Acessibilidade / Reportar erro

O cuidado ao agressor familiar persistente na percepção de estudantes de enfermagem

Resumos

Objetivo:

analisar a percepção de estudantes de enfermagem sobre o cuidado dispensado ao agressor familiar persistente.

Método:

estudo descritivo, de abordagem qualitativa. Usou-se da Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado de Madeleine Leininger como referencial teórico. A coleta foi realizada com 37 concluintes de enfermagem de uma universidade pública da região Sudeste do Brasil. Utilizou-se da técnica do Desenho Projetivo com tema e entrevista semiestruturada. Os dados foram analisados com a análise de conteúdo.

Resultados:

o exame das narrativas embasou a construção de quatro categorias: “O cuidado do agressor junto à família”, “Reconhecimento dos valores e cultura da família”, “A busca de conhecimento para cuidar do agressor e família”, “O cuidado multidisciplinar e intersetorial para o enfrentamento da violência”.

Conclusão:

há o reconhecimento de que o cuidado do agressor não deve ser individual apenas, mas envolver todos os afetados. Para isto, o trabalho multidisciplinar mostra-se importante, e a busca de conhecimento sobre o tema é algo essencial para o cuidado culturalmente significativo.

Descritores:
Violência; Saúde da Família; Agressão; Enfermagem; Saúde Pública; Estudantes de Enfermagem


Objective:

to analyze the perception of nursing students about the care given to the persistent family aggressor.

Method:

a descriptive study, with a qualitative approach. Madeleine Leininger’s Theory of Diversity and Universality of Care was used as a theoretical reference. The data collection took place with 37 in the last year of at a public university in Southeast Brazil. We used the technique of Projective Design with a Topic and semi-structured interview. The data were analyzed with the content analysis.

Results:

the examination of the narratives underpinned the construction of four categories: The care of the aggressor with the family, Recognition of family values and culture, The search for knowledge to care for the aggressor and family, Multidisciplinary and intersectoral care to confront violence.

Conclusion:

there is an acknowledgment that the care for the aggressor should not only be individual but should involve all those affected. For this, multidisciplinary work is important, and the search for knowledge on the subject is essential for culturally significant care.

Descriptors:
Violence; Family Health; Aggression; Nursing; Public Health; Students, Nursing


Objetivo:

analizar la perspectiva de los estudiantes de enfermería sobre el cuidado que se dispensa al agresor familiar persistente.

Método:

estudio descriptivo, de enfoque cualitativo. Como marco teórico, se utilizó la Teoría de la Diversidad y de la Universalidad del Cuidado de Madeleine Leinninger. La recolección de datos se realizó con 37 estudiantes del último año de la carrera de enfermería de una universidad pública del Sudeste de Brasil. Se utilizó la técnica de Diseño Proyectivo con Tema y Entrevista Semiestructurada. Los datos se analizaron a partir del análisis de contenido.

Resultados:

el examen de los discursos permitió la construcción de 4 categorías: “El cuidado del agresor junto a su familia”, “Reconocimiento de los valores y de la cultura familiar”, “La búsqueda de conocimiento para cuidar al agresor y a su familia”, “El cuidado multidisciplinario e intersectorial para el enfrentamiento de la violencia”.

Conclusión:

se reconoce que el cuidado del agresor no debe ser individual, sino que debe involucrar a todos los afectados. A tal efecto, el trabajo multidisciplinario se mostró importante, y la búsqueda de conocimiento sobre el tema es esencial para el un cuidado culturalmente significativo.

Descriptores:
Violencia; Salud de la Familia; Agresión; Enfermería; Salud Pública; Estudiantes de Enfermería


Introdução

A violência, embora sua natureza seja bastante complexa, pode ser compreendida como o uso do poder (físico, psíquico ou social) em ameaça ou prática, contra outros ou contra si mesmo, resultando em lesões, privação, trauma, prejuízo e até mesmo em morte(11 Aakvaag HF, Thoresen S, Wentzel-Larsen T, Dyb G. Adult victimization in female survivors of childhood violence and abuse: the contribution of multiple types of violence. Violence Against Women. 2017 Jan;23(13):1601-19. doi: 10.1177/1077801216664427
https://doi.org/10.1177/1077801216664427...
-22 Schek G, Silva MRS, Lacharité C, Bueno MEM. Organization of professional practices against intrafamily violence against children and adolescents in the institutional context. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2017;25:e2889. doi: 10.1590/1518-8345.1640.2889
https://doi.org/10.1590/1518-8345.1640.2...
). Entre os tipos de violência, encontra-se a familiar, caracterizada como agressão, negligência ou ato omissivo, de caráter intencional, cometido por indivíduo com vínculo familiar com a vítima (parentesco natural, civil, social ou substitutivo) com o objetivo de coerção, ofensa, proveito, vantagem, desmoralização, opressão, ou causar dor e sofrimento a quem o agressor julga inferior(22 Schek G, Silva MRS, Lacharité C, Bueno MEM. Organization of professional practices against intrafamily violence against children and adolescents in the institutional context. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2017;25:e2889. doi: 10.1590/1518-8345.1640.2889
https://doi.org/10.1590/1518-8345.1640.2...
-33 Griffith R. Domestic violence protection measures. Br J Nurs. 2017 Jul;26(13):768-9. doi: 10.12968/bjon.2017.26.13.768
https://doi.org/10.12968/bjon.2017.26.13...
).

O conceito isolado de violência pode não ter sentido coerente se não houver reflexões sob a perspectiva da sociedade que a produz, pois há influência direta de aspectos econômicos, políticos, sociais, religiosos e culturais sobre relações cotidianas e construtos de paz(33 Griffith R. Domestic violence protection measures. Br J Nurs. 2017 Jul;26(13):768-9. doi: 10.12968/bjon.2017.26.13.768
https://doi.org/10.12968/bjon.2017.26.13...

4 Shoqirat N, Almajali A, Alsaraireh A. From a family home to hell: experiences and consequences of intimate partner violence among married Jordanian women. Issues Mental Health Nurs. 2019 Nov;40(1):33-40. doi: 10.1080/01612840.2018.1485794
https://doi.org/10.1080/01612840.2018.14...
-55 Clements CM, Bennett VE, Hungerford A, Clauss K, Wait SK. Psychopatology and coping in survivors of intimate partner violence: associations with race and abuse severity. J Aggress Maltreat Trauma. 2018 Sep;28(2):205-21. doi: 10.1080/10926771.2018.1470588
https://doi.org/10.1080/10926771.2018.14...
). Assim, a violência familiar deve ser tratada como um fenômeno amplo, desencadeado por múltiplos fatores e que deve ser visto no contexto, meio social e momento histórico que acontece, incluindo as percepções dos indivíduos envolvidos (vítimas, agressores e testemunhas)(44 Shoqirat N, Almajali A, Alsaraireh A. From a family home to hell: experiences and consequences of intimate partner violence among married Jordanian women. Issues Mental Health Nurs. 2019 Nov;40(1):33-40. doi: 10.1080/01612840.2018.1485794
https://doi.org/10.1080/01612840.2018.14...
-55 Clements CM, Bennett VE, Hungerford A, Clauss K, Wait SK. Psychopatology and coping in survivors of intimate partner violence: associations with race and abuse severity. J Aggress Maltreat Trauma. 2018 Sep;28(2):205-21. doi: 10.1080/10926771.2018.1470588
https://doi.org/10.1080/10926771.2018.14...
).

Entre ritos, mitos e segredos, as famílias podem experienciar a violência de formas variadas, tais como a violência sexual, a violência de gênero, a violência psicológica/moral, a violência financeira/econômica, a negligência, o abandono, a tortura, a agressão física, a exploração, o assédio, entre outras(22 Schek G, Silva MRS, Lacharité C, Bueno MEM. Organization of professional practices against intrafamily violence against children and adolescents in the institutional context. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2017;25:e2889. doi: 10.1590/1518-8345.1640.2889
https://doi.org/10.1590/1518-8345.1640.2...

3 Griffith R. Domestic violence protection measures. Br J Nurs. 2017 Jul;26(13):768-9. doi: 10.12968/bjon.2017.26.13.768
https://doi.org/10.12968/bjon.2017.26.13...

4 Shoqirat N, Almajali A, Alsaraireh A. From a family home to hell: experiences and consequences of intimate partner violence among married Jordanian women. Issues Mental Health Nurs. 2019 Nov;40(1):33-40. doi: 10.1080/01612840.2018.1485794
https://doi.org/10.1080/01612840.2018.14...
-55 Clements CM, Bennett VE, Hungerford A, Clauss K, Wait SK. Psychopatology and coping in survivors of intimate partner violence: associations with race and abuse severity. J Aggress Maltreat Trauma. 2018 Sep;28(2):205-21. doi: 10.1080/10926771.2018.1470588
https://doi.org/10.1080/10926771.2018.14...
).

