Burnout entre enfermeiros: um estudo multicêntrico comparativo

Resumos

Objetivo:

identificar e comparar os níveis de burnout entre enfermeiros portugueses, espanhóis e brasileiros.

Método:

estudo quantitativo, descritivo, correlacional, comparativo e transversal, realizado com 1.052 enfermeiros em hospitais e unidades básicas de saúde. Um questionário sociodemográfico e o Maslach Burnout Inventory foram aplicados com enfermeiros de Porto-Portugal (n=306), Oviedo-Espanha (n=269) e São Paulo-Brasil (n=477). Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva, inferencial e multivariada.

Resultados:

aproximadamente 42% dos enfermeiros apresentaram níveis moderados/altos de burnout, não sendo encontradas diferenças entre os países (Portugal e Brasil com 42%, Espanha com 43%). Apenas a dimensão despersonalização apresentou diferenças entre os países, com um nível mais elevado na Espanha e mais baixo em Portugal. A análise comparativa mostrou níveis mais elevados de burnout em enfermeiros jovens e naqueles que trabalhavam em turnos. Em relação às escalas de trabalho, burnout foi associada ao trabalho por turnos em Portugal e aos horários fixos na Espanha e no Brasil.

Conclusão:

esses resultados sugerem que essa síndrome em enfermeiros é um fenômeno global. Estressores diários e maiores demandas da profissão de enfermagem são elementos cruciais para preparar os enfermeiros para lidar com situações complexas, evitar burnout e reduzir o impacto negativo na sua saúde e na qualidade dos cuidados que prestam.

Descritores:
Brasil; Esgotamento Profissional; Estudo Multicêntrico; Enfermagem; Portugal; Espanha

Objetivo:

to identify and compare burnout levels between Portuguese, Spanish and Brazilian nurses.

Method:

quantitative, descriptive, correlational, comparative and cross-sectional study conducted using a sample of 1,052 nurses working in hospitals and primary care centers. A sociodemographic questionnaire and the Maslach Burnout Inventory were applied to nurses in Porto, Portugal (n=306), Oviedo, Spain (n=269) and S. Paulo, Brazil (n=477). Data analysis was performed using descriptive, inferential and multivariate analysis.

Results:

approximately 42% of the nurses showed moderate/high levels of burnout, with no differences found between countries (Portugal and Brazil 42%, Spain 43%). Only depersonalization showed differences between countries, presenting Spain the highest level and Portugal the lowest one. Comparative analysis showed higher burnout levels in young nurses and those working by shifts. Considering job schedules, burnout was associated to shift work in Portugal, while in Spain and Brazil it was associated with fixed schedules.

Conclusion:

these results suggest that this syndrome among nurses is a global phenomenon. The daily stressors and higher demands of the nursing profession are crucial in the preparation of nurses to deal with complex situations, to avoid burnout, and to reduce the negative impact on nurses’ health and on the quality of care they provide.

Descriptors:
Brazil; Professional Burnout; Multicenter Study; Nursing; Portugal; Spain

Objetivo:

identificar y comparar los niveles de burnout entre enfermeros portugueses, españoles y brasileños.

Método:

estudio cuantitativo, descriptivo, correlacional, comparativo y transversal, realizado con 1.052 enfermeros de hospitales y unidades básicas de salud. Se aplicó un cuestionario sociodemográfico y el Maslach Burnout Inventory a enfermeras de Porto, Portugal (n=306), Oviedo, España (n=269) y São Paulo, Brasil (n=477). Los datos se analizaron mediante estadística descriptiva, inferencial y multivariada.

Resultados:

aproximadamente el 42% de los enfermeros presentaban niveles moderados/altos de burnout y no se encontraron diferencias entre países (Portugal y Brasil 42%, España 43%). Solo la dimensión de despersonalización mostró diferencias entre países, con un nivel mayor en España y menor en Portugal. El análisis comparativo mostró mayores niveles de burnout en enfermeros jóvenes y en los que trabajaban por turnos. En cuanto a los horarios de trabajo, el burnout se asoció con el trabajo por turnos en Portugal y con horario fijo en España y Brasil.

Conclusión:

estos resultados sugieren que el síndrome de burnout en enfermeros es un fenómeno global. Los estresores cotidianos y las mayores exigencias de la profesión de Enfermería son elementos cruciales para preparar a los enfermeros para enfrentar situaciones complejas, evitar el burnout y reducir el impacto negativo en la salud de los enfermeros y la calidad de la atención que brindan.

