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Acompanhamento de crianças de alto risco em serviços de saúde: estudo de método misto geoespacial

Resumo

Objetivo:

analisar a adesão, não adesão e abandono do acompanhamento das crianças encaminhadas aos centros de referência de alto risco da Rede Mãe Paranaense.

Método:

estudo de método misto paralelo convergente, no qual ambas as abordagens possuem o mesmo peso. O cenário do estudo foram dois ambulatórios de alto risco do sul do país. Na parte quantitativa, analisou-se 3.107 prontuários de crianças de alto risco e realizou-se distribuição espacial. Na parte qualitativa, realizou-se entrevistas com 29 profissionais de saúde, além de 34 familiares e se procedeu com a análise de conteúdo. Houve a produção de dois bancos de dados analisados separadamente e com integração ao final.

Resultados:

as taxas de adesão ao acompanhamento estão diminuindo, principalmente nos municípios distantes dos ambulatórios de alto risco, e as taxas de não adesão e abandono estão em ascensão. Observou-se nos relatos dos representantes e do gestor, falha entre a oferta de transporte e o fluxo de busca ativa dos pacientes faltosos, o que contribui para o aumento das taxas de não adesão e abandono, e a consequente diminuição da adesão.

Conclusão:

a adesão das crianças de alto risco está em decréscimo ao mesmo tempo em que as taxas de não adesão e abandono aumentaram.

Descritores:
Saúde da Criança; Pacientes Desistentes do Tratamento; Programas Nacionais de Saúde; Avaliação de Programas e Projetos de Saúde; Serviços de Saúde Materno-Infantil; Assistência Ambulatorial

Abstract

Objective:

to analyze adherence, non-adherence and abandonment of the monitoring of children referred to the high-risk reference centers of Rede Mãe Paranaense.

Method:

a parallel and convergent mixed-methods study, in which both approaches have the same weight. The study loci were two high-risk outpatient services from the South of the country. In the quantitative part, 3,107 medical charts of high-risk children were analyzed and the spatial distribution was performed. In the qualitative part, interviews were conducted with 29 health professionals, in addition to 34 family members, and content analysis was performed. Two databases were produced, which were analyzed separately and eventually integrated.

Results:

the rates regarding adherence to monitoring are decreasing, mainly in the municipalities that are far away from the high-risk outpatient services, and the non-adherence and abandonment rates are increasing. In the reports by the representatives and the manager, a failure was observed between the transportation offer and the active search flow of the absent patients, which contributes to the increase in the non-adherence and abandonment rates and to the consequent decrease in adherence.

Conclusion:

in high-risk children, adherence is decreasing and the non-adherence and abandonment rates increased.

Descriptors:
Child Health; Patient Dropouts; National Health Programs; Program Evaluation; Maternal-Child Health Services; Ambulatory Care

Resumen

Objetivo:

analizar la adherencia, no adherencia y el abandono del seguimiento de niños derivados a los centros de referencia de alto riesgo de la Rede Mãe Paranaense.

Método:

estudio del método convergente paralelo mixto, en el que ambos enfoques tienen el mismo peso. El escenario de estudio fueron dos consultorios externos de alto riesgo del sur del país. En la parte cuantitativa se analizaron 3.107 historias clínicas de niños de alto riesgo y se realizó una distribución espacial. En la parte cualitativa, se realizaron entrevistas a 29 profesionales de la salud y a 34 familiares, y se realizó el análisis de contenido. Se crearon dos bases de datos que se analizaron por separado y se integraron al final.

Resultados:

las tasas de adherencia al seguimiento están disminuyendo, fundamentalmente en los municipios alejados de los consultorios externos de alto riesgo, y las tasas de no adherencia y abandono van en aumento. Se observó en los relatos de los representantes y del gestor, un problema entre la oferta de transporte y el flujo de búsqueda activa de pacientes ausentes, lo que contribuye al aumento de las tasas de no adherencia y abandono, y, por ende, a la disminución de la adherencia.

Conclusión:

la adherencia de los niños de alto riesgo está disminuyendo y, a su vez, aumentan las tasas de no adherencia y abandono.

Descriptores:
Salud Infantil; Pacientes Desistentes del Tratamiento; Programas Nacionales de Salud; Evaluación de Programas y Proyectos de Salud; Servicios de Salud Materno Infantil; Atención Ambulatoria

Destaques

(1) Há um movimento de diminuição da aderência às consultas.

(2) Identificou-se falha na oferta de transporte no fluxo de busca ativa.

(3) Após quase 10 anos de rede, ainda há fragilidades de captação da população.

(4) Aumento das taxas de não adesão e abandono do acompanhamento infantil de alto risco.

Introdução

Observa-se um esforço geral de diversos países ao redor do mundo, meios de enfrentamento que auxiliem na mortalidade infantil, justificando a criação de programas de saúde específicos, voltados ao acompanhamento materno e infantil que busquem melhores resultados para as famílias e crianças11. Kilburn MR, Cannon JS. Home Visiting for First-Time Parents: Community Innovation. Future Child. 2019;29(1):81-97. https://doi.org/10.1353/foc.2019.0004
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.

