Pacientes oncológicos sob cuidados paliativos: ocorrências relacionadas à punção venosa e hipodermóclise

Resumo

Objetivo:

identificar as ocorrências relacionadas à punção venosa periférica e à hipodermóclise entre pacientes internados em um hospital geral e em um hospital exclusivo de assistência a pacientes em cuidados paliativos oncológicos.

Método:

estudo observacional, descritivo e multicêntrico. A amostra do tipo consecutiva e não probabilística foi constituída por 160 pacientes oncológicos internados sob cuidados paliativos. A variável desfecho correspondeu às ocorrências e complicações relacionadas a cada tipo de punção. Utilizou-se um questionário contendo as variáveis sociodemográficas e clínicas e um roteiro estruturado para acompanhamento e avaliação diária da punção. Foram utilizadas estatísticas descritivas para a análise dos dados.

Resultados:

as ocorrências relacionadas à punção venosa no hospital geral foram sujidade de sangue na inserção do cateter (17,4 %) e prazo de uso expirado (15,8%), enquanto no serviço específico para atendimento a pacientes sob cuidados paliativos foram prazo de uso expirado (32%) seguido de infiltração (18,9%). Quanto à hipodermóclise, foram duas punções subcutâneas com sinais flogísticos (1,0%) no hospital geral e um hematoma no local de inserção do cateter (0,5%). No serviço específico para atendimento a pacientes sob cuidados paliativos foram três punções subcutâneas com sinais flogísticos (5,7%).

Conclusão:

as ocorrências relacionadas à punção venosa periférica foram superiores às relacionadas à hipodermóclise.

Descritores:
Cuidados Paliativos; Hipodermóclise; Infusões Subcutâneas; Cateterismo Periférico; Oncologia; Enfermagem

Abstract

Objective:

to identify the occurrences related to peripheral venipuncture and hypodermoclysis among patients hospitalized in a general hospital and in an exclusive hospital institution for the care of patients in palliative cancer care.

Method:

an observational, descriptive and multicenter study. The consecutive and non-probabilistic sample consisted of 160 cancer patients hospitalized in Palliative Care. The outcome variable corresponded to the occurrences and complications related to each type of puncture. A questionnaire containing the sociodemographic and clinical variables and a structured script for monitoring and daily evaluation of the puncture were used. Descriptive statistics were employed for data analysis.

Results:

the occurrences related to venipuncture at a general hospital were blood soiling at catheter insertion (17.4%) and expired use period (15.8%), while at a specific service for the care of patients under palliative care they were expired use period (32%) followed by infiltration (18.9%). As for hypodermoclysis, there were two subcutaneous punctures with phlogistic signs (1.0%) at the general hospital and a hematoma at the catheter insertion site (0.5%). At the specific service for the care of patients under palliative care there were three subcutaneous punctures with phlogistic signs (5.7%).

Conclusion:

the number of occurrences related to peripheral venipuncture was higher than those related to hypodermoclysis.

Descriptors:
Palliative Care; Hypodermoclysis; Subcutaneous Infusions; Peripheral Catheterization; Medical Oncology; Nursing

Resumen

Objetivo:

identificar los eventos relacionados con la venopunción periférica y la hipodermoclisis en pacientes hospitalizados en un hospital general y en un hospital que atiende exclusivamente a pacientes en cuidados paliativos oncológicos.

Método:

estudio observacional, descriptivo y multicéntrico. La muestra consecutiva y no probabilística estuvo compuesta por 160 pacientes oncológicos hospitalizados que reciben cuidados paliativos. La variable resultado correspondió a los eventos y complicaciones relacionados con cada tipo de punción. Se utilizó un cuestionario con variables sociodemográficas y clínicas y una guía estructurada para el seguimiento diario y la evaluación de la punción. Se utilizó estadística descriptiva para el análisis de datos.

