estadual, como o Rede Mãe Paranaense, no Estado do Paraná**. Contudo, esses esforços não alcançaram plenamente os objetivos esperados. O 5o Objetivo do Desenvolvimento do Milênio visava a redução das taxas de mortalidade materna em 75%, até o ano 2015, mas essa redução foi de apenas 45%11. World Health Organization (WHO). Trends in maternal mortality: 1990 to 2015: estimates by WHO, UNICEF, UNFPA, World Bank Group the United Nations Population Division. Library Cataloguing-in-Publication Data. Geneva: World Health Organization; 2015.[cited Apr 14, 2016]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/194254/1/9789241565141_eng.pdf?ua=1
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665...
em todo o mundo, inclusive no Brasil.

Conhecer a prevalência, os principais tipos de doenças ou agravos e as características sociodemográficas de mulheres com intercorrências na gestação pode favorecer o manejo e a prevenção de desfechos indesejáveis para a mãe e para o seu filho. Dessa forma, neste estudo buscou-se responder às seguintes perguntas: qual a prevalência e os principais tipos de intercorrências na gravidez e qual o perfil sociodemográfico dessas mulheres em um município da Região Sul do Brasil? Estudos populacionais são necessários, principalmente os que apresentam panorama geral das intercorrências que, somado ao perfil sociodemográfico, pode contribuir para conhecer as características de atenção à saúde e melhorar o cuidado à mulher no período gestacional. Foi objetivo neste estudo analisar a prevalência de intercorrências na gravidez e o perfil sociodemográfico das puérperas com intercorrências, segundo financiamento do parto.

Método

Estudo transversal, com dados de entrevistas e de prontuários de puérperas residentes no município de Maringá, PR, segundo tipo de financiamento do parto. Maringá está localizada no Noroeste do Paraná; é o terceiro município mais populoso do Estado, com população estimada em 403.063 habitantes, em 2015, e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi de 0,81, o sexto do Paraná***.

O atendimento ao parto em Maringá é realizado em seis hospitais, sendo que em dois há leitos obstétricos conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS), dos quais um é hospital escola e atende exclusivamente pelo setor público de saúde. A coleta de dados foi realizada em cinco hospitais, pois um não autorizou a realização da pesquisa.

A amostra foi calculada a partir de 4.656 nascimentos de residentes em Maringá, registrados no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), em 2012. Os nascimentos foram estratificados por hospital e por tipo de financiamento do parto, SUS e não SUS. Neste estudo, entende-se como nascimentos “SUS” os partos financiados pelo Sistema Único de Saúde e “não SUS” os partos financiados por todos os convênios e particulares. Foram considerados os percentuais de nascimentos por hospital e tipo de financiamento do parto, excluídos 638 nascimentos ocorridos em um hospital privado por não ter sido autorizada a realização da pesquisa (Tabela 1). Os parâmetros utilizados para o cálculo amostral foram: erro alfa de 0,05, frequência relativa de 50% de exposição e erro máximo de estimação de 0,03%. O valor final de 928 puérperas já inclui o acréscimo de 10% para possíveis perdas e recusas. Os critérios de inclusão foram: residir no município de Maringá, com nascido vivo nessa gestação e internação em alojamento conjunto.

Tabela 1
Distribuição de nascimentos de residentes em Maringá, segundo hospital e tipo de financiamento do parto. Maringá, PR, Brasil, 2012

O treinamento para a coleta de dados, executada por três alunas de doutorado em enfermagem e uma enfermeira contratada para a pesquisa, foi realizado em reuniões com aplicação de manual de instruções para o trabalho de campo, além de teste-piloto em um dos hospitais com maior número de partos.

Os dados foram coletados no período de outubro de 2013 a fevereiro de 2014, em visitas diárias aos hospitais, inclusive aos sábados, domingos e feriados, sem interrupção, até o preenchimento do número amostral. Após a identificação das puérperas residentes em Maringá, por meio do prontuário hospitalar, essas foram abordadas no alojamento conjunto e convidadas a participar da pesquisa. Foram evitados os horários de alimentação, visitas, procedimentos médicos e de enfermagem e de cuidados ao recém-nascido. Apenas duas puérperas recusaram participar do estudo, referindo desgaste devido à longa internação desde a gestação, e foram substituídas. Foi utilizado formulário online no Google Docs, que permite agilidade tanto na coleta como no armazenamento dos dados em planilha. Durante o trabalho de campo, as planilhas eram conferidas diariamente, visando a segurança e a qualidade dos dados, se necessário nova consulta aos prontuários e contato com a puérpera eram realizados.