Neste sentido, a Rede Cegonha (RC), foi instituída em 2011 pelo governo federal, e tem como objetivo reduzir a mortalidade materna e infantil, com base na melhoria da assistência ao binômio22. Ministério da Saúde (BR). Portaria n.o 1.459, de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde, a Rede Cegonha. [Internet]. Diário Oficial da União, 27 jun. 2011 [cited 2021 Aug 27]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html
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. E a Rede Mãe Paranaense (RMP), pautada na RC foi iniciada no Estado do Paraná em 2012, cujo foco é na funcionalidade guiada na estratificação de risco das gestantes e crianças, sistema de referência e contrarreferência. A estratificação dos grupos, tanto no pré-natal e pós-natal como o acompanhamento infantil no primeiro ano de vida, ocorre em três classes (baixo, intermediário e alto risco)33. Estado do Paraná (BR), Secretaria de Estado da Saúde, Superintendência de Atenção à Saúde. Linha Guia da Rede Mãe Paranaense. Paraná: SESA, 2018 [cited 2021 Aug 27]. Available from: http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/LinhaGuiaMaeParanaense_2018.pdf
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No alto risco, as crianças são classificadas de acordo com as seguintes características: asfixia perinatal, hiperbilirrubinemia com exsanguinotransfusão, atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, prematuridade, baixo peso ao nascer, doenças genéticas, malformações, triagem neonatal positiva, doenças de transmissão vertical e desnutrição grave33. Estado do Paraná (BR), Secretaria de Estado da Saúde, Superintendência de Atenção à Saúde. Linha Guia da Rede Mãe Paranaense. Paraná: SESA, 2018 [cited 2021 Aug 27]. Available from: http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/LinhaGuiaMaeParanaense_2018.pdf
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Mediante a estratificação de alto risco, o Programa aponta a necessidade de acompanhamento regular durante o primeiro ano de vida no ambulatório de referência33. Estado do Paraná (BR), Secretaria de Estado da Saúde, Superintendência de Atenção à Saúde. Linha Guia da Rede Mãe Paranaense. Paraná: SESA, 2018 [cited 2021 Aug 27]. Available from: http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/LinhaGuiaMaeParanaense_2018.pdf
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. Contudo, estudos apontam casos de famílias que não comparecem nas consultas e até mesmo da própria descontinuidade nos serviços de acompanhamento de saúde da criança de alto risco. Quando ocorre o não comparecimento à primeira consulta, tem-se a não adesão ao acompanhamento. Já descontinuidade do acompanhamento se caracteriza como abandono do tratamento44. Paula CC, Silva FS, Toebe TRP, Bick MA, Ferreira T, Padoin SMM. Chemopophilaxia, clinical follow-up and immunizations of children exposed to hiv: assessment of family capacity. Cienc Cuid Saude. 2019;18(1):e45024. https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v18i1.45024
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-55. Shibukawa BMC, Rissi GP, Uema RTB, Merino MFGL, Cheffer MH, Higarashi IH. Impact of valvular heart disease on activities of daily living during the preoperative period. Rev Eletr Enferm. 2021;23:65051. https://doi.org/10.5216/ree
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Sabe-se que a assiduidade das crianças aos atendimentos é influenciada por fatores de âmbito intrínseco e extrínseco. Entre os fatores intrínsecos interligados às mães, percebe-se que a adesão está influenciada pelos significados que estas atribuem ao seguimento de cuidado ao filho, as consultas se remetem às situações de doenças e demandas de cunho pessoal ou então relacionadas às obrigações domésticas66. Tavares TS, Sena RR, Duarte ED. Implications for nursing care concerning children discharged from a neonatal unit with chronic conditions. Rev Rene. 2016;17(5):1-9. https://doi.org/10.15253/2175- 6783.2016000500011
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. Em relação aos fatores extrínsecos, a adesão pode estar intimamente ligada ao tempo de espera para a consulta, à disponibilidade de agendamento nos serviços de saúde e à própria postura dos profissionais de saúde77. Vaz EMC, Brito TS, Santos MCS, Lima PMVM, Pimenta EAG, Collet N. Referência e contrarreferência de crianças em condição crônica: percepção de mães e profissionais da atenção secundária. Rev Enferm UERJ. 2020;28:51186. https://doi.org/10.12957/reuerj.2020.51186
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-88. Oliveira EF, Camargo CL, Gomes NP, Couto TM, Campos LM, Oliveira PS. Factors related to quilombola attendance to child follow-up appointments. Rev Bras Enferm. 2019;72(Suppl 3):9-16. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0605
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. Estudos anteriores já evidenciaram que quanto maior a distância do local de consulta, menor é a probabilidade da população receber o cuidado adequado nos serviços de atenção materno-infantil99. Tanou M, Kamiya Y. Assessing the impact of geographical access to health facilities on maternal healthcare utilization: evidence from the Burkina Faso demographic and health survey 2010. BMC Public Health. 2019;19:838. https://doi.org/10.1186/s12889-019-7150-1
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-1010. Tiruaynet K, Muchie KF. Determinants of utilization of antenatal care services in Benishangul Gumuz Region, Western Ethiopia: a study based on demographic and health survey. BMC Pregnancy Childbirth. 2019;19:115. https://doi.org/10.1186/s12884-019-2259-x
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Para avançar na investigação deste fenômeno, é necessária uma abordagem de pesquisa que contemple tanto os fatores geográficos, como também a percepção de familiares, profissionais de saúde e gestores. Assim, a realização de um estudo de métodos mistos pode contribuir para a obtenção de uma compreensão mais ampla da problemática investigada.

