Fatores associados às infecções sexualmente transmissíveis em cortadores de cana-de-açúcar: subsídios para o cuidado*

Resumos

Objetivo:

estimar a prevalência de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e fatores associados em cortadores de cana-de-açúcar.

Método:

estudo transversal, analítico, com 937 cortadores de cana-de-açúcar dos estados da Paraíba e de Goiás, no Brasil. Considerou-se como variável de desfecho a positividade em algum teste rápido para HIV, sífilis, hepatite B e C. Análises bivariada e múltipla foram realizadas para identificar associação entre essas infecções e variáveis sociodemográficas e comportamentais.

Resultados:

todos os participantes eram do sexo masculino, a maioria eram adultos jovens e possuíam baixa escolaridade. Estimou-se uma prevalência para IST de 4,1%(IC 95%: 3,0-5,5). De acordo com a análise de regressão múltipla, variáveis como idade acima de 40 anos (OR 5,0; IC 95%: 1,8-14), consumo de álcool (OR 3,9; IC 95%: 1,3-11,9) e de drogas ilícitas (OR 2,9; IC 95%: 1,3-6,3) foram fatores associados às IST investigadas. Por outro lado, ter alguma religião (OR 0,4; IC 95%: 0,2-0,8) e trabalhar na Região Centro-Oeste (OR 0,4; IC 95%: 0,2-0,9) foram fatores associados negativamente a essas infecções.

Conclusão:

presença de comportamentos de risco para as IST entre os cortadores de cana-de-açúcar. O rastreio destas infecções em grupos de trabalhadores rurais é fundamental para diagnóstico precoce e quebra da cadeia de transmissão.

Descritores:
Doenças Sexualmente Transmissíveis; Prevalência; Populações Vulneráveis; População Rural; Cuidados de Enfermagem; Fatores de Risco

Objective:

to estimate the prevalence of Sexually Transmitted Infections (STIs) and associated factors in sugarcane cutters.

Method:

a cross-sectional, analytical study with 937 sugarcane cutters from Paraíba and Goiás, states of Brazil, respectively. An outcome variable was the positive results in some rapid tests for HIV, syphilis, hepatitis B and C. Bivariate and multiple analyses were performed to identify the association between these infections and sociodemographic and behavioral variables.

Results:

all participants were male, most were young adults and had low schooling. Prevalence of STI was estimated at 4.1% (95% CI: 3.0-5.5). According to multiple regression analysis, the variables age over 40 years (OR 5.0; CI 95%: 1.8-14), alcohol consumption (OR 3.9; CI 95%: 1.3-11.9), and illicit drugs (OR 2.9; CI 95%: 1.3-6.3) were factors associated with the STIs investigated. On the other hand, having some religion (OR 0.4; CI 95%: 0.2-0.8), and work in the Midwest Region (OR 0.4; CI 95%: 0.2-0.9) were factors negatively associated with these infections.

Conclusion:

presence of risk behaviors for STI among sugarcane cutters. Screening for these infections in groups of rural workers is essential for early diagnosis and breaking the chain of transmission.

Descriptors:
Sexually Transmitted Diseases; Prevalence; Vulnerable Populations; Rural Population; Nursing Care; Risk Factors

Objetivo:

estimar la prevalencia de infecciones de transmisión sexual (ITS) y factores asociados en cortadores de caña de azúcar.

Método:

estudio analítico transversal con 937 cortadores de caña de azúcar de los estados de Paraíba y Goiás, en Brasil. Se consideró como variable el resultado positivo en algunas pruebas rápidas para VIH, sífilis, hepatitis B y C. Se realizaron análisis bivariados y múltiples para identificar una asociación entre estas infecciones y las variables sociodemográficas y de comportamiento.

Resultados:

todos los participantes eran hombres, la mayoría eran adultos jóvenes con bajo índice de escolaridad. Se estimó una prevalencia de ITS de 4.1% (IC 95%: 3.0-5.5). Según el análisis de regresión múltiple, variables como edad superior a 40 años (OR 5.0; IC 95%: 1.8-14), consumo de alcohol (OR 3.9; IC 95%: 1.3- 11.9) y drogas ilícitas (OR 2.9; IC 95%: 1.3-6.3) fueron factores asociados a las ITS investigadas. Por otro lado, factores como tener alguna religión (OR 0.4; IC 95%: 0.2-0.8) y trabajar en la región Centro-Oeste (OR 0.4; IC 95%: 0.2-0.9) tuvieron una asociación negativa en relación a estas infecciones.

