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Ondas de esperança familiar: narrativas de famílias no contexto da doença crônica pediátrica* * O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Código de Financiamento 001 e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil.

Resumos

Objetivo:

analisar as narrativas de famílias sobre suas experiências de esperança no contexto da doença crônica pediátrica.

Método:

pesquisa narrativa, que utilizou a teoria de sistemas familiares aplicada à enfermagem como referencial teórico. Compuseram a amostra deste estudo três famílias de crianças e adolescentes diagnosticados com doenças crônicas complexas, em um total de 10 participantes. Os dados coletados por meio de entrevistas com foto-elicitação permitiram a construção de narrativas familiares, as quais foram analisadas de acordo com a análise temática indutiva e triangulação teórica dos dados.

Resultados:

o tema analítico - Ondas de esperança familiar no contexto da doença crônica pediátrica - está composto por quatro diferentes tipos: esperança incerta, esperança cuidativa, esperança latente e esperança expectante. O movimento suscitado por essas esperanças gera uma energia motriz e depende de uma série de fatores, tais como apoio, informação, busca pela normalidade, pensamentos e comparações.

Conclusão:

os resultados evidenciam a interação e reciprocidades dos membros da unidade familiar, bem como a dinâmica da esperança, os diferentes tipos de esperança e os fatores que os influenciam. Este estudo destaca a experiência de esperança como um recurso familiar e não apenas individual, além de auxiliar os profissionais de saúde no planejamento do cuidado familiar considerando a esperança como um recurso familiar essencial e dinâmico.

Descritores:
Pesquisa Qualitativa; Enfermagem Familiar; Enfermagem Pediátrica; Família; Esperança; Doença Crônica


Objective:

to analyze narratives about the experience of hope of families in the context of pediatric chronic illness.

Method:

a narrative research using Family Systems Nursing as a conceptual framework. Three families of children and adolescents diagnosed with complex chronic illness participated in this study, totaling 10 participants. Data collection was developed using family photo-elicitation interviews. Family narratives were constructed and analyzed according to inductive thematic analysis with theoretical data triangulation.

Results:

the analytical theme - Waves of Family Hope in the Context of Pediatric Chronic Illness - is composed of four different types of hope: uncertain hope, caring hope, latent hope, and expectant hope. Movement through these hopes generates a driving energy and depends on a number of factors: support, information, searching for normality, and thoughts and comparisons.

Conclusion:

the results highlight the interaction and reciprocities of the members of the family unit, and the dynamics of hope, and illustrate the different types of hope and the factors that influence them. This study highlights the experience of hope as a family resource rather than just an individual resource, and supports health professionals in the planning of family care considering hope as an essential and dynamic family resource.

Descriptors:
Qualitative Research; Family Nursing; Pediatric Nursing; Family; Hope; Chronic Disease


Objetivo:

analizar las narrativas sobre la experiencia de esperanza de las familias en el contexto de la enfermedad crónica pediátrica.

Método:

investigación narrativa que utilizó la Enfermería de Sistemas Familiares como marco conceptual. En este estudio participaron tres familias de niños y adolescentes diagnosticados con enfermedades crónicas complejas, con un total de 10 participantes. La recogida de datos se desarrolló mediante entrevistas familiares con foto-elicitación. Se construyeron y analizaron narrativas familiares siguiendo el análisis temático inductivo con triangulación teórica de los de datos.

Resultados:

el tema analítico - Olas de esperanza familiar en el contexto de la enfermedad crónica pediátrica - se compone de cuatro tipos diferentes de esperanza: esperanza incierta, esperanza cuidadora, esperanza latente y esperanza expectante. El movimiento a través de estas esperanzas genera una fuerza motriz y dependiente de varios factores: apoyo, información, búsqueda de la normalidad, pensamientos y comparaciones.

Conclusión:

los resultados destacan la interacción y reciprocidad de los miembros de la unidad familiar, la dinámica de la esperanza, e ilustran los diferentes tipos de esperanza y los factores que los influyen. Este estudio destaca la experiencia de la esperanza como un recurso familiar, en vez de un recurso individual, y apoya a los profesionales de la salud en la planificación del cuidado familiar considerando la esperanza como un recurso familiar esencial y dinámico.

Descriptores:
Investigación Cualitativa; Enfermería de la Familia; Enfermería Pediátrica; Familia; Esperanza; Enfermedad Crónica


Introdução

Na pediatria, as condições de saúde complexas incluem doenças crônicas e infecciosas, caracterizadas por cuidados contínuos e de longa duração(11 Moreira MCN, Albernaz LV, Sá MRC, Correia RF, Tanabe RF. Guidelines for a line of care for children and adolescents with complex chronic health conditions. Cad Saude Publica. 2017 Nov 21;33(11). doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00189516
https://doi.org/10.1590/0102-311X0018951...
). Durante as doenças crônicas, ocorrem períodos de instabilidade clínica, que podem levar a hospitalizações e cuidados complexos. Normalmente, não há cura e o diagnóstico de uma doença crônica pediátrica impacta todos os membros da família, além de alterar as relações e a dinâmica familiar, dada a necessidade de cuidados contínuos(11 Moreira MCN, Albernaz LV, Sá MRC, Correia RF, Tanabe RF. Guidelines for a line of care for children and adolescents with complex chronic health conditions. Cad Saude Publica. 2017 Nov 21;33(11). doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00189516
https://doi.org/10.1590/0102-311X0018951...

2 Kim MA, Yi J, Wilford A, Kim SH. Parenting Changes of Mothers of a Child with Cancer. J Fam Issues. 2020 Apr 3;41(4):460-82. doi: https://doi.org/10.1177/0192513X19881191
https://doi.org/10.1177/0192513X19881191...
-33 Baldini PR, Lima BJ, Camilo BHN, Pina JC, Okido ACC. Effect of parental mutuality on the quality of life of mothers of children with special health needs. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2021;29(e3423):1-8. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.4385.3423
https://doi.org/10.1590/1518-8345.4385.3...
). O diagnóstico afeta crianças e adolescentes nos níveis físico, emocional e psicossocial(44 Kirk S, Hinton D. “I’m not what I used to be”: A qualitative study exploring how young people experience being diagnosed with a chronic illness. Child Care Health Dev. 2019 Mar;45(2):216-26. doi: https://doi.org/10.1111/cch.12638
https://doi.org/10.1111/cch.12638...
-55 Shorey S, Ng ED. The Lived Experiences of Children and Adolescents with Non-Communicable Disease: A Systematic Review of Qualitative Studies. J Pediatr Nurs. 2020 Mar;51:75-84. doi: https://doi.org/10.1016/j.pedn.2019.12.013
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). As famílias reconhecem que a doença exige mudanças na rotina e nas responsabilidades(66 Lummer-Aikey S, Goldstein S. Sibling Adjustment to Childhood Chronic Illness: An Integrative Review. J Fam Nurs. 2020 Dec 11;107484072097717. doi: https://doi.org/10.1177/1074840720977177
https://doi.org/10.1177/1074840720977177...
). Nesse contexto, elas precisam se adaptar, e a esperança é um dos recursos utilizados em momentos de crise(44 Kirk S, Hinton D. “I’m not what I used to be”: A qualitative study exploring how young people experience being diagnosed with a chronic illness. Child Care Health Dev. 2019 Mar;45(2):216-26. doi: https://doi.org/10.1111/cch.12638
https://doi.org/10.1111/cch.12638...
,77 Mardhiyah A, Philip K, Mediani HS, Yosep I. The Association between Hope and Quality of Life among Adolescents with Chronic Diseases: A Systematic Review. Child Heal Nurs Res. 2020 Jul 31;26(3):323-8. doi: https://doi.org/10.4094/chnr.2020.26.3.323
https://doi.org/10.4094/chnr.2020.26.3.3...
-88 Fonseca R, Carvalho M, Querido A, Figueiredo MH, Bally J, Charepe Z. Therapeutic letters: a qualitative study exploring their influence on the hope of parents of children receiving pediatric palliative care in Portugal. J Spec Pediatr Nurs. 2021 Jan 25. doi: https://doi.org/10.1111/jspn.12325
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).