Resultados:

los eventos relacionados con la venopunción en un hospital general fueron contaminación de sangre en la inserción del catéter (17,4%) y catéter vencido (15,8%), mientras que en un hospital específico que atiende exclusivamente a pacientes en cuidados paliativos oncológicos fueron catéter vencido (32%) seguido de infiltración (18,9%). En cuanto a la hipodermoclisis, hubo dos punciones subcutáneas con signos flogísticos (1,0%) en hospital general y un hematoma en el lugar de inserción del catéter (0,5%). En el hospital en un hospital que atiende exclusivamente a pacientes en cuidados paliativos oncológicos hubo tres punciones subcutáneas con signos flogísticos (5,7%).

Conclusión:

los eventos relacionados con la venopunción periférica fueron mayores que los relacionados con la hipodermoclisis.

Descriptores:
Cuidados Paliativos; Hipodermoclisis; Infusiones Subcutáneas; Cateterismo Periférico; Oncología Médica; Enfermería

Destaques

(1) Ocorreram mais complicações relacionadas à punção venosa do que à hipodermóclise.

(2) A hipodermóclise oferece maior segurança ao paciente.

(3) É recomendado o treinamento dos profissionais sobre o uso da hipodermóclise.

(4) O ensino da prática da hipodermóclise deve ser estimulado nas universidades.

(5) O estudo poderá contribuir para maior adesão à hipodermóclise.

Introdução

Cuidados Paliativos (CP) são oferecidos principalmente a pessoas que estão no final da vida sem restrição de idade, as quais, devido às doenças graves enfrentam sofrimento intenso relativo à saúde. O objetivo dos CP é oferecer cuidados holísticos ativos e melhorar a qualidade de vida dos pacientes, de suas famílias e de seus cuidadores¹.

A hospitalização de pacientes em CP é recorrente em decorrência da necessidade de controle dos sinais e sintomas por eles apresentados exigidos pelas complicações relacionadas ao próprio diagnóstico e evolução da doença. Em tais situações, é necessária a obtenção de uma via de acesso para a terapia medicamentosa parenteral².

Dessa forma, algumas opções tecnológicas na área da saúde e no desenvolvimento da terapêutica em CP têm sido adotadas, tais como técnicas e opções para a administração de fluídos e medicamentos. Vias alternativas precisam ser consideradas para esse fim, uma vez que pacientes sob CP comumente apresentam dificuldades e/ou impossibilidade de administração de medicamentos por via oral em face de sintomas apresentados^3-4.

O uso de cateteres venosos periféricos (CVP) para a administração intravenosa de medicamentos e soluções se tornaram um recurso indispensável ao cuidado em ambiente hospitalar⁵. Entretanto, estudos têm documentado elevada incidência de traumas vasculares periféricos quando da utilização do CVP, além de outras complicações, sendo as mais frequentes, flebite, infecção no local de inserção do cateter, bacteremia e sepse, reforçando que a utilização de tais dispositivos não está isenta de riscos de complicações^5-8.

Diante disso, considerando o perfil de pacientes sob CP em que, muitas vezes, a fragilidade da rede venosa dificulta ou impede a punção de uma veia periférica, é necessário considerar outras vias possíveis, das quais uma delas é a punção da via subcutânea ou hipodermóclise.

O termo hipodermóclise se refere à infusão de fluidos isotônicos e/ou medicamentos pela via subcutânea (SC)⁹. Trata-se de um procedimento mais simples do que a punção venosa periférica, seguro e sem complicações graves. Porém, a técnica, ainda é pouco difundida e utilizada na prática clínica^2,10.

As complicações relacionadas ao uso da via SC são raras quando é adotado o uso correto da técnica de punção, da diluição e da infusão de medicamentos^11-12. Além disso, o uso da via SC é menos oneroso e menos invasivo do que o uso da via endovenosa¹¹.

Entretanto, vale salientar que a hipodermóclise tem indicações distintas e seu uso deve ser criteriosamente avaliado, levando-se em consideração as características do paciente e dos medicamentos prescritos, entre outras^12-13.

No cenário nacional, as publicações sobre as complicações relacionadas à hipodermóclise em comparação à punção venosa periférica se restringem aos estudos de revisão^4,14.

Em face do exposto, o objetivo deste estudo foi identificar as ocorrências relacionadas à punção venosa periférica e à hipodermóclise entre pacientes internados em um hospital geral e em um hospital exclusivo de assistência a pacientes em cuidados paliativos oncológicos.