Conclusión:

se advirtió la presencia de comportamientos de riesgo para ITS entre cortadores de caña de azúcar. La detección de estas infecciones en grupos de trabajadores rurales es esencial para la detección temprana de diagnóstico y para romper la cadena de transmisión.

Descriptores:
Enfermedades de Transmisión Sexual; Prevalencia; Poblaciones Vulnerables; Población Rural; Atención de Enfermería; Factores de Riesgo

Introdução

Em todo o mundo, aproximadamente mais de um milhão de pessoas adquirem alguma infecção sexualmente transmissível (IST) por dia, com uma previsão anual de 357 milhões de novas infecções curáveis. Existem mais de 20 microrganismos causadores de IST, entre aqueles responsáveis por infecções assintomáticas destacam-se: vírus da hepatite B (HBV), vírus da hepatite C (HCV), vírus da imunodeficiência humana (HIV) e o Treponema pallidum, agente etiológico da sífilis⁽¹⁾.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estimou em 257 milhões e 71 milhões de pessoas infectadas cronicamente pelo HBV e HCV em 2015, respectivamente. Esses vírus são responsáveis por mais de um milhão de óbitos por ano, sendo causas de doença hepática aguda e crônica, incluindo cirrose e carcinoma hepatocelular⁽²⁾. O Brasil é considerado um país de endemicidade baixa para as hepatites virais B e C, contudo, considerando seu tamanho populacional, o número absoluto de indivíduos infectados é significativo. De acordo com o boletim epidemiológico de 2019, de 1999 a 2018 foram notificados 233.027 casos de hepatite B e 359.673 de hepatite C⁽³⁾.

Globalmente, cerca de 37,9 milhões de pessoas viviam com HIV em 2018, com 1,7 milhões de novas infecções⁽⁴⁾. No Brasil, a epidemia do HIV é do tipo concentrada, ou seja, acomete principalmente populações-chave. A maioria dos casos é detectada em regiões urbanas, porém, um processo gradual de interiorização da epidemia tem sido observado no país. De 1980 a junho de 2019 foram notificados 966.058 casos de AIDS no País. Em 2018, foram registrados 43.941 novos casos de infecção pelo HIV⁽⁵⁾.

Em 2016, estimou-se em 6,3 milhões o número de casos de sífilis em pessoas de 15 a 49 anos, e uma prevalência global de 0,5%⁽⁶⁾. No Brasil, nos últimos anos, houve um aumento do número de pessoas infectadas pelo T. pallidum. Em 2017, a taxa de detecção de sífilis adquirida foi de 59,1 casos/100.000 habitantes, enquanto em 2018 essa taxa chegou a 75,8 casos/100.000 habitantes, ou seja, verificou-se um incremento de quase 17 casos novos/100.000 habitantes em apenas um ano⁽⁷⁾. Infecções pelo HIV, HBV, HCV e Treponema pallidum são importantes causas de morbimortalidade, e sua eliminação como problemas de saúde pública global faz parte das metas da OMS para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas^(8-10).

Em geral, homens são mais suscetíveis a comportamentos de risco e buscam menos os serviços de saúde quando comparados às mulheres, principalmente os que pertencem a populações mais vulneráveis, que possuem menor escolaridade e poder aquisitivo, incluindo os que vivem em áreas rurais⁽¹¹⁾.

Normas masculinas como competividade, força, poder e autoconfiança podem interferir na maneira como o homem se compromete ou não com sua própria saúde⁽¹²⁾. Também, para além das questões de gênero, muitas vezes o horário de funcionamento dos estabelecimentos de saúde coincide com o período da jornada de trabalho dos indivíduos, reduzindo suas oportunidades de participação em atividades de prevenção de doenças, de conhecimento de sua situação de saúde e de tratamento⁽¹³⁾. Neste contexto, rastrear e tratar IST em homens configura-se uma estratégia importante para interrupção da cadeia de transmissão dessas infecções, particularmente entre aqueles que, possivelmente, têm menos acesso aos serviços de saúde, a exemplo de homens trabalhadores do campo.

