Efetividade da auriculoterapia na redução de estresse em trabalhadores de saúde: ensaio clínico controlado randomizado

Resumo

Objetivo:

avaliar a efetividade da auriculoterapia na redução do estresse ocupacional em trabalhadores de saúde da Estratégia de Saúde da Família durante a pandemia da COVID-19.

Método:

ensaio clínico controlado randomizado em dois grupos: grupo auriculoterapia para o estresse e grupo placebo. Foi utilizado o teste de Shapiro-Wilk para avaliar a normalidade dos dados. O teste ANOVA de medidas repetidas e o teste post-hoc Tukey foram aplicados para o grupo com amostras normais. Já o teste de Friedman e de Durbin-Conover foram utilizados no grupo com distribuição não normal. Para o tamanho do efeito da terapia, foi calculado o índice d de Cohen. Considerou-se o nível de significância de 95% e valor p<0,05.

Resultados:

o grupo auriculoterapia apresentou redução do estresse ocupacional de 16,3 e 23,7% após a terceira e sexta sessões de auriculoterapia, com índices d de Cohen de 1,12 (grande efeito) e 1,82 (efeito muito grande), respectivamente.

Conclusão:

a auriculoterapia mostrou-se efetiva na redução do estresse ocupacional em trabalhadores de saúde da Estratégia Saúde da Família durante a pandemia da COVID-19. Sugere-se que novos estudos sejam desenvolvidos durante e após a pandemia de maneira a melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores de saúde. Registro ReBEC: RBR - 38hjyt3.

Descritores:
Auriculoterapia; Práticas Integrativas; Estresse Ocupacional; Saúde do Trabalhador; Epidemiologia; COVID-19

Abstract

Objective:

to assess the effectiveness of auriculotherapy in reducing occupational stress among Family Health Strategy workers during the COVID-19 pandemic.

Method:

a controlled randomized clinical trial divided into two groups, namely: auriculotherapy for stress group and placebo group. The Shapiro-Wilk test was used to assess data normality. The ANOVA test for repeated measures and the Tukey post-hoc test were applied to the group with normal samples. In turn, the Friedman and Durbin-Conover tests were employed in the group with non-normal distribution. Cohen’s d index was calculated for the therapy effect size. A 95% significance level and p<0.05 were considered.

Results:

the auriculotherapy group presented 16.3% and 23.7% reductions in occupational stress after the third and sixth auriculotherapy sessions, with Cohen’s d indices of 1.12 (large effect) and 1.82 (very large effect), respectively.

Conclusion:

auriculotherapy proved to be effective in reducing occupational stress among Family Health Strategy workers during the COVID-19 pandemic. It is suggested that new studies are developed both during and after the pandemic in order to improve health workers’ Quality of Life. ReBEC registration: RBR - 38hjyt3.

Descriptors:
Auriculotherapy; Integrative Practices; Occupational Stress; Occupational Health; Epidemiology; COVID-19

Resumen

Objetivo:

evaluar la efectividad de la auriculoterapia para la reducción del estrés laboral en trabajadores de salud de la Estrategia Salud de la Familia durante la pandemia de COVID-19.

Método:

ensayo clínico controlado aleatorizado en dos grupos: grupo auriculoterapia para el estrés y grupo placebo. Se utilizó la prueba de Shapiro-Wilk para evaluar la normalidad de los datos. Al grupo con muestras normales se les aplicó la prueba ANOVA de medidas repetidas y la prueba post-hoc de Tukey. Se utilizaron las pruebas de Friedman y Durbin-Conover en el grupo con distribución no normal. Para el tamaño del efecto de la terapia se calculó el índice d de Cohen. Se consideró un nivel de significación del 95% y un valor de p <0,05.

Resultados:

el grupo auriculoterapia mostró una reducción del estrés laboral de 16,3 y 23,7% después de la tercera y sexta sesión de auriculoterapia, con índices d de Cohen de 1,12 (efecto grande) y 1,82 (efecto muy grande), respectivamente.