Para as informações sobre as intercorrências, primeiro foi perguntado à puérpera se, durante a gestação, apresentou algum dos seguintes agravos: sangramento vaginal, sífilis, Diabetes Mellitus (DM), gonorreia/clamídia, infecção pelo HIV, corrimento vaginal, Placenta Prévia (PP), Descolamento Prematuro da Placenta (DPP), polidrâmnio, oligodrâmnio, malformação fetal, depressão, hipertensão arterial gestacional e/ou Infecção do Trato Urinário (ITU), com a possibilidade de resposta sim ou não. Em seguida, foi perguntado: a senhora teve algum outro problema grave de saúde durante a gestação? Se sim, qual?, ou seja, a própria puérpera espontaneamente relatou intercorrências durante a gravidez, sem a interferência da entrevistadora. Para garantir maior fidelidade das respostas, além de perguntar se teve ou não a intercorrência, para cada uma delas, foi indagado se foram realizados exames laboratoriais e se houve diagnóstico médico e/ou tratamento. A ocorrência da leucorreia somente foi considerada quando houve relato de tratamento medicamentoso. O prontuário foi consultado para complementar outras intercorrências não informadas na entrevista, por exemplo: se na entrevista a puérpera não relatou polidrâmnio na gestação, mas existia essa informação no prontuário, essa foi considerada.

A análise da prevalência de intercorrências foi realizada segundo o tipo de financiamento do parto, Sistema Único de Saúde (SUS) ou convênios e particular (não SUS), por características socioeconômicas: idade, etnia, zona de residência, escolaridade, presença de companheiro, classe econômica (A, B, C, D, E) e financiamento do pré-natal, autorreferidas durante a entrevista. A variável classe econômica foi definida de acordo com o Critério de Classificação Econômica Brasil da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep), que estima o poder de compra das pessoas pela soma dos valores de posse de itens, mais a soma do valor do grau de instrução, e estabelece oito classes econômicas. Neste estudo, foram consideradas cinco classes: os estratos A1 e A2 (renda média familiar de R$9.733,00 a R$6.564,00); os estratos B1 e B2 (renda média familiar de R$3.479,00 a R$2.013,00); os estratos C1 e C2 (renda média familiar de R$1.195,00 a R$726,00); o estrato D (renda média familiar de R$485,00) e o estrato E (renda média familiar de R$277,00). O financiamento do pré-natal expressa se o pré-natal foi realizado na rede pública de saúde (SUS), na privada (não SUS) ou em ambas (misto).

Os dados foram descritos por meio de frequências absolutas e relativas e a comparação entre as proporções foi analisada pelo teste qui-quadrado e exato de Fisher, quando necessário. As entrevistas e a consulta aos prontuários foram realizadas após contato com as puérperas, explicação dos objetivos do estudo e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O estudo foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Maringá (UEM), PR (nº 800.748/2014).

Resultados

Das 928 puérperas, 815 (87,8%) relataram pelo menos uma intercorrência na gestação, com média de 2,4 intercorrências por mulher, 2,5 para aquelas com partos SUS e 2,4 para aquelas com parto não SUS. Apenas 14,7% das puérperas com partos SUS e 9,3% com parto não SUS não tiveram intercorrências na gestação (p=0,012). As puérperas com parto não SUS informaram maior número de intercorrências do que as com parto SUS, tanto para uma (21,2 e 19%, respectivamente) como para duas intercorrências (20,5 e 14,9%, respectivamente), (p=0,026). Os dados em questão estão descritos na Tabela 2.

Tabela 2
Frequência de intercorrências (n e %), segundo financiamento do parto. Maringá, PR, Brasil, 2013-2014

A ITU (31,5%), seguida da anemia (24,4%), leucorreia (23,6%), sangramento vaginal (23,5%), Trabalho de Parto Prematuro (TPP) (22,6%) e DHEG (19,5%) foram as intercorrências mais frequentes. Entre as puérperas com parto SUS, observou-se maior frequência de ITU (p<0,001) e oligodrâmnio (p=0,013), e entre as com parto não SUS, maior frequência de DPP (p<0,001), diabetes gestacional (p=0,042), placenta prévia (p<0,001) e polidrâmnio (p<0,001). Mesmo com menor número de casos (menos que 2%), observou-se que sífilis, gonorreia, infecção pelo HIV, condiloma, HPV, rubéola e hepatite B ocorreram com maior frequência na gravidez de puérperas com parto SUS (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição das intercorrências, segundo financiamento do parto. Maringá, PR, Brasil, 2013-2014

