O papel do apoio social no adoecimento psíquico de mulheres^*

Resumos

Objetivo:

analisar a relação entre percepção de apoio social e sintomas emocionais e físicos associados a quadros psiquiátricos entre mulheres.

Método:

estudo transversal, quantitativo, realizado com uma amostra aleatória randomizada de 141 mulheres atendidas numa Unidade de Saúde da Família do munícipio de Ribeirão Preto/SP. Foram utilizados questionário sociodemográfico, Questionário de Suporte Social e Self Report Questionaire.

Resultados:

não houve associação entre as características sociodemográficas e o transtorno mental, mas entre aspectos como baixa renda e escolaridade. O exercício de profissões culturalmente consideradas de baixo prestígio suscitou algumas reflexões relacionadas à desigualdade de gênero. Houve diferença significativa nos escores de satisfação entre as mulheres que referiram ou não os sintomas de cansaço e tristeza e do número de apoiadores entre as que referiram ou não o sintoma de cansaço. Cônjuges e filhos foram os apoiadores mais mencionados e ter transtorno mental foi significativamente associado a não ter amigos na rede de apoio.

Conclusão:

questões relacionadas à equidade de gênero e à satisfação com o apoio social são aspectos importantes para a assistência. Para a promoção da saúde mental deve-se empreender esforços para que as mulheres se sintam mais conectadas e amparadas pelos apoiadores disponíveis em seu entorno social.

Descritores:
Apoio Social; Atenção Primária à Saúde; Promoção da Saúde; Mulheres; Saúde Mental; Transtornos Mentais

Objective:

to analyze the relationship between perception of social support and emotional and physical symptoms associated with psychiatric conditions among women.

Method:

a cross-sectional, quantitative study was carried out with a randomized random sample of 141 women attended at a Family Health Unit of the city of Ribeirão Preto/SP. A sociodemographic questionnaire, the Social Support Questionnaire and the Self-Report Questionnaire were used.

Results:

there was no association between sociodemographic characteristics and mental disorder, but between aspects such as low income and schooling. The exercise of professions culturally considered as of low prestige gave rise to some reflections related to gender inequality. There was a significant difference in the satisfaction scores between the women who reported or not the symptoms of tiredness and sadness and the number of supporters among those who reported or not the symptom of fatigue. Spouses and children were the most mentioned supporters, and having mental disorder was significantly associated with having no friends in the support network.

Conclusion:

issues related to gender equity and satisfaction with social support are important aspects of care. For the promotion of mental health, efforts must be made to make women feel more connected and supported by the supporters available in their social environment.

Descriptors:
Social Support; Primary Health Care; Health Promotion; Women; Mental Health; Mental Disorders

Objetivo:

analizar la relación entre la percepción de apoyo social y síntomas emocionales y físicos asociados a cuadros psiquiátricos entre mujeres.

Método:

estudio transversal, cuantitativo, realizado con una muestra aleatorizada de 141 mujeres atendidas en una Unidad de Salud de la Familia del municipio de Ribeirão Preto/SP. Se utilizaron cuestionario sociodemográfico, Cuestionario de Apoyo Social y el Self Report Questionaire.

Resultados:

no hubo asociación entre las características sociodemográficas y el trastorno mental, pero entre aspectos como baja renta y escolaridad. El ejercicio de profesiones culturalmente consideradas de bajo prestigio suscitó algunas reflexiones relacionadas con la desigualdad de género. Se observó una diferencia significativa en los escasos de satisfacción entre las mujeres que mencionaron o no los síntomas de cansancio y tristeza y del número de apoyadores entre las que mencionaron o no el síntoma de cansancio. Los cónyuges e hijos fueron los apoyadores más mencionados y el trastorno mental se asoció significativamente a no tener amigos en la red de apoyo.

Conclusión:

cuestiones relacionadas con la equidad de género y la satisfacción con el apoyo social son aspectos importantes para la asistencia. Para la promoción de la salud mental se debe emprender esfuerzos para que las mujeres se sientan más conectadas y amparadas por los apoyadores disponibles en su entorno social.