Conclusión:

la auriculoterapia demostró ser eficaz para la reducción del estrés laboral en trabajadores de la salud de la Estrategia Salud de la Familia durante la pandemia de COVID-19. Se sugiere desarrollar nuevos estudios durante y después de la pandemia con el fin de mejorar la calidad de vida de los trabajadores de la salud. Registro ReBEC: RBR - 38hjyt3.

Descriptores:
Auriculoterapia; Prácticas Integradoras; Estrés Laboral; Salud Laboral; Epidemiología; COVID-19

Destaques

(1) A auriculoterapia é efetiva na redução do estresse laboral em trabalhadores de saúde.

(2) O estudo contemplou profissionais da Estratégia de Saúde da Família.

(3) A auriculoterapia mostrou-se ferramenta de apoio durante a pandemia.

(4) Grupo auriculoterapia apresentou resultados melhores que o grupo placebo.

Introdução

O estresse ocupacional é um desgaste crônico decorrente de fatores ambientais e organizacionais no trabalho que pode acarretar alterações físicas, mentais e comportamentais, como hipertensão arterial, infarto, ansiedade, irritabilidade, cefaleia, desgaste físico, úlceras gástricas, insônia, dentre outras patologias e sintomas^1-2.

Os trabalhadores de saúde estão expostos a uma série de desafios no ambiente de trabalho que são favoráveis ao desenvolvimento do estresse ocupacional como, por exemplo, as relações interprofissionais, lidar com o sofrimento, a dor e, até mesmo, o óbito do paciente, falta de insumos, materiais e equipamentos, alta demanda e jornada de trabalho, situações de violência contra os trabalhadores, baixos salários e precarização dos vínculos de trabalho^3-4.

A pandemia da COVID-19, causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, não só intensificou a jornada de trabalho e a demanda, tornando-as exaustivas, como também trouxe novos desafios, a exemplo do medo de contágio pelo vírus, desconhecimento sobre a nova doença, distanciamento da família, estigma com relação aos profissionais de saúde, contribuindo para o aumento do sofrimento psicossocial e mental^5-8.

Nessa perspectiva, é essencial que ações e estratégias sejam direcionadas aos trabalhadores de saúde no sentido de amenizar o estresse ocupacional e proporcionar melhor qualidade de vida. As Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) podem ser uma ótima alternativa para as linhas de cuidado ao trabalhador, tendo em vista serem de baixo custo, sem efeitos colaterais, contribuem para a diminuição da medicalização e da frequência dos transtornos mentais⁹.

No contexto do Brasil, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PNPICS), no ano de 2006, institucionalizou as práticas integrativas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), com ênfase na Atenção Básica e estimulando alternativas para o cuidado integral e humanizado. Atualmente, 29 práticas estão legitimadas pela política para serem aplicadas na rede de atenção à saúde¹⁰.

Dentre estas práticas, a auriculoterapia constitui uma terapia da Medicina Tradicional Chinesa reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Consiste na estimulação de pontos auriculares por meio de agulhas, esferas metálicas ou sementes, de maneira a produzir impulsos nervosos que chegam ao cérebro, estimulando os sistemas nervosos central e vegetativo, com a liberação de endorfinas, neurotransmissores e neuromediadores que regulam o equilíbrio do organismo, o tratamento de enfermidades e de distúrbios comportamentais e psicossociais, a exemplo do estresse^11-12. Nessa direção, estudos já apontam a efetividade da auriculoterapia na redução do estresse ocupacional em trabalhadores de saúde^13-14.

À vista disso, o presente estudo propôs avaliar a efetividade da auriculoterapia na redução do estresse ocupacional em trabalhadores de saúde da Estratégia de Saúde da Família durante a pandemia da COVID-19.

Método

Desenho do estudo

Ensaio clínico randomizado controlado cego simples baseado na declaração Consolidated Standards of Reporting Trials (CONSORT)¹⁵.