Enfermeiros envolvidos na temática tendem a se compadecer da vítima, prestando assistência zelosa e adotando as medidas cabíveis recomendadas em fluxos ou linhas de cuidado à pessoa em situação de violência(55 Clements CM, Bennett VE, Hungerford A, Clauss K, Wait SK. Psychopatology and coping in survivors of intimate partner violence: associations with race and abuse severity. J Aggress Maltreat Trauma. 2018 Sep;28(2):205-21. doi: 10.1080/10926771.2018.1470588
https://doi.org/10.1080/10926771.2018.14...
-66 Rigol-Cuadra A, Galbany-Estragué P, Fuentes-Pumarola C, Burjales-Martí MD, Rodríguez-Martín D, Ballester-Ferrando D. Perception of nursing students about couples' violence: knowledge, beliefs and professional role. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2015 May;23(3):527-34. doi: 10.1590/0104-1169.0357.2584
https://doi.org/10.1590/0104-1169.0357.2...
). Todavia, os agressores tendem a ser rejeitados e podem até ser pouco assistidos pelos profissionais, como movimento impulsivo de reprodução de comportamento do senso comum, com julgamento predefinido, especialmente nos casos de ofensores frequentes, ou seja, aqueles que praticam atos violentos de modo reiterado ou amiúde(44 Shoqirat N, Almajali A, Alsaraireh A. From a family home to hell: experiences and consequences of intimate partner violence among married Jordanian women. Issues Mental Health Nurs. 2019 Nov;40(1):33-40. doi: 10.1080/01612840.2018.1485794
https://doi.org/10.1080/01612840.2018.14...

5 Clements CM, Bennett VE, Hungerford A, Clauss K, Wait SK. Psychopatology and coping in survivors of intimate partner violence: associations with race and abuse severity. J Aggress Maltreat Trauma. 2018 Sep;28(2):205-21. doi: 10.1080/10926771.2018.1470588
https://doi.org/10.1080/10926771.2018.14...
-66 Rigol-Cuadra A, Galbany-Estragué P, Fuentes-Pumarola C, Burjales-Martí MD, Rodríguez-Martín D, Ballester-Ferrando D. Perception of nursing students about couples' violence: knowledge, beliefs and professional role. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2015 May;23(3):527-34. doi: 10.1590/0104-1169.0357.2584
https://doi.org/10.1590/0104-1169.0357.2...
).

Estudos recentes(77 Verdolini N, Murru A, Attademo L, Garinella R, Pacchiarotti I, Bonnin CM, et al. The aggressor at the mirror: psychiatric correlates of deliberate self-harm im male prision inmates. Eur Psychiatry. 2017 Jul;44:153-60. doi: 10.1016/j.eurpsy.2017.04.002
https://doi.org/10.1016/j.eurpsy.2017.04...
-88 Ferreira MNX, Hino P, Taminato M, Fernandes H. Care of perpetrators of repeat family violence: an integrative literature review. Acta Paul Enfermagem. 2019 Feb;32(3):334-40. doi: 10.1590/1982-0194201900046
https://doi.org/10.1590/1982-01942019000...
) apontam que o cuidado apenas da vítima pode não ser exitoso, visto que o ofensor pode perpetuar suas ações violentas caso as compreenda como naturais ou não tenha suas necessidades e sentimentos acolhidos e cuidados. Além disso, não necessariamente os ofensores podem ser afastados das vítimas de forma segura, conforme recomendações profissionais(66 Rigol-Cuadra A, Galbany-Estragué P, Fuentes-Pumarola C, Burjales-Martí MD, Rodríguez-Martín D, Ballester-Ferrando D. Perception of nursing students about couples' violence: knowledge, beliefs and professional role. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2015 May;23(3):527-34. doi: 10.1590/0104-1169.0357.2584
https://doi.org/10.1590/0104-1169.0357.2...
-77 Verdolini N, Murru A, Attademo L, Garinella R, Pacchiarotti I, Bonnin CM, et al. The aggressor at the mirror: psychiatric correlates of deliberate self-harm im male prision inmates. Eur Psychiatry. 2017 Jul;44:153-60. doi: 10.1016/j.eurpsy.2017.04.002
https://doi.org/10.1016/j.eurpsy.2017.04...
).

Outro ponto relevante é que há escassez de estudos sobre cuidados de enfermagem ao agressor familiar persistente, ou seja, que reitera injúrias a um ou mais membros de seu núcleo familiar. Isso pode levar profissionais e estudantes a persistirem em condições de distanciamento e preconceito. Nota-se especial escassez de publicações em países emergentes(88 Ferreira MNX, Hino P, Taminato M, Fernandes H. Care of perpetrators of repeat family violence: an integrative literature review. Acta Paul Enfermagem. 2019 Feb;32(3):334-40. doi: 10.1590/1982-0194201900046
https://doi.org/10.1590/1982-01942019000...
).

A temática de violência familiar não costuma ser presente na graduação de enfermeiros, podendo causar organização de práticas de cuidado pouco resolutivas ou ineficientes(77 Verdolini N, Murru A, Attademo L, Garinella R, Pacchiarotti I, Bonnin CM, et al. The aggressor at the mirror: psychiatric correlates of deliberate self-harm im male prision inmates. Eur Psychiatry. 2017 Jul;44:153-60. doi: 10.1016/j.eurpsy.2017.04.002
https://doi.org/10.1016/j.eurpsy.2017.04...

8 Ferreira MNX, Hino P, Taminato M, Fernandes H. Care of perpetrators of repeat family violence: an integrative literature review. Acta Paul Enfermagem. 2019 Feb;32(3):334-40. doi: 10.1590/1982-0194201900046
https://doi.org/10.1590/1982-01942019000...
-99 Maquibar A, Hurtig AK, Cases CV, Estalella I, Goicolea I. Nursing students' discourses on gender-based violence and their training for a comprehensive healthcare response: a qualitative study. Nurse Educ Today. 2018 Feb;68:208-12. doi: 10.1016/j.nedt.2018.06.011
https://doi.org/10.1016/j.nedt.2018.06.0...
). Assim, surge nos autores deste estudo a seguinte indagação: quais são as percepções de estudantes de enfermagem sobre o cuidado do agressor familiar frequente ou persistente?

Deste modo, o objetivo desta pesquisa é analisar a percepção de estudantes de enfermagem sobre o cuidado dispensado ao agressor familiar persistente.

Método

Estudo descritivo, de abordagem qualitativa, realizado com alunos do último ano do curso de enfermagem de uma universidade pública da região Sudeste do Brasil. Estes estudantes foram selecionados em virtude da vivência de grande parte das disciplinas da graduação em enfermagem e estarem há poucos meses do exercício legal da profissão. Foram incluídos alunos regularmente matriculados no último ano d a graduação de enfermagem e excluídos aqueles que possuíam dependência em alguma unidade curricular do curso. Dos 54 estudantes elegíveis, um encontrava-se de licença médica, cinco não aceitaram participar e 11 não puderam participar por dificuldade de tempo para as entrevistas. Assim, a amostra foi composta de 37 participantes.

A coleta de dados foi realizada no segundo semestre de 2018, em locais privativos e seguros na universidade, em três momentos. O primeiro momento ocorreu com o uso da técnica de Desenho Projetivo com Tema(1010 Backos A, Samuelson KW. Projective drawings of mothers and children exposed to intimate partner violence: a mixed methods analysis. Art Therapy. 2017 Feb;34(2):58-7. doi:10.1080/07421656.2017.1312150
https://doi.org/10.1080/07421656.2017.13...
) em que os estudantes expressaram as percepções sobre os cuidados ao agressor familiar com uso de seis canetas hidrocoloridas (iguais para todos) e folhas de papel sulfite A4. Essa técnica permite aos participantes expressarem de forma gráfica suas concepções inconscientes acerca de diferentes fenômenos do cotidiano, permitindo a busca de compreensões como se vividas ou experimentadas. Depois da realização dos desenhos solicitou-se que os pesquisados escrevessem uma história no verso do desenho e que explicassem ao pesquisador o material final. A solicitação norteadora foi: por favor, desenhe uma pessoa que agride frequentemente a família da qual faz parte. Não foram utilizadas palavras que pudessem induzir a determinação de gêneros, tais como homem/mulher, marido/esposa, filho/filha etc. No segundo momento foi solicitado que os estudantes relatassem os cuidados de enfermagem dispensados ao agressor familiar. Já o terceiro momento foi a volta aos participantes, solicitando que eles apontassem suas percepções sobre o fenômeno. Utilizou-se como questão norteadora neste momento: o que você compreende sobre o escrito, sobre o desenhado e sobre os cuidados elencados ao agressor familiar persistente? Os três momentos foram realizados em um único encontro com cada participante.