Entre as características sociodemográficas, houve diferenças segundo a fonte de financiamento do parto, mostrando vulnerabilidade para as puérperas com parto SUS. O percentual de adolescentes com intercorrências foi maior para as puérperas com parto SUS (16,1%) do que para as com parto não SUS (9,1%) (p<0,001); assim como o percentual para a etnia não branca (57,8% parto SUS e 32,4% parto não SUS; p<0,001); menos de oito anos de estudo (13,2% parto SUS e 2,3% não SUS; p<0,001) e não ter companheiro (14,4% parto SUS e 2,8% parto não SUS; p<0,001). Com relação à classe econômica, foram classificadas na classe C 56,8% de puérperas com parto SUS e 17,7% das não SUS (p<0,001); na classe B, 35,7% com parto SUS e 73,1% não SUS (p<0,001). Nenhuma puérpera com parto não SUS foi classificada nas classes D ou E. Como esperado, a maioria das puérperas com parto SUS (91,6%) fez pré-natal exclusivamente na rede pública, enquanto a maioria das puérperas com parto não SUS (99,5%) fez pré-natal na rede privada ou de forma mista (Tabela 4).

Tabela 4
Características sociodemográficas de puérperas com intercorrências na gestação, segundo financiamento do parto. Maringá, PR, Brasil, 2013-2014

Discussão

A alta prevalência de intercorrências na gestação, relatadas pelas puérperas maringaenses, tanto por aquelas com parto financiado pelo setor público quanto pelo privado de atenção à saúde, é achado importante neste estudo. Algumas intercorrências e agravos na gravidez são, de certa forma, esperados, uma vez que, no período gestacional, podem ocorrer desequilíbrios das funções metabólicas, circulatórias, neurológicas e renais, já que o equilíbrio fisiológico do organismo da mulher é bastante alterado. No entanto, a frequência neste estudo foi bastante elevada se comparada com resultados constatados em estudo de coorte realizado no Missouri, Estados Unidos da América, onde foi encontrado 32,3%, mesmo considerando as diferenças no perfil socioeconômico da população e na forma de coleta de dados1717. Aliyu MH, Lynch O, Wilson RE, Alio AP, Kristensen S, Marty PJ, et al. Association between tobacco use in pregnancy and placenta-associated syndromes: a population-based study. Arch Gynecol Obstet. [Internet]. 2011 [cited Jun 5, 2017];283:729. Available from: https://link.springer.com/article/10.1007/s00404-010-1447-8.
https://link.springer.com/article/10.100...
.

Além da alta prevalência de intercorrências na gestação de mulheres residentes em Maringá, para ambos os estratos de financiamento do parto, também chamaram atenção alguns aspectos que mostram a vulnerabilidade das usuárias do SUS como, por exemplo, mesmo sem associação significativa foi observado maior percentual dessas com quatro ou mais intercorrências. Essa desvantagem deve ser considerada principalmente garantindo o acesso e a qualidade dos serviços públicos de saúde e, ainda, observando-se as características sociodemográficas da população usuária do SUS associadas à prevalência de intercorrências.

As principais intercorrências relatadas pelas puérperas, como a ITU, anemia, leucorreia, sangramento vaginal, TPP e DHEG, estão de acordo com a literatura44. Matuszkiewicz-Rowinska J, Małyszko J, Wieliczko M. Urinary tract infections in pregnancy: old and new unresolved diagnostic and therapeutic problems. Arch Med Sci. [Internet]. 2015 [cited Jun 6; 2017];11(1):67-77. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4379362/.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
,66. Ye C, Ruan Y, Zou L, Li G, Li C, Chen Y, et al. The 2011 survey on Hypertensive Disorders of Pregnancy (HDP) in China: prevalence, risk factors, complications, pregnancy and perinatal outcomes. PLOS ONE. [Internet]. 2014;9(6):e1001180 [cited Jun 5, 2017]. Available from: http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0100180.
http://journals.plos.org/plosone/article...
, no entanto, diferem em prevalência. A ITU, intercorrência mais relatada, durante a gestação, apresentou proporção superior à média esperada, que é de 20%* * Montenegro CAB, Rezende Filho J. Rezende fundamental obstetrics. 12. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011 , o mesmo ocorrendo em estudo realizado na Nigéria, em 2011, no qual se encontrou prevalência de 21%1818. Mordi RM, Burke ME, Odjadjare EE, Enabulele A, Umeh OJ. Prevalence of urinary tract infections (UTI) among pregnant women in university of Benin teaching hospital (UBTH) Benin City, Nigeria. J Asian Sci Res. [Internet]. 2015 [cited Jun 5, 2017]; 5(4):198-204. Available from: http://www.aessweb.com/pdf-files/jasr-2015-5(4)-198-204.pdf.
http://www.aessweb.com/pdf-files/jasr-20...
.