Método

Delineamento do estudo

Estudo observacional, descritivo e multicêntrico.

Local do estudo

O estudo foi realizado em dois serviços de saúde. Um dos serviços contemplou as enfermarias de clínica médica do Hospital Estadual de Ribeirão Preto (HERP), um hospital de ensino, público, de nível secundário, do interior do estado de São Paulo. O referido serviço possui um total de 50 leitos, subdivididos em duas enfermarias com 25 leitos cada e conta com 10 leitos exclusivos para a internação de pacientes em cuidados paliativos. O paciente internado nesse serviço é, geralmente, encaminhado por unidades de pronto-atendimento ou hospitais gerais para controle de sinais e sintomas ou cuidados de fim de vida. Neste serviço, a média mensal de internação de pacientes em cuidados paliativos é de, aproximadamente, 17 pacientes.

O outro serviço de saúde foi o Hospital do Câncer IV (HC IV) - Unidade de Cuidados Paliativos do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), localizado no município do Rio de Janeiro. O HC IV conta com uma estrutura hospitalar destinada ao atendimento integral e ativo de todos os pacientes com doença oncológica avançada, sem possibilidade de cura. Os pacientes são oriundos das Unidades Hospitalares do complexo INCA por meio dos Postos Avançados numa média de 153 pacientes encaminhados/mês. Depois de obter a matrícula no HC IV, o paciente é atendido em uma das três modalidades de acompanhamento: internação hospitalar, assistência domiciliar ou ambulatório. O setor de internação hospitalar conta com 56 leitos, subdivididos em quatro andares destinados a pacientes encaminhados para controle de sinais e sintomas, pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos eletivos e pacientes em cuidados de fim de vida, sendo que a média mensal de internações é de 170 pacientes.

Período

O período de recrutamento ocorreu entre janeiro de 2019 a fevereiro de 2020.

População e amostra

A amostra foi do tipo consecutiva e não probabilística, constituída por 160 pacientes oncológicos internados sob cuidados paliativos. Os potenciais participantes foram identificados por busca ativa diária nas unidades de internação. Nesse momento, era feita a verificação dos critérios de elegibilidade. Os potenciais participantes eram convidados para a pesquisa que implicava a observação diária da punção (venosa ou subcutânea) e avaliação das condições clínicas do paciente. Nas situações em que o paciente não apresentava condições clínicas para consentir com sua participação no estudo, seu acompanhante era o responsável por fazê-lo.

Critérios de seleção

Os critérios de inclusão foram pacientes oncológicos com idade superior a 18 anos, de ambos os sexos, internados sob cuidados paliativos (CID Z51.5 registrado no prontuário) e que tinham a necessidade de uma punção para a terapia medicamentosa parenteral durante a internação, independentemente de sua condição clínica e estado cognitivo. Foram excluídos aqueles que foram admitidos nas unidades de internação com um cateter já puncionado em outro serviço.

Instrumentos utilizados para a coleta das informações

Para esse estudo, foram utilizados questionários para a obtenção das variáveis sociodemográficas e clínicas e roteiro para avaliação e acompanhamento diário da punção. Para obtenção das variáveis sociodemográficas, a pesquisadora construiu um questionário contendo as seguintes variáveis: data da entrevista, data de nascimento (para posterior cálculo da idade), sexo, estado civil, escolaridade (em anos completos de estudo formal), principal cuidador.

Para obtenção das variáveis clínicas, a pesquisadora construiu um questionário contendo as seguintes variáveis: doença oncológica de base/diagnóstico médico, presença de metástase, tipo de punção, finalidade da punção venosa periférica ou hipodermóclise (hidratação, analgesia, antibioticoterapia, sedação paliativa, controle de outros sintomas). O questionário foi submetido a três especialistas em CP para avaliação da adequação do conteúdo aos objetivos da pesquisa.