A esperança é um recurso inerente às experiências humanas(99 Doe MJ. Conceptual Foreknowings: An Integrative Review of Hope. Nurs Sci Q. 2020 Jan 3;33(1):55-64. doi: https://doi.org/10.1177/0894318419881805
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). O conceito de esperança encontra-se amplamente discutido, em diferentes contextos e sob distintas perspectivas(88 Fonseca R, Carvalho M, Querido A, Figueiredo MH, Bally J, Charepe Z. Therapeutic letters: a qualitative study exploring their influence on the hope of parents of children receiving pediatric palliative care in Portugal. J Spec Pediatr Nurs. 2021 Jan 25. doi: https://doi.org/10.1111/jspn.12325
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,1010 Lohne V. ‘Hope as a lighthouse’ A meta-synthesis on hope and hoping in different nursing contexts. Scand J Caring Sci. 2021 Mar 3;(August 2020):scs.12961. doi: https://doi.org/10.1111/scs.12961
https://doi.org/10.1111/scs.12961...

11 Möllerberg ML, Årestedt K, Swahnberg K, Benzein E, Sandgren A. Family sense of coherence and its associations with hope, anxiety and symptoms of depression in persons with cancer in palliative phase and their family members: A cross-sectional study. Palliat Med. 2019 Dec 1;33(10):1310-8. doi: https://doi.org/10.1177/0269216319866653
https://doi.org/10.1177/0269216319866653...
-1212 Valle M, Lohne V. The significance of hope as experienced by the next of kin to critically ill patients in the intensive care unit. Scand J Caring Sci. 2020 May 4;scs.12864. doi: https://doi.org/10.1111/scs.12864
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). Do ponto de vista da psicologia, pode estar relacionado à resiliência(1313 Gallagher MW, Lopez SJ. Introduction to the Science of Hope [Internet]. In: Gallagher MW, Lopez SJ, editors. The Oxford Handbook of Hope. Oxford: Oxford University Press; 2017. p. 3-7. doi: http://doi.org/10.1093/oxfordhb/9780199399314.013.1
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). Porém, por se tratar de um conceito complexo, não existe uma definição comum, passível de ser aplicada universalmente(99 Doe MJ. Conceptual Foreknowings: An Integrative Review of Hope. Nurs Sci Q. 2020 Jan 3;33(1):55-64. doi: https://doi.org/10.1177/0894318419881805
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,1414 Griggs S, Baker H, Chiodo LM. Nursing student perceptions of hope in children: A qualitative descriptive study. Nurs Forum. 2019 Jul 29;54(3):441-7. doi: http://dx.doi.org/10.1111/nuf.12352
http://dx.doi.org/10.1111/nuf.12352...
). Recentemente, síntese temática de 31 estudos qualitativos identificou a experiência de esperança em famílias que convivem com doença crônica pediátrica como um recurso familiar(1515 Leite ACAB, Garcia-Vivar C, Neris RR, Alvarenga WA, Nascimento LC. The experience of hope in families of children and adolescents living with chronic illness: A thematic synthesis of qualitative studies. J Adv Nurs. 2019 Dec 4;75(12):3246-62. doi: https://doi.org/10.1111/jan.14129
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). A esperança familiar é dinâmica e suas mudanças dependem das experiências da família com a doença crônica, do tempo e dos relacionamentos entre os membros da família. Diferentemente de outros estudos, a revisão enfatizou a conectividade da esperança entre os familiares e como eles buscam equilibrá-la(1515 Leite ACAB, Garcia-Vivar C, Neris RR, Alvarenga WA, Nascimento LC. The experience of hope in families of children and adolescents living with chronic illness: A thematic synthesis of qualitative studies. J Adv Nurs. 2019 Dec 4;75(12):3246-62. doi: https://doi.org/10.1111/jan.14129
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).

Além disso, destacou que a maioria dos estudos incluídos apresentou a perspectiva de esperança de apenas um familiar, sendo recomendado para futuras pesquisas: incluir a unidade familiar; identificar a experiência de esperança em diferentes tipos de condições crônicas; e utilizar coleta de dados iterativas para explorar narrativas mais profundas de crianças e adolescentes(1515 Leite ACAB, Garcia-Vivar C, Neris RR, Alvarenga WA, Nascimento LC. The experience of hope in families of children and adolescents living with chronic illness: A thematic synthesis of qualitative studies. J Adv Nurs. 2019 Dec 4;75(12):3246-62. doi: https://doi.org/10.1111/jan.14129
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). Paralelamente a essas lacunas de conhecimento, as prioridades de pesquisa em enfermagem pediátrica têm indicado a necessidade de estudos que incluam as perspectivas de vários membros da família, bem como investigações sobre doenças de longa duração, cuidado centrado na família, impacto da doença nas famílias e recursos que apoiem a família no contexto de adoecimento(1616 Mörelius E, Foster M, Gill FJ. A Scoping Review of Nursing Research Priorities in Pediatric Care. J Pediatr Nurs [Internet]. 2020 May;52:e57-69. Available from: https://doi.org/10.1016/j.pedn.2020.01.006
https://doi.org/10.1016/j.pedn.2020.01.0...
-1717 Betz CL. Time Again? Research Priorities in Pediatric Nursing. J Pediatr Nurs. 2021 Jan;56:A7-9. doi: https://doi.org/10.1016/j.pedn.2020.11.017
https://doi.org/10.1016/j.pedn.2020.11.0...
). Assim, questiona-se neste estudo: Como as famílias no contexto da doença crônica pediátrica experienciam a esperança? Este estudo objetivou analisar as narrativas de famílias sobre suas experiências de esperança no contexto da doença crônica pediátrica.

Referencial teórico

Este estudo adotou a teoria de sistemas familiares aplicada à enfermagem como referencial teórico(1818 Wright LM, Leahey M. Trends in nursing of families. J Adv Nurs. 1990 Feb;15(2):148-54. doi: http://doi.org/10.1111/j.1365-2648.1990.tb01795.x
http://doi.org/10.1111/j.1365-2648.1990....
-1919 Wright LM, Leahey M. Theoretical Foundations of the Calgary Family Assessment and Intervention Models. In: Shajani Z, Snell D, editors. A Guide to Family Assessment and Intervention. 7th revise. Philadelphia (PA): F.A. Davis Company; 2019. p. 21-50.). Esse referencial destaca que a família é uma unidade de cuidado e que o sistema familiar é parte de um suprassistema maior, composto por vários subsistemas. A unidade familiar é maior do que a soma de suas partes - ou seja, seus membros individuais. Quando um membro da família é afetado (com diagnóstico de doença crônica, por exemplo), todos os demais são atingidos, em diferentes graus(1919 Wright LM, Leahey M. Theoretical Foundations of the Calgary Family Assessment and Intervention Models. In: Shajani Z, Snell D, editors. A Guide to Family Assessment and Intervention. 7th revise. Philadelphia (PA): F.A. Davis Company; 2019. p. 21-50.). Com a organização e o funcionamento familiar alterados, os membros da família buscam um equilíbrio entre a mudança e a estabilidade, o qual reside na coexistência entre ambas nas diferentes fases do ciclo vital(1919 Wright LM, Leahey M. Theoretical Foundations of the Calgary Family Assessment and Intervention Models. In: Shajani Z, Snell D, editors. A Guide to Family Assessment and Intervention. 7th revise. Philadelphia (PA): F.A. Davis Company; 2019. p. 21-50.).