A coleta foi realizada pelo primeiro e pelo último autor do estudo, ambos com capacitação e experiência nas técnicas utilizadas. Todos os momentos foram gravados em aparelho eletrônico de áudio, e os desenhos fotografados com câmera digital. A média de tempo total (técnica projetiva e entrevista gravada) foi de 90 minutos. Os participantes foram identificados com a letra E, seguida de algarismo arábico, de acordo com a ordem das entrevistas.

A Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado (TDUC) de Madeleine Leininger foi usada como referencial teórico desta pesquisa. Esta teoria está embasada nos seguintes preceitos: 1) que os seres humanos são criaturas provedoras de atenção e intervenções, capazes de se preocupar com as necessidades, satisfação e sobrevivência dos outros em diferentes condições, mas de acordo com suas culturas, necessidades e cenários; 2) que a saúde é um bem-estar culturalmente definido, avaliado e praticado, que reflete a capacidade de os grupos realizarem suas atividades cotidianas de modo culturalmente satisfatório, universal e diversificado ao mesmo tempo, permitindo que seja criada a 3) visão de mundo pela qual estas pessoas interpretam o universo, formam atitudes e valores acerca de suas vidas e do mundo que as rodeia, contribuindo para o desenvolvimento do (4) cuidado como um fenômeno relacionado ao comportamento de ajuda, apoio para um indivíduo ou grupo, cujo objeto final seria o equilíbrio de uma condição ou da vida humana(1111 Rohrbach-Viadas C. Historic perspectives from anthropology. Reflections proposed to Transcultural Nursing. Invest Educ Enferm. 2015 Jan;33(2):365-73. doi: 0.17533/udea.iee.v33n2a20
https://doi.org/0.17533/udea.iee.v33n2a2...
-1212 Jiménez-Ruiz I, Almansa Martínez P. Female genital mutilation and transcultural nursing: adaptation of Rising Sun Model. Contemp Nurse. 2017 Feb;38(5):196-202. doi: 10.1080/10376178.2016.1261000
https://doi.org/10.1080/10376178.2016.12...
).

Para proceder à análise das entrevistas, seguiram-se as etapas da análise de conteúdo desenvolvidas por Bardin, que foram a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados(1313 Mendes RM, Miskulin RGS. Content analysis as a methodology. Cad Pesqui. 2017 Feb;47(165):1044-66. doi: 10.1590/198053143988.
https://doi.org/10.1590/198053143988...
). Na pré-análise, dois autores realizaram a leitura, linha a linha, do material transcrito das entrevistas feitas com os estudantes e a busca dos elementos que pudessem compor o corpus da análise. Já na exploração do material, buscou-se a definição das categorias por meio da classificação dos elementos constitutivos em grupos analógicos por frequência das unidades de registro. Ocorreu apenas uma situação de divergência que foi analisada por um terceiro pesquisador, que pontuou de modo independente sua compreensão. Por fim, procedeu-se à inferência e à interpretação dos dados.

O desenvolvimento da pesquisa atendeu às normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa com seres humanos e teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, com Parecer n.º 2.697.442. Foi aplicado o guia Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ) para verificar a qualidade científica da pesquisa.

Resultados

A maioria dos entrevistados era do sexo feminino (n=33), com idade entre 21 e 32 anos (n=24), solteira (n=36) e branca (n=22).

Em relação aos desenhos, notou-se que todas as famílias eram heterossexuais, nucleares, com um ou mais filhos, com integrantes desenhados com traços pretos ou escuros. Em cinco casos, nenhum dos personagens possuía face. Em dez casos, os agressores foram apresentados com expressões faciais de tristeza, e em cinco, com expressões de raiva. Porém, em dezessete imagens, agressores e vítimas foram ilustrados com faces de indiferença (n=4) ou de alegria (n=13). Todos apresentavam imagens de proximidade entre os sujeitos, porém apenas seis desenhos ilustravam contato físico entre as personagens. Evidenciaram-se a ausência de imagens ou características ambientais, como objetos, móveis ou vegetação (n=25), nos desenhos que os continham, foram ilustradas facas, garrafas, latas de bebidas, muletas, móveis derrubados, animais de estimação e brinquedos infantis.

As histórias foram bastante variadas, porém houve características comuns. A principal é que a pessoa agressora foi do sexo masculino em 34 histórias, sendo relatados como pais, padrastos, filhos ou netos. As formas de violência mais descritas foram a física (n=16), a sexual (n=9), a psicológica (n=6) e a financeira (n=3), ocorridas repetidamente, motivadas por comportamento violento prévio do agressor (n=28), precipitadas pelo alcoolismo, consumo de drogas ilícitas e impulso sexual incontrolável. Notaram-se descrições detalhadas de relações de poder entre o agressor e a vítima em todas as histórias, o que levou à persistência da violência e ao sofrimento prolongado das vítimas e testemunhas. Na maior parte das histórias (n=24), as famílias ocultavam o sofrimento e mantinham comportamento social feliz porque naturalizavam as injúrias do agressor ou não sabiam como lidar com a situação. Agressores e familiares permaneceram juntos em 31 histórias, mantendo aparências e normatizações sociais. Nos casos de afastamento do agressor, isto ocorreu por fuga dos membros da família ou morte do perpetrador.

A análise das narrativas embasou a construção de quatro categorias: O cuidado do agressor junto à família, o reconhecimento dos valores e cultura da família, a busca de conhecimento para cuidar do agressor e família, o cuidado multidisciplinar e intersetorial para o enfrentamento da violência.

Na categoria O cuidado do agressor junto à família, os participantes revelaram que a violência doméstica é uma situação intricada para a enfermagem, que exige refletir sobre o cuidado do agressor, sem ignorar as necessidades dos demais membros da família, reconhecendo-a como unidade de cuidado na qual as ações sobre um afetam todos os demais: Eu acho que tem que ver o lado do agressor e acolher não só ele, mas toda a família, e achar alguma forma de tratar essa família (E16); Entender a dinâmica familiar para ela também aprender a lidar com essa situação envolvendo o agressor (E13); Tentar buscar uma rede de apoio dessa família, por exemplo, a mãe e o pai do agressor, porque podem ajudar nesse processo (E17).

As falas também demonstraram ser a agressão um tema pouco discutido, apresentando dificuldades no planejamento de ações: (...) não sei te explicar. É um assunto que eu nunca parei para pensar... Deve ter alguma coisa para fazer pela pessoa e família, mas eu não sei (E34).

Na categoria O reconhecimento dos valores e cultura da família, alguns entrevistados sentiram-se surpresos por terem criado agressores do sexo masculino, emergindo inconscientemente aspectos culturais relacionados ao gênero e poder. Na maioria dos desenhos e/ou das histórias realizadas, os homens utilizaram a agressão verbal, física ou psicológica para atingir seus objetivos em relação às mulheres, reproduzindo a ideia de inferioridade feminina: (...) é uma questão cultural, essa superioridade. Hoje em dia já se fala bastante em mudar isso, mas eu acho que ainda tem uma história de que as mulheres são inferiores, por isso muitas vezes o homem acaba sendo o agressor (E27).

Outro aspecto presente nas narrativas foi a naturalização da violência, decorrente da ideia de manutenção do modelo nuclear como paradigma de felicidade e realização: As pessoas relevam as coisas em nome da felicidade da família. As pessoas se silenciam por achar que vai ser melhor para todo mundo (E18). A ideia de harmonia familiar acima de tudo foi destacada pelos estudantes como um reflexo de aspectos religiosos e culturais transmitidos de maneira transgeracional, reproduzidos de modo frequente e explícitos pelas famílias atuais e presentes nas diversas formas de violência: As pessoas se silenciam por achar que vai ser melhor preservar a família (E10). Muitas religiões colaboram com isso porque pregam que as famílias devem permanecer unidas a qualquer custo, mesmo em situações de violência (E31). A intergeracionalidade, que é a passagem de comportamento entre as gerações familiares, foi apontada como uma das causas das condutas do ofensor familiar persistente, que reproduzia o que aprendera no passado, cabendo à enfermagem, de alguma forma, compreender e intervir sobre este fenômeno: Talvez ele seja um agressor porque ele recebeu essa agressão. Foi algo apreendido pelo pai ou pela família de origem (E1).

Na categoria A busca de conhecimento para cuidar do agressor e família, as narrativas revelaram que os concluintes de enfermagem não se sentem seguros sobre os cuidados dispensados ao agressor e à família por ter recebido pouca capacitação em sua formação acadêmica. Eles também relataram a necessidade de maior conhecimento sobre a avaliação familiar: Como a gente vai convencer essa pessoa a ser tratada? (E22); Acho que nós podemos ser capacitados a ter um olhar “a mais” do que interpretar que o agressor é só um cara malvado (E5); Eu penso que um enfermeiro capacitado poderia lidar melhor e entender essa dinâmica familiar, a gente sabe muito pouco disso. Eu diria que nada (E13).