Ressalta-se que a efetividade dos programas de acompanhamento infantil é inerente à adesão dos familiares durante todo o seguimento preconizado. A reflexão sobre as condições que transpassam o processo de adesão, não adesão e abandono vivenciado pelas famílias e seus filhos, bem como entre profissionais de saúde, é essencial para garantir um bom funcionamento dos programas. Portanto, estabeleceu-se como objetivo analisar a adesão, não adesão e abandono do acompanhamento de crianças encaminhadas aos centros de referência de alto risco da Rede Mãe Paranaense.

Método

Delineamento do estudo

Estudo de método misto paralelo convergente geoespacial, no qual o mesmo peso é atribuído à investigação quantitativa (QUAN) e qualitativa (QUAL)1111. Creswell JW, Clark VLP. Pesquisa de Métodos Mistos. 2ª edição. Porto Alegre: Penso; 2013.. A realização do estudo seguiu os critérios de rigor metodológico para estudos mistos, conforme a Mixed Methods Appraisal Tool (MMAT)1212. Hong QN, Pluye P, Fàbregues S, Bartlett G, Boardman F, Cargo M, et al. Improving the content validity of the mixed methods appraisal tool: a modified e-Delphi study. J Clin Epidemiol. 2019;111:49-59.e1. https://doi.org/10.1016/J.JCLINEPI.2019.03.008
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Cenário do estudo

Os locais de estudo foram dois centros de referência de alto risco da RMP, referências para atendimento de uma regional de saúde do Estado do Paraná, localizado na região sul do Brasil, somados aos 30 municípios que compõe à referida regional.

Período

A coleta de dados ocorreu de dezembro de 2019 a março de 2021.

População

Para a fase quantitativa do estudo, selecionaram-se 3.107 prontuários de crianças encaminhadas e acompanhadas pelos ambulatórios de alto risco. Já na fase qualitativa, a população foi composta por um gestor em saúde responsável pela RMP na regional do estudo, 28 profissionais de saúde representantes dos municípios, oito familiares do grupo que não aderiram ao acompanhamento infantil, 11 familiares do grupo de abandono do seguimento e 15 familiares do grupo que finalizou o atendimento.

Critérios de seleção

Para a seleção de prontuários, foram considerados elegíveis os registros de todas as crianças estratificadas como alto risco, encaminhadas aos centros de referência da RMP no período de janeiro de 2015 a dezembro de 2019 e acompanhadas até dezembro de 2020 ou que abandonaram o seguimento. Após a leitura, os prontuários foram divididos em três grupos com base na Linha Guia33. Estado do Paraná (BR), Secretaria de Estado da Saúde, Superintendência de Atenção à Saúde. Linha Guia da Rede Mãe Paranaense. Paraná: SESA, 2018 [cited 2021 Aug 27]. Available from: http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/LinhaGuiaMaeParanaense_2018.pdf
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: adesão, não adesão e abandono.

Foi definido como grupo adesão, crianças que iniciaram e finalizaram seu período de acompanhamento previsto. O grupo não adesão foi composto por crianças encaminhadas para acompanhamento, mas que nunca comparecerem à consulta no serviço de referência. O grupo abandono foi caracterizado por crianças que iniciaram o acompanhamento, porém seus familiares desistiram do atendimento antes de finalizá-lo.

Os critérios de inclusão nos grupos de familiares foram: ser o responsável por levar a criança às consultas, e se encaixar em um dos três grupos do estudo (adesão, não adesão ou abandono) nos últimos seis meses prévios à data inicial de coleta, a fim de preservar a lembrança/recordatório dos fatos.

Para seleção dos gestores, foi solicitado que cada município indicasse um representante, de acordo com o seguinte critério de inclusão: participar das reuniões do grupo condutor da RMP, em que são discutidas e alinhadas as estratégias da rede. Depreendeu-se que os frequentadores estavam suficientemente engajados à iniciativa e aptos a indicar facilidades e dificuldades encontradas em seus respectivos municípios.

Para seleção de colaboradores responsáveis pela RMP no âmbito da sede da regional de saúde, foram elencados como critérios: possuir ao menos um ano de atuação na rede e ser responsável pelo acompanhamento do grupo condutor e pela RMP.

Variáveis do estudo

As variáveis quantitativas do estudo foram: taxas de adesão, não adesão e abandono, elaboradas a partir da razão entre o número de casos de cada estrato, pela população de nascidos vivos de alto risco, multiplicado por mil. Considerou-se como população de nascidos vivos de alto risco, 15% do quantitativo de nascimentos1313. Estado do Paraná (BR). Secretaria de Estado da Saúde. Resolução SESA nº 929 de 30 de julho de 2020. Institui as diretrizes do Programa Estadual de Qualificação dos Consórcios Intermunicipais de Saúde - QualiCIS, destinado aos Consórcios que gerenciam Ambulatório Médico de Especialidades - AME no Paraná [Internet]. Curitiba: SESA; 2020 [cited 2021 Aug 27]. Available from: https://www.saude.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2020-08/929_20.pdf
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As fontes de dados qualitativas foram os relatos gravados dos gestores, profissionais de saúde e familiares.

Instrumentos utilizados para a coleta das informações

Para a coleta de dados quantitativos, utilizou-se um questionário estruturado, composto pelo nome dos municípios de origem das crianças, desfecho (adesão, não adesão e abandono) e número do prontuário.

Para a coleta de dados qualitativos, elaborou-se um roteiro semiestruturado para cada um dos grupos de entrevistados: gestores em saúde, profissional de saúde responsável pela RMP, grupo de familiares adesão, não adesão e abandono. Para os familiares as perguntas versavam sobre os motivos de encaminhamento para o alto risco e os motivos que levaram os familiares a finalizarem, abandonarem ou não aderirem o acompanhamento. Para os gestores e o representante da regional de saúde, as perguntas tinham o intuito de investigar o processo de acompanhamento infantil, busca ativa dos faltosos e a oferta de suporte aos familiares que facilitassem a adesão ao programa.