Descriptores:
Brasil; Agotamiento Profesional; Estudio Multicéntrico; Enfermería; Portugal; España

Introdução

Desde a década de 1970, principalmente a partir dos estudos desenvolvidos em 1974 e 1976^(1-2), a síndrome de burnout é reconhecida como um sério risco profissional. Na última década, essa síndrome tornou-se mais prevalente^(3-5) e, a partir de maio de 2019, passou a ser considerada um fenômeno ocupacional⁽⁶⁾. Assim, devido às suas consequências, a síndrome de burnout é um problema de saúde pública que tem despertado considerável interesse e preocupação na comunidade científica e nas organizações^(3,7-10). Entre enfermeiros, pode afetar negativamente a qualidade do atendimento prestado ao paciente^(11-12). Em consonância com as recomendações de 2018⁽¹³⁾, um estudo destacou que a saúde mental no local de trabalho e um ambiente de trabalho saudável são preocupações crescentes, sendo que a síndrome de burnout, em particular, parece ganhar proporções epidêmicas⁽¹⁴⁾.

Esta síndrome é um distúrbio psicológico desencadeado pela exposição crônica ao estresse no trabalho. Em 1981⁽¹⁵⁾, uma definição consensual dessa condição foi apresentada, identificando-a como uma síndrome tridimensional em que o trabalhador apresenta sinais de exaustão emocional (sente-se impotente para continuar a ajudar os outros), despersonalização (atitude cínica e antipática para com pacientes) e baixa realização pessoal (sentimento de inadequação pessoal e profissional). Autores^(16-17) demonstraram que ela ocorre entre os profissionais que trabalham com outras pessoas, principalmente os prestadores de cuidados, sendo que, com o passar dos anos, esses profissionais têm maior probabilidade de serem afetados pelas demandas das pessoas.

De acordo com a literatura, os profissionais de saúde são os mais afetados pela síndrome de burnout, com a maior prevalência entre enfermeiros^(3,8,10,18). Vários fatores contribuem para esse fenômeno, independentemente do ambiente de trabalho, os quais podem incluir características sociodemográficas, ocupacionais e pessoais, assim como as inter-relações estabelecidas. Inúmeros estudos acerca da síndrome de burnout em enfermeiros foram desenvolvidos, especialmente nos últimos anos. Meta-análises e revisões sistemáticas^(19-20) destacaram a influência das atividades de trabalho e de características como idade, sexo, estado civil, traços de personalidade, entre outras. Além disso, identificaram fatores de risco mais elevados para profissionais que trabalham em serviços de emergência ou pediátricos^(21-23) e em atenção primária⁽²⁴⁾, associando a presença da síndrome com as características relacionadas à empatia dos enfermeiros⁽²⁵⁾. Além disso, alguns estudos associam burnout com rotatividade, envelhecimento dos enfermeiros, enfermagem como uma ocupação estressante^(26-30) e, até mesmo, com o risco de suicídio entre enfermeiros⁽³¹⁾.

Pesquisas sobre burnout foram realizadas em diversos países. Em Portugal, foram identificados seus preditores em enfermeiros que trabalhavam em hospitais⁽¹⁰⁾. Outros autores⁽³²⁾ analisaram burnout em profissionais de saúde ao nível nacional e avaliaram a sua prevalência em diferentes grupos profissionais em ambientes hospitalares, bem como a relação entre categoria profissional e os níveis de burnout⁽⁸⁾. Um estudo conduzido em um hospital na Espanha analisou a prevalência e a tipologia da síndrome de burnout entre profissionais de enfermagem⁽³³⁾. Outro estudo⁽³⁾ realizou uma revisão sistemática para identificar a prevalência de Exaustão Emocional, Despersonalização e Baixa Realização Pessoal entre enfermeiros da atenção primária. Outros autores⁽³⁴⁾ investigaram as causas de burnout e estresse entre profissionais que atuam em unidades de terapia intensiva (médicos, enfermeiros e auxiliares, apresentando, respectivamente, 28%, 49% e 22%). No Brasil, diversos estudos têm sido desenvolvidos para avaliar o desempenho profissional e os fatores associados ao burnout em profissionais de saúde⁽⁵⁾, a prevalência de preditores de burnout em enfermeiros de unidade de terapia intensiva⁽³⁵⁾, a relação entre burnout e sintomas depressivos em enfermeiros de unidade de terapia intensiva⁽³⁶⁾, a associação entre burnout e turnos de trabalho da equipe de enfermagem de um hospital⁽³⁷⁾ e burnout e os ambientes de trabalho entre enfermeiros que atuam em instituições públicas de saúde⁽³⁸⁾.