Um roteiro sistematizado estruturado e elaborado pela pesquisadora foi utilizado para a avaliação e acompanhamento diário da punção venosa e hipodermóclise. A observação diária foi realizada por um enfermeiro do serviço participante do estudo, dois alunos do curso de graduação em enfermagem e a pesquisadora principal. Para o balizamento das observações, foi realizado um treinamento pela pesquisadora abordando os objetivos do projeto e os itens do roteiro visando à acurácia dos dados coletados. O roteiro, subdividido em duas partes, contém os seguintes itens: data da punção, tipo de punção (venosa ou hipodermóclise), número de tentativas de punção venosa, local da punção subcutânea, local da punção venosa, tipo de cateter utilizado e calibre. A segunda parte se refere ao seguimento da punção venosa e hipodermóclise e contém os seguintes itens: presença de sinais flogísticos no local de inserção do cateter e outras ocorrências ou complicações com a punção. O roteiro foi construído com base nos principais aspectos que envolvem a realização da punção venosa e subcutânea e sua manutenção e foi submetido a três especialistas em CP para avaliação da adequação do conteúdo aos objetivos da pesquisa.

Coleta de dados

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista com o paciente ou seu responsável legal, consulta ao prontuário, avaliação e acompanhamento diário da punção (venosa ou subcutânea), desde sua obtenção até o momento em que não havia mais indicação (suspensão dos medicamentos parenterais, alta hospitalar ou óbito do paciente).

Para possibilitar a equiparação entre as técnicas de punção e manutenção de cateter venoso ou subcutâneo, os Procedimentos Operacionais Padrão de ambos os serviços foram comparados e, observando-se equivalência ou ausência de diferenças significativas entre eles, foi possível dar início à coleta de dados, de modo a eliminar vieses relacionados aos procedimentos realizados em cada serviço.

Seguindo uma escala pré-determinada, a equipe de pesquisadores se revezou ao longo das semanas para a realização da coleta de dados, que ocorria diariamente e sempre no período da manhã. O desfecho primário envolvia a observação das ocorrências ou complicações relacionadas à punção. As ocorrências ou complicações abrangiam: sujidade no local de inserção do cateter, deslocamento do cateter, obstrução do cateter, infiltração ou extravasamento, flebite, fixação inadequada, entre outras, que pudessem inviabilizar a permanência do cateter ou constituir-se em um risco para complicações mais graves.

Durante o período de coleta de dados não houve perdas de seguimento dos pacientes.

Tratamento e análise dos dados

Os dados foram estruturados em planilhas do programa Microsoft Excel, passando por dupla digitação e uma etapa de verificação, para minimizar erros de transcrição. Para a caracterização sociodemográfica e clínica, foram utilizadas estatísticas descritivas com o intuito de sumarizar as informações de interesse. As variáveis qualitativas foram descritas em termos de frequência absoluta e percentual, e as variáveis quantitativas, descritas utilizando medidas de tendência central (média) e dispersão (desvio-padrão).

O planejamento inicial do estudo previa a comparação entre o número de ocorrências e complicações relacionadas à punção em cada serviço onde se deu a coleta, abrangendo análises de dados mais robustas, entretanto, a discrepância entre o número de participantes em cada serviço impediu tais análises.

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética sob o número CAAE 91320318.1.3002.5440 e pelo Comitê de Ética do Instituto Nacional do Câncer sob número CAAE 91320318.1.3001.5274. Participante e pesquisador assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados

Participaram do estudo 160 pacientes oncológicos internados sob cuidados paliativos, sendo 119 (74,4%) no HERP e 41 (25,6%) no INCA. A Tabela 1 apresenta os dados sociodemográficos dos participantes segundo o local de internação.

Tabela 1
Características sociodemográficas dos participantes segundo o local de internação. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2020

Variáveis	HERP*			INCA†
	n	%	média	n	%	média
Sexo
Masculino	57	47,9		20	48,8
Feminino	62	52,1		21	51,2
Idade			67,4			60,8
Faixas etárias
18 - 59	26	21,9		22	53,6
> 60	93	78,1		19	46,4
Estado civil
Solteiro	17	14,3		09	21,9
Casado/união consensual	63	52,9		22	53,7
Separado/divorciado	18	15,1		04	9,8
Viúvo	21	17,7		06	14,6
Escolaridade (anos completos)			5,4			7,6
Cuidador principal‡
Familiar	111	94,1		37	94,9
Não familiar	07	5,9		02	5,1

• *HERP = Hospital Estadual de Ribeirão Preto; ^†INCA = Instituto Nacional de Câncer; ^‡Valores perdidos = HERP=1 (0,8%) e INCA=2 (4,9%).