Responsável por aproximadamente 10% das hospitalizações anteparto, as ITUs, algumas vezes assintomáticas, podem evoluir para pielonefrite e cistite e desencadear complicações também para o feto, como o nascimento prematuro e o baixo peso ao nascer99. Singh B, Tilak R, Srivastava R, Katiyar D. Urinary tract infection and its risk factors in women: an appraisal. J Pure Appl Microbiol. [Internet]. 2014 [cited Jun 6, 2017];8(5). Available from: https://www.publication/281104683_Urinary_Tract_Infection_and_its_Risk_Factors_in_Women_An_Appraisal
https://www.publication/281104683_Urinar...
,1515. Firoz T, Chou D, Dadelszen PV, Agrawal P, Vanderkruik R, Tunçalp O, et al. Measuring maternal health: focus on maternal morbidity. Bull World Health Organ. Epub Aug. [Internet]. 2013 [cited May 14, 2016]; 91(10):794-79. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3791656/pdf/BLT.13.117564.pdf. doi: http://dx.doi.org/10.2471/BLT.13.117564
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
. Essas complicações podem ser evitadas com cuidado na gestação de qualidade, diagnóstico e tratamento precoce, conforme preconizado pelos protocolos nacionais, estaduais e municipais de atendimento ao pré-natal1919. Luz AG, Osis MJD, Ribeiro M, Cecatti JG, Amaral E. Impact of a nationwide study for surveillance of maternal near-miss on the quality of care provided by participating centers: a quantitative and qualitative approach. BMC Pregnancy and Childbirth. [Internet]. 2014 [cited Jun 6, 2017];14(122):1-9. Available from: https://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2393-14-122.
https://bmcpregnancychildbirth.biomedcen...
.

A anemia, sem associação com o tipo de financiamento do parto, teve ocorrência abaixo do esperado se comparada à estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) para países em desenvolvimento, que varia de 40 a 59,9%2020. World Health Organization (WHO). The global anaemia prevalence in 2011. Geneva: World Health Organization; 2015[cited Nov 14, 2016]. Available from: http://www.who.int/nutrition/publications/micronutrients/global_prevalence_anaemia_2011_maps.pdf.
http://www.who.int/nutrition/publication...
. Em estudo realizado em um hospital da Etiópia, em 2012, para analisar a prevalência e os preditores da anemia materna, observou-se prevalência de anemia de 16,6%2121. Melku M, Addis Z, Alem M, Enawgaw B. Prevalence and predictors of maternal anemia during pregnancy in Gondar, northwest Ethiopia: an institutional based cross-sectional study. Anemia. [Internet]. 2014 [cited Jun 5, 2017];2014:1-9. Available from: https://www.hindawi.com/journals/anemia/2014/108593/abs/.
https://www.hindawi.com/journals/anemia/...
, menor do que o valor constatado no presente estudo. Considerada problema de saúde pública, que afeta países de baixa, média e alta renda, os efeitos da anemia durante a gestação compreendem o baixo peso ao nascer, algumas doenças neurológicas do feto e aumento do risco de mortalidade materna e perinatal2020. World Health Organization (WHO). The global anaemia prevalence in 2011. Geneva: World Health Organization; 2015[cited Nov 14, 2016]. Available from: http://www.who.int/nutrition/publications/micronutrients/global_prevalence_anaemia_2011_maps.pdf.
http://www.who.int/nutrition/publication...
.

O sangramento vaginal foi relatado pelas puérperas entrevistadas, com maior proporção para aquelas com partos financiados por planos de saúde ou privados (não SUS). Sangramentos durante a gestação vêm sendo associados ao DPP e à placenta prévia*. Neste estudo, observou-se DPP e placenta prévia mais prevalentes nas gestantes com parto não SUS.