Nas últimas décadas, tem havido um aumento dos métodos transculturais em pesquisas sobre locais de trabalho e organizações, uma vez que esses métodos permitem compreender e lidar com diferenças e padrões comuns em diferentes contextos culturais^(7,39-40). Pelo contexto histórico, proximidade geográfica, cultural ou linguística, Portugal, Brasil e Espanha partilham muitas características que facilitam a circulação regular de profissionais entre esses países sendo, portanto, importante desenvolver estudos comparativos. Um relatório europeu publicado pela Agência para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho⁽⁴¹⁾ enfatizou que, apesar de “burnout ter sido objeto de pesquisas e respostas políticas em toda a Europa”, é importante obter “uma perspectiva de toda a UE (União Europeia) sobre o assunto”.

Este estudo tem como objetivo identificar e comparar os níveis de burnout em enfermeiros portugueses, espanhóis e brasileiros.

Método

Trata-se de um estudo quantitativo, descritivo, correlacional, comparativo e transversal, conduzido com 1.052 enfermeiros, sendo 306 de Porto-Portugal, 269 de Oviedo-Espanha e 477 de São Paulo-Brasil. A amostra foi obtida por conveniência, usando a técnica de bola de neve. Todos os participantes trabalhavam em hospitais públicos e centros de saúde públicos, estabelecendo-se os seguintes critérios de inclusão: ter um vínculo empregatício e ter experiência profissional de mais de 6 meses. A coleta de dados foi realizada entre 2016 e 2017. Considerando toda a amostra, 83% eram do sexo feminino, com média de idade de 37 anos, 58% possuíam um cônjuge, 60% trabalhavam em ambiente hospitalar, 56% trabalhavam em turnos fixos e 58% tinham menos de 13 anos de experiência profissional (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas dos enfermeiros (1.052). Portugal, Espanha e Brasil, 2016-2017

	Total	Total		Portugal		Espanha		Brasil		P*
		N	%	n	%	n	%	n	%
		1052	100	306	29,1	269	25,6	477	45,3
Sexo	Masculino	177	16,8	92	30,1	41	15,2	44	9,2	<0,001
	Feminino	875	83,2	214	69,9	228	84,8	433	90,8
Idade média (DP)†		37.4 (9.1)		34,6 (8,6)		40,8 (9,2)		37,4 (8,7)		<0,001
Estado civil	Sem cônjuge	443	42,1	159	52,0	106	39,4	178	37,3
	Com cônjuge	609	57,9	147	48,0	163	60,6	299	62,7
Local de trabalho	Hospital	634	60,3	196	64,1	190	70,6	248	52,0
	Centro de Saúde	291	27,7	77	25,2	0	0,0	214	44,9
	Outro	127	12,1	33	10,8	79	29,4	15	3,1
Categoria profissional	Enfermeiro	706	67,1	306	100,0	269	100,0	131	27,5
	Auxiliar de enfermagem	346	32,9	0	0,0	0	0,0	346	72,5
Turno	Fixo	585	55,6	108	35,3	13	4,8	464	97,3	<0,001
	Rotativo	467	44,4	198	64,7	256	95,2	13	2,7
Experiência Profissional	<13 anos	614	58,4	196	64,1	101	37,5	317	66,5	<0,001
	≥13 anos	438	41,6	110	35,9	168	62,5	160	33,5

• ^*
  valor obtido pelo teste Qui-quadrado e ANOVA;
• ^†
  DP = Desvio padrão

Um questionário sociodemográfico e profissional (sexo, idade, estado civil, país, local de trabalho, categoria profissional, turno de trabalho e experiência profissional) foi utilizado para a coleta de dados. Para avaliar burnout, foi utilizado o Maslach Burnout Inventory-Human Services Survey (MBI-HSS), traduzido e adaptado para as populações portuguesa, espanhola e brasileira^(15,42-45). Esse instrumento contém 22 itens, avaliados em escala Likert de 0 (nunca) a 6 (todos os dias) e organizados em três dimensões: Exaustão Emocional (9 itens), Despersonalização (5 itens) e Realização Pessoal (8 itens). O escore total do instrumento foi utilizado para calcular os níveis de burnout, considerando os itens invertidos da dimensão Realização Pessoal. Todos os escores foram calculados considerando a média de todos os itens relacionados. Também foi possível classificar os indivíduos de acordo com o nível de burnout, com base nos seguintes pontos de corte⁽³²⁾: <2, nenhum burnout; [2,3[, burnout moderado; ≥3, burnout alto.