O ensaio clínico randomizado controlado é considerado padrão de referência quanto aos métodos de pesquisa em epidemiologia devido à melhor determinação da eficácia de uma intervenção. É caracterizado por ser experimental, ter arquitetura prospectiva, possuir um grupo controle e randomização da amostra¹⁶. Esta randomização tem o propósito de formar grupos com características semelhantes onde os fatores que possam confundir a interpretação dos resultados tenham seus efeitos anulados a partir da distribuição igual dessas características entre os grupos¹⁷.

Local, período e população

A pesquisa foi desenvolvida com trabalhadores de saúde da Estratégia Saúde da Família (Enfermeiros, Técnicos de Enfermagem, Dentistas, Auxiliares de Saúde Bucal, Agentes Comunitários de Saúde e Médicos) de três Unidades de Saúde da Família (USF) do Distrito Sanitário de Brotas, município de Salvador, Bahia, Brasil.

O estudo consistiu em duas etapas. A primeira etapa, realizada no período de março a maio de 2021, foi de rastreamento epidemiológico, onde os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), responderam a um questionário sociodemográfico e laboral e à Escala do Estresse do Trabalho (EET). Os critérios de inclusão para a etapa de rastreamento foram estar inserido na Equipe de Saúde da Família e desejar participar da pesquisa. Excluíram-se aqueles que se encontravam de férias/licenças e que estavam em trabalho remoto (comorbidades ou gestantes). O rastreamento epidemiológico identificou 145 trabalhadores de saúde elegíveis, todavia; um total de 105 participaram deste primeiro momento da pesquisa.

A segunda etapa foi de randomização e intervenção, realizada no período de junho a agosto de 2021. Foram selecionados os trabalhadores identificados com alto nível de estresse (total de 49 participantes), de acordo com a EET, sendo excluídos, no decorrer da pesquisa, aqueles em gozo de férias (4) ou licenças médicas (5), desistências (4) ou que iniciaram tratamento com auriculoterapia por outras vias (3).

Instrumentos

Utilizou-se um questionário sociodemográfico e laboral elaborado pelos pesquisadores e a EET.

Sobre a EET, trata-se de um instrumento validado em 2004, com coeficiente alfa de Cronbach equivalente a 0,91, ou seja, de excelente confiabilidade, e composto de 23 afirmativas que associam os estressores organizacionais do trabalho a reações emocionais. Os participantes respondem por meio de cinco opções: 1- Discordo totalmente; 2-Discordo; 3- Concordo em partes; 4- Concordo; 5- Concordo totalmente. A maior pontuação é atribuída ao maior nível de estresse¹⁸.

A normalidade da amostra dos valores do estresse foi realizada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov, na fase de rastreamento. A média geral de todos os participantes (valor igual a 2,81) foi utilizada como ponto de corte para a categorização da amostra em nível baixo de estresse (abaixo da média geral) e nível alto de estresse (acima da média geral), sendo este critério de inclusão para a participação do ensaio clínico.

Intervenção

A etapa de intervenção foi realizada por um total de seis aplicadores previamente calibrados quanto à localização dos pontos auriculares e com formação em auriculoterapia, onde cada participante foi acompanhado pelo mesmo aplicador da terapia durante toda esta etapa.

Participaram do ensaio clínico aqueles identificados com nível alto de estresse ocupacional, totalizando 49 trabalhadores (46,67% da amostra). Foi realizada a randomização estratificada pelo programa Microsoft Excel e formação de dois grupos: Grupo Auriculoterapia (25 participantes) com aplicação em pontos indicados para o estresse (pontos Shenmen e Tronco Cerebral) e Grupo Placebo (24 participantes) com aplicação em pontos não indicados para o estresse (pontos Ouvido Externo e Punho), conforme Figura 1.

A estratificação deu-se pela subdivisão dos valores do estresse nível alto (49 participantes) em valores maiores e menores. Após a estratificação, realizou-se randomização de maneira que cada grupo (auriculoterapia e placebo) apresentasse uma distribuição do estresse mais homogênea.