Estudos de famílias que utilizam essa teoria são capazes de explicar o funcionamento individual e familiar por meio da observação e análise da interação familiar, e como os recursos disponíveis são utilizados para o alcance de um objetivo familiar(1919 Wright LM, Leahey M. Theoretical Foundations of the Calgary Family Assessment and Intervention Models. In: Shajani Z, Snell D, editors. A Guide to Family Assessment and Intervention. 7th revise. Philadelphia (PA): F.A. Davis Company; 2019. p. 21-50.). Assim, em virtude do reconhecimento e uso disseminado dessa teoria na prática e na pesquisa, este estudo emprega a teoria de sistemas familiares aplicada à enfermagem como referencial teórico para explorar de que forma a unidade familiar utiliza o recurso da esperança.

Método

Tipo de estudo

Trata-se de uma pesquisa narrativa(2020 Squire C. From Experience-Centred to Socioculturally-Oriented Approaches to Narrative. In: Andrews A, Squire C, Tamboukou M, editors. Doing Narrative Research. London: SAGE Publications; 2013. p. 47-71. doi: https://dx.doi.org/10.4135/9781526402271.n3
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) que utilizou entrevistas familiares com foto-elicitação(2121 Leite ACAB, García-Vivar C, Nascimento LC. Using Photo-Elicitation Interviews With Families of Children and Adolescents With Chronic Illness. Nurs Res. 2021 May 29;70(3):E21-8. doi: https://doi.org/10.1097/NNR.0000000000000501
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). A pesquisa narrativa é um método complexo e dinâmico, que fornece uma visão geral da pesquisa com base na construção e interpretação de narrativas como histórias de experiência. Optamos pela abordagem narrativa centrada na experiência de Squire (2013) para explorar o fenômeno deste estudo. Esses tipos de narrativas envolvem movimentos, sucessões, progressões ou sequências, geralmente temporais, relacionadas a um fato significativo, que é um momento de mudança na vida do narrador - por exemplo, um diagnóstico de doença crônica(2020 Squire C. From Experience-Centred to Socioculturally-Oriented Approaches to Narrative. In: Andrews A, Squire C, Tamboukou M, editors. Doing Narrative Research. London: SAGE Publications; 2013. p. 47-71. doi: https://dx.doi.org/10.4135/9781526402271.n3
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). No presente estudo, as narrativas foram estruturadas da seguinte forma: introdução, desenvolvimento e conclusão. Elas continham elementos como personagens, tempo, espaço, ambiente e enredo. O processo de narrar introduziu a representação do eu, pois tudo o que foi dito tinha um significado. Portanto, esse método objetivou compreender a experiência dos indivíduos por meio dos relatos de acontecimentos vivenciados e das narrativas coconstruídas, que foram histórias e depoimentos construídos a partir de diálogos entre os participantes(2020 Squire C. From Experience-Centred to Socioculturally-Oriented Approaches to Narrative. In: Andrews A, Squire C, Tamboukou M, editors. Doing Narrative Research. London: SAGE Publications; 2013. p. 47-71. doi: https://dx.doi.org/10.4135/9781526402271.n3
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).

Local de coleta de dados

Uma amostra de conveniência de participantes foi recrutada presencialmente em 2019, quando as crianças ou adolescentes estavam hospitalizados nas enfermarias de pediatria de um hospital público universitário, localizado no interior do estado de São Paulo, Brasil.

Participantes

Crianças e adolescentes com diagnóstico de doença crônica complexa e seus familiares foram convidados a participar da pesquisa. Consideramos “membros da família” todas as pessoas assim descritas pelas crianças e adolescentes(1919 Wright LM, Leahey M. Theoretical Foundations of the Calgary Family Assessment and Intervention Models. In: Shajani Z, Snell D, editors. A Guide to Family Assessment and Intervention. 7th revise. Philadelphia (PA): F.A. Davis Company; 2019. p. 21-50.). Dada a proposta de analisar a experiência do diagnóstico, foram excluídos crianças e adolescentes diagnosticados recentemente (menos de seis meses); familiares que não participavam ativamente do cuidado ou da rotina diária da criança ou adolescente; e familiares menores de oito anos.

Para participar deste estudo, pelo menos uma díade familiar foi incluída. O número de familiares entrevistados variou de acordo com a disponibilidade dos mesmos. A determinação do número de participantes incluídos neste estudo e a interrupção do recrutamento ocorreram quando os dados coletados foram suficientes para o alcance do objetivo proposto(2222 Saunders B, Sim J, Kingstone T, Baker S, Waterfield J, Bartlam B, et al. Saturation in qualitative research: exploring its conceptualization and operationalization. Qual Quant. 2018 Jul 14;52(4):1893-907. doi: http://doi.org/10.1007/s11135-017-0574-8
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). Isso foi possível devido à exaustiva análise dos dados realizada concomitantemente à coleta de dados, que proporcionou uma análise aprofundada dos dados de cada participante e das famílias, bem como das semelhanças e singularidades das experiências entre eles.

Coleta de dados

As famílias foram convidadas pessoalmente a participar do estudo em 2019, nas dependências do hospital pediátrico. Nesse primeiro encontro, após explicação sobre o estudo e obtenção do consentimento/assentimento por escrito, a pesquisadora construiu o genograma e ecomapa das famílias com a crianças ou adolescentes. A questão norteadora foi: Fale-me sobre quem é sua família? Ao final do primeiro encontro, foi proposto que as famílias tirassem fotos que retratassem suas perspectivas de esperança, utilizando suas próprias câmeras dos celulares. Essas fotos foram utilizadas no segundo encontro, para realização de entrevista familiar com foto-elicitação(2121 Leite ACAB, García-Vivar C, Nascimento LC. Using Photo-Elicitation Interviews With Families of Children and Adolescents With Chronic Illness. Nurs Res. 2021 May 29;70(3):E21-8. doi: https://doi.org/10.1097/NNR.0000000000000501
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). Esse método de coleta de dados elicitou narrativas e promoveu a reflexão das experiências familiares(2121 Leite ACAB, García-Vivar C, Nascimento LC. Using Photo-Elicitation Interviews With Families of Children and Adolescents With Chronic Illness. Nurs Res. 2021 May 29;70(3):E21-8. doi: https://doi.org/10.1097/NNR.0000000000000501
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). Quando necessário, perguntas (ver Figura 1) foram utilizadas para aprofundar a coleta de dados. Alguns familiares preferiram participar de entrevistas individuais, sem utilizar as próprias fotos para eliciar as narrativas (Pai, Família A e Tia, Família B). Foram realizados pelo menos dois encontros com cada família, cada qual com duração aproximada de uma hora e meia. O processo detalhado de coleta de dados está ilustrado na Figura 1.