Não foi estabelecido contato direto entre pesquisadores e participantes, sendo que os questionários foram lacrados e entregues por um dos pesquisadores nos locais e datas previamente definidos. Após serem preenchidos anonimamente pelos participantes (sempre que possível, os questionários foram preenchidos no momento da entrega no local de trabalho, considerando a disponibilidade do participante e foi estabelecido o prazo de um mês, prorrogado por igual período, para preenchimento dos questionários), os questionários foram coletados para análise. Para permitir estudos comparativos, foram adotados os mesmos procedimentos em todos os países envolvidos neste estudo e em estudos padrão, especificamente, com a não-divulgação dos resultados individuais às instituições.

O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética da Escola de Enfermagem do Porto (8/2016) e do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, Brasil e pelo Comitê Regional de Ética em Pesquisa Clínica do Principado das Astúrias, de Oviedo-Espanha. Os consentimentos formais foram concedidos pelas instituições com a participação dos enfermeiros, sendo todos os participantes convidados a assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido.

A análise dos dados foi realizada no software SPSS 24, com nível de significância de 0,05 em todas as análises. Foi realizada a análise descritiva dos dados, considerando frequências absolutas e relativas, mediana e desvio padrão ou mediana e intervalo interquartil.

A normalidade foi testada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. O teste Qui-quadrado de Pearson e a Análise de variância ANOVA foram aplicados para comparar as características dos participantes de acordo com o país. O teste de Kruskall-Wallis foi utilizado quando a normalidade não foi verificada. O teste de Scheffe ou o teste de Dunn foram usados para comparações múltiplas dos testes ANOVA ou Kruskall-Wallis, respectivamente.

Para identificar os fatores preditores das variáveis dependentes quantitativas com distribuição normal, foram utilizados modelos lineares mistos, considerando o país como um efeito aleatório (com base na análise multinível do estudo). Em uma primeira etapa, foram utilizados modelos univariados (considerando um fator por vez), a fim de identificar possíveis fatores preditores de cada variável dependente. Com base nesses resultados, foi desenvolvido um modelo multivariado para cada variável dependente, com todas as variáveis independentes associadas, obtidas por meio dos modelos univariados (exceto para “local de trabalho” e “categoria profissional”, já que tais dados não estavam disponíveis para os três países). Por fim, foram testadas as interações do país com as variáveis independentes. Apenas os resultados significativos foram apresentados.

Resultados

Para realizar análises comparativas dos resultados de burnout por meio de modelos ajustados, foram identificadas as variáveis sociodemográficas e profissionais totais e de cada país. Foram identificadas diferenças estatisticamente significativas entre os países para todas as variáveis estudadas (Tabela 1). Portugal apresentou a maior porcentagem de participantes do sexo masculino e sem cônjuge. A idade média dos participantes era mais baixa em Portugal e mais alta na Espanha. Nenhum enfermeiro trabalhava em centros de saúde na Espanha. No Brasil, os auxiliares de enfermagem foram incluídos na amostra, uma vez que desempenham funções semelhantes aos enfermeiros de Portugal e da Espanha. Quase todos os participantes trabalhavam em turnos rotativos na Espanha, sendo que, no Brasil, o mais comum é o turno fixo. Os participantes espanhóis tinham mais experiência profissional. O teste de Scheffe revelou diferenças significativas entre todos os países em relação à idade média.

Em relação ao burnout, a Tabela 2 apresenta o escore mediano e o desvio padrão da escala de burnout total e suas dimensões, para a amostra total e por país, bem como a distribuição dos participantes segundo as categorias do nível de burnout, para a amostra total e por país. Uma grande porcentagem de enfermeiros apresentou níveis moderados/elevados de burnout (42%, 43% e 42%, respectivamente, em Portugal, Espanha e Brasil) e valores mais elevados de Exaustão Emocional e Realização Pessoal do que de Despersonalização. Apenas a dimensão Despersonalização apresentou diferenças entre os países (p<0,001). Não foram encontradas diferenças estatísticas entre os países nas demais dimensões e na pontuação total (p>0,05). A Espanha obteve a pontuação mais elevada na dimensão Despersonalização [mediana=1,60 (IQI-Intervalo interquartil=1,80)] e Portugal obteve a pontuação mais baixa [mediana=0,60 (IQI=1,20)]. O teste de comparações múltiplas revelou que todos os países eram distintos entre si (p<0,05 ao comparar todos os pares).