Pelos relatos, foi possível notar que a inclusão de atividades didáticas e capacitações que abordassem o cuidado de enfermagem voltado ao agressor em unidades curriculares da graduação poderia diminuir a insegurança do futuro profissional em sugerir condutas ou intervenções.

A categoria O cuidado multidisciplinar e intersetorial para o enfrentamento da violência foi gerada a partir de depoimentos dos participantes de que a enfermagem sozinha não seria efetiva no cuidado com o agressor familiar. Há a necessidade de ações inter e intrasetoriais que atinjam várias dimensões da vida dos envolvidos. Algumas situações que abrangem as agressões familiares levaram uma parcela dos entrevistados à conclusão de que, em virtude da pouca formação, ou em casos específicos, a enfermagem é incapaz de intervir com êxito no tratamento de quem pratica violência familiar.

É necessário contar com o auxílio de uma equipe multidisciplinar ou até mesmo judicial para a solução da violência: Eu acho que terapeutas e psicólogos seriam profissionais mais voltados para saúde mental dela. Precisa de mais gente junto para cuidar, inclusive fora da área da saúde (E14); Teria que ter uma intervenção judicial no caso, recorrer a alguém do jurídico para ajudar a gente (E15); Em alguns casos cabe até compreender que não é só a gente que vai conseguir fazer isso e solicitar serviços sociais, centro de apoio e umas medidas mais drásticas para conseguir intervir (E29).

Discussão

O fenômeno da violência intrafamiliar carece de aprofundamento em várias áreas de atuação, inclusive na saúde, que somente há poucos anos tornou-se mais ativa, transcendendo os aspectos curativos e adentrando em medidas de promoção da saúde, prevenção do agravo e monitoramento dos casos. Percebe-se isso no Brasil, em especial nas duas últimas décadas, com o acréscimo do tema na lista de agravos de notificação compulsória, a criação de linhas de cuidado a pessoas em situação de violência, o empoderamento da atenção primária em saúde pela implantação de núcleos de prevenção de violência em unidades básicas e a presença do tema em pautas de conselhos e secretarias de saúde(1414 Garbin CAS, Dias IA, Rovida TA, Garbin AJ. Challenges facing health professionals in the notification of violence: mandatory implementation and follow-up procedures. Ciênc Saúde Colet. 2015 Apr;20(06):1879-90. doi: 10.1590/1413-81232015206.13442014
https://doi.org/10.1590/1413-81232015206...
).

Ações de cuidado articulado em rede de atenção às vítimas têm sido desenvolvidas em todos os níveis, com notórios avanços na prevenção secundária e terciária, corrigindo o mais precocemente possível os desvios da normalidade e tentando recuperar as condições de saúde, reduzir incapacidades deixadas e reintegrar as vítimas e testemunhas da melhor forma possível à sociedade, especialmente à família(1414 Garbin CAS, Dias IA, Rovida TA, Garbin AJ. Challenges facing health professionals in the notification of violence: mandatory implementation and follow-up procedures. Ciênc Saúde Colet. 2015 Apr;20(06):1879-90. doi: 10.1590/1413-81232015206.13442014
https://doi.org/10.1590/1413-81232015206...
-1515 Avanci JQ; Pinto LW, Assis SG. Treatment for cases of violence by Brazilian emergency services focusing on family relationships and life cycles. Ciênc Saúde Colet. 2017 Apr;22(9):2825-40. doi: 10.1590/1413-81232017229.13352017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017229...
). Longe disso, entretanto, encontram-se os cuidados lançados ao agressor familiar. Quase sempre julgamentos precipitados são feitos, condenando os agressores a uma posição de descuido, pois não são compreendidos como vulneráveis nesse contexto(1515 Avanci JQ; Pinto LW, Assis SG. Treatment for cases of violence by Brazilian emergency services focusing on family relationships and life cycles. Ciênc Saúde Colet. 2017 Apr;22(9):2825-40. doi: 10.1590/1413-81232017229.13352017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017229...
-1616 Fowler DR, Cantos AL. Miller SA. Exposure to violence, typology and recidivism in a probation sample of domestic violence perpetrators. Child Abuse Negl. 2016 Jan;59:66-77. doi: 0.1016/j.chiabu.2016.07.007
https://doi.org/0.1016/j.chiabu.2016.07....
).

Mas os dados obtidos na análise do material deste estudo evidenciaram que se deve lançar um olhar especial para o ofensor, refletindo sobre a possibilidade do cuidado junto com a família. Estudos apontam que a ausência de cuidados de saúde para agressores familiares pode se refletir diretamente sobre as vítimas, pois há a possibilidade de persistência das injúrias e danos ao sistema familiar(1616 Fowler DR, Cantos AL. Miller SA. Exposure to violence, typology and recidivism in a probation sample of domestic violence perpetrators. Child Abuse Negl. 2016 Jan;59:66-77. doi: 0.1016/j.chiabu.2016.07.007
https://doi.org/0.1016/j.chiabu.2016.07....

17 Kelly L, Westmorland N. Naming and defining domestic violence: lessons from research with violent men. Fem Rev. 2016 Feb;112(1):113-27. doi: 10.1057/fr.2015.52
https://doi.org/10.1057/fr.2015.52...
-1818 Cantos AL, Kosson DS, Goldstein DA, O'Leary KD. Treatment impact on recidivism of family only vs. generally violent partner violence perpetrators. Int J Clin Health Psychol. 2019 May;19(3):171-80. doi: 10.1016/j.ijchp.2019.05.002
https://doi.org/10.1016/j.ijchp.2019.05....
). Além disso, o cuidado somente do perpetrador pode não fazer sentido pleno sem o cuidado dos demais envolvidos.

A atenção e a assistência dispensadas a todo sistema familiar, incluindo o ofensor, favorecem resultados melhores e mais duradouros, evitando que as agressões se perpetuem. Com uma abordagem sistêmica, enfermeiros podem compreender melhor os hábitos de vida da família, suas crenças, mitos e segredos que possam ser fatores contribuintes para agressão e prestar uma intervenção de maneira eficiente à família(1818 Cantos AL, Kosson DS, Goldstein DA, O'Leary KD. Treatment impact on recidivism of family only vs. generally violent partner violence perpetrators. Int J Clin Health Psychol. 2019 May;19(3):171-80. doi: 10.1016/j.ijchp.2019.05.002
https://doi.org/10.1016/j.ijchp.2019.05....

19 Razera J, Gaspodini IB, Oliveira EL, Neis LF, Falcke D. Couple therapy in contexts of intimate partner violence: integrative literature review. Contextos Clínic. 2018 Apr;11(2):197-205. doi: 10.4013/ctc.2018.112.05
https://doi.org/10.4013/ctc.2018.112.05...
-2020 Madalena M, Carvalho LF, Falcke D. Intimate partner violence: the predictive power of experiences in the family of origin and of personality disorder traits. Trends Psychol. 2018 May;26(1):93-109. doi: 10.9788/TP2018.1-04En
https://doi.org/10.9788/TP2018.1-04En...
).

O cuidado do agressor junto à família tem maior possibilidade de êxito, pois permitirá aos profissionais a compreensão do contexto, das dinâmicas ou estruturas familiares e dos estágios de desenvolvimento das famílias que experienciam a violência. Muitas vezes, a atenção voltada para o todo, não apenas para o indivíduo, permite reconhecer os limites e as potencialidades de cada um no enfrentamento do fenômeno, fazendo uso da capacidade funcional das famílias. Mesmo a família ampliada deve ser avaliada e envolvida no cuidado, quando possível(1818 Cantos AL, Kosson DS, Goldstein DA, O'Leary KD. Treatment impact on recidivism of family only vs. generally violent partner violence perpetrators. Int J Clin Health Psychol. 2019 May;19(3):171-80. doi: 10.1016/j.ijchp.2019.05.002
https://doi.org/10.1016/j.ijchp.2019.05....

19 Razera J, Gaspodini IB, Oliveira EL, Neis LF, Falcke D. Couple therapy in contexts of intimate partner violence: integrative literature review. Contextos Clínic. 2018 Apr;11(2):197-205. doi: 10.4013/ctc.2018.112.05
https://doi.org/10.4013/ctc.2018.112.05...
-2020 Madalena M, Carvalho LF, Falcke D. Intimate partner violence: the predictive power of experiences in the family of origin and of personality disorder traits. Trends Psychol. 2018 May;26(1):93-109. doi: 10.9788/TP2018.1-04En
https://doi.org/10.9788/TP2018.1-04En...
).

Todavia, destaca-se que existem alguns limites em relação às práticas terapêuticas do agressor junto à família, pois podem ocorrer situações especiais em cada caso como em restrições legais e jurídicas, onde a presença do agressor aumenta os riscos ou expõe vítimas e testemunhas às condições aumentadas de insegurança.