O Brasil é um dos maiores produtores de cana-de-açúcar e álcool no mundo. Embora a mecanização do corte de cana esteja gradativamente substituindo o corte manual, essa tecnologia ainda não alcançou plenamente algumas regiões como o Nordeste e o Centro-Oeste⁽¹⁴⁾. O corte de cana manual é um trabalho extenuante realizado por homens de baixa escolaridade e renda. Esses indivíduos trabalham por produtividade e, para obterem melhores ganhos salariais, submetem-se a uma carga de trabalho excessiva. A característica sazonal do corte de cana favorece a migração de trabalhadores para as regiões de safra⁽¹⁵⁾. Estudos mostram vários agravos de saúde relacionados ao corte de cana-de-açúcar, dentre os mais citados encontram-se problemas respiratórios, diminuição da função renal e lesão por esforço repetitivo^(16-18). Contudo, não existem informações sobre infecções sexualmente transmissíveis nessa população masculina, rural e migrante sazonal.

Em uma publicação anterior, foram apresentadas as prevalências de infecções pelo HIV, HBV, HCV e sífilis na população de cortadores de cana e análise de fatores associados à exposição ao HBV⁽¹⁹⁾. Contudo, considerando que essas infecções apresentam formas comuns de transmissão, o objetivo do presente estudo foi identificar variáveis associadas ao conjunto dessas IST (HIV, HBV, HCV e sífilis), que poderão ser utilizadas como indicadores de vulnerabilidade em cortadores de cana-de-açúcar em atividade em usinas de álcool e açúcar localizadas no Nordeste e Centro-Oeste do Brasil.

Método

Trata-se de um estudo observacional, de corte transversal, realizado em usinas de cana-de-açúcar dos estados da Paraíba e Goiás, Regiões Nordeste e Centro-Oeste do Brasil, respectivamente. A coleta de dados foi realizada de fevereiro a setembro de 2016.

Durante o período do estudo existiam em Goiás e Paraíba, 38 e 9 usinas de açúcar e álcool, respectivamente⁽²⁰⁾. Para o estudo foram consideradas as usinas que realizavam predominantemente a colheita manual de cana de açúcar e que estavam em período de colheita. Na Paraíba, a coleta de dados foi realizada na maior usina da região, e em Goiás, realizou-se em quatro usinas.

A população-alvo do presente estudo foi constituída por trabalhadores rurais, cortadores manuais de cana-de-açúcar. Foram incluídos todos os indivíduos com idade igual ou superior a 18 anos, que realizavam corte manual de cana de açúcar em usinas de álcool e açúcar do Estado da Paraíba e de Goiás. A amostra mínima necessária, considerando um poder estatístico de 80% (β=20%), nível de significância de 5% (α<0,05), precisão de 0,5%, efeito de desenho 1,5 e prevalência para o anti-HIV de 0,39%⁽²¹⁾ foi de 895 participantes.

Em geral, os cortadores de cana são distribuídos em equipes de 30 a 50 homens para realização do corte de cana. O recrutamento dos indivíduos foi feito no próprio canavial, durante períodos de descanso, de forma sequencial e de acordo com a chegada do trabalhador no local de descanso. Todos os trabalhadores elegíveis foram convidados a participar do estudo e informados sobre a importância do estudo, objetivos, riscos e benefícios da participação, assim como a liberdade de sair do mesmo a qualquer momento. Para indivíduos que desejaram participar, foi oferecido o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) para leitura e assinatura. Nos casos de analfabetismo, o TCLE foi lido para o cortador de cana e uma testemunha, e a assinatura do participante foi dactiloscópica.

Mediante aceite do participante, foi realizada a entrevista, no próprio canavial, mantendo uma distância mínima confortável para responder com privacidade. Para tanto, utilizou-se um roteiro estruturado adaptado do instrumento utilizado na Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas na População Brasileira⁽²²⁾, contendo dados sociodemográficos e possíveis comportamentos de risco para as IST investigadas.