O cegamento foi realizado em todos os participantes, onde apenas os pesquisadores atualizados quanto às técnicas terapêuticas tinham conhecimento da alocação dos voluntários nos grupos.

Figura 1
Pontos auriculares utilizados nos grupos auriculoterapia e placebo

A terapia auricular foi aplicada 01 vez por semana em um total de seis semanas, sendo utilizadas sementes de mostarda fixadas com fita adesiva microporosa hipoalérgica. A Escala do Estresse no Trabalho, além da fase de rastreamento (EET1), foi aplicada na terceira (EET2) e na sexta sessão (EET3) da auriculoterapia e 15 dias após o término da terapia (EET4) como forma de avaliar seu efeito residual. Ao final da intervenção, restaram 17 participantes no grupo auriculoterapia e 16 no grupo placebo. O quantitativo de participantes por grupo está representado pela Figura 2.

Figura 2
Fluxograma dos participantes da pesquisa. Salvador, BA, Brasil, 2021

Análise dos dados

Os dados coletados foram tabulados no programa Microsoft Excel. As medidas de tendência central foram analisadas no programa Stata 11.0.

Na análise estatística da segunda etapa da pesquisa, utilizou-se o programa Jamovi 1.6.23, com aplicação do teste de Shapiro-Wilk nos grupos auriculoterapia e placebo para avaliar a distribuição da normalidade. O teste ANOVA de medidas repetidas foi usado para avaliar a significância da redução do estresse pela terapia e o teste post-hoc Tukey para identificar entre quais grupos pareados houve a significância estatística, em casos de distribuição normal. Em caso de distribuição não normal, utilizou-se o teste de Friedman e o teste de Durbin-Conover.

Para a comparação entre as médias dos grupos auriculoterapia e placebo, utilizou-se o teste U de Mann-Whitney.

Também foi calculado o índice d de Cohen para avaliar o tamanho do efeito da terapia tanto no grupo auriculoterapia quanto no grupo placebo. O índice d de Cohen avalia o tamanho do efeito de uma intervenção. Valores abaixo de 0,19, entre 0,20 e 0,49, entre 0,50 e 0,79, entre 0,80 e 1,29 e acima de 1,30 são classificados como efeito insignificante, pequeno, médio, grande e muito grande, respectivamente¹⁹.

Aspectos éticos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) sob o parecer 4.478.349, autorizada pela Subcoordenadoria de Capacitação e Desenvolvimento de Pessoal da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Salvador sob o parecer 43/2020 e aprovada pelo Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (ReBEC), registro RBR - 38hjyt3. Foram respeitadas as diretrizes referentes a pesquisas em humanos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e os princípios da Declaração de Helsinque.

Resultados

Foram contabilizados 145 trabalhadores da Estratégia de Saúde da Família (ESF) das três Unidades de Saúde da Família. Destes trabalhadores, 02 estavam afastadas por motivo de gestação, 03 exercendo suas atividades em trabalho remoto, 06 em licença médica e 29 recusaram a participação na pesquisa. Assim, 11 trabalhadores foram excluídos da pesquisa de acordo com os critérios de elegibilidade da primeira etapa, totalizando, ao final, 105 participantes.

A média geral do estresse na amostra foi de 2,81, sendo o ponto de corte para a categorização em nível baixo e alto do estresse ocupacional. Um total de 56 participantes (53,33%) apresentaram nível de estresse baixo e 49 (46,67%) foram classificados como nível alto de estresse.

As frequências absolutas e relativas das variáveis sociodemográficas e laborais em cada grupo randomizado estão descritas na Tabela 1. Na fase de intervenção não houve a participação de profissionais médicos. Enfermeiros, técnicos de enfermagem, dentistas e auxiliares de saúde bucal foram categorizados como profissionais de saúde.