Descriptores:
Apoyo Social; Atención Primaria de Salud; Promoción de la Salud; Mujeres; Salud Mental; Trastornos Mentales

Introdução

O apoio social tem sido descrito como o auxílio disponível nas necessidades físicas, psicológicas, materiais e o encorajamento proporcionado por indivíduos que compõem a rede de contato, isto é, pessoas do âmbito familiar, do círculo de amizades, vizinhos, colegas de trabalho e outros^(1–2). A rede de apoio social, por sua vez, consiste no conjunto de pessoas ou instituições que o indivíduo percebe que pode confiar ou contar para provisão de cuidados, amor e valores⁽³⁾.

Estudos têm sido desenvolvidos acerca dos efeitos do apoio social na saúde das pessoas, associando-o a diferentes desfechos de saúde^{(1–2,4–5)}. Tal construto tem sido relacionado a melhores taxas de abstinência e diminuição do uso de drogas, bem como ao abandono de comportamentos nocivos à saúde⁽⁶⁾.

Ressalta-se ainda que o apoio social influencia o modo como o indivíduo avalia e lida com o estresse, atuando como um “buffering” (amenizador) das suas consequências negativas⁽²⁾.

O termo “percepção do apoio social” diz respeito a quem o indivíduo considera como potencial fonte de ajuda para diferentes necessidades. Tal percepção é influenciada tanto pela existência, de fato, das fontes de apoio, pela disponibilidade dos apoiadores, bem como por fatores socioeconômicos, psicológicos, culturais, profissionais, faixa etária, condições de saúde e gênero⁽⁷⁾.

Em relação ao gênero, estudos prévios têm apontado que as mulheres são mais propensas a procurar, receber e se beneficiar do apoio social^(8–9). No entanto, também ressaltam que as responsabilidades culturalmente atribuídas às mulheres, como o cuidado de crianças, dos enfermos, idosos e as atividades domésticas, muitas vezes, geram situações nas quais elas necessitam acionar mais suas redes de apoio^(8–9). Desse modo, destaca-se a importância de considerar, tanto no âmbito da pesquisa quanto da assistência, a percepção de apoio social como um dos indicadores de saúde mental, sobretudo entre as mulheres.

Os estudos apontam que melhores índices de apoio social estão inversamente relacionados aos transtornos mentais^(8,10). Isto é, o apoio social atuaria como um fator de proteção à saúde mental, amenizando os sintomas relacionados a esses transtornos.

As pesquisas sobre apoio social e sintomas psíquicos em mulheres têm sido desenvolvidas com mulheres grávidas, puérperas ou com alguma situação de saúde específica, como o câncer^(5,10–12). Diante do exposto, propõe-se a seguinte questão de pesquisa: Há relação entre apoio social e adoecimento psíquico entre mulheres da população em geral? Logo, o objetivo do presente estudo foi analisar a relação entre a percepção de apoio social e os sintomas emocionais e físicos associados a quadros psiquiátricos entre mulheres da população geral.

Método

Trata-se de um estudo quantitativo transversal realizado com mulheres atendidas em uma Unidade de Saúde da Família no município de Ribeirão Preto. A região de cobertura dessa unidade inclui áreas desfavorecidas com relação à saúde e aos resultados sociais, devido a fatores como pobreza, baixa escolaridade, falta de saneamento e altos níveis de violência. O serviço oferece atendimento nas áreas de puericultura, pré-natal e ginecologia, enfermagem, assistência domiciliar, planejamento familiar e ações preventivas na comunidade, com forte atuação dos agentes comunitários de saúde.

O número total de mulheres cadastradas na referida unidade é de 786, sendo que 441 se encontravam na faixa etária entre 18 e 65 anos. As participantes do estudo foram mulheres da referida faixa etária, atendidas nesse serviço de Atenção Primária à Saúde. O único critério de exclusão adotado foi a condição clínica que inviabilizasse a participação na pesquisa (deficiência auditiva, visual ou de fala).