Assim, a ausência dos atores sociais, pode ser necessária em casos muito especiais, nos quais há riscos elevados para um ou mais membros ou quando a presença de algum elemento provoca conflitos de difícil mediação(1616 Fowler DR, Cantos AL. Miller SA. Exposure to violence, typology and recidivism in a probation sample of domestic violence perpetrators. Child Abuse Negl. 2016 Jan;59:66-77. doi: 0.1016/j.chiabu.2016.07.007
https://doi.org/0.1016/j.chiabu.2016.07....

17 Kelly L, Westmorland N. Naming and defining domestic violence: lessons from research with violent men. Fem Rev. 2016 Feb;112(1):113-27. doi: 10.1057/fr.2015.52
https://doi.org/10.1057/fr.2015.52...

18 Cantos AL, Kosson DS, Goldstein DA, O'Leary KD. Treatment impact on recidivism of family only vs. generally violent partner violence perpetrators. Int J Clin Health Psychol. 2019 May;19(3):171-80. doi: 10.1016/j.ijchp.2019.05.002
https://doi.org/10.1016/j.ijchp.2019.05....

19 Razera J, Gaspodini IB, Oliveira EL, Neis LF, Falcke D. Couple therapy in contexts of intimate partner violence: integrative literature review. Contextos Clínic. 2018 Apr;11(2):197-205. doi: 10.4013/ctc.2018.112.05
https://doi.org/10.4013/ctc.2018.112.05...

20 Madalena M, Carvalho LF, Falcke D. Intimate partner violence: the predictive power of experiences in the family of origin and of personality disorder traits. Trends Psychol. 2018 May;26(1):93-109. doi: 10.9788/TP2018.1-04En
https://doi.org/10.9788/TP2018.1-04En...
-2121 Llor-Esteban B, García-Jiménez J, Ruiz-Hernández JA, Godoy-Fernández C. Profile of partner aggressors as a function of risk of recidivism. Int J Clin Health Psychol. 2016 May;16(1):39-46. doi: 10.1016/j.ijchp.2015.05.004
https://doi.org/10.1016/j.ijchp.2015.05....
). Para isso, a Estratégia de Saúde da Família, presente na Atenção Primária à Saúde do Brasil, mostra-se como uma ferramenta valiosa na identificação dos fatores intervenientes para o sucesso do cuidado, pois o acompanhamento familiar esmerado permite o reconhecimento precoce de ações favoráveis ou não(2222 Schimidt B, Coelho ESB. Approach to family violence in the Family Health Strategy: review of literature. Psicol Argum. 2017 Apr;31(74):373-81. doi: 10.7213/psicol.argum.31.074.DS01
https://doi.org/10.7213/psicol.argum.31....
-2323 Garbin CAS, Rovida TAS, Costa AA, Garbin AJI. Recognition and reporting of violence by professionals of the Family Health strategy. Arch Health Invest. 2016 May;5(1):8-12. doi: 10.21270/archi.v5i1.1294
https://doi.org/10.21270/archi.v5i1.1294...
). Outra possibilidade apontada por autores são os projetos terapêuticos singulares (PTS) com apoio matricial de equipes multidisciplinares(2424 Vall B, Päivinen H, Holma J. Results of the Jyväskylä research project on couple therapy for intimate partner violence: topics and strategies in successful therapy processes. J Fam Ther. 2017 May;40(1):63-82. doi: 10.1111/1467-6427.12170
https://doi.org/10.1111/1467-6427.12170...
), pois permitem diagnósticos compartilhados, definição conjunta de metas plausíveis, divisão de responsabilidades e reavaliação da eficiência dos cuidados dispensados ao agressor e à família.

Assim como apontado em outros estudos que utilizaram a TDUC(1111 Rohrbach-Viadas C. Historic perspectives from anthropology. Reflections proposed to Transcultural Nursing. Invest Educ Enferm. 2015 Jan;33(2):365-73. doi: 0.17533/udea.iee.v33n2a20
https://doi.org/0.17533/udea.iee.v33n2a2...
-1212 Jiménez-Ruiz I, Almansa Martínez P. Female genital mutilation and transcultural nursing: adaptation of Rising Sun Model. Contemp Nurse. 2017 Feb;38(5):196-202. doi: 10.1080/10376178.2016.1261000
https://doi.org/10.1080/10376178.2016.12...
), os aqui pesquisados também percebem que o reconhecimento dos valores e cultura de cada família é essencial para o cuidado eficiente, mesmo que diante do contexto da violência resulte estranha a consideração desses fatores, a priori, pois a violência é, quase sempre, uma emergência. Todavia, a exploração de informações sobre normas, preceitos morais ou regras sociais que a família possui permite explorar caminhos em um projeto de cuidado.

Como o núcleo familiar é carregado de subjetividades e crenças, muitas vezes o que se tem como consenso de cultura de paz pode não ser lógico. Quando Leininger estuda o comportamento de famílias de etnias diferentes, percebe que em algumas sociedades existem lógicas de poder que produzem mecanismos de funcionamento daquele núcleo e que faz sentido a ele(1111 Rohrbach-Viadas C. Historic perspectives from anthropology. Reflections proposed to Transcultural Nursing. Invest Educ Enferm. 2015 Jan;33(2):365-73. doi: 0.17533/udea.iee.v33n2a20
https://doi.org/0.17533/udea.iee.v33n2a2...
-1212 Jiménez-Ruiz I, Almansa Martínez P. Female genital mutilation and transcultural nursing: adaptation of Rising Sun Model. Contemp Nurse. 2017 Feb;38(5):196-202. doi: 10.1080/10376178.2016.1261000
https://doi.org/10.1080/10376178.2016.12...
,2525 Giger JN. Transcultural nursing, assessment & intervention. 17thed. St Louis: Elsevier; 2017.). Um desses aspectos ainda relevante é o sexismo existente em culturas como as latinas, onde a mulher é pouco valorizada, vista como frágil e potencialmente sujeita às vontades dos homens, por sua vez, violentos e donatários de poder(2626 Russell B, Kraus S. Perceptions of partner violence: how aggressor gender, masculinity/femininity, and victim gender influence criminal justice decisions. Deviant Behav 2016 Jun;37(6):679-91. doi: 10.1080/01639625.2015.1060815
https://doi.org/10.1080/01639625.2015.10...
).

Como no inconsciente dos pesquisados, o homem é o principal perpetrador de violência familiar, especialmente sexual e física. Estudo realizado nos Estados Unidos da América mostrou que tal pensamento também ocorre em juristas em cenários simulados de violência doméstica, inclusive afetando a tomada de decisão e impondo penalidades mais severas aos homens do que às mulheres(2626 Russell B, Kraus S. Perceptions of partner violence: how aggressor gender, masculinity/femininity, and victim gender influence criminal justice decisions. Deviant Behav 2016 Jun;37(6):679-91. doi: 10.1080/01639625.2015.1060815
https://doi.org/10.1080/01639625.2015.10...
). Mas cabe aos profissionais de saúde buscarem compreender o que faz do homem um potencial agressor, identificando valores, crenças e comportamentos para, a partir daí, ampliar a possibilidade de planejamento do cuidado culturalmente acertado. Estudos apontam que homens que cometem atos violentos em suas famílias reproduzem modelos passados por gerações anteriores. Ou seja, o ato lesivo é uma mensagem transgeracional que foi compreendida como correta ou assertiva. Dentro dessa lógica, o agressor familiar também pode formar novos agressores(2727 Valgardson BA, Schwartz JA. An examination of within and between family influences on the intergenerational transmission of violence and maltreatment. J Contemp Crim Justice. 2018 Nov;35(1):87-102. doi: 10.1177/1043986218810598
https://doi.org/10.1177/1043986218810598...
).

Além disso, é interessante que no planejamento de cuidados os enfermeiros reflitam e considerem que a pulsão violenta não é necessariamente uma constante na vida do agressor. Talvez, seu comportamento danoso ocorra como mecanismo final de resolução de conflitos, cujas tentativas frustradas de resolução de outra forma ocasionaram ímpetos atrozes(2222 Schimidt B, Coelho ESB. Approach to family violence in the Family Health Strategy: review of literature. Psicol Argum. 2017 Apr;31(74):373-81. doi: 10.7213/psicol.argum.31.074.DS01
https://doi.org/10.7213/psicol.argum.31....

23 Garbin CAS, Rovida TAS, Costa AA, Garbin AJI. Recognition and reporting of violence by professionals of the Family Health strategy. Arch Health Invest. 2016 May;5(1):8-12. doi: 10.21270/archi.v5i1.1294
https://doi.org/10.21270/archi.v5i1.1294...

24 Vall B, Päivinen H, Holma J. Results of the Jyväskylä research project on couple therapy for intimate partner violence: topics and strategies in successful therapy processes. J Fam Ther. 2017 May;40(1):63-82. doi: 10.1111/1467-6427.12170
https://doi.org/10.1111/1467-6427.12170...