Embora esses resultados mostrem maior frequência de sangramento vaginal entre mulheres não SUS, também foi relatado pelas mulheres que realizaram o parto pelo SUS. Essa ocorrência pode estar relacionada à facilidade de sua detecção, sem necessidade de exames clínicos ou laboratoriais. Já a maior prevalência de DPP e placenta prévia entre puérperas que realizaram o parto por convênios ou particulares (não SUS), pode sinalizar maior informação e acesso mais rápido à assistência à saúde, com exames diagnósticos e esclarecimentos que as levaram a relatar essas ocorrências. O DPP acontece com maior frequência durante 24 a 26 semanas de gravidez, diminuindo a frequência nas semanas subsequentes2222. Vitorial KM, Ennesk LO, Tavares RF, Araujo ICO, Zwetkoff BF, Reis AS, et al. A case of life-threatening obstetrical hemorrhage secondary to placental abruption at 17 weeks of gestation. Clin Pract. [Internet]. 2014 [cited Jun 5, 2017];4(1):605. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4019918/.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
, e consiste na separação da placenta implantada no corpo do útero2323. Atkinson AL, Santolaya-Forgas J, Blitzer DN, Santolaya JKL, Matta P, Canterino J, et al. Risk factors for perinatal mortality in patients admitted to the hospital with the diagnosis of placental abruption. J Matern Fetal Neonatal Med [Internet]. 2015 [cited Jun 5, 2017];28(5). Available from: http://www.tandfonline.com/doi/citedby/10.3109/14767058.2014.927427?scroll=top&needAccess=true.
http://www.tandfonline.com/doi/citedby/1...
. No presente estudo, a frequência mais elevada de DPP na população não SUS pode estar associada à frequência mais elevada de mulheres acima de 35 anos, nesse grupo, um dos principais fatores de risco para a DPP* * Montenegro CAB, Rezende Filho J. Rezende fundamental obstetrics. 12. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011 .

A DHEG apresentou percentual mais elevado nesta pesquisa do que o encontrado em estudo de revisão com gestantes de vários países do mundo, que foi de 5,2 a 8,2%2424. Umesawa M, Kobashi G. Epidemiology of hypertensive disorders in pregnancy: prevalence, risk factors, predictors and prognosis. Hypertens Res. [Internet]. 2016 [cited Jun 5, 2017];40(3):213-20. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/labs/articles/27682655/.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/labs/articl...
. Neste estudo, foi observado que a maior prevalência de DHEG ocorreu entre puérperas que realizaram o parto não SUS, e a maior prevalência de diabetes gestacional, entre aquelas com parto SUS. Fato interessante, já que os fatores de risco para DHEG e diabetes gestacional são semelhantes, como idade superior a 35 anos, sedentarismo, obesidade, alimentação inadequada, fatores hormonais e uso de medicamentos contínuos, assim como as possíveis complicações decorrentes da DHEG e diabetes gestacional, que incluem polidrâmnia, eclâmpsia, TPP, malformação congênita, mortalidade materna e infantil, dentre outras. Idade acima de 35 anos e etnia preta e parda são características demográficas apontadas como determinantes para DHEG, a qual é uma das complicações com incidência de 5 a 10% em mulheres grávidas*. A DHEG é considerada uma das principais causas de morbidade e mortalidade materna em países em desenvolvimento, com proporções elevadas de morbidade materna severa e mortalidade materna no Brasil2525. Zanette E, Parpinelli MA, Surita FG, Costa ML, Haddad SM, Sousa MH, et al. Maternal near miss and death among women with severe hypertensive disorders: a Brazilian multicenter surveillance study. Rep Health. [Internet]. 2014 [cited Jun 6, 2017];11(4):1-11. Available from: https://reproductive-health-journal.biomedcentral.com/articles/10.1186/1742-4755-11-4.
https://reproductive-health-journal.biom...
.

Outros agravos relatados neste estudo tiveram percentual mais elevado para puérperas com parto financiado pelo sistema público de saúde e chamou atenção a maior proporção de algumas doenças infecciosas, como a Hepatite B, sífilis, gonorreia, toxoplasmose, HIV, condiloma, HPV e rubéola. Dos 26 casos dessas doenças, 24 ocorreram no grupo das mulheres atendidas para o parto pelo SUS. Ao encontro desses resultados, a sífilis foi objeto de estudo multinacional em 2008, no qual foi encontrada estimativa de 1.360.485 mulheres com sífilis, principalmente na África e América do Sul, em populações com maiores características de vulnerabilidade, quais sejam, adolescentes, baixa escolaridade e sem companheiro2626. Newman L, Kamb M, Hawkes S, Gomez G, Say L, Seuc A, et al. Global estimates of syphilis in pregnancy and associated adverse outcomes: analysis of multinational antenatal surveillance data. PLOS Med. [Internet]. 2013 [cited Jun 6, 2017];10(2):e1001396. Available from: http://journals.plos.org/plosmedicine/article?id=10.1371/journal.pmed.1001396.
http://journals.plos.org/plosmedicine/ar...
. Por outro lado, no presente estudo foi observada proporção mais elevada de doenças específicas da gestação ou doenças crônicas nas puérperas que realizaram o parto não SUS. Esse resultado pode estar associado à idade materna, com maior proporção de puérperas com 35 anos ou mais no estrato não SUS, para as quais as doenças crônicas não transmissíveis e os riscos gestacionais são mais prevalentes.