Para o cálculo amostral, foi utilizada a fórmula para população com tamanho conhecido, proposta em literatura⁽¹³⁾:

$$\mathrm{n}=\frac{\mathrm{p}(1-\mathrm{p}){\mathrm{Z}}^2\mathrm{N}}{{\epsilon }^2(\mathrm{N}-1)+{\mathrm{Z}}^2\text{p(1}–\text{p)}}$$

Os parâmetros utilizados para o cálculo foram 95% de confiabilidade, 10% de erro amostral e 44% de prevalência estimada, considerando estudo prévio sobre a prevalência de casos suspeitos de transtorno mental entre mulheres da atenção primária⁽¹⁴⁾. A amostra estimada foi de 79 participantes. Foram convidadas 220 mulheres no total e 141 aceitaram participar, conforme apresentado na Figura 1. Sinaliza-se que o principal motivo referido para recusa foi a indisponibilidade de tempo para responder o questionário.

Figura 1
Diagrama de constituição da amostra

A randomização foi feita a partir de uma lista com todos os endereços das famílias cadastradas que contavam com pelo menos uma mulher. Uma mulher de cada residência sorteada foi convidada pessoalmente ou por telefone a participar do estudo. A coleta dos dados foi empreendida por uma psicóloga doutoranda, uma enfermeira com nível de mestrado e duas agentes de saúde do próprio serviço que foram treinadas para a referida coleta de dados, que ocorreu durante as visitas domiciliares ou na unidade de saúde, de acordo com a preferência das mulheres.

Os instrumentos de coleta de dados foram um questionário sociodemográfico, o Questionário de Suporte Social (SSQ) e o Self Report Questionaire (SRQ 20).

O SSQ, validado no Brasil, é composto por 27 questões e dividido em duas partes. Na primeira, é solicitado ao participante que indique nome de pessoas apoiadoras para diferentes situações, podendo listar de nenhuma até nove para cada situação, tais informações compõem o escore de apoio social relacionado ao número de apoiadores (SSQ-N). Na segunda parte, o respondente informa sua satisfação com o apoio recebido, por meio de uma escala tipo Likert, que varia de “muito satisfeito” (6) a “muito insatisfeito” (1), compondo o escore de satisfação com o apoio social (SSQ-S)⁽¹⁵⁾.

O SRQ 20 foi desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde para avaliar sintomas de transtorno mental em países em desenvolvimento. O instrumento deriva de quatro outros: General Health Questionnaire (GHQ-60), Present State Examination (PSE), Post Graduate Institute Health Questionnaire N 2 (PGI) e Patient Symptom Self Report (PASSRo)^(16–17).

A versão original tem 24 itens, sendo os 20 primeiros avaliadores de transtornos não-psicóticos e quatro para transtornos psicóticos. Na versão brasileira, como o estudo de sua adaptação foi realizado num contexto de Atenção Primária à Saúde, apenas são usados os 20 primeiros itens^(16–17). O questionário conta com 20 questões de “sim” ou “não” sobre sintomas emocionais e físicos associados a quadros psiquiátricos, o somatório das respostas positivas compõe o escore final (Score_SRQ). São considerados casos suspeitos de transtorno mental quando há oito ou mais respostas positivas⁽¹⁶⁾.

As análises foram empreendidas por um estatístico, utilizando o programa R versão 3.3.0. Na análise exploratória, foram utilizados os testes de Qui-quadrado de Pearson ou Exato de Fisher, considerando as variáveis sociodemográficas, de composição da rede de apoio e os casos suspeitos de transtorno mental. Em relação às variáveis sintomas e escores de apoio social, utilizou-se o teste de Mann Whitney. Para analisar a correlação entre os escores de apoio social e os escores do SRQ, foi utilizado o teste de correlação de Pearson.

Os resultados da análise exploratória foram os norteadores para delineamento de um modelo de regressão. Assim, na análise de regressão logística, considerou-se como variável dependente a suspeita de transtorno mental (escore igual ou acima de oito pontos), classificada como sim ou não. As variáveis independentes foram cor autorreferida (branco ou amarelo/preto ou pardo), tem filhos (sim/não), renda (até dois salários mínimos/acima de dois salários mínimos), exercício de atividade remunerada (sim/não), número de apoiadores (até seis/sete ou mais), satisfação com o apoio (sim/não), presença de amigos apoiadores (sim/não). A partir do modelo de regressão ajustado, foi calculada a razão de Odds e o correspondente intervalo de confiança. O nível de significância utilizado nas análises foi de 5% (α = 0.05).