As características clínicas dos participantes do estudo estão apresentadas na Tabela 2.

Tabela 2
Características clínicas dos pacientes segundo o local de internação. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2020

Variáveis	HERP*		INCA†
	n	%	n	%
Neoplasia maligna primária
Colorretal	15	12,6	02	4,9
Pulmão	15	12,6	02	4,9
Cabeça e pescoço	13	10,9	06	14,6
Mama feminina	13	10,9	04	9,8
Esôfago	09	7,6	01	2,4
Próstata	07	5,9	03	7,3
SNC‡	07	5,9	02	4,9
Pâncreas	06	5,0	01	2,4
Metástases
Pulmonar	33	17,3	10	13,0
Hepática	28	14,6	9	11,7
Óssea	26	13,6	14	18,2
SNC‡	13	6,8	4	5,2
Linfonodos	12	6,3	16	20,8
Pleura	6	3,1	2	2,6
Intestino	4	2,0	0	-
Peritônio	3	1,6	6	7,8

• *HERP = Hospital Estadual de Ribeirão Preto; ^†INCA = Instituto Nacional de Câncer; ^‡SNC = Sistema Nervoso Central.

A Tabela 3 apresenta o total e tipos de punção observadas em cada local de internação.

Tabela 3
Total de punções observadas segundo o local de internação. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2020

Variáveis	HERP* (394)		INCA† (97)
	n	%	n	%
Tipos de punção
Venosa periférica	342	86,8	72	74,2
Subcutânea	52	13,2	25	25,8

• *HERP = Hospital Estadual de Ribeirão Preto; ^†INCA = Instituto Nacional de Câncer

No HERP, a principal finalidade da punção foi a antibioticoterapia (34,7%), seguida de analgesia (34%), enquanto no INCA a principal finalidade foi a analgesia (37,7%), seguida de hidratação (21,3%).

No que se refere às ocorrências relacionadas à hipodermóclise, no HERP, foram identificadas duas punções subcutâneas apresentando sinais flogísticos (1,0%) e um hematoma no local de inserção do cateter (0,5%). No INCA, três punções subcutâneas apresentaram sinais flogísticos (5,7%). As ocorrências relacionadas às punções venosas estão apresentadas na Tabela 4.

Tabela 4
Ocorrências relacionadas à punção venosa segundo o local de internação. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2020

Variáveis	HERP*		INCA†
	n	%	n	%
Ocorrências
Sujidade de sangue na inserção do cateter	32	17,4	3	5,7
Cateter com prazo de uso expirado	29	15,8	17	32,0
Cateter tracionado/ exteriorizado	26	14,1	3	5,7
Infiltração	24	13,0	10	18,9
Fixação não permite a visualização do local de inserção do cateter	18	9,8	7	13,2
Oclusão (cateter obstruído)	12	6,5	2	3,8
Hematoma	9	4,9	3	5,7
Flebite - grau 1	7	3,8	1	1,9
Cobertura parcialmente solta	6	3,3	0	-
Dor local	5	2,7	0	-
Flebite - grau 2	5	2,7	0	-
Flebite - grau 3	2	1,0	0	-
Maceração do orifício de inserção do cateter (alargamento do orifício)	2	1,0	0	-
Cateter dobrado	1	0,5	1	1,9
Flebite - grau 4	2	1,0	0	-
Vazamento no local de inserção do cateter	1	0,5	1	1,9

• *HERP = Hospital Estadual de Ribeirão Preto; ^†INCA = Instituto Nacional de Câncer

Discussão

No presente estudo, foi superior o número de participantes do sexo feminino nos dois locais de internação, corroborando outros estudos nacionais e internacionais^15-21. Tanto, no Brasil, quanto em outros países em desenvolvimento, há o predomínio de câncer no sexo feminino, o que está relacionado aos altos índices de detecção de neoplasias específicas a esse gênero tal como o câncer de colo uterino²².