Conclusão

Existem algumas limitações neste estudo, como a utilização de informações autorreferidas, devido ao possível viés de memória das puérperas. Entretanto, a coleta de dados sobre as intercorrências na entrevista, com duas perguntas, uma estimulada e outra espontânea, mostrou ser estratégia viável, pois a elevada prevalência e a diversidade de agravos relatados sugerem que as puérperas ainda se recordam dessas ocorrências na gestação. Deve ser considerado ainda como limitação o fato de que as intercorrências não foram classificadas quanto à sua gravidade e que o financiamento do parto categorizado como não SUS incluiu todos os planos de saúde privados, sem diferenciação dos tipos de cobertura, que se sabe são variados.

Neste estudo foram mostrados alguns aspectos relevantes relativos à saúde da mulher em município de médio porte, com destaque para a elevada prevalência de intercorrências na gravidez e as diferenças no perfil socioeconômico das puérperas, segundo financiamento do parto. Observou-se maior percentual de adolescentes, de etnia não branca, sem companheiro e pertencentes à classe econômica desfavorável entre as puérperas com parto financiado pelo setor público de saúde. Esses resultados mostram a necessidade de aprimoramento do cuidado pré-natal, com adoção de ações adequadas de prevenção e monitoramento das intercorrências na gravidez. As equipes de saúde devem estar preparadas para prevenir e tratar precocemente as principais intercorrências e, principalmente, identificar aquelas com potencial para desencadear complicações mais graves, sobretudo se ocorrerem em mulheres com situação de vulnerabilidade, tanto social quanto biológica.