Para a realização do estudo, foram considerados todos os aspectos éticos previstos pela resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (Protocolo CAAE– 51267015.0.0000.5393).

Resultados

Quanto ao perfil sociodemográfico, a média de idade das participantes foi 43,4 anos (dp=13,3; mediana=43). A maioria delas era casada, branca, católica, tinha um ou dois filhos, não exercia atividade remunerada, declarou renda familiar de dois a cinco salários mínimos compartilhada com aproximadamente três pessoas com as quais morava.

Dentre as participantes, 44,7% (n=63) exerciam atividade remunerada, 64% (n=91) referiram ter uma profissão e dessas, apenas 9% (n=8) referiram profissões de maior prestígio, como administradora, contabilista, gerente comercial, engenheira, dona de comércio e professoras. As profissões que exigem qualificação formal, como técnico de enfermagem, auxiliar administrativo, promotor de vendas e faturista, foram mencionadas por 32% (n=29) das mulheres, enquanto as ocupações de menor prestígio, como diaristas, faxineiras, domésticas, auxiliares de serviço, balconistas e arrumadeiras, corresponderam a 59% (n=54) das profissões mencionadas.

Os casos suspeitos de transtorno mental corresponderam a 43,4% (n=61) da amostra e a distribuição destas mulheres de acordo com suas características sociodemográficas estão apresentadas na Tabela 1. Conforme pode ser observado, houve associação significativa entre ser mãe e ter transtornos mentais.

Tabela 1
Distribuição das participantes de acordo com as características sociodemográficas e os casos suspeitos de transtorno mental (n=141), Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2017

Características sociodemográficas		Caso suspeito de transtorno mental		Total n(%)	p valor
		Sim n(%)	Não n(%)
Estado civil
	Fora de união de estável	18(12,8)	31(22)	49(34,8)
	Em união estável	39(27,6)	49(34,7)	88(62,4)	0,388*
	Não informado	04(2,8)		04(2,8)
Cor
	Branca ou amarela	37(26,2)	44(31,2)	81(57,4)
	Preta ou parda	24(17,0)	36(25,5)	60(42,5)	0,501*
Religião
	Católica	28(19,8)	40(28,4)	68(48,2)
	Não católica	33(23,4)	40(28,4)	73(51,8)	0,629*
Escolaridade
	Ensino médio incompleto ou inferior	35(24,8)	37(26,2)	72(51,0)
	Ensino médio completo ou superior	26(18,4)	43(30,5)	69(49,0)	0,190*
Tem filhos
	Sim	58(41,1)	55(39,0)	113(80,1)
	Não	3(2,1)	25(17,7)	28(19,8)	≤0,001 †
Exercício de atividade remunerada
	Sim	29(20,6)	34(24,1)	63(44,7)
	Não	31(22,0)	45(31,9)	76(53,9)	0,534*
	Não informada	02(1,4)		02(1,4)
Renda
	Até 2 salários mínimos‡	32(22,7)	37(26,2)	69(48,9)
	Acima de 2 salários mínimos‡	27(19,1)	42(29,8)	69(48,9)	0,390*
	Não informado	03(2,1)		03(2,1)

• ^*
  Teste de Qui-quadrado de Pearson;
• ^†
  Teste Exato de Fisher;
• ^‡
  Salário mínimo brasileiro referente ao ano de 2017 que correspondia a R$ 937,00

A maioria das entrevistadas estava satisfeita ou muito satisfeita com sua rede de apoio (média do escore de satisfação=5,46; mediana=5,7; dp=0,72) e possuía de seis a nove apoiadores (média=7,7; mediana=7; dp=3,67). Os apoiadores mais mencionados foram os filhos, o cônjuge e os pais. Do total, apenas sete participantes mencionaram os profissionais da saúde como apoiadores.

A Tabela 2 apresenta os apoiadores mencionados de acordo com o status positivo ou negativo de transtorno mental.