Foi observado o predomínio de pacientes idosos no presente estudo. Em estudo que teve por objetivo caracterizar os pacientes avaliados pelo serviço de Cuidados Paliativos de um Hospital Universitário da região Sudeste do Brasil, obtiveram predomínio de pacientes idosos na população de interesse²³ assim como em alguns estudos internacionais^17-18. Estudo que teve por objetivo avaliar a qualidade de vida de pacientes oncológicos em cuidados paliativos obteve participantes mais jovens em seu estudo, divergindo dos achados da presente pesquisa²⁰.

A idade avançada dos pacientes participantes do estudo reforça as estimativas demográficas que indicam o aumento da expectativa de vida e, consequente, envelhecimento populacional. Dessa forma, as doenças crônico-degenerativas devem ser consideradas prioridades na assistência à saúde²⁴.

Assim como no presente estudo, autores identificaram que o estado civil mais frequente entre os participantes foi referente ao de casado (52%)²³. Outro estudo que teve por objetivo avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde de pacientes com câncer em cuidados paliativos e sua associação com aspectos sociodemográficos e clínicos, também obteve maior participação de pacientes casados ou em união consensual¹⁶. Estudos sugerem maior nível de apoio social entre pacientes com presença de cuidador. Com o diagnóstico de uma doença crônica, sentimentos de ameaça à vida, incertezas e estresse emergem e acometem paciente e família. Dessa forma, o papel dos familiares se torna primordial, favorecendo o ajustamento psicológico bem como pelo auxílio no manejo dos sintomas ocasionados pela doença^25-27.

Estudo que teve por objetivo avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde de pacientes com câncer em cuidados paliativos e sua associação com aspectos sociodemográficos e clínicos identificou baixa escolaridade entre os participantes assim como os achados dessa pesquisa, que obteve uma média de anos de estudo de 5,4 no HERP e 7,6, no INCA¹⁵. Tais autores referem que a baixa escolaridade associada ao aumento da idade se torna preocupante no que diz respeito à capacidade de essas pessoas compreenderem corretamente informações, orientações e recomendações relacionadas ao cuidado da saúde de um modo geral¹⁶.

O câncer colorretal, seguido do câncer de pulmão foram os mais frequentes no HERP. Já no INCA, os que predominaram foram câncer de cabeça e pescoço e câncer de mama.

A mais recente estimativa mundial aponta que ocorreram no mundo 18 milhões de casos novos de câncer (17 milhões sem contar os casos de câncer de pele não melanoma). O câncer de pulmão é o mais incidente no mundo (2,1 milhões) seguido do câncer de mama (2,1 milhões), cólon e reto (1,8 milhão) e próstata (1,3 milhão). Os tipos de câncer mais frequentes nos homens foram o câncer de pulmão (14,5%), próstata (13,5%), cólon e reto (10,9%), estômago (7,2%) e fígado (6,3%). Nas mulheres, as maiores incidências foram câncer de mama (24,2%), cólon e reto (9,5%), pulmão (8,4%) e colo do útero (6,6%)²⁸.

Os dados obtidos neste estudo diferem de outros realizados com o mesmo perfil de pacientes. Em estudo realizado em 2020, os autores identificaram que os cânceres mais prevalentes na população estudada foram os ginecológicos (23,8%), do sistema gastrointestinal (19,1%) e mama (14,3%)²⁰.

No presente estudo, o principal cuidador correspondia a um familiar em ambas as instituições. Os cuidadores familiares desempenham um importante papel no cuidar de um paciente em situação de doença avançada²⁹. Entretanto, é preciso estar atento à carga emocional envolvida no processo de cuidar de um familiar em cuidados paliativos, ou seja, é preciso que os profissionais de enfermagem encorajam os cuidadores familiares na atribuição dos cuidados e estejam atentos à identificação e minoração dos fatores estressores a que eles estão suscetíveis³⁰.