Tabela 2
Análise comparativa do burnout e dimensões em enfermeiros (1.052). Portugal, Espanha e Brasil, 2016-2017

Dimensões	Toda a amostra		Portugal		Espanha		Brasil		P	p§	p||	p¶
	Média (DP)†		Média (DP)†		Média (DP)†		Média (DP)†
Exaustão emocional	2,54 (1,35)		2,68 (1,30)		2,46 (1,22)		2,50 (1,44)		0,093	-	-	-
Despersonalização*	1,00 (1,80)		0,60 (1,20)		1,60 (1,80)		1,00 (1,80)		<0,001‡	0,033	<0,001	<0,001
Realização pessoal	4,52 (1,01)		4,53 (0,86)		4,54 (0,98)		4,50 (1,12)		0,851	-	-	-
Burnout	1,87 (0,89)		1,86 (0,83)		1,90 (0,87)		1,85 (0,93)		0,759	-	-	-
	n	%	n	%	n	%	N	%
Níveis de burnout
Ausente	608	57,8	177	57,8	153	56,9	278	58,3	0,784
Moderado	326	31,0	100	32,7	84	31,2	142	29,8
Alto	118	11,2	29	9,5	32	11,9	57	11,9

• ^*
  Mediana (IQI=Intervalo Interquartil);
• ^†
  DP = Desvio padrão;
• ^‡
  Valor obtido pelo teste de Kruskal-Wallis
• ^§
  Comparações em pares entre Portugal e Brasil;
• ^||
  Comparações em pares entre Portugal e Espanha;
• ^¶
  Comparações em pares entre Espanha e Brasil

A Tabela 3 mostra o coeficiente e erro padrão estimado para as variáveis independentes em análise, considerando os modelos univariados e o modelo multivariado (modelo ajustado). A partir da análise dos dados, é possível verificar que as variáveis idade e turno são preditores significativos de burnout, permanecendo significantes no modelo ajustado. Participantes mais velhos com turno fixo relataram níveis mais baixos de burnout em comparação com participantes mais jovens com turno rotativo, controlando para as demais variáveis.

Tabela 3
Modelos univariados e modelo ajustado do burnout dos enfermeiros (1.052). Portugal, Espanha e Brasil, 2016-2017

Variável	Categorias	Não ajustadas		Ajustadas
		Coeficiente (ep)	p	Coeficiente (ep)	p
País	Portugal	0,012 (0,89)	0,990	-0,153 (0,891)	0,864
	Espanha	0,050 (0,89)	0,955	-0,115 (0,893)	0,897
	Brasil	0	-	0	-
Sexo	Masculino	0,073 (0,07)	0,320	0,078 (0,075)	0,304
	Feminino	0	-	0	-
Idade		-0,008 (0,003)	0,011	-0,010 (0,004)	0,024
Estado civil	Sem cônjuge	0,062 (0,055)	0,264	0,026 (0,057)	0,650
	Com cônjuge	0	-	0	-
	Hospital	0,170 (0,086)	0,049
Local	Centro de Saúde	0,009 (0,094)	0,923
	Outro	0	-
Categoria profissional	Enfermeiro	0,051 (0,058)	0,386
	Auxiliar de enfermagem	0	-
Turno	Fixo	-0,122 (0,057)	0,033	-0,189 (0,093)	0,043
	Rotativo	0	-	0	-
Experiência profissional	<13 anos	0,058 (0,056)	0,296	-0,064 (0,076)	0,401
	≥13 anos	0	-	0	-
	Fixo Portugal			-0,536 (0,27)	0,048
	Fixo Espanha			-0,046 (0,35)	0,897
	Efeito aleatório	0,790 (0,034)	<0,001	0,784 (0,034)	<0,001

Considerando o modelo multivariado, apresentado na Tabela 3 e incluindo uma covariável composta pela interação entre país e a variável turno, foi encontrada uma interação estatisticamente significativa entre essas variáveis (Figura 1), mostrando que o efeito da variável turno sobre o burnout é diferente, a depender do país. Em Portugal, o turno rotativo está associado a um maior nível de burnout. Por outro lado, no Brasil e na Espanha, o turno fixo está associado a um maior nível de burnout. Os resultados dos outros efeitos principais permanecem semelhantes.

Figura 1
Efeito da interação do trabalho por turnos em cada país no burnout dos enfermeiros (1.052). Portugal, Espanha e Brasil, 2016-2017 (com base no modelo multivariado)

Em relação à Exaustão Emocional (Tabela 4), foram calculados os coeficientes e erros-padrão estimados para as variáveis independentes em análise, considerando os modelos univariados. A análise mostrou que nenhuma variável testada foi um fator preditivo de exaustão emocional. Diante desse resultado, optou-se por não desenvolver o modelo ajustado.