25 Giger JN. Transcultural nursing, assessment & intervention. 17thed. St Louis: Elsevier; 2017.

26 Russell B, Kraus S. Perceptions of partner violence: how aggressor gender, masculinity/femininity, and victim gender influence criminal justice decisions. Deviant Behav 2016 Jun;37(6):679-91. doi: 10.1080/01639625.2015.1060815
https://doi.org/10.1080/01639625.2015.10...
-2727 Valgardson BA, Schwartz JA. An examination of within and between family influences on the intergenerational transmission of violence and maltreatment. J Contemp Crim Justice. 2018 Nov;35(1):87-102. doi: 10.1177/1043986218810598
https://doi.org/10.1177/1043986218810598...
).

O cuidado ao agressor familiar persistente tem se apresentado como um desafio para a enfermagem, especialmente tendo em vista as poucas discussões sobre esse tema durante a formação profissional. Portanto, a busca de conhecimento é uma prática necessária a todos que, direta ou indiretamente, sejam envolvidos com a temática.

Uma das possibilidades emergentes para a formação dos enfermeiros encontra-se na ciência forense, que se preocupa não apenas com a preservação de vestígios, investigação de cenários onde crimes ocorrem, mas também com a assistência prestada ao agressor, nos mais variados locais e situações, desde os de privação de liberdade até o seio doméstico(2828 Olsson H, Kristiansen LP. Violence risk assessment in clinical practice: how forensic nurses experience violence risk assessment in daily work - a qualitative interview study. Glob J Health Sci. 2017 Aug;9(12):56-63. doi: 10.5539/gjhs.v9n12p56
https://doi.org/10.5539/gjhs.v9n12p56...
-2929 Olsson H, Audilv A, Strand S, Kristiansen L. Reducing or increasing violence in forensic care: a qualitative study of inpatient experiences. Arch Psychiatr Nurs. 2015 Aug;29(6):393-400. doi: 10.1016/j.apnu.2015.06.009
https://doi.org/10.1016/j.apnu.2015.06.0...
).

A compreensão da visão de mundo proposta pela TDUC pode se tornar mais oportuna quando enfermeiros que lidam com o assunto buscam a especialidade citada, por reduzir a distância entre o profissional e aquele que necessita do cuidado(1111 Rohrbach-Viadas C. Historic perspectives from anthropology. Reflections proposed to Transcultural Nursing. Invest Educ Enferm. 2015 Jan;33(2):365-73. doi: 0.17533/udea.iee.v33n2a20
https://doi.org/0.17533/udea.iee.v33n2a2...
-1212 Jiménez-Ruiz I, Almansa Martínez P. Female genital mutilation and transcultural nursing: adaptation of Rising Sun Model. Contemp Nurse. 2017 Feb;38(5):196-202. doi: 10.1080/10376178.2016.1261000
https://doi.org/10.1080/10376178.2016.12...
,2525 Giger JN. Transcultural nursing, assessment & intervention. 17thed. St Louis: Elsevier; 2017.), aqui, o agressor. A aproximação da enfermagem da temática, na perspectiva da TDUC, pode proporcionar um atendimento mais naturalizado ao contexto saúde-doença na perspectiva dos atores envolvidos o que permite criar laços entre aquele que cuida e aqueles que são cuidados. Além disso, pode promover o cuidado humano e empático, comprometido com o outro em seus valores, limites e cultura.

Estudos sobre a temática de violência doméstica afirmam com segurança que a busca por conhecimento pelos enfermeiros é uma necessidade para melhor atendimento às vítimas, às testemunhas e aos agressores. Além disso, tais estudos citam que a qualificação desses profissionais pode ser crucial para a tomada de decisões, encaminhamentos e desfechos, não só clínicos, mas também psíquicos e sociais(1414 Garbin CAS, Dias IA, Rovida TA, Garbin AJ. Challenges facing health professionals in the notification of violence: mandatory implementation and follow-up procedures. Ciênc Saúde Colet. 2015 Apr;20(06):1879-90. doi: 10.1590/1413-81232015206.13442014
https://doi.org/10.1590/1413-81232015206...
-1515 Avanci JQ; Pinto LW, Assis SG. Treatment for cases of violence by Brazilian emergency services focusing on family relationships and life cycles. Ciênc Saúde Colet. 2017 Apr;22(9):2825-40. doi: 10.1590/1413-81232017229.13352017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017229...
,3030 Linnarsson JR, Benzein E, Årestedt K. Nurses' views of forensic care in emergency departments and their atitudes, and involvement of family members. J Clin Nurs. 2015 Sep;24(1-2):266-74. doi: 10.1111/jocn.12638
https://doi.org/10.1111/jocn.12638...
).

Todavia, o cuidado do agressor não deve ser uma atribuição solitária. A ação multidisciplinar permite diferentes percepções conceituais dos fatos, o que admite enriquecer discussões e planejar coletivamente intervenções. A múltiplas formações em atuação conjunta colaboram para o encontro de riscos, limites, potencialidades e caminhos possíveis de se trilhar(2121 Llor-Esteban B, García-Jiménez J, Ruiz-Hernández JA, Godoy-Fernández C. Profile of partner aggressors as a function of risk of recidivism. Int J Clin Health Psychol. 2016 May;16(1):39-46. doi: 10.1016/j.ijchp.2015.05.004
https://doi.org/10.1016/j.ijchp.2015.05....

22 Schimidt B, Coelho ESB. Approach to family violence in the Family Health Strategy: review of literature. Psicol Argum. 2017 Apr;31(74):373-81. doi: 10.7213/psicol.argum.31.074.DS01
https://doi.org/10.7213/psicol.argum.31....

23 Garbin CAS, Rovida TAS, Costa AA, Garbin AJI. Recognition and reporting of violence by professionals of the Family Health strategy. Arch Health Invest. 2016 May;5(1):8-12. doi: 10.21270/archi.v5i1.1294
https://doi.org/10.21270/archi.v5i1.1294...

24 Vall B, Päivinen H, Holma J. Results of the Jyväskylä research project on couple therapy for intimate partner violence: topics and strategies in successful therapy processes. J Fam Ther. 2017 May;40(1):63-82. doi: 10.1111/1467-6427.12170
https://doi.org/10.1111/1467-6427.12170...

25 Giger JN. Transcultural nursing, assessment & intervention. 17thed. St Louis: Elsevier; 2017.

26 Russell B, Kraus S. Perceptions of partner violence: how aggressor gender, masculinity/femininity, and victim gender influence criminal justice decisions. Deviant Behav 2016 Jun;37(6):679-91. doi: 10.1080/01639625.2015.1060815
https://doi.org/10.1080/01639625.2015.10...

27 Valgardson BA, Schwartz JA. An examination of within and between family influences on the intergenerational transmission of violence and maltreatment. J Contemp Crim Justice. 2018 Nov;35(1):87-102. doi: 10.1177/1043986218810598
https://doi.org/10.1177/1043986218810598...

28 Olsson H, Kristiansen LP. Violence risk assessment in clinical practice: how forensic nurses experience violence risk assessment in daily work - a qualitative interview study. Glob J Health Sci. 2017 Aug;9(12):56-63. doi: 10.5539/gjhs.v9n12p56
https://doi.org/10.5539/gjhs.v9n12p56...

29 Olsson H, Audilv A, Strand S, Kristiansen L. Reducing or increasing violence in forensic care: a qualitative study of inpatient experiences. Arch Psychiatr Nurs. 2015 Aug;29(6):393-400. doi: 10.1016/j.apnu.2015.06.009
https://doi.org/10.1016/j.apnu.2015.06.0...
-3030 Linnarsson JR, Benzein E, Årestedt K. Nurses' views of forensic care in emergency departments and their atitudes, and involvement of family members. J Clin Nurs. 2015 Sep;24(1-2):266-74. doi: 10.1111/jocn.12638
https://doi.org/10.1111/jocn.12638...
), assim como evidenciado pelos participantes deste estudo. Ações de prevenção à violência e promoção da cultura de paz, como mediação de conflitos, práticas restaurativas e uso da comunicação não violenta também são medidas a serem realizadas pela equipe multidisciplinar de saúde. Estas ações reduzem a incidência da violência, bem como podem gerar reflexos em médio prazo sobre aspectos culturais nocivos, como o machismo(2222 Schimidt B, Coelho ESB. Approach to family violence in the Family Health Strategy: review of literature. Psicol Argum. 2017 Apr;31(74):373-81. doi: 10.7213/psicol.argum.31.074.DS01
https://doi.org/10.7213/psicol.argum.31....