Coleta de dados

Na fase quantitativa, se obteve acesso eletrônico aos prontuários mediante assinatura de um termo de responsabilidade em ambas as instituições. Gerou-se uma lista de crianças encaminhadas aos serviços no período de interesse, possibilitando então a abertura e verificação do seguimento das crianças nos ambulatórios de alto risco. Os dados de interesse foram coletados em instrumento de elaboração própria da pesquisadora. As informações referentes ao número de nascidos vivos foram obtidas por meio de consulta a plataforma pública do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC).

Na fase qualitativa, realizaram-se entrevistas semiestruturadas que, devido ao cenário de pandemia da COVID-19, ocorreram de forma remota. Foi considerado como insucesso quando não se obtinha resposta nos contatos realizados com a família durante sete dias da semana em horários diferentes.

No dia e horário combinado, a pesquisadora realizava a ligação e leitura do termo de consentimento livre e esclarecido. Logo após o aceite em participar da pesquisa, procedia-se com a entrevista seguindo o roteiro de cada grupo familiar. A ligação foi gravada e, posteriormente, transcrita na íntegra.

No grupo “abandono” havia 30 famílias elegíveis, porém 13 se recusaram a participar do estudo; para cinco casos não houve êxito de contato e quatro famílias apresentaram número/contato informado inexistente. No total, foram realizadas oito entrevistas nesse subgrupo familiar. No grupo familiar “não adesão”, totalizavam-se 35 famílias elegíveis. Contudo, 17 apresentaram número informado não existente e houve insucesso de contato em sete casos. Ao final, foram abordados 11 familiares. No grupo “adesão”, das 33 famílias que foram abordadas, 15 tinham contato telefônico inexistente e em três situações não houve sucesso de contato, o que resultou em 15 familiares entrevistados.

Para a coleta com o grupo “gestores de saúde e colaboradores da RMP”, foi fornecida uma lista de indicação com os nomes e contatos telefônicos de um representante de cada município. A partir disso, entrou-se em contato com a pessoa indicada, agendando-se um horário conforme a disponibilidade do profissional. No ato do convite, era questionado se a pessoa tinha familiaridade com a plataforma Google Meet e solicitava-se o e-mail profissional para que o convite formal da entrevista fosse enviado. Antes do início da entrevista, realizava-se a leitura do termo de consentimento livre e esclarecido, solicitando-se também autorização para a gravação da entrevista.

Para finalização da coleta de dados, adotou-se o critério de exaustão de dados. Em outras palavras, todas as entrevistas previamente agendadas foram realizadas, mesmo que os dados já tivessem apresentando saturação teórica.

Tratamento e análise dos dados

Para a parte quantitativa, realizou-se a distribuição espacial das taxas dos estratos de adesão, não adesão e abandono por ano e no quinquênio (2015-2019) contemplado pelo estudo. A elaboração da legenda se deu a partir dos valores interquartílicos, sendo primeiro, segundo, e terceiro quartis e valor máximo. O valor zero foi inserido como categoria à parte, não entrando para o cálculo das categorias interquartílicas. As taxas e a distribuição espacial foram realizadas com auxílio do software Quantum Gis (QGIS) 3.10.

Já na parte qualitativa, os dados foram transcritos com auxílio do Microsoft Word 2019®. Após a transcrição, os dados foram exportados para o software NVivo Release 1.5.1, e analisados com base nas etapas da análise de conteúdo1414. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2016.. Na pré-análise, realizou-se exploração sistemática dos dados de acordo com os princípios da exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência. A fase de codificação inicial ocorreu para emergir concepções acerca da adesão, não adesão e abandono do acompanhamento das crianças encaminhadas aos centros de referência de alto risco da RMP. Por um processo de aproximação e distanciamento, os principais temas foram identificados e nomeados. Por fim, com os resultados gerados, construíram-se quadros para ilustrar os achados, os quais posteriormente passaram por inferência e interpretação sob a ótica da literatura nacional e internacional.

Por se tratar de um estudo de método misto paralelo convergente, houve a produção e análise independente de dois bancos de dados, cujos resultados foram integrados ao final, a fim de identificar convergências e divergências. A junção dos dados provenientes dos resultados QUANTI e QUALI, ocorreu ao final das análises de cada método, a partir da elaboração de um mapa de distribuição espacial com a síntese dos achados qualitativos. Para análise e interpretação dos resultados, adotaram-se os pressupostos do Programa Rede Mãe Paranaense33. Estado do Paraná (BR), Secretaria de Estado da Saúde, Superintendência de Atenção à Saúde. Linha Guia da Rede Mãe Paranaense. Paraná: SESA, 2018 [cited 2021 Aug 27]. Available from: http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/LinhaGuiaMaeParanaense_2018.pdf
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Aspectos éticos

Os preceitos éticos e legais foram cumpridos, respeitando-se a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Para garantir o anonimato dos sujeitos entrevistados, seus relatos foram identificados pelas letras G, referente a gestor, P referente à profissional de saúde e F de familiar, seguido pelo número arábico de ordem de realização de entrevista. O estudo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, com CAAE: 24906719.9.0000.0104.