References

  • 1
    World Health Organization (WHO). Trends in maternal mortality: 1990 to 2015: estimates by WHO, UNICEF, UNFPA, World Bank Group the United Nations Population Division. Library Cataloguing-in-Publication Data. Geneva: World Health Organization; 2015.[cited Apr 14, 2016]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/194254/1/9789241565141_eng.pdf?ua=1
    » http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/194254/1/9789241565141_eng.pdf?ua=1
  • 2
    Narayan B, Nelson-Piercy C. Medical problems in pregnancy. Clin Med. [Internet]. 2017 [cited Jun 6, 2017];17(3):251-7. Available from: http://www.clinmed.rcpjournal.org/content/16/Suppl_6/s110.long
    » http://www.clinmed.rcpjournal.org/content/16/Suppl_6/s110.long
  • 3
    Novaes ES, Oliveira RR, Melo EC, Varela PLR, Mathias TAF. Obstetric profile of public health system users after implantation of the network mother from the state of Paraná-Brazil. Cienc Cuid Saúde. [Internet]. 2015 [cited Dec 16, 2016];14(4):1436-44. Available from: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/viewFile/27343/16488
    » http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/viewFile/27343/16488
  • 4
    Matuszkiewicz-Rowinska J, Małyszko J, Wieliczko M. Urinary tract infections in pregnancy: old and new unresolved diagnostic and therapeutic problems. Arch Med Sci. [Internet]. 2015 [cited Jun 6; 2017];11(1):67-77. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4379362/.
    » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4379362/.
  • 5
    Fossum S, Vikanes AV, Naess Ø, Vos L, Grotmol T, Halvorsen S. Hyperemesis gravidarum and long-term mortality: a population-based cohort study. BJOG. [Internet]. 2016;124 (7):1080-7 [cited Jun 3, 2017]. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1471-0528.14454/full.
    » http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1471-0528.14454/full.
  • 6
    Ye C, Ruan Y, Zou L, Li G, Li C, Chen Y, et al. The 2011 survey on Hypertensive Disorders of Pregnancy (HDP) in China: prevalence, risk factors, complications, pregnancy and perinatal outcomes. PLOS ONE. [Internet]. 2014;9(6):e1001180 [cited Jun 5, 2017]. Available from: http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0100180
    » http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0100180
  • 7
    Leffert LR, Clancy CR, Bateman BT, Bryant AS, Kuklina EV. Hypertensive disorders and pregnancy-related stroke: frequency, trends, risk factors, and outcomes. Obstet Gynecol. [Internet]. 2015 [cited Jun 6, 2017]; 125(1):121-31. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4445352/.
    » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4445352
  • 8
    Clark SL, Belfort MA, Dildy GA, Herbst MA, Meyers JA, Hankins GD. Maternal death in the 21st century: causes, prevention, and relationship to cesarean delivery. Am J Obstet Gynecol. [Internet]. 2008 [cited Jun 6, 2017];199(1):36. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0002937808002688?via%3Dihub
    » http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0002937808002688?via%3Dihub
  • 9
    Singh B, Tilak R, Srivastava R, Katiyar D. Urinary tract infection and its risk factors in women: an appraisal. J Pure Appl Microbiol. [Internet]. 2014 [cited Jun 6, 2017];8(5). Available from: https://www.publication/281104683_Urinary_Tract_Infection_and_its_Risk_Factors_in_Women_An_Appraisal
    » https://www.publication/281104683_Urinary_Tract_Infection_and_its_Risk_Factors_in_Women_An_Appraisal
  • 10
    Easter SR, Cantonwinw DE, Zera CA, Lim KH, Parry SI, McElarath TF. Urinary tract infection during pregnancy, angiogenic factor profiles, and risk of preeclampsia. Am J Obstet Gynecol. [Internet]. 2016 [cited Jun 6, 2017];214(3):387.e1-7. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0002937815012156.
    » http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0002937815012156.
  • 11
    Black R, Victora CG, Walker SP, Bhutta ZA, Christian P, Onis M, et al. Maternal and child undernutrition and overweight in low-income and middle-income countries. Lancet. [Internet]. 2013 [cited Jun 5, 2017]; 382(9890):427-51. Available from: http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736%2813%2960937-X/abstract
    » http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736%2813%2960937-X/abstract
  • 12
    Campigotto AC, Farias MCAD, Pinto DCF, Albuquerque FGF. Factors relating to iron deficiency anemia in pregnancy: an integrative review. Int Arch Med. [Internet]. 2015 [cited Jun 5, 2017]; 8(159). Available from: http://imed.pub/ojs/index.php/iam/article/view/1215
    » http://imed.pub/ojs/index.php/iam/article/view/1215
  • 13
    Kayem G, Kurinczuk J, Lewis G, Golightly S, Brocklehurst P, Knight M. Risk factors for progression from severe maternal morbidity to death: a national cohort study. PLOS ONE. [Internet]. 2011 [cited Jun 5, 2017];6:e29077. Available from: http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0029077
    » http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0029077
  • 14
    Nair M, Kurinczuk JJ, Brockehurst P, Sellers S, Lewis G, Knight M. Factors associated with maternal death from direct pregnancy complications: a UK national case-control study. BJOG. [Internet]. 2015 [cited Jun 5, 2017];122:653-62. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1471-0528.13279/full
    » http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1471-0528.13279/full
  • 15
    Firoz T, Chou D, Dadelszen PV, Agrawal P, Vanderkruik R, Tunçalp O, et al. Measuring maternal health: focus on maternal morbidity. Bull World Health Organ. Epub Aug. [Internet]. 2013 [cited May 14, 2016]; 91(10):794-79. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3791656/pdf/BLT.13.117564.pdf doi: http://dx.doi.org/10.2471/BLT.13.117564
    » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3791656/pdf/BLT.13.117564.pdf» http://dx.doi.org/10.2471/BLT.13.117564