Tabela 2
Distribuição das participantes de acordo com a composição da rede de apoio e os casos suspeitos de transtorno mental (n=141), Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2017

Composição da rede de apoio		Caso suspeito de transtorno mental		Total n(%)	p valor
		Sim n(%)	Não n(%)
Cônjuge
	Sim	43(30,5)	58(41,1)	101(71,6)
	Não	18(12,8)	22(15,6)	40(28,4)	0,793*
Filho
	Sim	51(36,2)	50(35,5)	101(71,7)
	Não	10(7,1)	30(21,3)	40(28,4)	0,006 *
Irmãos
	Sim	40(28,4)	51(36,2)	91(64,6)
	Não	21(14,9)	29(20,6)	50(35,5)	0,823*
Pais
	Sim	39(27,7)	54(38,3)	93(66,0)
	Não	22(15,6)	26(18,4)	48(34,0)	0,658*
Outros familiares
	Sim	32(22,7)	54(38,3)	86(61,0)
	Não	29(20,6)	26(18,4)	55(39,0)	0,070*
Amigos
	Sim	22(15,6)	45(31,9)	67(47,5)
	Não	39(27,6)	35(24,8)	74(52,4)	0,017 *
Religião
	Sim	04(2,8)	05(3,5)	09(6,3)
	Não	57(40,4)	75(53,2)	132(93,6)	0,941†
Colegas de trabalho
	Sim	04(2,8)	06(4,3)	10(7,1)
	Não	57(40,4)	74(52,5)	131(92,9)	0,829†
Vizinhos
	Sim	02(1,4)	02(1,4)	04(2,8)
	Não	59(41,8)	78(55,3)	137(97,1)	0,783†
Profissionais da saúde
	Sim	05(3,5)	02(1,4)	07(4,9)
	Não	56(39,7)	78(55,3)	134(95,1)	0,123†

• ^*
  Teste de Qui-quadrado de Pearson;
• ^†
  Teste Exato de Fisher

Na análise exploratória, considerando todas as participantes, identificou-se associação significativa entre ter transtorno mental e não referir amigos como apoiadores. Além disso, a maioria das mulheres que tinha transtorno mental mencionou os filhos como apoiadores sugerindo um possível fator confundidor em relação ao resultado apresentado na Tabela 1 (associação entre ter transtorno mental e ser mãe).

Desse modo, empreendeu-se novo teste que visou analisar a validade de tal associação, considerando apenas as mães. Identificou-se que das 113 mulheres que tinham filhos, 12 não os mencionaram como apoiadores (sete com suspeita de transtorno e cinco sem). A associação entre ter transtorno mental e mencionar filhos como apoiadores não foi significativa no subgrupo das participantes mães (p=0763 – Teste Exato de Fischer).

A Tabela 3 apresenta os sintomas mais citados de acordo com o escore de apoio social. Conforme pode ser observado, as mulheres mais satisfeitas com o apoio social referiram menos os sintomas de cansaço, tristeza e foram menos propensas a apresentar um quadro sugestivo de transtorno mental. Houve diferença significativa do número de apoiadores apenas em relação ao sintoma de cansaço.

Tabela 3
Relação entre apoio social e sintomas emocionais e físicos associados a quadros psiquiátricos (n=141), Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2017

Suspeita de transtorno mental comum e principais sintomas		Média do ranque do escore de apoio social
		n(%)	Satisfação com apoio	p valor	Número de apoiadores	p valor
Sente-se nervosa, tensa ou preocupada
	Sim	100(70,9)	67,5		71,65
	Não	41(29,1)	79,4	0,114*	69,43	0,768*
Tem se sentido triste ultimamente
	Sim	72(51,1)	56,4		76,27
	Não	69(48,9)	86,2	≤0,001 *	65,50	0,115*
Se cansa com facilidade
	Sim	59(41,8)	59,7		60,66
	Não	82(58,1)	79,1	0,005 *	78,44	0,010 *
Caso suspeito de transtorno mental
	Sim	61(43,3)	55,6		68,40
	Não	80(56,7)	82,7	≤0,001 *	72,98	0,507*

• ^*
  Teste de Mann Whitney

Conforme pode ser observado na Figura 2, houve correlação negativa entre satisfação com o apoio e suspeita de transtorno mental (-0,374; p≤0,001). A correlação entre tal suspeita e o número de apoiadores referidos não foi significativa (-0,142; p=0,094).