Figura 1
Processo de coleta de dados

Análise de dados

Utilizamos a análise temática indutiva dos dados para analisar as narrativas familiares e implementamos seis fases(2323 Braun V, Clarke V. Reflecting on reflexive thematic analysis. Qual Res Sport Exerc Heal. 2019 Aug 8;11(4):589-97. doi: https://doi.org/10.1080/2159676X.2019.1628806
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). São elas: (I) Familiarização dos dados, por meio de leituras repetidas das entrevistas transcritas. Posteriormente, foram construídas as narrativas de cada família, compostas por entrevistas familiares e/ou individuais. As narrativas familiares foram estruturadas com introdução, desenvolvimento e conclusão, e continham elementos como personagens, tempo, espaço, ambiente e enredo; (II) Os códigos iniciais foram identificados indutivamente a partir das narrativas. Nesta etapa, utilizamos o QDA Miner Lite®, software de análise qualitativa de dados; (III) A partir das semelhanças e diferenças entre os códigos iniciais, uma síntese narrativa foi construída de forma indutiva. Nessa etapa, foi possível identificar os diferentes tipos de esperança, os fatores que os influenciam e as semelhanças e singularidades entre as experiências das famílias; (IV) Um tema analítico foi desenvolvido indutivamente a partir da síntese narrativa, de acordo com o referencial conceitual escolhido. O tema analítico também foi construído a partir da triangulação teórica dos dados(2424 Noble H, Heale R. Triangulation in research, with examples. Evid Based Nurs. 2019 Jul;22(3):67-8. doi: https://doi.org/10.1136/ebnurs-2019-103145
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), com os resultados provenientes da síntese temática de estudos qualitativos sobre esperança(1515 Leite ACAB, Garcia-Vivar C, Neris RR, Alvarenga WA, Nascimento LC. The experience of hope in families of children and adolescents living with chronic illness: A thematic synthesis of qualitative studies. J Adv Nurs. 2019 Dec 4;75(12):3246-62. doi: https://doi.org/10.1111/jan.14129
https://doi.org/10.1111/jan.14129...
); (V) O tema analítico foi nomeado e refinado; (VI) Os resultados foram construídos, apresentando o tema analítico: “Ondas de esperança familiar no contexto das doenças crônicas pediátricas”. As etapas analíticas foram realizadas pela primeira autora e discutidas e validadas pelas outras três, especialistas neste tipo de análise. As fotos elicitaram as narrativas dos participantes, mas essas imagens não foram analisadas, apenas suas narrativas. O conjunto de narrativas das famílias tem 55 páginas. O genograma e o ecomapa das famílias auxiliaram na contextualização dos dados e compreensão da estrutura e dinâmica familiar e as notas de campo na reflexão sobre os dados. As transcrições e análises não foram compartilhadas com os participantes.

Aspectos éticos

Este estudo foi aprovado pelos comitês de ética (números de aprovação ética: 2.902.779; 2.861.169; 9146418.7.0000.5393). O termo de consentimento livre e esclarecido dos participantes adultos foi obtido por escrito. As crianças e adolescentes afirmaram seu desejo de participar do estudo assinando o termo de assentimento livre e esclarecido, após autorização prévia de um adulto responsável.

Rigor

O rigor deste estudo foi garantido por meio da(2525 Doyle L, McCabe C, Keogh B, Brady A, McCann M. An overview of the qualitative descriptive design within nursing research. J Res Nurs. 2020 Aug 18;25(5):443-55. doi: http://doi.org/10.1177/1744987119880234
http://doi.org/10.1177/1744987119880234...
-2626 Dodgson JE. Reflexivity in Qualitative Research. J Hum Lact. 2019 May 8;35(2):220-2. doi: http://doi.org/10.1177/0890334419830990
http://doi.org/10.1177/0890334419830990...
):
  • Credibilidade - análise rigorosa dos dados desenvolvida por uma equipe de pesquisa, apoiada por trechos de narrativas que ilustram os resultados e trilha de auditoria.

  • Transferibilidade - apresentação dos dados sociodemográficos das famílias.

  • Confiabilidade - descrição detalhada do método, seguindo o check-list Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ)(2727 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Heal Care. 2007 Sep 16;19(6):349-57. doi: https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
    https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042...
    ).

  • Confirmabilidade - apresentação das limitações e fortalezas do estudo e pela reflexividade dos pesquisadores.

Resultados

Este estudo incluiu 10 participantes de três famílias - Família A: Adolescente A, Mãe e Pai (n = 3); Família B: Criança B, Mãe, Pai e Tia (n = 4); e Família C: Criança C, Mãe e Irmã (n = 3). Apenas uma família se recusou a participar por não querer relembrar alguns momentos do tratamento. A Figura 2 apresenta em detalhes a descrição das características das famílias e seus respectivos genogramas e ecomapas.

Figura 2
Descrição das características das famílias e seus genogramas e ecomapas. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2019

*77, *39, *40, *15, *8, *AA, *AB, *AC, *AD, *AE = Membros da Família A;A1,A2,A3,A4,A5 = Cachorros da família A;42,41,45,41,19,11 = Membros da Família B;§B1 = Cachorro da família B;||56,||55,||29,||33,||36,||43,||17,||14,||9,||CA,||CB,||CC,||CD,||CE,||CF,||CG = Membros da Família C


Ondas de esperança familiar no contexto da doença crônica pediátrica

O tema analítico é apresentado por meio de uma metáfora com ondas do mar, que intitulamos de: Ondas de esperança familiar no contexto da doença crônica pediátrica (Figura 3). A unidade familiar é representada pela onda e a dinâmica da esperança familiar pelo seu movimento. Existem diferentes tipos de ondas do mar; dependendo de seu movimento, são capazes de impulsionar, afundar ou manter as pessoas flutuando, representando o mesmo paralelo das ondas de esperança familiar. As características de cada onda retratam a individualidade da experiência de cada família.

Figura 3
Ondas de esperança familiar no contexto da doença crônica pediátrica

As ondas de esperança familiar são compostas por quatro tipos diferentes de esperança: esperança incerta, esperança cuidativa, esperança latente e esperança expectante. O movimento suscitado por esses tipos de esperança depende de fatores como apoio, informação, busca pela normalidade, pensamentos e comparações. Na Figura 3, esses fatores são comparados àqueles que influenciam a formação e o movimento das ondas: sol, vento, fundo do mar e lua. Portanto, as ondas de esperança familiar são o resultado da interação dos membros da família (seus relacionamentos, papéis, alianças, poder, afiliações e coesão), tempo (passado, presente e futuro relacionados às experiências vividas e esperadas) e contexto (tais como contexto cultural e tipo de doença crônica) que apresentam fatores que influenciam sua dinâmica. Como as ondas de esperança são dinâmicas, nem sempre serão compostas pelos quatro tipos ou vivenciadas pela família de forma longitudinal. Elas estão constantemente se formando e quebrando.