Tabela 1
Frequências absolutas (N*) e relativas (%) das variáveis sociodemográficas nos grupos auriculoterapia e placebo. Salvador, BA, Brasil, 2021

Variáveis	Auriculoterapia		Placebo
	N*	%	N*	%
Sexo
Masculino	0	0	2	12,50
Feminino	17	100	14	87,5
Raça/cor
Brancos	2	11,76	1	6,25
Pretos/Pardos	15	88,24	15	93,75
Categoria profissional
Profissional de saúde	6	35,28	9	56,25
Agente comunitário de saúde	11	64,72	7	43,75
Idade
≤45 anos	11	64,71	12	75,00
>45 anos	6	35,29	4	25,00
Tempo Ocupacional na USF†
≤7 anos	7	41,18	10	62,50
>7 anos	10	58,82	6	37,50
Estado Civil
Com companheiro	10	58,82	7	43,75
Sem companheiro	7	41,18	9	56,25
Situação Econômica
Satisfeito	3	17,65	5	31,25
Insatisfeito	14	82,35	11	68,75
ilhos
Sem filhos	3	17,65	4	25,00
Com filhos	14	82,35	12	75,00

• *N = Frequência absoluta dos participantes; ^†USF = Unidades de Saúde da Família

As médias do estresse ocupacional nas quarto etapas de aplicação da Escala do Estresse do Trabalho no grupo auriculoterapia foram de 3,41 na etapa inicial (EET1), seguidas por 2,86 (EET2); 2,60 (EET3) e 2,71 (EET4) nas etapas seguintes. No grupo placebo, os valores encontrados foram de 3,51 (EET1); 3,22 (EET2); 3,10 (EET3) e 3,04 (EET4). As médias e os desvios padrão de cada etapa estão representados na Tabela 2.

Tabela 2
Médias e desvios-padrão (DP) do estresse avaliado nas quatro etapas (Escala do Estresse no Trabalho - EET) aplicadas nos grupos auriculoterapia e placebo. Salvador, BA, Brasil, 2021

Grupo	Número de Participantes	EET1* - Média (DP||)	EET2† - Média (DP||)	EET3‡ - Média (DP||)	EET4§ - Média (DP||)
Auriculoterapia	17	3,41 (±0,41)	2,86 (±0,57)	2,60 (±0,48)	2,71 (±0,36)
Placebo	16	3,51 (±0,58)	3,22 (±0,72)	3,10 (±0,73)	3,04 (±0.68)

• *EET1 = Média do estresse na fase de rastreamento; ^†EET2 = Média do estresse após três sessões de auriculoterapia; ^‡EET3 = Média do estresse após seis sessões de auriculoterapia; ^§EET4 = Média do estresse após 15 dias do término da terapia; ^||DP = Desvio-padrão

No grupo auriculoterapia, a redução do estresse ocupacional dos participantes entre a primeira e a segunda etapa (EET1/EET2) foi de 16,13% com índice d de Cohen igual a 1,12 (grande efeito)¹⁹. Entre a primeira e terceira etapa (EET1/EET3), a redução foi de 23,7%, com índice d de Cohen igual a 1,82 (efeito muito grande)¹⁹ e entre a primeira e quarta etapa (que avaliou o efeito residual da terapia), a redução do estresse foi de 20,5%, com índice d de Cohen mantendo efeito muito grande (1,81)¹⁹. O grupo pareado EET2 não apresentou normalidade pelo teste de Shapiro-Wilk (p=0,02). Neste caso, utilizou-se o teste de Friedman, que apresentou significância estatística (p<0,001). O teste de Durbin-Conover identificou entre quais grupos houve significância estatística: EET1/EET2 (p<0,001), EET1/EET3 (p<0,001) e EET1/EET4 (p<0,001).