Finalizada a entrevista, os participantes eram encaminhados para realização dos testes rápidos (TR) para HBV [HBsAg (Vikia HBsAg Biomerieux, França)], HCV [anti-HCV (Alere, Standard Diagnostics Inc, República da Coréia)], sífilis [anti-T. pallidum (Alere Syphilis, República da Coreia)] e HIV [anti-HIV-1 e 2 (triagem - ABON HIV Tri-Line, Abon Biopharm,China; confirmatório - Bioeasy HIV, República da Coreia)], conforme instruções dos fabricantes. Foram utilizados testes rápidos disponibilizados pelo Ministério da Saúde do Brasil, a partir de parcerias com as Secretarias de Saúde regionais. A equipe de entrevistadores e de testagem rápida foi treinada e capacitada para realização destas etapas do estudo.

Para a análise dos dados das entrevistas e dos testes rápidos, adotou-se o programa estatístico STATA versão 13.0 (StataCorp., CollegeStation, TX). A análise descritiva foi realizada por meio de distribuição de frequências, média e desvio padrão. Considerou-se o desfecho IST, a positividade em algum dos testes realizados. Prevalências foram calculadas com intervalo de confiança de 95% (IC95%). Os testes Qui-quadrado e Exato de Fisher foram utilizados para testar diferenças entre proporções. Para estimar a razão de chances (Odds Ratio), as variáveis que apresentaram valor de p< 0,20 foram incluídas em um modelo de regressão logística⁽²³⁾, utilizando o procedimento forward para seleção das variáveis. Consideraram-se associações estatisticamente significativas valores de p< 0,05. A qualidade do ajuste do modelo foi realizada por meio do teste de Hosmer-Lemershow (p=0.7007) e a curva ROC apresentou área sob a curva de 0,75.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba conforme o protocolo 1507737 e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás, conforme protocolos 1507737 e 042796/20, respectivamente. Foram respeitados em todas as etapas da investigação os princípios éticos que norteiam as pesquisas envolvendo seres humanos, descritos e estabelecidos na Resolução nº466/2012, do Conselho Nacional de Saúde⁽²⁴⁾. Aqueles indivíduos que apresentaram resultado positivo para alguma infecção foram encaminhados para confirmação do diagnóstico e/ou tratamento.

Resultados

Do total de participantes (n=937), 301 trabalhavam em usinas de cana-de-açúcar e álcool da Paraíba e 636 de Goiás. A média de idade foi de 35,4 anos (DP=9,2 anos) e a maioria possuía menos de 40 anos. Verificou-se que 47,4% declarou escolaridade inferior a cinco anos. Em relação ao local de nascimento, 85,7% eram naturais da Região Nordeste. A média da renda mensal foi R$ 1.801,00 (DP= R$ 438,00), e mais de dois terços (71,2%) dos cortadores de cana-de-açúcar afirmou ter religião (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas dos cortadores de cana-de-açúcar dos estados da Paraíba e de Goiás (N = 937), Brasil, 2016

Variáveis	Paraíba (%)	Goiás (%)	Total (%)
	n=301	n=636
Idade* 35,4 (9,2)†
≤ 29	76 (25,2%)	190 (29,9%)	266 (28,4%)
30-39	121 (40,2%)	259 (40,7%)	380 (40,5%)
≥40	104 (34,6%)	187 (29,4%)	291 (31,1%)
Escolaridade* 5,2 (3,6)†
≤ 4	183 (60,9%)	261 (41,0%)	444 (47,4%)
> 4	118 (39,1%)	375 (59,0%)	493 (52,6%)
Estado civil
Casado/União estável	274 (91,0%)	452 (71,0%)	726 (77,5%)
Solteiro/Separado/Viúvo	27(9,0%)	184 (29,0%)	211 (22,5%)
Região de origem
Nordeste	301 (100,0%)	502 (79,0%)	803 (85,7%)
Centro-Oeste	-	129 (20,3%)	129 (13,8%)
Norte	-	4(0,6%)	4(0,4%)
Sudeste	-	1(0,1%)	1(0,1%)
Renda‡1801 (438)†
≤ 1500	139 (46,2%)	187 (29,4%)	326 (34,8%)
1500 - 2000	137 (45,5%)	275 (43,2%)	412 (44,0%)
> 2000	25 (8,3%)	174 (27,4%)	199 (21,2%)
Religião
Não	91 (30,2%)	179 (28,4%)	270 (28,8%)
Sim	210 (69,8%)	457 (71,6%)	667 (71,2%)

• ^*
  anos;
• ^†
  média (desvio padrão);
• ^‡
  Reais (R$)/por mês

Por meio dos testes rápidos, estimou-se uma prevalência no conjunto desses marcadores de 4,1% (IC 95%: 3,0-5,5), ou seja, a cada 100 cortadores de cana-de-açúcar, quatro foram positivos a pelo menos uma das IST.