Resultados

Na etapa quantitativa, analisaram-se 3.107 prontuários de crianças provenientes dos dois ambulatórios de alto risco responsáveis pelo atendimento à demanda dos trinta municípios da regional abordada. Destas, 17,4% (540) não aderiram à RMP, 26,7% (829) concluíram o acompanhamento infantil conforme o preconizado pela RMP e, 55,9% (1738) abandonaram o seguimento de alto risco.

A adesão ao seguimento infantil nos ambulatórios de alto risco conforme o preconizado pela RMP está em decréscimo. A distribuição espacial das taxas evidencia que, cada vez menos, as crianças têm finalizado o acompanhamento de saúde. Um fenômeno que desperta a atenção é que apesar do decréscimo de aderência, os municípios com as maiores taxas de adesão continuam sendo aqueles com as maiores distâncias dos locais de consulta (Figura 1).

As famílias que possuem filhos estratificados como alto risco e optam por não realizar o acompanhamento infantil (grupo não adesão), possuem taxas bem distribuídas pelos 30 municípios. Porém, identificou-se aumento deste comportamento na distribuição espacial das taxas de não adesão, principalmente em cidades circunvizinhas do município sede dos ambulatórios de alto risco (Figura 1).

As taxas de abandono são variáveis entre os municípios, mas os casos de maior incidência de abandono de seguimento foram nas cidades do entorno da sede da regional. Nota-se nos mapas a evolução destas taxas, representada com o escurecimento da cor no decorrer dos anos (Figura 1).

Figura 1
Distribuição espacial das taxas de adesão, não adesão e abandono por ano e quinquênio. Paraná, Brasil, 2021

Em relação aos dados qualitativos, foram entrevistados 28 representantes dos municípios, sendo 26 (92,8%) enfermeiros, um (3,6%) nutricionista e um (3,6%) assistente social. Sobre a função desempenhada, 20 (71,4%) eram coordenadores de saúde, sete (25%) eram enfermeiras da atenção primária ou estratégia saúde da família e uma (3,6%) era assistente social. A representante da regional de saúde era enfermeira, com cargo de chefia da divisão de saúde materno e infantil.

O grupo familiar adesão foi composto por 15 participantes, sendo 12 (80%) mães e três (20%) pais. 12 (80%) tinham companheiros e três (20%) não. Destes, 10 (66,7%) possuíam o ensino médio, três (20%) ensino superior e dois (13,3%) ensino fundamental. Neste grupo, havia familiares que residiam na cidade de funcionamento dos ambulatórios e também aqueles que moravam em municípios com mais de 100 km de distância. Os principais motivos de encaminhamento destas crianças para o alto risco foram prematuridade extrema (6; 40%) e malformação congênita (3;20%).

O grupo familiar não adesão foi composto por oito participantes, sendo que todas as entrevistadas eram mães, 50% (4) possuíam companheiros e 50% (4) não. Destas, 62,5% (5) haviam completado o ensino médio, 6,66% (1) o ensino fundamental e 13,33% (2) o ensino superior. Neste grupo, havia familiares que moravam na mesma cidade dos ambulatórios e também em municípios com mais de 15 km de distância. Os principais motivos de encaminhamento destas crianças para o alto risco foram toxoplasmose (2; 13,33%), e não sabiam o motivo do acompanhamento (3; 20%).

O grupo familiar abandono foi composto por 11 participantes, sendo 9 (81,81%) mães, um (9,09%) pai (1) e uma (9,09%) avó. Em relação ao companheiro, 7 (67,64%) possuíam e quatro (36,36%) não. Seis (54,54%) haviam terminado o ensino fundamental, quatro (36,36%) o ensino médio e uma (9,09%) o ensino superior. Neste grupo havia familiares que residiam na cidade de funcionamento dos ambulatórios e também em municípios com mais de 75 km de distância. Os principais motivos de encaminhamento destas crianças para o alto risco foram prematuridade em quatro (36,36%) casos e dois (18,18%) casos de malformação.

Por meio na análise de conteúdo, emergiram duas categorias: “Razões para adesão, não adesão ou abandono do acompanhamento em saúde da criança”; e “Estratégias da atenção primária e regional de saúde para a continuidade do seguimento infantil de alto risco”. A seguir, descreve-se cada uma delas.

Razões para adesão, não adesão ou abandono do acompanhamento em saúde da criança

As razões evidenciadas no grupo familiar para adesão estão relacionadas a sentimentos de medo e preocupação, ao mesmo tempo em que expressam um forte compromisso com a manutenção do bem-estar e saúde da criança (Figura 2).

Já nos depoimentos do grupo familiar não adesão, os motivos para não realização do acompanhamento remetem-se à impressão de que a criança está aparentemente saudável e, logo, não precisa do atendimento, o uso dos convênios de saúde, a falta de suporte às mães adolescentes evidenciado no relato de que a mesma não poderia se ausentar da escola para levar a criança para consulta, somado à falta de entendimento da importância do acompanhamento infantil e a supressão das informações prestadas pela equipe de saúde, em prol de informações sem evidência científica.

Nos casos de abandono, os entrevistados enfatizam a distância entre os locais de consulta e o domicílio, o longo tempo de espera, falta de informação sobre a necessidade de acompanhamento da criança, sentimento intrínseco de que a criança estava bem e saudável, além do medo da contaminação pelo vírus da COVID-19.