As ondas de esperança familiar, na experiência longitudinal da doença crônica, começam com o diagnóstico. Nesse momento, a família experiencia uma esperança incerta, e o aumento da esperança ocorre com o tempo. Quando a criança atinge um quadro clínico estável durante o tratamento, a família vivencia a esperança cuidativa. A esperança latente ocorre quando há uma piora do quadro clínico da criança e a família sente que a esperança foi perdida, embora ainda esteja presente sem se manifestar. A esperança expectante é experienciada pela família ao projetar um futuro desejado, no qual o único recurso que resta é a esperança.

As ondas sempre geram energia motriz devido ao seu movimento. Em nossos resultados, essa energia representa um membro da família que é capaz de conduzir a energia por meio de movimentos das ondas para impulsionar a esperança familiar. Formações e movimentos de ondas ocorrem constantemente. Devido a esse processo dinâmico, as famílias deste estudo experienciaram, em diversos momentos, os diferentes tipos de esperança ao longo da trajetória de adoecimento.

Os tipos de esperança identificados neste estudo são descritos a seguir. A Figura 4 apresenta as semelhanças entre as narrativas dos tipos de esperança entre as famílias, e a Figura 5 sintetiza as experiências únicas de cada família relacionadas aos tipos de esperança.

Figura 4
Semelhanças nas narrativas familiares (n = 10) segundo os tipos de esperança. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2019
Figura 5
Singularidades nas narrativas familiares (n = 10) segundo os tipos de esperança. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2019

Esperança incerta

No diagnóstico, as famílias iniciam uma onda de experiências e emoções. A esperança parece invisível porque a incerteza prevalece. Portanto, neste momento, prevaleceu a esperança incerta, relacionada ao medo do desconhecido e da morte, ao sofrimento e ao choque emocional. Os membros da família tentaram proteger a criança da esperança incerta, escondendo as emoções e evitando falar sobre a gravidade da situação.

Eu não cheguei a chorar durante a consulta sobre o diagnóstico. Mas, é difícil demais. Minha filha chorou. Se eu choro na frente dela parece que fica ainda mais complicado. Eu estava segurando, mas para não demonstrar que a situação é tão séria (Pai, Família B).

A esperança incerta foi evidenciada por questionamentos sobre a causa da doença e a dificuldade da família em aceitar o diagnóstico. A incerteza também esteve relacionada ao tipo de diagnóstico. O diagnóstico de câncer tem um estigma, embora seja a única doença crônica incluída neste estudo com possibilidade de cura, e a fibrose cística está associada à morte precoce. Para reduzir a incerteza, as famílias precisaram obter informações sobre o diagnóstico. No entanto, isso nem sempre ajudava a promover a esperança da família, mas reforçava os pensamentos de incerteza, principalmente quando a informação estava relacionada a desfechos negativos, como a morte.

Aos poucos, após o diagnóstico, os familiares reorganizaram suas responsabilidades e planos familiares para cuidar da criança. A família procurou situações e fatores que pudessem impulsionar a esperança familiar, no intuito de aliviar a incerteza. Porém, a manutenção/retorno à esperança incerta relacionou-se com a possibilidade ou descoberta de novos diagnósticos.

Esperança cuidativa

As famílias experimentaram a esperança cuidativa quando as crianças apresentavam uma condição clínica estável. A possibilidade de um tratamento eficaz e o impacto positivo do tratamento no quadro clínico da criança ajudaram a impulsionar e a manter a onda de esperança cuidativa. A esperança cuidativa também foi relacionada à diminuição do tempo de hospitalização da criança, o que gerou bem-estar e felicidade.

Me dá muita alegria e felicidade saber que o meu irmão não precisa ficar internando. Porque as outras crianças praticamente moram no hospital (Irmã, Família C).

Esse contexto permitiu que as crianças mantivessem uma perspectiva positiva e se sentissem normais, assim como seus colegas, quando realizavam as atividades cotidianas e se esqueciam do tratamento e do diagnóstico. Como atividade diária, todas as crianças referiram brincar com cachorros, os quais, segundo elas, promoviam esperança, felicidade e um sentimento de normalidade. A criança C expressou o desejo de ter um cachorro, mas sua mãe não permitiu pois acreditava que isso prejudicaria o tratamento. Outros membros da família evidenciaram o impacto positivo deste animal doméstico no bem-estar da criança e da família, exceto o pai da Família A, para quem apenas a fé alimentava a esperança cuidativa.

Os familiares não tinham o mesmo sentimento de normalidade como as crianças. A responsabilidade pelos cuidados, os sinais de adoecimento e os sintomas e preocupações com episódios de urgência ou agravamento do quadro clínico os faziam lembrar constantemente da fragilidade da saúde da criança e do dinamismo da esperança familiar. Quando recebiam informações claras, empáticas e realistas sobre o tratamento, sentiam-se mais otimistas. O apoio às crenças religiosas e à fé também foram fatores que mantiveram a visão otimista da família e os ajudaram a lidar com o tratamento. Além disso, as famílias desejavam ter experiências semelhantes com bons resultados, pensamentos positivos e consolidar esperança cuidativa.

Esperança latente

As famílias vivenciaram uma esperança latente quando o quadro clínico da criança piorou. O declínio em sua perspectiva otimista afetou o movimento das ondas de esperança familiar, e as famílias se sentiram como se tivessem perdido a esperança. O tratamento invasivo ou situações que evidenciavam a fragilidade da criança reforçaram a esperança latente. Quando ela perdeu o rim, ela começou a fazer a hemodiálise, que é um tratamento bem agressivo. Então eu fiquei com a esperança abalada (Mãe, Família A).

A esperança latente também foi reforçada com pensamentos sobre morte e comparações com resultados ruins. A falta de apoio financeiro de uma das famílias foi um fator que prejudicou a manutenção da esperança latente. Para as famílias, o contexto hospitalar atuava como um lembrete constante do estado de saúde da criança, de modo que, durante as internações, era difícil manter pensamentos otimistas ou se distanciar de casos negativos ou de informações sobre a doença. Na tentativa de se protegerem da esperança latente, as famílias tentaram neutralizar pensamentos sobre preocupações e morte e evitar pessoas que pudessem fazer comentários negativos sobre a condição da criança.

Os recursos usados para abandonar a esperança latente foram a fé e o apoio entre os membros da família. As crenças decorrentes da fé no Divino trouxeram conforto em tempos de crise e uma visão mais otimista da situação. O suporte emocional, financeiro e instrumental entre os familiares ajudou no enfrentamento da crise e no propósito de propulsionar a esperança familiar.

Esperança expectante

Quando uma família esgota seus recursos para manter a esperança familiar, o que resta é a esperança expectante, direcionada para o futuro. Para o futuro próximo, as famílias esperavam uma rotina diária sem a necessidade de tratamento, ou, pelo menos, com menor complexidade ou quantidade de cuidados. No entanto, esses planos foram afetados pela doença e pelo tratamento, de tal modo que precisaram replanejar os sonhos e valorizar as pequenas coisas da vida. Eu tinha bastante sonhos e, depois do diagnóstico, eu perdi meus sonhos. Depois do diagnóstico tudo mudou na minha vida. Tudo era normal. Antes eu não dava valor nas pequenas coisas, já hoje eu dou (Criança B).

O futuro projetado pelas famílias com esperança expectante vislumbrava a saúde da criança - bem como dos demais membros saudáveis da família, como se ela fosse a mesma pessoa de antes da doença. Além disso, neste futuro desejável, as crianças viveriam uma vida normal, assim como seus familiares saudáveis, estudariam, trabalhariam e seriam felizes. No entanto, as famílias sabiam que a realidade do futuro dependia do tipo de tratamento disponível.