A análise bivariada mostrou associação estatisticamente significativa entre positividade para alguma IST investigada e idade, possuir religião, relato de sexo com pessoa do mesmo sexo, uso de drogas ilícitas. Essas variáveis e as que apresentaram valor de p< 0,20 (escolaridade, região de trabalho, número de parcerias sexuais e experiência em cárcere) foram incluídas em um modelo de regressão logística múltipla, sendo que as variáveis idade (≥ 40 anos; OR: 5; IC 95%: 1,8-14), religião (OR: 0,4; IC 95%:0,2-0,8), Região Centro-Oeste (OR: 0,4; IC 95%: 0,2-0,9), uso de drogas ilícitas (OR: 2,9; IC 95%: 1,3-6,3) e uso de álcool (OR: 3,9; IC 95%: 1,3-11,9) foram associadas significativamente à presença de IST.

Tabela 2
Análise bivariada e múltipla dos fatores associados para Infecções Sexualmente Transmissíveis em cortadores de cana-de-açúcar da Paraíba e de Goiás (N = 937), Brasil, 2016

	Análise Bivariada		p	Análise Múltipla	p
	IST (n= 937)			(n=937)
	Positivo (n=38)	Negativo (n=899)		OR* (IC 95%)†
	n (%)	n (%)
Idade (anos)
≤ 29	5 (1,9%)	261 (98,1%)		1‡
30 a 39	13 (3,4%)	367 (96,6%)	0,248	2,2 (0,8-6,4)	0,138
≥ 40	20 (6,9%)	271 (93,1%)	0,008	5(1,8-14)	0,002
Escolaridade (anos)
≤ 4	22 (4,95%)	422 (95,05%)		1
> 4	16 (3,25%)	477 (96,75%)	0,185	1,1 (0,5-2,3)	0,757
Estado civil
Casado/União estável	27 (3,7%)	699 (96,3%)
Solteiro/Separado/Viúvo	11 (5,2%)	200 (94,8%)	0,333
Possui religião
Não	17 (6,3%)	253 (93,7%)		1‡
Sim	21 (3,2%)	646 (96,8%)	0,027	0,4 (0,2-0,8)	0,015
Região de trabalho
Nordeste	16 (5,3%)	285 (94,7%)		1‡
Centro-Oeste	22 (3,5%)	614 (96,5%)	0,179	0,4 (0,2-0,9)	0,028
Compartilhou moradia durante trabalho
Não	30 (4,6%)	630 (95,4%)
Sim	8 (2,9%)	269 (97,1%)	0,241
Idade da primeira relação sexual (anos)
7 - 15 anos	19 (4,1%)	444 (95,9%)
>=16 anos	19 (4%)	455 (96%)	0,941
Relato de sexo com pessoa do mesmo sexo
Não	33 (3,7%)	852 (96,3%)		1
Sim	5 (9,6%)	47 (90,4%)	0,036	1,9 (0,6-5,8)	0,252
História de abuso sexual
Não	37 (4%)	887 (96%)
Sim	1 (7,7%)	12 (92,3%)	0,503
Número de parcerias sexuais nos últimos 12 meses
<= 1 parceria	19 (3,4%)	545 (96,6%)		1
>= 2 parcerias	19 (5,1%)	354 (94,9%)	0,19	1,7 (0,8-3,3)	0,144
Usou preservativo nos últimos 12 meses
Sim (Sempre, as vezes)	22 (4,4%)	479 (95,6%)
Nunca	16 (3,7%)	420 (96,3%)	0,577
Uso de drogas ilícitas na vida
Não	28 (3,4%)	783 (96,6%)		1‡
Sim	10 (7,9%)	116 (92,1%)	0,018	2,9 (1,3-6,3)	0,008
Uso de álcool (atual)
Não	4 (1,9%)	210 (98,1%)		1‡
Sim	34 (4,7%)	689 (95,3%)	0,065	3,9 (1,3-11,9)	0,017
Experiência em cárcere
Não	32 (3,8%)	815 (96,2%)		1
Sim	6 (6,7%)	84 (93,3%)	0,187	1,1 (0,4-3)	0,826
Presença de tatuagem e/ou piercing
Não	33 (4%)	798 (96%)
Sim	5 (4,7%)	101 (95,3%)	0,714