Figura 2
Depoimentos dos familiares dos grupos adesão, não adesão e abandono do acompanhamento infantil da Rede Mãe Paranaense. Paraná, Brasil, 2021

Estratégias da atenção primária e regional de saúde para continuidade do seguimento infantil de alto risco

Frente ao comportamento de adesão, não adesão e abandono ao acompanhamento infantil de alto risco, os representantes dos municípios e da regional relataram o desenvolvimento de estratégias que auxiliam as famílias no início e na manutenção dos atendimentos propostos pela RMP. Porém, tal situação padece de melhores condições organizacionais. Identificaram-se duas formas de auxílio a manutenção do acompanhamento à saúde da criança: transporte e busca ativa conforme Figura 3:

Figura 3
Depoimentos dos representantes dos municípios e da regional de saúde. Paraná, Brasil, 2021

Sobre a realização de busca ativa dos faltantes e consequente monitoramento das crianças, evidenciou-se que alguns representantes dos municípios referem que o fazem e têm utilizado a tecnologia a seu favor, utilizando tanto o e-mail como o WhatsApp para questionar o motivo do não comparecimento aos ambulatórios e as famílias. Apesar de tal estratégia ser de extrema viabilidade, alguns profissionais relataram que não o fazem ou então que a informação chegou até ele.

Combinação dos resultados quantitativos e qualitativos

A combinação das abordagens quantitativa (QUANT) e qualitativa (QUAL) por integração dos resultados possibilita o reconhecimento de convergências e divergências entre os dados da pesquisa. Abaixo apresentamos alguns exemplos deste estudo, também ilustramos a integração dos dados na Figura 4.

É visível no mapa de distribuição das taxas de adesão, um movimento de diminuição da aderência às consultas, principalmente nos municípios mais distantes dos ambulatórios de alto risco. Apesar de as taxas terem diminuído, percebeu-se no grupo adesão, que aproximadamente 60% das crianças atendidas tiveram um nascimento prematuro extremo, ou então havia a presença de malformações, fato que pode sensibilizar e até mesmo preocupar mais a família e fazer com que esta permaneça assídua ao acompanhamento de saúde. Observou-se nos relatos dos representantes e até mesmo do gestor, que em alguns municípios o transporte não possui horário fixo para retornar, fato que também dificulta a organização da própria rotina do familiar e da criança, e consequentemente, diminua a adesão.

No mapa de distribuição das taxas de não adesão, percebe-se que há aumento nos municípios com maiores distâncias da sede dos ambulatórios e também já apresenta alguns pontos mais escuros perto da sede, evidenciando que estes municípios também estão caminhando para um comportamento de não adesão. Os relatos dos familiares apontam que a criança está relativamente bem e logo não precisa ser atendida, portanto, o esforço de uma viagem para ser acompanhada em uma consulta de rotina, aos seus olhos, é desnecessário. Soma-se a isso a falha entre a oferta de transporte e a deficiência do fluxo de busca ativa dos pacientes faltosos que contribui para o aumento das taxas de não adesão.

Em relação às taxas de abandono, percebeu-se que alguns municípios as mesmas foram mantidas, porém evidenciou-se uma discreta diminuição. Esperava-se que com a implantação da RMP tais taxas sofressem um declínio significativo e até mesmo desaparecessem, entretanto, convergindo-se o mapa com o discurso dos familiares, evidenciou-se que muitos deixaram o acompanhamento pela distância do ambulatório até seu domicílio. Contudo, vale ressaltar que mesmo alguns dos municípios circunvizinhos da sede dos ambulatórios, não ofertam transporte para seus pacientes, aumentando as chances de abandono. Nos relatos dos representantes dos municípios, vemos ainda que o processo de busca ativa segue inadequado, fato que contribuiu para a permanência das taxas de abandono evidenciadas no mapa.

Figura 4
Integração dos resultados quantitativos e qualitativos acerca da adesão, não adesão e abandono do acompanhamento infantil. Paraná, Brasil, 2021

Discussão

Os resultados e, posteriormente, a convergência da fase QUANTI com a fase QUALI evidenciam que o acompanhamento aos serviços de saúde infantil de alto risco apresenta algumas falhas, mesmo com a atuação da RMP no estado do Paraná. A rede tem como objetivo garantir que desde a gestação a paciente seja bem cuidada e consiga fluir para todos os níveis de atenção de forma organizada. Tal cuidado não termina com o nascimento da criança, mas sim, quando esta é acompanhada de maneira fixa, responsável e contínua, de forma a sanar suas necessidades e identificar precocemente potenciais situações que possam coloca-la em risco1313. Estado do Paraná (BR). Secretaria de Estado da Saúde. Resolução SESA nº 929 de 30 de julho de 2020. Institui as diretrizes do Programa Estadual de Qualificação dos Consórcios Intermunicipais de Saúde - QualiCIS, destinado aos Consórcios que gerenciam Ambulatório Médico de Especialidades - AME no Paraná [Internet]. Curitiba: SESA; 2020 [cited 2021 Aug 27]. Available from: https://www.saude.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2020-08/929_20.pdf
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Evidenciou-se um aumento, nos últimos cinco anos, das taxas referentes à ausência de acompanhamento infantil, em especial nas cidades próximas do município sede. Tal contexto pode ser explicado pelos achados qualitativos, quando os familiares relatam que a criança está relativamente bem, logo não precisa ser acompanhada, salvo em situações de doença e muitos já possuem convênios privados de saúde e optam por não usufruir do atendimento na rede pública.