Para a Família A, o transplante renal seria uma fonte de esperança, mas não traria a cura, pois a necessidade de tratamento permaneceria. A Família B desejava a cura do câncer e redirecionou suas vidas e esperanças para alcançar essa possibilidade. A família C acreditava que o transplante de pulmão não seria o melhor tratamento; no entanto, pesquisas sobre novos medicamentos poderiam oferecer um tratamento mais eficaz. Eles desejavam uma vida longa e de qualidade para a Criança C. A dinâmica da esperança expectante estava relacionada às mudanças no quadro clínico da criança, que levavam a novas perspectivas de futuro ou a um retorno a outros tipos de esperança.

Energia motriz

As ondas de esperança são dinâmicas e geram energia motriz. Isso é representado por uma pessoa esperançosa na família, capaz de promover a esperança familiar em tempos de crise. Neste estudo, os familiares reorganizaram suas responsabilidades e planos familiares para cuidar do filho. As mães, embora esperançosas, sentiam-se sobrecarregadas com as inúmeras responsabilidades de um cuidador primário, além de culpadas nos períodos em que criança apresentava piora do quadro clínico. Diante desse cenário, não conseguiam ser a referência familiar, tampouco as promotoras de energia motriz da esperança familiar.

Todos os membros da família foram capazes de identificar a pessoa que poderia impulsionar a energia motriz da esperança familiar em tempos de crise, mediante a observação de discursos e pensamentos otimistas, fé em crenças fortalecedoras, oração, apoio emocional, apoio financeiro, visitas e brincadeiras com a criança. Para a Família A, eram os irmãos de fé; para a família B, a tia; e para a família C, também a tia. Essas pessoas possuíam forte vínculo afetivo com os familiares, mas não tinham a responsabilidade dos cuidados diários, o que as levava a assumir uma perspectiva mais otimista. Os “irmãos de fé” estão sempre a postos para nos ajudar. Eles sempre nos apoiaram, através de palavras de Deus. Isso me fortalece. Eles também me ajudam com dinheiro. Eles estavam de braços abertos para nos ajudar (Pai, Família A).

Embora a tia da Família B acreditasse que poderia influenciar a esperança da família, ela não identificou sua esperança como sendo influenciável. Alguns familiares identificaram quem seria capaz de interromper a propulsão das ondas de esperança familiar e, consequentemente, a energia motriz. Para os membros da Família A, suas crenças religiosas os protegiam da influência da desesperança dos outros. Na Família B, a criança B identificou seu irmão como o promotor de sua desesperança. Para a irmã C, sua mãe promovia a desesperança na família. O meu irmão tira minha esperança. Eu e ele brigamos muito, ele é muito sincero. Então um dia a gente estava conversando, que eu esqueci de tomar a cápsula, o meu remédio da manhã. Ele falou algo que me magoou: Se você continuar desse jeito, você vai perder a perna! Quando ele fala isso tira minha esperança (Criança B).

Discussão

Este estudo nos possibilitou identificar as narrativas sobre as experiências de esperança de famílias de crianças e adolescentes que convivem com doença crônica. Os resultados mostraram que a doença impacta diferentemente em cada familiar ao longo do processo de cronicidade. No entanto, a esperança individual tornou-se um recurso familiar devido à conectividade entre os membros da família. Os processos familiares baseiam-se nas interações entre os membros da família, que se apoiam, compartilham afeto e se comunicam. Nesse processo, também podem ocorrer conflitos, por isso as famílias buscam unir forças para enfrentar desafios e crises(2828 Buehler C. Family Processes and Children’s and Adolescents’ Well-Being. J Marriage Fam. 2020 Feb 5;82(1):145-74. doi: https://doi.org/10.1111/jomf.12637
https://doi.org/10.1111/jomf.12637...
-2929 Psihogios AM, Fellmeth H, Schwartz LA, Barakat LP. Family Functioning and Medical Adherence Across Children and Adolescents With Chronic Health Conditions: A Meta-Analysis. J Pediatr Psychol. 2019 Jan 1;44(1):84-97. doi: https://doi.org/10.1093/jpepsy/jsy044
https://doi.org/10.1093/jpepsy/jsy044...
). Nossos resultados demonstram que as famílias utilizam a esperança familiar para manter uma perspectiva positiva. Emoções, comportamentos e pensamentos positivos de familiares adultos, especialmente pais, geram segurança, regulação emocional e menos sofrimento para os filhos, além de restaurarem a esperança(99 Doe MJ. Conceptual Foreknowings: An Integrative Review of Hope. Nurs Sci Q. 2020 Jan 3;33(1):55-64. doi: https://doi.org/10.1177/0894318419881805
https://doi.org/10.1177/0894318419881805...
,2828 Buehler C. Family Processes and Children’s and Adolescents’ Well-Being. J Marriage Fam. 2020 Feb 5;82(1):145-74. doi: https://doi.org/10.1111/jomf.12637
https://doi.org/10.1111/jomf.12637...
).

Os resultados evidenciaram a dinâmica da esperança familiar por meio da experiência de diferentes tipos de esperança durante o processo de cronicidade. A esperança é um recurso com muitas faces, que está sempre presente, ainda que sua presença não seja conscientemente registrada(99 Doe MJ. Conceptual Foreknowings: An Integrative Review of Hope. Nurs Sci Q. 2020 Jan 3;33(1):55-64. doi: https://doi.org/10.1177/0894318419881805
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). Essa característica apareceu nos resultados deste estudo relacionada às crises familiares vivenciadas, como o momento do diagnóstico e piora do quadro clínico da criança, representada pela esperança incerta e esperança latente.

Geralmente, o sentimento de incerteza está presente nas famílias de crianças e adolescentes que convivem com doenças crônicas. Estudo desenvolvido com pais no contexto de cuidados paliativos pediátricos mostrou que suas experiências de esperança eram baseadas na incerteza(3030 Szabat M. Parental experience of hope in pediatric palliative care: Critical reflections on an exemplar of parents of a child with trisomy 18. Nurs Inq. 2020 Apr 3;27(2):1-10. doi: http://doi.org/10.1111/nin.12341
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). A incerteza estava relacionada à preocupação com o agravamento da saúde da criança e sua morte, levando a uma abrupta perda de esperança(3030 Szabat M. Parental experience of hope in pediatric palliative care: Critical reflections on an exemplar of parents of a child with trisomy 18. Nurs Inq. 2020 Apr 3;27(2):1-10. doi: http://doi.org/10.1111/nin.12341
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). No entanto, outro estudo identificou a esperança como um recurso utilizado pelos pais no luto antecipatório, ou seja, antes de uma morte iminente. Além disso, mesmo após a morte da criança, a esperança dos pais estava presente pela crença de que ela estaria em um lugar melhor, ou que um dia eles a encontrariam novamente(3131 Polita NB, de Montigny F, Neris RR, Alvarenga WA, Silva-Rodrigues FM, Leite ACAB, et al. The Experiences of Bereaved Parents After the Loss of a Child to Cancer: A Qualitative Metasynthesis. J Pediatr Oncol Nurs. 2020 Nov 27;37(6):444-57. doi: http://doi.org/10.1177/1043454220944059
http://doi.org/10.1177/1043454220944059...
). Diferentemente do estudo citado anteriormente, a esperança familiar foi promovida evitando pensar na possibilidade da morte do filho. Nossos resultados também apontaram para a incerteza como sentimento gerador da esperança incerta, relacionada, principalmente, ao momento do diagnóstico.