• ^*
  OR = Odds Ratio;
• ^†
  IC = Intervalo de confiança de 95%;
• ^‡
  Ajustado por: idade, religião, região de trabalho, uso de drogas ilícitas na vida, uso de álcool

Discussão

A população rural no Brasil vive, de modo geral, em condições de extrema pobreza, isolamento e em regiões marcadas por desigualdades socioeconômicas e vulnerabilidades em saúde⁽²⁵⁾. Especialmente, os cortadores manuais de cana-de-açúcar suportam condições de trabalho insalubre, longas jornadas de trabalho, alto fluxo migratório e salários condicionados à produtividade⁽²⁶⁾. Nesse contexto, esses trabalhadores apresentam características que os expõem a diversos agravos à saúde, incluindo as infecções sexuais. Poucos são os estudos desenvolvidos abordando a situação de saúde dos cortadores de cana-de-açúcar^(26-27) e no contexto das infecções sexualmente transmissíveis, esta é a primeira investigação que apresenta dados sobre a prevalência de IST e fatores associados.

Condizente com outros estudos desenvolvidos com cortadores de cana-de-açúcar manual, nossa população foi marcada por homens, jovens e de pouca escolaridade^(27-28). A predominância por homens jovens nesse cenário está relacionada ao tipo de trabalho nos canaviais, que requer grande esforço e resistência física⁽²⁷⁾. Por outro lado, a baixa escolaridade evidencia as condições socioeconômicas desses trabalhadores⁽¹¹⁾, e tem sido relacionada a menor conhecimento, menor preocupação em relação aos cuidados com a saúde, e consequentemente maior vulnerabilidade nos indivíduos⁽²⁹⁾. O gênero e a escolaridade representam variáveis explicativas para diferentes comportamentos sexuais de risco^(29-30).

No presente estudo, observou-se que 4,1% (IC 95%: 3,0-5,5) dos cortadores de cana apresentaram testes reagentes em pelo menos uma das IST (HIV, sífilis, hepatite B e C). Na ausência de estudos que mostrem a prevalência no conjunto das infecções investigadas em cortadores de cana, os dados do presente estudo foram comparados aos de outras investigações conduzidas em populações rurais, nas quais IST específicas foram avaliadas; e evidenciam a necessidade de programas de prevenção e controle dessas infecções em trabalhadores rurais. Inquérito nacional realizado em Ruanda, país africano, com 12.361 indivíduos residentes da zona rural, mostrou uma prevalência para sífilis de 0.9% (IC 95%: 0.7-1.1)⁽³¹⁾. Em municípios rurais da China, observou-se que 3,0% (IC 95%: 2,4-3,6) e 3,2% (IC 95%: 2,6-3,8) de homens clientes de profissionais do sexo apresentaram positividade para o HIV e sífilis, respectivamente⁽³²⁾.

No Brasil, na região rural de São Paulo (Cássia dos Coqueiros), foram investigados 1001 trabalhadores rurais e 0,4% (IC 95%:0,2-1,0) apresentaram positividade para anti-HCV e 0,1% (IC 95%:0,0-0,6) para HBsAg⁽³³⁾. Já, um estudo realizado em Minas Gerais, com 757 moradores de comunidades rurais de Ouro Preto, detectou taxas para sífilis de 5,3% (IC 95%:3,9-7,1), hepatite B de 0,3% (IC 95%:0,1-1,0), hepatite C de 0,4% (IC 95%:0,1-1,2) e nenhum caso de HIV foi identificado entre os indivíduos investigados⁽³⁴⁾.

Assim como em outros estudos sobre IST, verificou-se um gradiente de positividade para as IST com o avançar da idade, sendo que indivíduos com mais de 40 anos apresentaram cinco vezes mais chance de positividade a alguma das infecções investigadas quando comparados aos com menos de 30 anos. Este resultado provavelmente reflete exposições ao longo da vida^(35-36).