Somam-se a isso situações relacionadas à falta de rede de apoio, como no caso das mães adolescentes o que pode justificar o fato de que mesmo residindo em uma cidade próxima do ambulatório, não tenha como conciliar suas atividades, incluindo a vida escolar, para levar o filho às consultas. Ainda nesse contexto, temos também famílias que acabam por sanar suas dúvidas na internet e acreditam que essa busca é suficiente para afirmar se a criança necessita ou não de atendimento1515. Rubiza Y. 'They are a shame to the community...' stigma, school attendance, solitude and resilience among pregnant teenagers and teenage mothers in Mahama refugee camp, Rwanda. J Glob Health. 2020;16(5):763-77. https://doi.org/10.1080/17441692.2020.1751230
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-1616. Martino I, D'Apolito R, McLawhorn AS, Fehring KA, Sculco PK, Gasparini G. Social media for patients: benefits and drawbacks. Curr Rev Musculoskelet Med. 2017;10:141-5. https://doi.org/10.1007/s12178-017-9394-7
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Os dados quantitativos mostraram um decréscimo da adesão aos serviços de acompanhamento infantil, ou seja, apesar dos esforços da RMP, tais taxas seguem diminuindo. Entretanto, chama a atenção o fato de que mesmo com a diminuição do fluxo de atendimento, os municípios mais distantes são aqueles com maior adesão, estando em desacordo com estudos anteriores99. Tanou M, Kamiya Y. Assessing the impact of geographical access to health facilities on maternal healthcare utilization: evidence from the Burkina Faso demographic and health survey 2010. BMC Public Health. 2019;19:838. https://doi.org/10.1186/s12889-019-7150-1
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Tal achado pode ser explicado pelos dados qualitativos. Os familiares entrevistados do grupo adesão referiram medo e preocupação com o estado de saúde da criança. A distância não foi citada em nenhum depoimento, sugerindo que o comprometimento com a saúde da criança pode superar barreiras geográficas.

No tangente ao abandono dos serviços, a integração entre os dados quantitativos e qualitativos evidenciou que as taxas de abandono na regional estudada são variáveis, com maiores índices nas cidades próximas à sede da regional. A partir das entrevistas, pode-se apreender que a distância entre o domicílio e o serviço de saúde, a dificuldade de acesso a meios de transporte, o longo tempo de espera e a pandemia de COVID-19 são os principais fatores relacionados ao abandono do acompanhamento.

O medo relacionado a uma possibilidade de contaminação atrelada à necessidade de utilizar o transporte sanitário para chegar até os ambulatórios foi evidenciado. Fato que corrobora a sensação de estar desprotegido ao sair de casa com o filho durante a pandemia para consulta de rotina, e torne o acompanhamento algo secundário. Apesar de o transporte ser previsto na RMP, como colocado pelo gestor, os depoimentos dos familiares demonstram que a situação ainda não foi adequadamente resolvida, culminando nas altas taxas de abandono.

A ausência nos atendimentos configura-se como uma situação de mais alto risco, uma vez que as crianças possuíam características que a própria estratificação já alocava como uma necessidade de acompanhamento especial33. Estado do Paraná (BR), Secretaria de Estado da Saúde, Superintendência de Atenção à Saúde. Linha Guia da Rede Mãe Paranaense. Paraná: SESA, 2018 [cited 2021 Aug 27]. Available from: http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/LinhaGuiaMaeParanaense_2018.pdf
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. Nos relatos familiares, percebeu-se que a falta de transporte contribuiu diretamente para o não comparecimento aos serviços. Tal demanda deveria ser suprida pela própria gestão da rede, visto que a dificuldade para chegar aos serviços de saúde já é algo previsto pelo programa. Ao mesmo tempo, cabe aos representantes dos municípios e ao gestor da regional, entender as reais dificuldades que limitam o acesso aos serviços de saúde e delimitar estratégias de melhoria.

Existem lacunas entre o que é preconizado por lei e o que consta na regulamentação dos serviços da rede, em especial no que diz respeito aos serviços de transporte. A dificuldade para locomoção, a falta de estrutura e até mesmo a baixa articulação entre os serviços pode dificultar o acesso às instituições de saúde, em especial as de baixa e média complexidade. Casos em que as famílias necessitam viajar longas distâncias, ou residem em locais mais distantes ou então em municípios vizinhos são situações que corroboram para o baixo fluxo de atendimento infantil, caracterizando situações de não adesão e/ou abandono do mesmo1717. Shaw S, Sahoo H. Accessibility to Primary Health Centre in a Tribal District of Gujarat, India: application of two step floating catchment area model. GeoJournal. 2020;85:505-14. https://doi.org/10.1007/s10708-019-09977-1
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Outro problema percebido foi a falha de comunicação nos serviços quanto à busca ativa dos faltosos e estratégias de captação dos profissionais para esta finalidade. Enquanto na fala do gestor evidencia-se que tal monitoramento acontece e deve ser realizado, mesmo com as dificuldades existentes, ao mesmo tempo depreendeu-se no relato dos representantes dos municípios que muitos não ficam sabendo de tal situação e até mesmo admitem que esta seja uma falha no exercício de seu trabalho.