Já no grupo placebo, a redução do estresse entre a primeira e segunda etapa foi de 8,26%, com índice d de Cohen igual a 0,44 (efeito pequeno)¹⁹. Entre a primeira e a terceira etapas, a redução foi de 11,7% e índice d de Cohen de 0,62 (efeito médio)¹⁹. Entre a primeira e quarta etapa, por sua vez, a redução foi de 13,4% e índice d de Cohen de 0,75, também considerado efeito médio¹⁹. Por haver normalidade dos grupos pareados no grupo placebo, utilizou-se a análise ANOVA de medidas repetidas, encontrando-se relação estatisticamente significativa (p=0,01), porém, apenas entre os grupos pareados EET1/EET4 (p=0,039). O tamanho do efeito da intervenção através do índice d de Cohen nos dois grupos está representado na tabela 3.

Tabela 3
Índice d de Cohen e percentual de redução do estresse ocupacional (%) nos grupos auriculoterapia e placebo. Salvador, BA, Brasil, 2021

Grupo	EET1*/EET2†		EET1*/EET3‡		EET1*/EET4§
	d’Cohen	%	d’Cohen	%	d’Cohen	%
Auriculoterapia	1,12	16,13	1,82	23,7	1,81	20,5
Placebo	0,44	8,26	0,62	11,7	0,75	13,4

• *EET1 = Média do estresse na fase de rastreamento; ^†EET2 = Média do estresse após três sessões de auriculoterapia; ^‡EET3 = Média do estresse após seis sessões de auriculoterapia; ^§EET4 = Média do estresse após 15 dias do término da terapia

A comparação entre os grupos auriculoterapia e placebo quanto ao estresse nos momentos EET1 e EET4 da pesquisa não apresentou significância estatística por meio do teste U de Mann-Whitney, assumindo valores p de 0,9 e 0,176, respectivamente.

Não foram constatados danos ou efeitos indesejados aos participantes da pesquisa.

Discussão

Sabe-se que a pandemia da COVID-19 provocou um aumento nos transtornos mentais e psicossociais entre os trabalhadores de saúde de todo o mundo^5-8. A prevalência do alto nível de estresse ocupacional entre os profissionais da Estratégia de Saúde da Família da pesquisa foi de 46,67%. É possível que no grupo ora analisado isso também tenha ocorrido, e contribuído para a elevada taxa de alto nível de estresse ocupacional detectado.

Estudos conduzidos com trabalhadores de saúde de vários países do mundo apresentaram altas frequências de transtornos mentais comuns (ansiedade e depressão) e estresse ocupacional durante a pandemia da COVID-19. Destacam-se: estudo em nepaleses apontou que 12% dos participantes apresentaram estresse ocupacional, 30% ansiedade e 22,5% depressão²⁰. Entre os trabalhadores de saúde indianos, o estresse ocupacional agudo foi de 9,5%, a depressão correspondeu a 17% e a ansiedade 19,5%²¹. O estresse ocupacional em trabalhadores de saúde de um município do estado do Maranhão, Brasil, por meio da Escala do Estresse Percebido, apresentou frequência de 20,5% no nível muito alto e 23% no nível alto²². Entre trabalhadores de saúde de hospitais no Egito, o estresse percebido em níveis moderado e severo representou 98,5% da amostra enquanto a ansiedade moderada teve uma frequência de 32% e a ansiedade severa de 18,5%²³. Já nas equipes de saúde da linha de frente da pandemia na Grécia, a prevalência dos sintomas moderado/severo de depressão, de ansiedade e estresse pós-traumático foi de 30%, 25% e 33%, respectivamente²⁴.

Frente a este contexto, estratégias de enfretamento ao estresse ocupacional são salutares. Assim, as PICS constituem importantes estratégias de linhas de cuidado e autocuidado aos trabalhadores de saúde, com evidências científicas quanto ao aumento da qualidade de vida e redução de danos à saúde mental durante a pandemia. Um estudo sistematizou experiências baseadas na escuta qualificada, massagem e auriculoterapia em trabalhadores de saúde da Atenção Básica da cidade de Recife, Brasil, com valorização de espaços de autocuidado e superação das marcas deixadas pela pandemia. Os resultados mostraram boa aceitação por parte dos trabalhadores, melhorias quanto ao bem-estar individual e coletivo, alívio de dores, da ansiedade e do estresse, melhorando o desempenho das atividades laborais²⁵.