Figura 2
Correlação entre o escore de satisfação com o apoio social, número de apoiadores e escore de Transtorno Mental Comum

Na análise de regressão logística, identificou-se que a satisfação com o apoio e não ter filhos configuraram-se como fatores de proteção em relação à suspeita de transtorno mental. Isto é, as mulheres que estavam pouco satisfeitas com apoio recebido [OR = 7,088 (IC 2,18-22,94), p=0,001] e eram mães [OR = 7,2592 (IC 2,01-26,17), p=0,002] tiveram cerca de sete vezes mais chances de apresentar um conjunto de sintomas que caracteriza suspeita de transtorno mental.

Discussão

Os resultados do presente estudo apontam para diferentes questões relacionadas à desigualdade de gênero. Uma delas diz respeito à própria caracterização sociodemográfica das participantes cuja maioria era casada, com baixa renda familiar e não exercia atividade remunerada. As que exerciam, em geral referiram profissões culturalmente consideradas de baixo prestígio.

Esses resultados corroboram a discussão sobre gênero e saúde, enfatizando que as oportunidades, responsabilidades e papéis socialmente associados com o fato de ser homem ou mulher, consistem em um eixo de diferenciação social que interage com outros atributos, tais como, idade, raça, renda, estrutura familiar, educação e apoio social^(18–20). Assim, ressalta-se a necessidade de considerar a intersecção de tais atributos nas pesquisas e planejamentos das ações de saúde da mulher, uma vez que se configura em importante determinante de saúde e saúde mental^(18–20).

O fato dos principais sintomas mencionados pelas participantes ser o cansaço, a tristeza e o nervosismo, corrobora estudo prévio⁽²¹⁾. Tal resultado, analisado à luz das características sociodemográficas, nos remete a uma situação de vulnerabilidade que combina aspectos psíquicos e sociais. Entende-se que o contexto de vida dessas mulheres contribui de modo importante para o aumento de tais sintomas, potencializando os riscos de apresentar transtornos mentais.

Especificamente o sintoma tristeza foi mencionado por mais da metade das participantes do presente estudo. Embora a tristeza, isoladamente, não determine um quadro psiquiátrico, tal sintoma requer uma acurada contextualização e efetivo suporte para seu manejo, uma vez que contribui de maneira importante para o desenvolvimento de quadros mais graves como a depressão⁽²²⁾.

Portanto, considerando que mulheres têm maiores risco de desenvolver depressão⁽²³⁾ e que as queixas emocionais tendem a ser negligenciadas frente a outras demandas de saúde⁽²⁴⁾, recomenda-se o desenvolvimento de espaços de escuta qualificada no âmbito da atenção primária de modo a propiciar uma assistência de caráter compreensivo e acolhedor para a população, sobretudo para as mulheres.

Nesse sentido, vale destacar que os profissionais de saúde foram os apoiadores menos mencionados. As Unidades de Saúde da Família diferem-se das Unidades Básicas tradicionais pela organização do seu processo de trabalho, com destaque principalmente para o tamanho da área de cobertura, adscrição das especificidades da clientela, abordagens territoriais e dinâmica de trabalho com visitas domiciliares periódicas⁽²⁵–²⁶⁾. Nessa lógica, a proximidade com a clientela e o estreitamento dos vínculos com a comunidade têm caráter central, pressupondo que tais equipes devem se configurar em efetivas referências de apoio, sobretudo em necessidades relacionadas à saúde⁽²⁵–²⁶⁾. Considerando que todas as participantes estavam cadastradas e eram acompanhadas por profissionais da Estratégia de Saúde da Família e que o instrumento utilizado na coleta de dados fazia menção a algumas questões relacionadas à saúde, seria esperada maior relevância de tais profissionais nas redes de apoio social dessas mulheres.

Assim, a questão do acesso constitui um elemento importante dessa discussão, tendo em vista que apenas a existência de um recurso passível de proporcionar assistência ou ajuda não garante necessariamente que seja percebido como apoiador pelo usuário⁽²⁷⁾. O acesso aos recursos disponíveis implica em aspectos como o tipo de acolhimento oferecido, a clareza sobre o que a instituição pode proporcionar ao usuário, a resolutividade das demandas apresentadas e até mesmo a visibilidade sobre o papel que a própria instituição exerce na comunidade⁽²⁷⁾.