23 Garbin CAS, Rovida TAS, Costa AA, Garbin AJI. Recognition and reporting of violence by professionals of the Family Health strategy. Arch Health Invest. 2016 May;5(1):8-12. doi: 10.21270/archi.v5i1.1294
https://doi.org/10.21270/archi.v5i1.1294...
-2424 Vall B, Päivinen H, Holma J. Results of the Jyväskylä research project on couple therapy for intimate partner violence: topics and strategies in successful therapy processes. J Fam Ther. 2017 May;40(1):63-82. doi: 10.1111/1467-6427.12170
https://doi.org/10.1111/1467-6427.12170...
).

Complementando o cuidado, as ações intersetoriais permitem a articulação de redes de apoio que fomentam práticas assertivas(3131 Serrano-Gallardo MP. Intersectorality, key to address Social Health Inequalities. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2019;27:e3124. doi: 10.1590/1518-8345.0000-3124
https://doi.org/10.1590/1518-8345.0000-3...
). Áreas como justiça e cidadania, educação, segurança pública, assistência social e até a cultura podem juntas somar esforços que levem a melhorias diretas ou indiretas sobre o bem-estar das pessoas, seus níveis de controle social e resolução de problemas emergentes. Práticas restaurativas através da justiça, o ensino de formas de comunicação não violenta em ambientes educacionais, ação rápida dos órgãos de segurança pública em casos de violência familiar, mediação de conflitos pela assistência social e melhoria do acesso ao lazer e cultura são alguns exemplos de ações que impactam positivamente no cuidado promotor de bem-estar e de paz(88 Ferreira MNX, Hino P, Taminato M, Fernandes H. Care of perpetrators of repeat family violence: an integrative literature review. Acta Paul Enfermagem. 2019 Feb;32(3):334-40. doi: 10.1590/1982-0194201900046
https://doi.org/10.1590/1982-01942019000...

9 Maquibar A, Hurtig AK, Cases CV, Estalella I, Goicolea I. Nursing students' discourses on gender-based violence and their training for a comprehensive healthcare response: a qualitative study. Nurse Educ Today. 2018 Feb;68:208-12. doi: 10.1016/j.nedt.2018.06.011
https://doi.org/10.1016/j.nedt.2018.06.0...

10 Backos A, Samuelson KW. Projective drawings of mothers and children exposed to intimate partner violence: a mixed methods analysis. Art Therapy. 2017 Feb;34(2):58-7. doi:10.1080/07421656.2017.1312150
https://doi.org/10.1080/07421656.2017.13...

11 Rohrbach-Viadas C. Historic perspectives from anthropology. Reflections proposed to Transcultural Nursing. Invest Educ Enferm. 2015 Jan;33(2):365-73. doi: 0.17533/udea.iee.v33n2a20
https://doi.org/0.17533/udea.iee.v33n2a2...

12 Jiménez-Ruiz I, Almansa Martínez P. Female genital mutilation and transcultural nursing: adaptation of Rising Sun Model. Contemp Nurse. 2017 Feb;38(5):196-202. doi: 10.1080/10376178.2016.1261000
https://doi.org/10.1080/10376178.2016.12...

13 Mendes RM, Miskulin RGS. Content analysis as a methodology. Cad Pesqui. 2017 Feb;47(165):1044-66. doi: 10.1590/198053143988.
https://doi.org/10.1590/198053143988...

14 Garbin CAS, Dias IA, Rovida TA, Garbin AJ. Challenges facing health professionals in the notification of violence: mandatory implementation and follow-up procedures. Ciênc Saúde Colet. 2015 Apr;20(06):1879-90. doi: 10.1590/1413-81232015206.13442014
https://doi.org/10.1590/1413-81232015206...

15 Avanci JQ; Pinto LW, Assis SG. Treatment for cases of violence by Brazilian emergency services focusing on family relationships and life cycles. Ciênc Saúde Colet. 2017 Apr;22(9):2825-40. doi: 10.1590/1413-81232017229.13352017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017229...

16 Fowler DR, Cantos AL. Miller SA. Exposure to violence, typology and recidivism in a probation sample of domestic violence perpetrators. Child Abuse Negl. 2016 Jan;59:66-77. doi: 0.1016/j.chiabu.2016.07.007
https://doi.org/0.1016/j.chiabu.2016.07....

17 Kelly L, Westmorland N. Naming and defining domestic violence: lessons from research with violent men. Fem Rev. 2016 Feb;112(1):113-27. doi: 10.1057/fr.2015.52
https://doi.org/10.1057/fr.2015.52...
-1818 Cantos AL, Kosson DS, Goldstein DA, O'Leary KD. Treatment impact on recidivism of family only vs. generally violent partner violence perpetrators. Int J Clin Health Psychol. 2019 May;19(3):171-80. doi: 10.1016/j.ijchp.2019.05.002
https://doi.org/10.1016/j.ijchp.2019.05....
).

Portanto, o cuidado do ofensor familiar deve levar em consideração que não são somente os condicionantes sociais e determinantes de saúde que devem ser melhorados, como acesso aos serviços e tratamentos, mas múltiplos fatores que influenciam a satisfação e a qualidade de vida. Além das medidas preventivas adotadas por esses setores, a atuação colaborativa permite maior agilidade em resoluções de problemas, como em casos nos quais há a necessidade de segregação do agressor em relação às vítimas.

Este estudo possui como limitações a complexidade do tema e o fato da coleta de dados ter sido realizada apenas com estudantes de enfermagem de uma escola pública. Estudos voltados ao cuidado do perpetrador de violência ainda são raros, levando à dificuldade na discussão dos achados. Já a coleta em outros cenários poderia ampliar os achados ou permitir comparações, de acordo com a regionalidade dos estudantes e perfis socioepidemiológicos. Todavia, as limitações não invalidam as informações encontradas, pois emergiram aspectos notórios em relação ao que se espera sobre o cuidado do agressor familiar persistente.

A pesquisa traz como contribuição a possibilidade de reflexões sobre a emergência da temática na perspectiva de reconhecer as dificuldades em relação ao assunto e despertar o interesse no aprimoramento de cuidados e em pesquisas e políticas de saúde que atendam às demandas do ofensor, de modo que o ciclo de violência familiar possa ser interrompido; também contribui ao mostrar que o uso da técnica do desenho projetivo pode despertar compreensões sobre temas de grande complexidade, sem precisar expor os pesquisados diretamente a eles. Além disso, mostra que a adoção da TDUC amplia a capacidade de compreensão da realidade e da dinâmica das interações de um grupo e sua cultura.

Conclusão

O estudo revelou que o cuidado dispensado ao agressor familiar não parece ser simples. Exige daquele que cuida o reconhecimento do contexto e dos valores da família, de forma a ressignificar aspectos culturais que permeiam as relações e que podem responder às indagações sobre os mecanismos de violência. Ainda, esta pesquisa mostrou que o cuidado deve ser dispensado ao perpetrador, mas em consonância com a família. Ou seja, para que as práticas sejam culturalmente significativas, ofensor, vítima e testemunha devem ser cuidados como uma unidade, evitando julgamentos prévios e práticas unilaterais.

Os estudantes afirmaram seu despreparo técnico e formativo para o exercício do cuidado com segurança, porém, reconheceram a necessidade de busca de conhecimento que ora não tenha sido ofertado na graduação. Além disso, infere-se que o tema requer abordagem multidisciplinar e intersetorial, tendo em vista as limitações da enfermagem e de outras profissões em responderem sozinhas às situações complexas como o cuidado ao agressor e sua família. Esse cuidado articulado em rede permite que se interrompam ciclos de violência e se possa alcançar resultados benéficos ao agressor, buscando assim atendimento às premissas da cultura de paz.

Por fim, os autores pontuam que talvez a oferta de atividades educacionais sobre o tema na modalidade de extensão universitária possa contribuir para a formação profissional continuada.