As PICS contribuem para redução de sintomas mentais e emocionais, melhoram a qualidade do sono e o bem-estar. Portanto, devem estar disponibilizadas aos profissionais de saúde bem como capacitá-los tanto para o autocuidado quanto para o apoio a outros²⁶.

A auriculoterapia configura-se no rol das PICS e tem sido uma importante ferramenta utilizada para a diminuição do sofrimento psicossocial, mental, das alterações comportamentais, emocionais e fisiológicas. Além disso, é uma prática viável em virtude de seu custo-benefício, de fácil aplicação e aprendizado, rápida, segura e com boa aceitação^11,27.

O pavilhão auricular é constituído por pontos específicos cuja estimulação está relacionada a efeitos quanto ao alívio de dores musculares, esqueléticas, tratamento de distúrbios mentais, emocionais, comportamentais, controle das enfermidades cardiovasculares, gástricas, dentre outros^11-12.

O ponto Shenmen, por exemplo, é considerado um ponto calmante, analgésico, anti-inflamatório e tranquilizante enquanto o ponto Tronco Cerebral tem propriedades sedativas e ajuda a acalmar a mente. Ambos são indicados para o controle do estresse. Já os pontos Ouvido Externo e Punho são indicados para problemas em suas respectivas regiões; portanto, sem relação com o estresse^13-14.

A aplicabilidade da auriculoterapia durante a pandemia da COVID-19 tem sido objeto de alguns estudos e com resultados satisfatórios. Em uma pesquisa de intervenção em Enfermeiros da linha de frente de enfrentamento da pandemia, observou-se redução significativa da média do estresse dos participantes (19,37±10,61 durante a pré-intervenção e 11,95±8,51 na pós-intervenção, p<0,001), além da redução dos níveis de depressão e ansiedade, mostrando o efeito positivo da terapia¹¹.

Pesquisas de ensaios clínicos randomizados para comprovação da efetividade da auriculoterapia na redução do estresse ocupacional são incipientes, sendo desconhecidos por nós autores a aplicação deste desenho de estudo e temática durante a pandemia da COVID-19. Isto dificulta comparações entre estudos desenvolvidos em um mesmo contexto temporal. Por outro lado, tal fato diferencia este estudo como um dos pioneiros com resultados comprobatórios positivos da efetividade da auriculoterapia na redução do estresse em profissionais de saúde durante o período pandêmico.

Em um ensaio clínico randomizado, anterior ao período pandêmico e realizado em profissionais de enfermagem atuantes em nível hospitalar, observou-se a redução do estresse ocupacional do grupo auriculoterapia (pontos Shenmen e Tronco Cerebral) em 30% após 8 sessões (índice d de Cohen 1,15), 43% após 12 sessões (índice d de Cohen 1,81), mantendo seu efeito residual no follow-up. O grupo placebo (pontos Área da Face e Ouvido Externo) apresentou redução do estresse de 17% (d de Cohen 0,54), 26% (d de Cohen 0,86) e 22% (d de Cohen 0,67) após 8 e 12 sessões e após 15 dias do término da terapia, respectivamente¹⁴.

Nossos achados apresentaram resultados positivos após um quantitativo menor de sessões (6) de auriculoterapia, observando-se uma maior redução do estresse ocupacional no grupo auriculoterapia entre os momentos EET1 e EET3 (23,7%), com diferença estatística significativa (p<0,001) e efeito d de Cohen de 1,82, considerado muito grande. O grupo placebo também apresentou redução do estresse, sendo de 13,4% entre os momentos EET1 e EET4, única relação deste grupo com significância estatística (p=0,039), o que demonstra os efeitos positivos da auriculoterapia quando aplicada em trabalhadores da ESF no período da pandemia da COVID-19, em que o estresse laboral dos trabalhadores se apresenta exacerbado.