Em relação aos casos suspeitos de transtorno mental, identificou-se na presente pesquisa um percentual menor do que o apontado em estudos prévios realizados com mulheres na atenção primária^(21,28). Entende-se que essa diferença pode ser reflexo dos resultados relacionados ao apoio social. Nesse sentido, o número e a diversidade de apoiadores, bem como a satisfação com os mesmos, merecem ser destacados pois foram maiores do que os identificados em pesquisa prévia⁽²⁹⁾.

A satisfação com o apoio social parece exercer um papel protetivo tanto em relação aos sintomas quanto à própria suspeita de transtorno.

Os amigos e os filhos tiveram destaque como apoiadores corroborando estudos que identificaram o apoio de amigos como fator de proteção à saúde mental de mulheres^(12,30–31). Desse modo, considera-se que uma rede cuja composição contém amigos sinaliza certa diversificação nas fontes de apoio social. Tal condição é considerada benéfica à saúde mental, pois os amigos podem facilitar o acesso às informações e aos serviços de saúde, incentivar o autocuidado e oferecer suporte prático e/ou emocional mais efetivo diante de problemas de cunho familiar e/ou conjugal^(32–35).

Os resultados apontaram que ter filhos constituiu um fator de risco significativo em relação ao quadro de sintomas característico de transtornos mentais, corroborando pesquisas prévias^(28,36–37). Tais resultados sugerem que as responsabilidades com os filhos, muitas vezes atribuídas apenas às mulheres, podem contribuir para sobrecarga de tarefas, altos níveis de estresse e aumento dos sintomas de transtornos mentais⁽³⁶⁾.

Apesar disso, os filhos constituíram um dos grupos de apoiadores mais mencionados, remetendo ao denominado “efeito negativo do apoio social”. Tal efeito diz respeito a uma duplicidade de papel exercida pelo apoiador. Isto é, o indivíduo ou instituição pode tanto proporcionar apoio quanto se constituir numa fonte de estresse devido ao caráter ambíguo que marca algumas relações interpessoais^(36–39). Logo, o efeito negativo do apoio social também deve ser considerado no planejamento de ações em saúde e em pesquisas futuras.

Corroborando estudos prévios^(11–12,40), os resultados também apontaram que o apoio social exerce fator de proteção de possíveis casos de transtornos mentais. Por outro lado, diferentemente das pesquisas prévias sobre apoio social e transtorno mental em mulheres, no presente estudo foram analisados dois aspectos deste construto: o número de apoiadores e a satisfação com apoio recebido. Identificou-se correlação negativa para ambos, mas significância estatística apenas para satisfação com o apoio. Esse resultado destaca a necessidade de considerar que a qualidade é tão importante quanto as demais características do apoio social, sobretudo nos estudos que têm como objeto questões psicossomáticas.

Em síntese, identificou-se na presente pesquisa que a satisfação com o apoio social exerceu, de fato, efeito protetivo em relação aos transtornos mentais. Ademais, verificou-se que os filhos são importantes apoiadores, embora “ser mãe” configurou-se como fator de risco para transtorno mental entre as mulheres estudadas.

Em relação às implicações para a prática, entende-se que há necessidade de fortalecimento dos vínculos entre profissionais de saúde e usuários, pois o estabelecimento de vínculo tem sido apontado como promissor de acolhimentos efetivos, melhoria da comunicação entre os envolvidos e facilitador na identificação das diferentes necessidades de saúde^(41–42). Entende-se que esses aspectos contribuem para abordagens mais compreensivas e resolutivas e, consequentemente, para ampliar a percepção de apoio dos indivíduos.