Corroborando nossos resultados, a esperança é considerada pelos pais de crianças e adolescentes com doenças crônicas como a primeira e a última estratégia para lidar com momentos de crise(3030 Szabat M. Parental experience of hope in pediatric palliative care: Critical reflections on an exemplar of parents of a child with trisomy 18. Nurs Inq. 2020 Apr 3;27(2):1-10. doi: http://doi.org/10.1111/nin.12341
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). Destacamos que os tipos de esperança agem como ondas de esperança familiar, mudando diante de diferentes fatores e experiências familiares únicas. Outros estudos também apresentaram a perspectiva de diferentes tipos de esperança, destacando esse processo como uma constante metamorfose(99 Doe MJ. Conceptual Foreknowings: An Integrative Review of Hope. Nurs Sci Q. 2020 Jan 3;33(1):55-64. doi: https://doi.org/10.1177/0894318419881805
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,3030 Szabat M. Parental experience of hope in pediatric palliative care: Critical reflections on an exemplar of parents of a child with trisomy 18. Nurs Inq. 2020 Apr 3;27(2):1-10. doi: http://doi.org/10.1111/nin.12341
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). Os fatores que influenciam a esperança mudam de acordo com o contexto em que é vivenciada(3232 Griggs S, Crawford SL. Differences in hope, core self-evaluations, emotional well-being, and health risk behaviors in freshman university students. Nurs Forum. 2019 Oct 16;54(4):505-12. doi: http://dx.doi.org/10.1111/nuf.12364
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). Nosso estudo identificou quatro fatores que influenciaram a esperança da família, mas pesquisas futuras devem investigar como esses fatores agem na esperança e quais podem ser protetores.

Os resultados deste estudo demonstram ainda que a informação pode promover ou diminuir a esperança das famílias. Portanto, cabe à equipe de saúde informá-las de forma clara e empática, enfatizando que as informações podem mudar de acordo com o plano terapêutico da criança e o quadro clínico em curso(3333 Eklund R, Kreicbergs U, Alvariza A, Lövgren M. Children’s Self-Reports About Illness-Related Information and Family Communication When a Parent Has a Life-Threatening Illness. J Fam Nurs. 2020 May 13;26(2):102-10. doi: http://doi.org/10.1177/1074840719898192
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). Quando fornecem informações de forma clara e empática, os profissionais de saúde ajudam a promover a esperança da família, enquanto a omissão de informações e/ou falta de empatia durante a comunicação podem diminuir a esperança familiar, afetando o bem-estar das famílias(3434 Sheng N, Ma J, Ding W, Zhang Y. Effects of caregiver-involved interventions on the quality of life of children and adolescents with chronic conditions and their caregivers: a systematic review and meta-analysis. Qual Life Res. 2019 Jan 30;28(1):13-33. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s11136-018-1976-3
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). Pensamentos e comparações podem trazer uma perspectiva positiva ou negativa para a situação. Estudos indicam que a presença de uma perspectiva positiva devido a pensamentos e comparações favorece a restauração da esperança e o funcionamento familiar(99 Doe MJ. Conceptual Foreknowings: An Integrative Review of Hope. Nurs Sci Q. 2020 Jan 3;33(1):55-64. doi: https://doi.org/10.1177/0894318419881805
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,2828 Buehler C. Family Processes and Children’s and Adolescents’ Well-Being. J Marriage Fam. 2020 Feb 5;82(1):145-74. doi: https://doi.org/10.1111/jomf.12637
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). Em contrapartida, pensamentos ou comparações que geram perspectivas negativas são capazes de diminuir a esperança familiar(1515 Leite ACAB, Garcia-Vivar C, Neris RR, Alvarenga WA, Nascimento LC. The experience of hope in families of children and adolescents living with chronic illness: A thematic synthesis of qualitative studies. J Adv Nurs. 2019 Dec 4;75(12):3246-62. doi: https://doi.org/10.1111/jan.14129
https://doi.org/10.1111/jan.14129...
).

No que se refere ao apoio, concluímos que foi capaz de promover ou manter a esperança da família ao longo do processo de cronicidade. Esse fator estava relacionado à conexão entre familiares e às crenças, como a fé no Divino. No país de origem dos participantes deste estudo, embora a maioria das pessoas seja cristã, católica ou protestante afiliada a alguma religião(3535 Peres MFP, Oliveira AB, Leão FC, Vallada H, Moreira-Almeida A, Lucchetti G. Religious landscape in Brazil: Comparing different representative nationwide approaches to obtain sensitive information in healthcare research. SSM Popul Health. 2018 Dec;6:85-90. doi: http://doi.org/10.1016/j.ssmph.2018.08.007
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), registra-se um aumento do evangelismo(3535 Peres MFP, Oliveira AB, Leão FC, Vallada H, Moreira-Almeida A, Lucchetti G. Religious landscape in Brazil: Comparing different representative nationwide approaches to obtain sensitive information in healthcare research. SSM Popul Health. 2018 Dec;6:85-90. doi: http://doi.org/10.1016/j.ssmph.2018.08.007
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-3636 Sousa RF. Religiosidade no Brasil. Estudos Avançados [Internet]. 2013 [cited 2021 Jun 1];27(79):285-8. Available from: https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/68719
https://www.revistas.usp.br/eav/article/...
). As questões sociais, culturais e históricas do país, principalmente relacionadas à colonização e imigração, afetaram a importância da religião na vida das pessoas. Ao mesmo tempo, a população vivencia uma identidade espiritual plural(3636 Sousa RF. Religiosidade no Brasil. Estudos Avançados [Internet]. 2013 [cited 2021 Jun 1];27(79):285-8. Available from: https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/68719
https://www.revistas.usp.br/eav/article/...
).

A identidade espiritual metamórfica é como um mosaico de crenças no Brasil. A identidade espiritual da população é diversa e dificulta a exatidão dos dados censitários oficiais sobre o tema(3636 Sousa RF. Religiosidade no Brasil. Estudos Avançados [Internet]. 2013 [cited 2021 Jun 1];27(79):285-8. Available from: https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/68719
https://www.revistas.usp.br/eav/article/...
). Diante desse contexto, os profissionais de saúde precisam identificar e estimular a fonte de apoio familiar e, consequentemente, a esperança da família pode ser promovida. Enfermeiros e outros profissionais de saúde podem iniciar intervenções para identificar as fortalezas da família, no sentido de ajudá-los a expressar seus sentimentos e crenças relacionados ao seu contexto cultural(3737 Im Y, Kim DH. Family Management Style and Psychosocial Health of Children with Chronic Conditions. J Child Fam Stud. 2021 Feb 5;30(2):483-92. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s10826-020-01870-7
http://dx.doi.org/10.1007/s10826-020-018...
-3838 Svavarsdottir EK, Kamban SW, Konradsdottir E, Sigurdardottir AO. The Impact of Family Strengths Oriented Therapeutic Conversations on Parents of Children with a New Chronic Illness Diagnosis. J Fam Nurs. 2020 Aug 29;26(3):269-81. doi: http://doi.org/10.1177/1074840720940674
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).