Tabela 4
Exaustão emocional, despersonalização e realização pessoal: modelos univariados e modelo ajustado entre enfermeiros (1.052). Portugal, Espanha e Brasil, 2016-2017

Variável	Categoria	Exaustão emocional		Despersonalização				Realização pessoal
		Não ajustada		Não ajustada		Ajustada		Não ajustada			Ajustada
		Coeficiente (ep)*	p	Coeficiente (ep)*	P	Coeficiente (ep)*	p	Coeficiente (ep)*	p	Coeficiente (ep)*		p
País	Portugal	0,180 (1,348)	0,894	-0,225 (1,14)	0,844	-0,503 (1,14)	0,658	0,028 (1,017)	0,978	0,083 (1,017)		0,935
	Espanha	-0,042 (1,348)	0,975	0,368 (1,14)	0,747	0,061 (1,14)	0,957	0,042 (1,018)	0,967	-0,007 (1,020)		0,995
	Brasil	0	-	0	-	0	-	0	-	0		-
Sexo	Masculino	0,005 (0,113)	0,068	0,201 (0,10)	0,037	0,202 (0,096)	0,036	-0,087 (0,084)	0,298	-0,115 (0,086)		0,180
	Feminino	0	-	0	-	0	-	0	-	0		-
Idade		-0,007 (0,005)	0,148	-0,008 (0,004)	0,035	-0,008 (0,005)	0,129	0,011 (0,003)	0,001	0,011 (0,005)		0,023
Estado civil	Solteiro	0,017 (0,084)	0,839	0,089 (0,072)	0,212	0,050 (0,073)	0,496	-0,107 (0,063)	0,090	-0,075 (0,065)		0,249
	Com cônjuge	0	-	0	-	0	-	0	-	0		-
	Hospital	0,161 (0,133)	0,227	0,319 (0,11)	0,005			-0,153 (0,098)	0,120
Local	Centro de Saúde	0,092 (0,152)	0,548	0,137 (0,13)	0,309			0,040 (0,108)	0,714
	Outro	0	-	0	-			0	-
Categoria profissional	Enfermeiro	0,102 (0,112)	0,361	0,268 (0,11)	0,019			0,070 (0,067)	0,291
	Auxiliar de enfermagem	0	-	0	-			0	-
Turno	Fixo	-0,229 (0,120)	0,057	-0,380 (0,11)	0,001	-0,332 (0,119)	0,005	-0,001 (0,063)	0,992	-0,015 (0,107)		0,889
	Rotativo	0	-	0	-	0	-	0	-	0		-
Experiência profissional	<13 anos	0,009 (0,086)	0,918	0,077 (0,073)	0,296	-0,054 (0,097)	0,577	-0,154 (0,063)	0,015	-0,017 (0,087)		0,846
	≥13 anos	0	-	0	-	0	-	0	-	0		-
	Efeito aleatório	1,811 (0,079)	<0,001	1,296 (0,057)	<0,001	1,279 (0,056)	<0,001	1,030 (0,045)	<0,001	1,022 (0,045)		<0,001

• ^*
  (ep) = Erro-padrão

Apesar da assimetria observada na variável Despersonalização (por meio da análise do histograma por país), o índice de assimetria variou entre 0,213 e 1,533, enquanto o índice de achatamento variou entre -0,218 e 2,367. De acordo com esses índices, a variável foi considerada simétrica, sendo utilizado o modelo descrito anteriormente. Na Tabela 4, é possível observar as variáveis sexo, idade, local de trabalho, categoria profissional e turno como preditores significativos da Despersonalização, sendo que as variáveis sexo e turno permaneceram significativas no modelo ajustado. Participantes do sexo masculino apresentam maiores níveis de despersonalização em relação aos participantes do sexo feminino, controlando para as demais variáveis. Além disso, os participantes com turno fixo relataram níveis mais baixos de Despersonalização, em comparação aos com turno rotativo, controlando para as demais variáveis. Após testar as interações entre o país e as variáveis sexo e turno, não foram encontradas interações estatisticamente significativas.

Em relação à Realização Pessoal (Tabela 4), foram calculados os coeficientes e erros-padrão estimados para as variáveis independentes em análise, considerando os modelos univariados e o modelo multivariado (modelo ajustado). Idade e experiência profissional foram consideradas preditores significativos para a Realização Pessoal. Porém, apenas a variável idade permaneceu significativa no modelo ajustado, sendo que os participantes mais velhos apresentaram maior nível de Realização Pessoal, após o controle para as demais variáveis. A interação entre país e idade é significativa, pois, à medida que iam envelhecendo, os participantes portugueses e espanhóis obtiveram pontuações mais baixas em Realização Pessoal, em comparação com o Brasil.