Nesse sentido, proporcionar uma escuta que transcenda os aspectos tradicionalmente considerados clínicos (aqueles relacionados aos sintomas físicos) e outras ações que não extrapolem o escopo das habilidades dos profissionais generalistas poderiam ser adotadas. O esclarecimento sobre os cuidados oferecidos pelo serviço à comunidade, principalmente os do campo da saúde mental, e a inclusão das questões emocionais na elaboração dos Projetos Terapêuticos individuais são algumas iniciativas que, de acordo com estudos prévios^(43–44), podem contribuir para ampliação do acesso aos cuidados de saúde mental e para viabilizar abordagens de saúde sob uma perspectiva mais integral.

Estratégias para melhorar a resolução dos possíveis conflitos da relação mãe-filhos também são importantes e poderiam se concretizar por meio de escuta qualificada e apoio às diversas necessidades e angústias maternas nos diferentes ciclos de vida. A escuta qualificada, enquanto tecnologia leve e relacional, contribui para a singularização dos sujeitos e ampliação da capacidade técnica das equipes, sobretudo em relação às demandas psicossociais no âmbito comunitário^(45–46). Outra possibilidade seria o oferecimento de rodas de conversas e atividades grupais que proporcionem a troca de experiências entre pares, conforme apontado em estudos prévios^(47–49).

Promover ações para melhorar o manejo do estresse também pode ser relevante desde que associada a discussões sobre a desigualdade de gênero em fóruns mais amplos, visando descontruir a cultura de atribuição dos papéis de cuidados das famílias somente às mulheres, bem como combater a cultura de submissão que permeia o seu cotidiano. A importância de debates com esse enfoque também é reiterada na literatura^(50–51).

Assim, entende-se que tais recomendações podem ser úteis para os profissionais da Atenção Primária e estão no escopo das habilidades dos profissionais generalistas. Essas ações certamente auxiliarão na ampliação do apoio social e na redução do sofrimento que culmina nos sintomas psicossomáticos.

Dentre as limitações do estudo, destaca-se o fato da amostra ter sido obtida apenas a partir de uma Unidade de Saúde da Família, o que impossibilita generalização mais ampla dos resultados. Embora o recorte de gênero tenha sido proposital no presente estudo, uma pesquisa que incluísse também homens poderia proporcionar resultados mais conclusivos em relação à atuação da variável “ter filhos” na relação entre satisfação com o apoio e possível caso de transtorno mental.

A despeito de tais limitações, destaca-se que os aspectos elencados nesta investigação são de suma importância para nortear e auxiliar a consolidação de práticas de promoção da saúde mental. Além disso, corroboram a agenda de prioridades e preconizações das agências nacionais e internacionais de saúde, sobretudo no sentido de integrar a promoção da equidade de gênero à ampliação do acesso às ações de saúde mental no âmbito da atenção primária à saúde^(52–53).

Ademais, no tocante à validade externa dos resultados, dado o perfil das participantes e o contexto de desigualdade de gênero e saúde da maioria dos países de baixa e média renda, entende-se que a discussão e as recomendações suscitadas no presente estudo são aplicáveis também às mulheres em situação de vulnerabilidade social de outras regiões do Brasil e até mesmo de outros países em desenvolvimento.

Conclusão

O desenvolvimento desta pesquisa identificou que as mulheres que estavam menos satisfeitas com o apoio social foram mais suscetíveis a apresentar quadros psiquiátricos. Além disso, os resultados sugerem que a distribuição de papéis baseada no gênero pode ser um fator que contribui para que as mulheres que têm filhos sejam mais suscetíveis a ter transtorno mental.

Dessa forma, ressalta-se que tanto as questões relacionadas à equidade de gênero quanto à satisfação com o apoio social devem ser consideradas no planejamento de ações voltadas à promoção da saúde mental, sobretudo na atenção primária à saúde.

Entende-se que o empreendimento de esforços nesse sentido implica em promover cuidados que contemplem o âmbito subjetivo das usuárias, de modo que se sintam mais conectadas e amparadas pelos apoiadores formais e informais disponíveis em seu entorno social e no território em que vivem.

• *
  Artigo extraído da tese de doutorado “Rede de apoio social e transtornos mentais comuns entre mulheres atendidas na atenção primária à saúde”, apresentada à Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  18 Jul 2019
• Data do Fascículo
  2019

Histórico

• Recebido
  03 Jul 2018
• Aceito
  19 Fev 2019