Em nossos resultados, as famílias buscaram a normalidade por meio de atividades que geraram a sensação da criança não estar mais doente. Essa busca estava relacionada aos momentos de estabilidade da condição clínica da criança - esperança cuidativa - ou a uma projeção do futuro ideal - esperança expectante. A ausência desse sentimento foi exacerbada pela esperança incerta e pela esperança latente. A esperança é um recurso indispensável e atua como força vital para os pais(3030 Szabat M. Parental experience of hope in pediatric palliative care: Critical reflections on an exemplar of parents of a child with trisomy 18. Nurs Inq. 2020 Apr 3;27(2):1-10. doi: http://doi.org/10.1111/nin.12341
http://doi.org/10.1111/nin.12341...
). Antecipa que o futuro trará possibilidades melhores do que o passado e o presente(99 Doe MJ. Conceptual Foreknowings: An Integrative Review of Hope. Nurs Sci Q. 2020 Jan 3;33(1):55-64. doi: https://doi.org/10.1177/0894318419881805
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). Entre essas possibilidades misteriosas está um senso de normalidade, geralmente ligado a uma cura, que pode estar associada a um milagre(3939 Bekui BAA, Aziato L, Ohene LA, Richter MS. Psychological and spiritual wellbeing of family caregivers of children with cancer at a teaching hospital in Ghana. Int J Africa Nurs Sci. 2020;13(December 2019):100231. doi: https://doi.org/10.1016/j.ijans.2020.100231
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). Para as famílias deste estudo, o futuro ideal não teria momentos de crise relacionados ao adoecimento. Seria como sair da dinamicidade das ondas de esperança familiar, por meio de seu movimento propulsor, para alcançar a segurança da costa.

Devido à dinâmica das ondas de esperança familiar, a busca por momentos de plena esperança é constante. Porém, alcançar isso é um processo frágil, pois o contexto e os fatores que levaram a família àquele momento podem mudar abruptamente, dando início a uma nova onda. Apesar disso, nosso estudo contribui para uma nova perspectiva sobre a influência dos familiares na esperança familiar. As ondas de esperança da família geram energia motriz, que pode ser ilustrada por um membro da família esperançoso e capaz de promover ou manter a esperança familiar. A esperança é reconhecida como experiência humana unitária(99 Doe MJ. Conceptual Foreknowings: An Integrative Review of Hope. Nurs Sci Q. 2020 Jan 3;33(1):55-64. doi: https://doi.org/10.1177/0894318419881805
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). Porém, uma vez legitimada como recurso familiar, deve ser assumida como unidade sistêmica e incluída no planejamento do cuidado à família. Os enfermeiros e outros profissionais de saúde deverão ser capazes de identificar e avaliar a esperança através das lentes do sistema familiar e de suas experiências únicas. A teoria de Sistemas Familiares aplicada à Enfermagem reconhece que a doença é um assunto de família(1919 Wright LM, Leahey M. Theoretical Foundations of the Calgary Family Assessment and Intervention Models. In: Shajani Z, Snell D, editors. A Guide to Family Assessment and Intervention. 7th revise. Philadelphia (PA): F.A. Davis Company; 2019. p. 21-50.); com nosso estudo, estendemos esse reconhecimento apresentando que a esperança também é um assunto de família.

Este estudo apresenta fortalezas e limitações. Consideramos como fortalezas: a) a inclusão da unidade familiar(2121 Leite ACAB, García-Vivar C, Nascimento LC. Using Photo-Elicitation Interviews With Families of Children and Adolescents With Chronic Illness. Nurs Res. 2021 May 29;70(3):E21-8. doi: https://doi.org/10.1097/NNR.0000000000000501
https://doi.org/10.1097/NNR.000000000000...
); b) a realização de entrevistas familiares com foto-elicitação que permitiram a coleta interativa de dados para obter narrativas dos familiares, das crianças e dos adolescentes(2121 Leite ACAB, García-Vivar C, Nascimento LC. Using Photo-Elicitation Interviews With Families of Children and Adolescents With Chronic Illness. Nurs Res. 2021 May 29;70(3):E21-8. doi: https://doi.org/10.1097/NNR.0000000000000501
https://doi.org/10.1097/NNR.000000000000...
); c) o rigor utilizado no desenvolvimento deste estudo e a descrição detalhada do método, que poderá servir de modelo para futuras pesquisas qualitativas; e d) a utilização de um referencial teórico e da triangulação teórica dos dados, que permitiu uma análise mais profunda dos dados. Como limitação, destaca-se a inclusão de uma amostra homogênea, em virtude da pequena variabilidade nas estruturas familiares, do contexto de vida e dos diagnósticos de doenças crônicas. No entanto, a inclusão de diferentes doenças crônicas complexas, bem como o aprofundamento da experiência de esperança em cada família, contribuiu com novo conhecimento sobre as características da esperança nessas famílias, que pode nortear futuros estudos qualitativos.

Nesse sentido, os resultados deste estudo podem auxiliar as equipes de saúde no planejamento de um cuidado familiar sistêmico, reconhecendo a esperança como um recurso familiar essencial e dinâmico. Nossos resultados contribuem com a proposta das Ondas de Esperança Familiar, explicando como a esperança familiar é dinâmica e está relacionada ao contexto, tempo e estrutura familiar. No campo educacional, essa perspectiva pode ser utilizada para ensinar os estudantes de enfermagem a considerarem os aspectos mencionados acima no cuidado centrado na família. Ressaltamos que este estudo apresenta semelhanças e singularidades em relação às experiências de esperança das famílias no contexto da doença crônica pediátrica e que a transferência e interpretação de seus resultados precisam considerar o contexto em que foi desenvolvido.

No que se refere a pesquisas futuras, destacamos a necessidade de estudos com diferentes estruturas familiares e em distintos contextos culturais e de cuidado, por exemplo, com famílias de culturas orientais, ou no contexto de cuidados de fim de vida pediátricos. Além disso, consideramos importante desenvolver estudos com profissionais de saúde, principalmente com enfermeiros, para identificar suas perspectivas sobre a esperança familiar, as barreiras que encontram e as estratégias que utilizam para superá-las.

Conclusão

Este estudo analisou as narrativas sobre as experiências de esperança de famílias no contexto da doença crônica pediátrica e contribuiu para reforçar a perspectiva das Ondas de Esperança Familiar. Os resultados corroboraram o referencial teórico e a triangulação teórica de dados utilizados, os quais evidenciam a interação e reciprocidades dos membros da unidade familiar, bem como a dinâmica da esperança. As narrativas familiares permitiram aprofundar a experiência da esperança familiar na trajetória da doença crônica, evidenciando que ela se constituiu de diferentes tipos de esperança e que sua dinâmica foi influenciada por quatro fatores. Além disso, os movimentos das ondas de esperança familiar geraram uma energia motriz capaz de promover a esperança familiar em tempos de crise. Esses resultados podem auxiliar os profissionais de saúde no planejamento do cuidado à família, considerando a esperança como um recurso familiar essencial e dinâmico.

  • *
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Código de Financiamento 001 e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil.

Agradecimentos

Agradecemos às famílias que participaram deste estudo. Agradecemos também ao Sr. Albert E. Karch, por seu auxílio na diagramação das figuras neste artigo.

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Editado por

Editora Associada: Sueli Aparecida Frari Galera

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    01 Jun 2021
  • Aceito
    06 Set 2021
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