Já está posto na literatura que uma comunicação ineficaz, em especial em uma rede de atenção à saúde, prejudica o atendimento e acompanhamento aos usuários. Em especial na população pediátrica, tal lacuna faz com que as crianças não sejam monitoradas de forma adequada e isso impacta diretamente em seu crescimento e desenvolvimento. Ao mesmo tempo, é importante ressaltar que essa falta de busca dos pacientes faltosos não deve ser entendida pelos serviços como alto rotineiro, mas sim, deve ter o intuito de gerar inquietação e, consequentemente, ação. Quando tal realidade torna-se incorporada à rotina e passa a ser considerada normal, perde-se o controle da sua própria população de atendimento e aquilo que era preconizado começa a ser impossível de ser feito1818. Ridgway L, Hackworth N, Nicholson JM, McKenna L. Working with families: A systematic scoping review of family-centred care in universal, community-based maternal, child, and family health services. J Child Health Care. 2021;25(2):268-89. https://doi.org/10.1177/1367493520930172
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A mudança de cultura no que tange ao mito de que a criança saudável não precisa de acompanhamento, é uma barreira estrutural e psicológica que precisa ser transpassada. Para mudar tal panorama, é necessário além de ouvir as famílias e os profissionais de saúde da atenção primária a fim de buscar formas de desmistificar tal situação, que o processo de transformação também seja encorajado pelo próprio gestor, de modo que, a partir deste, os representantes dos municípios tracem planos de ação dentro das suas áreas a fim de melhorar e garantir o acesso das crianças e das famílias aos serviços de saúde, a fim de que as taxas de abandono percebidas na parte quantitativa do estudo possam diminuir.

Quando a criança passou por uma situação delicada no momento do nascimento, como parto prematuro, ou possuía alguma malformação, os familiares mostravam maior preocupação com os cuidados com a saúde. O mesmo não foi evidenciado no tangente ao cuidado da criança saudável. O conceito de promoção da saúde e prevenção de agravos está invertido, hoje se busca a saúde quando o agravo já está instalado. É preciso empoderar as famílias para o cuidado de seus filhos em um contexto saudável, visando a um atendimento longitudinal e de qualidade à suas crianças a longo prazo1919. Guan H, Okely AD, Farias NA, Cruz BP, Draper CE, Hamdouchi A, et al. Promoting healthy movement behaviours among children during the COVID-19 pandemic. Lancet Child Adolesc Health. 2020;4(6):416-8. https://doi.org/10.1016/S2352-4642(20)30131-0
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O cuidado de um filho que passou por uma situação imprevista no nascimento leva a sentimento de insegurança e medo, uma vez que a maternidade idealizada foi bruscamente interrompida pela condição de alto risco. Tal momento pode levar a uma busca intensa aos serviços de saúde, visando à minimização dos agravos e prevenção de potenciais situações de alerta com potencial de agravamento2020. Voller SMB. Follow-Up Care for High-Risk Preterm Infants. Pediatr Ann. 2018;47(4):e142-6. https://doi.org/10.3928/19382359-20180325-03
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Um dilema evidenciado por meio da integração dos dados está em conseguir captar e conscientizar os familiares das crianças que evoluíram de uma forma mais tranquila e já esperada nos primeiros meses de vida que manter-se saudável e com as consultas em dia, é um fator protetor e que não devem abandonar o seguimento infantil. Salienta-se que crianças com condições crônicas já são vulneráveis, portanto fazer parte do grupo não adesão e/ou abandono do acompanhamento torna tal população mais sujeita a apresentar problemas de saúde além de necessitarem de cuidados de alta complexidade2121. Williamson AE, Ellis DA, Wilson P, McQueenie R, McConnachie A. Understanding repeated non-attendance in health services: a pilot analysis of administrative data and full study protocol for a national retrospective cohort. BMJ Open. 2017;7(2):e014120. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2016-014120
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A integração dos resultados do estudo demonstra que há muito que ser feito no âmbito da saúde infantil. A implantação da rede no ano de 2012 veio com o objetivo de garantir um atendimento integral e com acesso adequado, entretanto, as taxas de adesão apresentaram queda, enquanto as taxas de não adesão e abandono estão em ascensão. Entende-se que a pandemia pode dificultar a situação, porém analisando-se o quinquênio, evidencia-se que a falta às consultas de rotina já vinha acontecendo. Ademais, evidencia-se nos depoimentos várias dificuldades para a manutenção da continuidade do acompanhamento infantil.

Como limitação do estudo, pontua-se que somente uma regional de saúde foi analisada. Portanto, os dados não podem ser generalizados a nível estadual. Apesar disso, o estudo subsidia a formulação de novas políticas e estratégias de enfrentamento visando à melhoria do acesso aos serviços de saúde infantil.

Conclusão

A adesão das crianças encaminhadas ao acompanhamento de alto risco está em decréscimo e as taxas de não adesão e abandono aumentaram. Tais resultados estão relacionados, na visão dos familiares, à distância dos serviços de saúde, mudança de cidade e crença de que a criança saudável não requer acompanhamento. Entre os gestores e representantes municipais, identificaram-se dificuldades no fornecimento do auxílio transporte e na busca ativa das crianças e familiares faltosos.

Acredita-se que o estudo pode subsidiar mudanças no cenário de atendimento infantil. Uma vez que se conhecem os fatores que contribuem de forma direta para a adesão, não adesão e abandono dos acompanhamentos, é possível propor alterações que visem sanar tais dificuldades e melhorar os índices relacionados ao monitoramento de saúde da criança.

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  • Apresentação prévia

    Artigo extraído da tese de doutorado “Adesão, não-adesão e abandono do acompanhamento infantil em ambulatório de alto risco credenciado à Rede Mãe Paranaense”, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, Brasil.
  • Financiamento

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Editado por

Editora Associada

Lucila Castanheira Nascimento

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    22 Out 2021
  • Aceito
    27 Jul 2022
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