Discussão

Os resultados deste estudo revelaram uma grande porcentagem de enfermeiros com níveis moderados/elevados de burnout (42%, 43% e 42%, em Portugal, Espanha e Brasil, respectivamente) e pontuações mais elevadas em Exaustão Emocional e Realização Pessoal do que em Despersonalização. Um estudo⁽³⁶⁾ revelou que apenas 14% dos enfermeiros brasileiros relataram algum nível de burnout. Porém, um estudo transcultural com enfermeiras portuguesas e brasileiras constatou que as enfermeiras de ambos os países apresentaram valores moderados e altos nas dimensões Exaustão Emocional e Realização Pessoal, respectivamente⁽⁷⁾. Essas descobertas são explicadas pelas diferenças no tipo e nos contextos de trabalho. Nota-se que, em Portugal, os enfermeiros passam a maior parte do tempo prestando cuidados diretos ao paciente, sendo esperado que estabeleçam uma relação forte com o paciente e demonstrem alta competência técnica. Além disso, em Portugal, um estudo⁽⁸⁾ constatou que a dimensão Exaustão Emocional obteve os valores mais elevados para a maioria dos enfermeiros (59%). Na Espanha, em uma revisão sistemática com enfermeiros da atenção primária, os autores descobriram que 50% dos enfermeiros apresentaram níveis baixo/médio de exaustão emocional e 50% tiveram níveis elevados⁽³⁾.

Verificou-se também que os enfermeiros mais velhos em todos os países e os enfermeiros que trabalham em turnos na Espanha e no Brasil apresentaram níveis mais baixos de burnout. Outro estudo⁽³⁵⁾ corroborou esses resultados ao constatar que a síndrome de burnout foi maior entre indivíduos com idade entre 22 e 29 anos. Esses autores relatam que os jovens profissionais são considerados inexperientes e têm maior probabilidade de sentir ansiedade ao lidar com situações complexas e desconhecidas. Em contrapartida, um estudo na Espanha destacou que uma maior experiência profissional pode estar relacionada à idade dos enfermeiros, constatando que os profissionais com média e alta experiência profissional apresentaram o maior percentual de burnout⁽³³⁾. Além disso, a síndrome ocorre em dois períodos: nos primeiros dois anos de carreira profissional e após 10 anos de experiência⁽³³⁾. Na Espanha, constatou-se que enfermeiros mais velhos e com maior experiência profissional apresentavam níveis mais elevados de burnout⁽³⁾. Um estudo que abordou o trabalho em turnos no Brasil mostrou percentuais iguais de burnout em profissionais trabalhando em turno fixo ou rotativo⁽³⁶⁾.

Em relação às dimensões Exaustão Emocional, Despersonalização e Realização Pessoal, foi possível observar neste estudo que sexo, idade, local de trabalho, categoria profissional e turno são fatores preditores de Despersonalização, enquanto idade e experiência profissional são preditores de Realização Pessoal. Houve uma associação entre despersonalização e sexo, com valores mais altos de despersonalização entre mulheres. A despersonalização em enfermeiros também mostrou associação significativa com a escolaridade. Além disso, níveis mais elevados de realização profissional foram associados aos profissionais com pós-graduação⁽⁵⁾. A Exaustão Emocional foi relacionada às instituições com condições de trabalho mais desfavoráveis quanto à autonomia, ao suporte organizacional e ao controle ambiental⁽³⁸⁾.

Os resultados de um estudo mostraram que os níveis de Exaustão Emocional e Baixo Desempenho Profissional foram significativamente mais elevados entre os enfermeiros com plantões diurnos⁽³⁷⁾. Isso pode ser explicado pela carga de trabalho relacionada aos cuidados e procedimentos de enfermagem nesse período. Além disso, o relacionamento interpessoal com a equipe multiprofissional costuma ser mais frequente, aumentando o estresse ocupacional e favorecendo o desenvolvimento de burnout. O local de trabalho tem um papel importante no desenvolvimento da síndrome de burnout, com ênfase nas diferenças entre a jornada de trabalho do enfermeiro de emergência ou terapia intensiva e a do enfermeiro da atenção básica⁽³⁾. Nos serviços de atenção primária à saúde, o enfermeiro atua na prevenção, educação, acompanhamento e tratamento prolongado e contínuo da população, com foco nas patologias crônicas. Também é dada atenção especial às intervenções comunitárias e domiciliares mais prolongadas, em comparação com a curta duração das doenças agudas comuns aos serviços hospitalares. Isso explica os diferentes níveis de burnout entre os serviços.