Apesar de uma redução menor do estresse ocupacional quando comparado ao grupo auriculoterapia, o efeito no grupo placebo pode ser decorrente dos encontros regulares e programados com os participantes voltados para o cuidado da saúde mental, proporcionando sensação de amparo, cuidado e acolhimento por meio da auriculoterapia, sobretudo durante o período de pandemia, como citado na literatura¹⁴.

A maioria dos estudos envolvendo a prática da auriculoterapia está direcionada a profissionais de Enfermagem e à atenção à saúde especializada, em detrimento da inclusão de outros profissionais de saúde e da Atenção Primária à Saúde. Ressalta-se, portanto, a importância desta pesquisa no que tange à participação de trabalhadores de saúde da Estratégia Saúde da Família, contemplando profissionais tanto da Enfermagem quanto Dentistas, Auxiliares em Saúde Bucal e Agentes Comunitários de Saúde. No contexto da pandemia, uma análise crítica da literatura mostrou a escassez de estudos que abordem a heterogeneidade de categorias dos trabalhadores no enfrentamento da crise sanitária, concentrando-se em profissionais Médicos e de Enfermagem de nível hospitalar, em detrimento da falta de discussões acerca da Atenção Básica, porta de entrada da população no Sistema Único de Saúde²⁸.

O método utilizado na pesquisa alcançou resultados positivos na redução do estresse laboral dos trabalhadores da ESF durante a pandemia da COVID-19. No entanto, algumas limitações do estudo podem ser pontuadas: o quantitativo de participantes no ensaio clínico (49, alocados em dois grupos no início da intervenção) e a perda de segmento no decorrer da pesquisa (finalizada com 33 trabalhadores), uma desvantagem dos ensaios clínicos controlados. A ausência de financiamento também se traduz como uma dessas limitações, tendo em vista o fato de que maiores investimentos nessa pesquisa pudessem abarcar um número muito maior de profissionais da atenção primária à saúde.

Não obstante as referidas limitações, a efetividade da auriculoterapia demonstrada pelo estudo evidencia sua relevância como estratégia de enfrentamento do estresse nos espaços laborais dos trabalhadores de saúde. Portanto, essa linha de pesquisa contribui para o estímulo da auriculoterapia e outras PICS nos serviços de saúde, a fim de fortalecer a atenção à saúde integrada e holística, em conformidade com a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde.

Conclusão

A auriculoterapia mostrou-se uma tecnologia social efetiva na redução do estresse ocupacional em trabalhadores de saúde da ESF durante a pandemia da COVID-19 com efeito considerado grande após 3 sessões (índice d de Cohen 1,12 e redução de 16,13%) e efeito muito grande após 6 sessões (índice d de Cohen 1,82 e redução de 23,7%), mantendo o efeito muito grande após 15 dias do fim da terapia (efeito residual).

Sugere-se que a auriculoterapia seja objeto de outros estudos a serem desenvolvidos com trabalhadores de saúde da Atenção Básica à Saúde durante ou após a pandemia da COVID-19, de maneira a contribuir para o estado da arte e para a saúde e qualidade de vida do trabalhador.

Agradecimentos

Agradecemos aos integrantes do Grupo de Pesquisa Interprofissional em Epidemiologia e Saúde (GPIES), a saber: André da Silva dos Santos; André Luiz Bispo Pereira; Arthur Pinto Silva; Claudeone Vieira Santos e Janaina de Oliveira Castro pela colaboração na fase de coleta de dados e aplicação da auriculoterapia.

References

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• Trabalho acadêmico associado

  Artigo extraído de dissertação de mestrado “Efetividade da auriculoterapia na redução do estresse ocupacional em trabalhadores de saúde da Estratégia de Saúde da Família durante a pandemia da COVID-19: ensaio clínico controlado randomizado”, apresentada à Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências da Saúde, Salvador, Bahia, Brasil.

Editado por

Editor Associado

Ricardo Alexandre Arcêncio

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  06 Jan 2023
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  05 Fev 2022
• Aceito
  26 Jul 2022