Nas duas instituições participantes do estudo, o número de punções venosas realizadas foi significativamente superior às punções subcutâneas. Tal fato se assemelha aos achados em estudo que teve por objetivo analisar o uso de hipodermóclise em pacientes oncológicos com critérios para CP em dois hospitais gerais públicos de Belo Horizonte². Ainda, os autores mencionam que houve maior utilização da via subcutânea pelo serviço que contava com equipe de cuidados paliativos.

Embora a realização da hipodermóclise seja pautada por importantes vantagens à via endovenosa, dentre elas, maior facilidade de punção e menor risco de complicações graves, tal intervenção, ainda é subutilizada na prática clínica³¹.

A principal finalidade para a obtenção de uma via parenteral foi a antibioticoterapia, seguida da analgesia, no HERP. No INCA a principal finalidade foi a analgesia. Tais achados corroboram os resultados de outro estudo que identificou a analgesia como a principal finalidade para o acesso parenteral²⁴. Considerando que uma gama significativa de antibióticos é incompatível com a via subcutânea, o fato de observar um maior número de punções em um serviço em que a principal finalidade da punção foi a antibioticoterapia é plausível.

A literatura aponta que é frequente a hospitalização de pacientes em cuidados paliativos motivada pela necessidade de controle de sintomas desagradáveis, tais como dor, náuseas e vômitos, dispneia e outros, relacionados à própria doença de base e à sua evolução, impactando sobremaneira a qualidade de vida dos pacientes e que, por isso, precisam ser manejados adequadamente²⁴.

No que se refere às ocorrências relacionadas à hipodermóclise, foram pouco frequentes no presente estudo, manifestadas por complicações locais e facilmente resolvidas sem comprometimento sistêmico. Já as ocorrências relacionadas à punção venosa foram observadas em ambos os serviços investigados, superando significativamente as ocorrências com a punção da via subcutânea.

Estudo que teve por objetivo caracterizar as complicações associadas ao uso da via subcutânea na infusão de medicamentos e soluções em cuidados paliativos observou a ocorrência de edema e hiperemia, as quais se caracterizam por serem de baixa gravidade, reversíveis e com pouca repercussão clínica para o paciente, A celulite também foi observada, tendo ocorrido, contudo, em número muito pequeno de situações (3,5%)³².

Em contrapartida, foram observadas diversas ocorrências relacionadas à punção venosa periférica nos participantes do estudo, sendo as mais frequentes o cateter cujo prazo de validade estava vencido, além de apresentar infiltração do medicamento no tecido subcutâneo e fixação inadequada, que não permitia a observação direta do local de inserção do cateter.

As complicações relacionadas ao uso de cateteres venosos periféricos são bastante comuns³³. Estudo multicêntrico identificou que o uso de cateteres venosos periféricos está associado a elevadas taxas de complicações, tais como, dificuldades na inserção, flebites, infiltração, oclusão entre outras, resultando em remoção e substituição prematuras³⁴.

Os achados do presente estudo corroboram estudo que teve por objetivo avaliar a equipe de enfermagem quanto às condutas de punção e manutenção do cateter intravenoso periférico, em que várias ocorrências permearam a manutenção do cateter endovenoso. Tal estudo identificou que 53% dos participantes observados em seu estudo apresentavam punções venosas com sujidade de sangue no curativo transparente, 30,1% das punções estavam sem data, favorecendo, consequentemente, a falta de controle sobre o tempo adequado de permanência do cateter³³. O mesmo estudo identificou que 3% dos pacientes apresentaram sinais clínicos como presença de eritema, com ou sem dor local, sendo classificado como flebite grau 1; 1,8% apresentaram eritema com dor e/ou edema no local de inserção do cateter e foram classificados como grau 2; apenas 0,3% foi classificado como grau 3, visto que apresentou eritema, dor local e/ou edema com endurecimento e cordão fibroso palpável³⁵. O presente estudo apontou valores semelhantes em relação à ocorrência de flebite, porém, apenas a flebite grau 1 ocorreu nos dois serviços investigados.

Estudo de coorte prospectiva que buscou identificar fatores de risco inerentes e modificáveis relacionados ao uso de cateter venoso periférico identificou como falha mais comum entre os participantes a oclusão do cateter, com taxa semelhante à do presente estudo³⁶.