  • 16
    Law A, McCoy M, Lynen R, Curkendall SM, Gatwood J, Juneau PL, et al. Costs of newborn care following complications during pregnancy and delivery. Matern Child Health J. [Internet]. 2015 [cited Jun 5, 2017];19:2081-8. Available from: https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs10995-015-1721-2
    » https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs10995-015-1721-2
  • 17
    Aliyu MH, Lynch O, Wilson RE, Alio AP, Kristensen S, Marty PJ, et al. Association between tobacco use in pregnancy and placenta-associated syndromes: a population-based study. Arch Gynecol Obstet. [Internet]. 2011 [cited Jun 5, 2017];283:729. Available from: https://link.springer.com/article/10.1007/s00404-010-1447-8
    » https://link.springer.com/article/10.1007/s00404-010-1447-8
  • 18
    Mordi RM, Burke ME, Odjadjare EE, Enabulele A, Umeh OJ. Prevalence of urinary tract infections (UTI) among pregnant women in university of Benin teaching hospital (UBTH) Benin City, Nigeria. J Asian Sci Res. [Internet]. 2015 [cited Jun 5, 2017]; 5(4):198-204. Available from: http://www.aessweb.com/pdf-files/jasr-2015-5(4)-198-204.pdf
    » http://www.aessweb.com/pdf-files/jasr-2015-5(4)-198-204.pdf
  • 19
    Luz AG, Osis MJD, Ribeiro M, Cecatti JG, Amaral E. Impact of a nationwide study for surveillance of maternal near-miss on the quality of care provided by participating centers: a quantitative and qualitative approach. BMC Pregnancy and Childbirth. [Internet]. 2014 [cited Jun 6, 2017];14(122):1-9. Available from: https://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2393-14-122
    » https://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2393-14-122
  • 20
    World Health Organization (WHO). The global anaemia prevalence in 2011. Geneva: World Health Organization; 2015[cited Nov 14, 2016]. Available from: http://www.who.int/nutrition/publications/micronutrients/global_prevalence_anaemia_2011_maps.pdf.
    » http://www.who.int/nutrition/publications/micronutrients/global_prevalence_anaemia_2011_maps.pdf.
  • 21
    Melku M, Addis Z, Alem M, Enawgaw B. Prevalence and predictors of maternal anemia during pregnancy in Gondar, northwest Ethiopia: an institutional based cross-sectional study. Anemia. [Internet]. 2014 [cited Jun 5, 2017];2014:1-9. Available from: https://www.hindawi.com/journals/anemia/2014/108593/abs/.
    » https://www.hindawi.com/journals/anemia/2014/108593/abs/.
  • 22
    Vitorial KM, Ennesk LO, Tavares RF, Araujo ICO, Zwetkoff BF, Reis AS, et al. A case of life-threatening obstetrical hemorrhage secondary to placental abruption at 17 weeks of gestation. Clin Pract. [Internet]. 2014 [cited Jun 5, 2017];4(1):605. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4019918/.
    » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4019918/.
  • 23
    Atkinson AL, Santolaya-Forgas J, Blitzer DN, Santolaya JKL, Matta P, Canterino J, et al. Risk factors for perinatal mortality in patients admitted to the hospital with the diagnosis of placental abruption. J Matern Fetal Neonatal Med [Internet]. 2015 [cited Jun 5, 2017];28(5). Available from: http://www.tandfonline.com/doi/citedby/10.3109/14767058.2014.927427?scroll=top&needAccess=true
    » http://www.tandfonline.com/doi/citedby/10.3109/14767058.2014.927427?scroll=top&needAccess=true
  • 24
    Umesawa M, Kobashi G. Epidemiology of hypertensive disorders in pregnancy: prevalence, risk factors, predictors and prognosis. Hypertens Res. [Internet]. 2016 [cited Jun 5, 2017];40(3):213-20. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/labs/articles/27682655/.
    » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/labs/articles/27682655
  • 25
    Zanette E, Parpinelli MA, Surita FG, Costa ML, Haddad SM, Sousa MH, et al. Maternal near miss and death among women with severe hypertensive disorders: a Brazilian multicenter surveillance study. Rep Health. [Internet]. 2014 [cited Jun 6, 2017];11(4):1-11. Available from: https://reproductive-health-journal.biomedcentral.com/articles/10.1186/1742-4755-11-4
    » https://reproductive-health-journal.biomedcentral.com/articles/10.1186/1742-4755-11-4
  • 26
    Newman L, Kamb M, Hawkes S, Gomez G, Say L, Seuc A, et al. Global estimates of syphilis in pregnancy and associated adverse outcomes: analysis of multinational antenatal surveillance data. PLOS Med. [Internet]. 2013 [cited Jun 6, 2017];10(2):e1001396. Available from: http://journals.plos.org/plosmedicine/article?id=10.1371/journal.pmed.1001396
    » http://journals.plos.org/plosmedicine/article?id=10.1371/journal.pmed.1001396
  • 1
    Artigo extraído da tese de doutorado “Intercorrências na gestação: prevalência e fatores associados”, apresentada ao Departamento de Enfermagem, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, Brasil. Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil, processo nº 473708/2012-4.
  • *
    Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 1.459, de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) a Rede Cegonha. Brasília (DF): Gabinete do Ministro; 2011. [Acesso 14 nov. 2016]. Disponível em <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html>
  • **
    Secretaria do Estado da Saúde do Paraná (PR). Linha rede Mãe Paranaense. Curitiba: SESA; 2012. [Acesso 14 nov. 2016]. Disponível em: <http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/ACS/linha_guia_versao_final.pdf>
  • ***
    Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social. Paraná em números. Curitiba: IPARDES; [Internet]. 2015 [Acesso 4 jul. 2016]. Disponível em: <http://www.ipardes.gov.br/index.php?pg_conteudo=1&cod_conteudo=1>
  • *
    Montenegro CAB, Rezende Filho J. Rezende fundamental obstetrics. 12. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    16 Maio 2016
  • Aceito
    07 Jun 2017
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
E-mail: rlae@eerp.usp.br