References

  • 1
    Aakvaag HF, Thoresen S, Wentzel-Larsen T, Dyb G. Adult victimization in female survivors of childhood violence and abuse: the contribution of multiple types of violence. Violence Against Women. 2017 Jan;23(13):1601-19. doi: 10.1177/1077801216664427
    » https://doi.org/10.1177/1077801216664427
  • 2
    Schek G, Silva MRS, Lacharité C, Bueno MEM. Organization of professional practices against intrafamily violence against children and adolescents in the institutional context. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2017;25:e2889. doi: 10.1590/1518-8345.1640.2889
    » https://doi.org/10.1590/1518-8345.1640.2889
  • 3
    Griffith R. Domestic violence protection measures. Br J Nurs. 2017 Jul;26(13):768-9. doi: 10.12968/bjon.2017.26.13.768
    » https://doi.org/10.12968/bjon.2017.26.13.768
  • 4
    Shoqirat N, Almajali A, Alsaraireh A. From a family home to hell: experiences and consequences of intimate partner violence among married Jordanian women. Issues Mental Health Nurs. 2019 Nov;40(1):33-40. doi: 10.1080/01612840.2018.1485794
    » https://doi.org/10.1080/01612840.2018.1485794
  • 5
    Clements CM, Bennett VE, Hungerford A, Clauss K, Wait SK. Psychopatology and coping in survivors of intimate partner violence: associations with race and abuse severity. J Aggress Maltreat Trauma. 2018 Sep;28(2):205-21. doi: 10.1080/10926771.2018.1470588
    » https://doi.org/10.1080/10926771.2018.1470588
  • 6
    Rigol-Cuadra A, Galbany-Estragué P, Fuentes-Pumarola C, Burjales-Martí MD, Rodríguez-Martín D, Ballester-Ferrando D. Perception of nursing students about couples' violence: knowledge, beliefs and professional role. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2015 May;23(3):527-34. doi: 10.1590/0104-1169.0357.2584
    » https://doi.org/10.1590/0104-1169.0357.2584
  • 7
    Verdolini N, Murru A, Attademo L, Garinella R, Pacchiarotti I, Bonnin CM, et al. The aggressor at the mirror: psychiatric correlates of deliberate self-harm im male prision inmates. Eur Psychiatry. 2017 Jul;44:153-60. doi: 10.1016/j.eurpsy.2017.04.002
    » https://doi.org/10.1016/j.eurpsy.2017.04.002
  • 8
    Ferreira MNX, Hino P, Taminato M, Fernandes H. Care of perpetrators of repeat family violence: an integrative literature review. Acta Paul Enfermagem. 2019 Feb;32(3):334-40. doi: 10.1590/1982-0194201900046
    » https://doi.org/10.1590/1982-0194201900046
  • 9
    Maquibar A, Hurtig AK, Cases CV, Estalella I, Goicolea I. Nursing students' discourses on gender-based violence and their training for a comprehensive healthcare response: a qualitative study. Nurse Educ Today. 2018 Feb;68:208-12. doi: 10.1016/j.nedt.2018.06.011
    » https://doi.org/10.1016/j.nedt.2018.06.011
  • 10
    Backos A, Samuelson KW. Projective drawings of mothers and children exposed to intimate partner violence: a mixed methods analysis. Art Therapy. 2017 Feb;34(2):58-7. doi:10.1080/07421656.2017.1312150
    » https://doi.org/10.1080/07421656.2017.1312150
  • 11
    Rohrbach-Viadas C. Historic perspectives from anthropology. Reflections proposed to Transcultural Nursing. Invest Educ Enferm. 2015 Jan;33(2):365-73. doi: 0.17533/udea.iee.v33n2a20
    » https://doi.org/0.17533/udea.iee.v33n2a20
  • 12
    Jiménez-Ruiz I, Almansa Martínez P. Female genital mutilation and transcultural nursing: adaptation of Rising Sun Model. Contemp Nurse. 2017 Feb;38(5):196-202. doi: 10.1080/10376178.2016.1261000
    » https://doi.org/10.1080/10376178.2016.1261000
  • 13
    Mendes RM, Miskulin RGS. Content analysis as a methodology. Cad Pesqui. 2017 Feb;47(165):1044-66. doi: 10.1590/198053143988.
    » https://doi.org/10.1590/198053143988
  • 14
    Garbin CAS, Dias IA, Rovida TA, Garbin AJ. Challenges facing health professionals in the notification of violence: mandatory implementation and follow-up procedures. Ciênc Saúde Colet. 2015 Apr;20(06):1879-90. doi: 10.1590/1413-81232015206.13442014
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232015206.13442014
  • 15
    Avanci JQ; Pinto LW, Assis SG. Treatment for cases of violence by Brazilian emergency services focusing on family relationships and life cycles. Ciênc Saúde Colet. 2017 Apr;22(9):2825-40. doi: 10.1590/1413-81232017229.13352017
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.13352017
  • 16
    Fowler DR, Cantos AL. Miller SA. Exposure to violence, typology and recidivism in a probation sample of domestic violence perpetrators. Child Abuse Negl. 2016 Jan;59:66-77. doi: 0.1016/j.chiabu.2016.07.007
    » https://doi.org/0.1016/j.chiabu.2016.07.007
  • 17
    Kelly L, Westmorland N. Naming and defining domestic violence: lessons from research with violent men. Fem Rev. 2016 Feb;112(1):113-27. doi: 10.1057/fr.2015.52
    » https://doi.org/10.1057/fr.2015.52
  • 18
    Cantos AL, Kosson DS, Goldstein DA, O'Leary KD. Treatment impact on recidivism of family only vs. generally violent partner violence perpetrators. Int J Clin Health Psychol. 2019 May;19(3):171-80. doi: 10.1016/j.ijchp.2019.05.002
    » https://doi.org/10.1016/j.ijchp.2019.05.002
  • 19
    Razera J, Gaspodini IB, Oliveira EL, Neis LF, Falcke D. Couple therapy in contexts of intimate partner violence: integrative literature review. Contextos Clínic. 2018 Apr;11(2):197-205. doi: 10.4013/ctc.2018.112.05
    » https://doi.org/10.4013/ctc.2018.112.05
  • 20
    Madalena M, Carvalho LF, Falcke D. Intimate partner violence: the predictive power of experiences in the family of origin and of personality disorder traits. Trends Psychol. 2018 May;26(1):93-109. doi: 10.9788/TP2018.1-04En
    » https://doi.org/10.9788/TP2018.1-04En
  • 21
    Llor-Esteban B, García-Jiménez J, Ruiz-Hernández JA, Godoy-Fernández C. Profile of partner aggressors as a function of risk of recidivism. Int J Clin Health Psychol. 2016 May;16(1):39-46. doi: 10.1016/j.ijchp.2015.05.004
    » https://doi.org/10.1016/j.ijchp.2015.05.004
  • 22
    Schimidt B, Coelho ESB. Approach to family violence in the Family Health Strategy: review of literature. Psicol Argum. 2017 Apr;31(74):373-81. doi: 10.7213/psicol.argum.31.074.DS01
    » https://doi.org/10.7213/psicol.argum.31.074.DS01
  • 23
    Garbin CAS, Rovida TAS, Costa AA, Garbin AJI. Recognition and reporting of violence by professionals of the Family Health strategy. Arch Health Invest. 2016 May;5(1):8-12. doi: 10.21270/archi.v5i1.1294
    » https://doi.org/10.21270/archi.v5i1.1294
  • 24
    Vall B, Päivinen H, Holma J. Results of the Jyväskylä research project on couple therapy for intimate partner violence: topics and strategies in successful therapy processes. J Fam Ther. 2017 May;40(1):63-82. doi: 10.1111/1467-6427.12170
    » https://doi.org/10.1111/1467-6427.12170
  • 25
    Giger JN. Transcultural nursing, assessment & intervention. 17thed. St Louis: Elsevier; 2017.
  • 26
    Russell B, Kraus S. Perceptions of partner violence: how aggressor gender, masculinity/femininity, and victim gender influence criminal justice decisions. Deviant Behav 2016 Jun;37(6):679-91. doi: 10.1080/01639625.2015.1060815
    » https://doi.org/10.1080/01639625.2015.1060815
  • 27
    Valgardson BA, Schwartz JA. An examination of within and between family influences on the intergenerational transmission of violence and maltreatment. J Contemp Crim Justice. 2018 Nov;35(1):87-102. doi: 10.1177/1043986218810598
    » https://doi.org/10.1177/1043986218810598
  • 28
    Olsson H, Kristiansen LP. Violence risk assessment in clinical practice: how forensic nurses experience violence risk assessment in daily work - a qualitative interview study. Glob J Health Sci. 2017 Aug;9(12):56-63. doi: 10.5539/gjhs.v9n12p56
    » https://doi.org/10.5539/gjhs.v9n12p56
  • 29
    Olsson H, Audilv A, Strand S, Kristiansen L. Reducing or increasing violence in forensic care: a qualitative study of inpatient experiences. Arch Psychiatr Nurs. 2015 Aug;29(6):393-400. doi: 10.1016/j.apnu.2015.06.009
    » https://doi.org/10.1016/j.apnu.2015.06.009
  • 30
    Linnarsson JR, Benzein E, Årestedt K. Nurses' views of forensic care in emergency departments and their atitudes, and involvement of family members. J Clin Nurs. 2015 Sep;24(1-2):266-74. doi: 10.1111/jocn.12638
    » https://doi.org/10.1111/jocn.12638
  • 31
    Serrano-Gallardo MP. Intersectorality, key to address Social Health Inequalities. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2019;27:e3124. doi: 10.1590/1518-8345.0000-3124
    » https://doi.org/10.1590/1518-8345.0000-3124

Editado por

Editora Associada: Sueli Aparecida Frari Galera

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Set 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    24 Out 2019
  • Aceito
    08 Mar 2020
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
E-mail: rlae@eerp.usp.br