Em face de tais apontamentos, observa-se que as falhas relacionadas ao uso de cateteres venosos são comuns, e é real a inconsistência entre o que é recomendado nos guidelines e a prática³⁴. Dessa forma, é necessário que os enfermeiros supervisores das unidades de internação revisem protocolos vigentes de inserção e de manutenção do cateter intravenoso periférico, ofertando especial atenção ao monitoramento dos fatores predisponentes para possíveis complicações, tais como data de expiração do cateter, fixação dos curativos, proteção do cateter durante o banho, escolha de calibres menores para a punção, entre outros, propostos pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)³⁵.

Além do constante monitoramento da terapia parenteral, o enfermeiro deve avaliar as características do paciente, dos medicamentos prescritos, o tempo previsto de tratamento e os fatores de risco para a ocorrência de complicações. Além disso, é necessária uma avaliação dos riscos e benefícios de cada tipo de cateter bem como considerar as preferências do paciente.

Dessa forma, considerar os aspectos relacionados ao perfil do paciente oncológico internado sob cuidados paliativos é relevante para a decisão a ser tomada em relação a optar por um acesso intravenoso ou subcutâneo.

Nesse sentido, o presente estudo contribui para o avanço do conhecimento científico à medida em que traz evidências claras sobre as ocorrências relacionadas à punção venosa e hipodermóclise em pacientes oncológicos, possibilitando que esses profissionais avaliem com parcimônia qual deve ser a opção mais adequada entre os dois procedimentos de modo a assegurar uma assistência de qualidade e livre de danos a esse perfil de pacientes.

Uma limitação desse estudo foi a impossibilidade de comparar os achados entre os dois serviços, sendo eles um hospital geral e o outro um serviço específico para atendimento a pacientes sob cuidados paliativos. O número de participantes em cada um dos serviços foi bastante discrepante, o que impossibilitou que fossem feitas análises estatísticas que permitissem a comparação entre os serviços. Entretanto, foi possível identificar evidências que reforçam a literatura vigente, de que a hipodermóclise apresenta menos complicações que a punção venosa periférica. Estudos da mesma natureza envolvendo metodologia e análises mais robustas poderão levar à produção de novas evidências capazes de favorecer a prática clínica da hipodermóclise.

Conclusão

O número de ocorrências e complicações relacionadas à punção venosa periférica foi consideravelmente superior às relacionadas à hipodermóclise, sendo as mais comuns a sujidade de sangue na inserção do cateter venoso, cateter com prazo de uso expirado, infiltração e fixação inadequada, impossibilitando a monitoração do local de inserção do cateter. Também, em menor proporção, foi observada a ocorrência de flebites.

Dessa forma, sugere-se que a hipodermóclise oferece maior segurança ao paciente, no que se refere às complicações decorrentes da punção e manutenção de um cateter no tecido subcutâneo do que a punção venosa periférica.

É recomendado o treinamento dos profissionais sobre o uso da hipodermóclise, assim como a adoção de guidelines e protocolos que possam nortear a prática clínica dos profissionais de enfermagem de modo a favorecer a adesão a essa técnica. Ainda, o ensino da prática da hipodermóclise deve ser estimulado nas universidades, de modo a favorecer a formação de profissionais capacitados para a sua realização.

Esse estudo poderá contribuir para a modificação dos procedimentos relacionados à administração de medicamentos e fluidos a pacientes oncológicos em cuidados paliativos, e consequentemente colaborar para a maior adesão dos profissionais de enfermagem quanto à utilização da hipodermóclise como segunda via de escolha, em situações de prejuízo à administração pela via oral.

Agradecimentos

Agradecemos à equipe de enfermagem do HC IV - INCA pela colaboração na fase de coleta de dados.

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• 4
  Este artigo refere-se à chamada temática “Inovação na prática, no ensino ou na pesquisa em saúde e Enfermagem”.

Editado por

Editora Associada

Maria Lúcia Zanetti

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  12 Ago 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  03 Dez 2021
• Aceito
  03 Abr 2022