Um estudo⁽⁴⁶⁾ constatou que as mulheres relataram níveis mais elevados de burnout, embora sem diferenças significativas, enquanto os homens experimentaram níveis mais elevados de Despersonalização. A dimensão Exaustão Emocional foi associada à experiência profissional e ao sexo (maior nos participantes mais experientes e nas mulheres). Em relação à Despersonalização, a variância foi explicada apenas por gênero, sendo as mulheres menos propensas a apresentar sintomas de Despersonalização do que os homens. Esses resultados podem ser relacionados à maneira como o homem e a mulher lidam com suas próprias emoções e demandas emocionais do trabalho.

Existem vários exemplos de estudos comparativos, como é o caso do estudo transcultural sobre a influência da robustez na síndrome de burnout entre enfermeiras brasileiras e portuguesas⁽⁷⁾. Alguns autores⁽³⁹⁾ estudaram a associação entre burnout e fast food, consumo de álcool, exercício físico e uso de analgésicos em uma amostra multinacional de 2.623 médicos e enfermeiras na Grécia, Portugal, Bulgária, Romênia, Turquia, Croácia e Macedônia. Outro estudo com profissionais de saúde da Espanha e de países latino-americanos de língua espanhola identificou a frequência e a intensidade da percepção das consequências adversas da profissão e sua associação com a síndrome de burnout e as variáveis profissionais⁽⁴⁰⁾.

Estudos comparativos ainda são difíceis de realizar, apesar de atualmente vivermos em um mundo globalizado, em que os enfermeiros de todo o mundo estão constantemente enfrentando os mesmos desafios⁽⁴⁷⁾. Esses profissionais precisam trabalhar e tomar decisões em ambientes estressantes e de pressão, ao interagirem com os pacientes e suas famílias, em situações muitas vezes carregadas de forte desgaste emocional. Além disso, os enfermeiros vivenciam mudanças no relacionamento familiar⁽⁴⁸⁾, o que diminui sua satisfação no trabalho e leva-os a mais rotatividade e desligamentos⁽³⁾.

A Organização Mundial da Saúde⁽⁶⁾ reconheceu recentemente a síndrome de burnout como um fenômeno ocupacional. Além disso, a pandemia de COVID-19 desencadeou novos desafios, causando profundo impacto no bem-estar dos enfermeiros e aumentando os níveis de estresse, estresse pós-traumático e burnout^(49-50).

Apesar de ser um estudo multicêntrico, a generalização dos resultados não é recomendada, principalmente por se tratar de um estudo transversal, baseado na participação voluntária por meio da aplicação de questionário autoaplicável, com coleta de dados em regiões específicas de cada país. Embora esses países compartilhem muitas semelhanças, as diferenças encontradas enfatizam a importância da realização de estudos longitudinais e randomizados envolvendo o ambiente de trabalho de outros enfermeiros. Sugere-se também que a dimensão exaustão emocional seja mais investigada, a fim de testar outras variáveis que possam explicá-la.

Como resultado deste estudo sobre burnout, devido à elevada porcentagem de enfermeiros portugueses, espanhóis e brasileiros com níveis moderados/elevados de burnout e o significativo ônus financeiro para as instituições de saúde, enfermeiros, família e sociedade, destaca-se a importância de haver políticas públicas voltadas ao investimento na área da saúde ocupacional. É importante ressaltar que os administradores de serviços de saúde devem desenvolver infraestruturas que promovam a saúde ocupacional e o bem-estar dos enfermeiros. Acreditamos firmemente que investir nos currículos acadêmicos, com ênfase especial em burnout e outros riscos relacionados ao trabalho pode, provavelmente, levar a um melhor bem-estar, segurança, qualidade de atendimento e saúde geral das populações. Além disso, o desenvolvimento de pesquisas multicêntricas fornece uma importante contribuição para o conhecimento científico da enfermagem.

Conclusão

Durante a atividade profissional, o enfermeiro está exposto aos inúmeros e múltiplos estressores que, combinados, têm grande probabilidade de afetar negativamente o profissional e a organização, com destaque especial para a síndrome de burnout. Aproximadamente 40% dos enfermeiros obtiveram algum nível de burnout em cada país. Portanto, é importante preparar o enfermeiro para identificar os riscos de desenvolver burnout e ajudá-lo a encontrar recursos na família, na comunidade e na organização para melhorar o seu bem-estar. Considerando o impacto do burnout, um ensaio clínico randomizado deve ser realizado com o objetivo de incluir um programa envolvendo contextos de trabalho com níveis potencialmente elevados de estresse.

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Editado por

Editora Associada: Maria Lúcia do Carmo Cruz Robazzi

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  28 Jun 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  25 Mar 2020
• Aceito
  12 Out 2020