Um achado que chamou a atenção foi a elevada frequência de consumo de bebida alcoólica e drogas ilícitas, e assim como observado em outros estudos^(37-38), essas variáveis foram associadas positivamente às IST. Quase a totalidade dos cortadores de cana referiu consumo de álcool e 13,4% de drogas ilícitas. O consumo dessas drogas parece ser uma realidade entre os cortadores de cana, muitas vezes estimulada para suportar a carga horária excessiva de trabalho no campo⁽³⁹⁾. Para além disso, o consumo do álcool muitas vezes promove a desinibição do indivíduo, além de reduzir sua memória, o que contribui para a redução da percepção de risco⁽⁴⁰⁾. De fato, seu consumo diário tem sido associado ao uso inconsistente do preservativo e multiplicidade de parcerias⁽⁴¹⁾. Da mesma forma, o consumo de drogas ilícitas pode favorecer comportamentos de risco sexual entre os usuários, tornando-os vulneráveis às IST⁽⁴²⁾. Tais comportamentos colaboram para a aquisição e manutenção da cadeia de transmissão das IST, constituindo um grave problema de saúde pública.

Alguns estudos têm mostrado que a prática de religiões reduz comportamentos de risco para IST, pelo estabelecimento de normativas comportamentais aos seus seguidores^(43-45). No presente estudo, indivíduos que referiram alguma religião apresentaram menor positividade às IST, e esta variável foi associada negativamente a essas infecções, reforçando essa hipótese^(46-47).

Cortadores de cana em atividade na Região Centro-Oeste apresentaram uma chance 60% menor de positividade ao conjunto das IST investigadas. A maioria dos cortadores de cana em Goiás (79%) são migrantes sazonais originários de cidades da Região Nordeste do país, e apresentam maior escolaridade que os da Paraíba (p< 0,001; dados não apresentados). Assim, essa condição pode ter contribuído para o presente achado, considerando que a educação é um fator determinante para vulnerabilidade social, pois influência nas atitudes, reconhecimento de riscos, adesão à prevenção e tratamento de doenças^(48-49).

Algumas limitações desse estudo devem ser consideradas. Primeiro, trata-se de um estudo transversal, ou seja, não permite inferência causal; contudo deve-se ressaltar que o diagnóstico situacional da população é a primeira etapa para propor intervenções. Além disso, empregou-se como presença de IST a positividade para quatro infecções sexuais, por meio dos testes rápidos. Sabe-se que vários outros patógenos possuem importância no contexto sexual, por outro lado, analisando a predominância e o comportamento silencioso do HIV, Treponema pallidum, HBV e HCV, justifica-se a seleção destes agentes para comporem a variável de desfecho deste estudo.

Por fim, questões de cunho íntimo (sexual e hábitos de vida) foram utilizadas durante a entrevista e muitos participantes podem ter se sentido constrangidos ao falar destes comportamentos, e emitir respostas não fidedignas, entretanto, a todo momento da entrevista foi informado sobre o sigilo das informações, para maior confiança das respostas recebidas.

Conclusão

Os resultados evidenciam uma prevalência de IST em cortadores de cana-de-açúcar semelhante às taxas existentes em outras comunidades rurais do Brasil e do mundo. Por outro lado, apontam comportamentos de risco para as IST comuns às regiões urbanas, como consumo de álcool e drogas ilícitas. Este cenário colabora para o risco de transmissão das IST e, consequentemente, a manutenção da cadeia de transmissão destas infecções. Dessa forma, recomendamos que a prevenção sexual integre as ações de promoção da saúde do trabalhador de corte de cana-de-açúcar do Brasil. Atualmente, as empresas sucroalcooleiras são incentivadas a garantir melhores condições de trabalho, e entre as diversas estratégias, estão iniciativas que visam a promoção da saúde e segurança dos trabalhadores. A testagem rápida, juntamente com uma abordagem integral das IST, é uma proposta urgente e eficaz a ser implementada neste contexto de prevenção à saúde do trabalhador rural, pois proporcionam uma forma rápida, fácil e eficiente para a prevenção e diagnóstico das IST.

• *
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Editado por

Editor Associado: Ricardo Alexandre Arcêncio

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  19 Jun 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  11 Jul 2019
• Aceito
  20 Mar 2020