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Violência recorrente contra adolescentes: uma análise das notificações* * Este artigo refere-se à chamada temática “Saúde dos adolescentes e o papel do enfermeiro”. Editado pela Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil. A publicação deste suplemento foi apoiada pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS). Os artigos passaram pelo processo padrão de revisão por pares da revista para suplementos. As opiniões expressas neste suplemento são exclusivas dos autores e não representam as opiniões da OPAS/OMS. Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação Espírito Santo - FAPES. Edital FAPES/CNPq/Decit-SCTIE-MS/SESA nº 03/2018 PPSUS, Processo 215/2018, Brasil.

Resumo

Objetivo:

identificar a frequência de casos notificados de violência recorrente contra adolescentes e sua associação com as características da vítima, da violência e dos agressores.

Método:

estudo transversal, realizado com os dados notificados de violências contra adolescentes, produzidos pela Vigilância Epidemiológica e registrados no Sistema de Informação de Agravos e Notificação (SINAN), no período de 2011 a 2018, no estado do Espírito Santo, Brasil.

Resultados:

a frequência de violência recorrente contra adolescentes foi de 46,4%. Observou-se maior recorrência desse agravo no grupo de meninas (RP: 1,26; IC95%: 1,15-1,38), na faixa de 10 a 14 anos de idade (RP: 1,20; IC95%: 1,13-1,28), e, pessoas com alguma deficiência/transtorno (RP:1,52; IC95%: 1,42-1,62). A violência psicológica/negligência foi 30% mais prevalente de recorrência do que a violência autoprovocada. A residência foi o local de maior ocorrência (RP: 1,56; IC95%: 1,37-1,77). Verificou-se prevalência 1,11 vezes maior de violência recorrente praticada por agressores com 20 anos de idade ou mais e uma evidência maior em agressores do sexo masculino (IC95%: 0,97-1,17).

Conclusão:

a violência recorrente esteve associada às características das vítimas, do agressor e do evento. A intersetorialidade em saúde para a redução dos casos de reincidência da violência é crucial.

Descritores:
Adolescente; Violência; Exposição à Violência; Recorrência; Sistemas de Informação em Saúde; Enfermagem

Abstract

Objective:

to identify the frequency of reported cases of recurring violence against adolescents and their association with victim, violence, and aggressor characteristics.

Method:

cross-sectional study conducted with notified data on violence against adolescents, produced by Epidemiological Surveillance and registered in the Information System of Diseases and Notification (SINAN), from 2011 to 2018, in the state of Espírito Santo, Brazil.

Results:

the frequency of recurring violence against adolescents was 46.4%. Higher occurrence was observed among girls (PR: 1.26; 95%CI: 1.15 - 1.38) between 10 and 14 years of age (PR: 1.20; 95%CI: 1.13 - 1.28), and people with a disability or disorder (PR: 1.52; 95%CI: 1.42 - 1.62). Psychological violence/neglect was 30% more prevalent in recurrence than self-harm. Most cases occurred at home (PR: 1.56; 95%CI: 1.37 - 1.77). Results showed a 1.11 times higher prevalence of recurring violence perpetrated by aggressors aged 20 years or older and higher evidence in male aggressors (95%CI: 0.97 - 1.17).

Conclusion:

recurring violence was associated with victim, aggressor, and event characteristics. Health intersectoriality is crucial to reduce cases of recurring violence.

Descriptors:
Adolescent; Violence; Exposure to Violence; Recurrence; Health Information Systems; Nursing

Resumen

Objetivo:

identificar la frecuencia de casos notificados de violencia recurrente contra adolescentes y su asociación con las características de la víctima, de la violencia y de los agresores.

Método:

estudio transversal, realizado con los datos notificados de violencias contra adolescentes, producidos por la Vigilancia Epidemiológica y registrados en el Sistema de Información de Agravamientos de Notificación (SINAN), de 2011 a 2018, en el estado de Espírito Santo, Brasil.

Resultados:

la frecuencia de violencia recurrente contra adolescentes fue de 46,4%. Se observó una mayor recurrencia de este agravio en el grupo de niñas (RP: 1,26; IC 95%: 1,15-1.38), en el rango de 10 a 14 años de edad (RP: 1,20; IC 95%: 1,13-1,28), y, personas con discapacidad/trastorno (RP:1,52; IC del 95%: 1,42-1,62). La violencia psicológica/negligencia fue un 30 % más frecuente en la recurrencia que la violencia autoinfligida. La residencia fue el lugar de mayor ocurrencia (RP: 1,56; IC del 95%: 1,37-1,77). Hubo una prevalencia 1,11 veces mayor de violencia recurrente cometida por agresores de 20 años o más y mayor evidencia en agresores masculinos (IC95%: 0,97-1,17).

Conclusión:

la violencia recurrente se asoció con las características de las víctimas, el agresor y el evento. La intersectorialidad en salud para reducir los casos de reincidencia de la violencia es crucial.

Descriptores:
Adolescente; Violencia; Exposición a la Violencia; Recurrencia; Sistemas de Información en Salud; Enfermería

Destaques:

(1) A frequência de violência recorrente contra adolescentes foi de 46,4%.

(2) Observou-se maior recorrência desse agravo no grupo de meninas entre 10 e 14 anos.

(3) A residência foi o local de maior ocorrência.

(4) A violência recorrente associou-se às características das vítimas, agressor e evento.

(5) Há prevalência 1,11 vezes > de violência recorrente praticada por homens ≥ 20 anos.

Introdução

A violência contra adolescentes se manifesta de diferentes formas, seja perpetrada pelos pais, outros cuidadores, colegas ou desconhecidos. Nesse ciclo da vida, os indivíduos estão expostos à violência autoprovocada; a maus-tratos domésticos através do abuso e da negligência por parte dos pais e cuidadores; à violência juvenil que ocorre fora de casa, muitas vezes nas escolas, na comunidade, ou também online; e a violência por parceiro íntimo, também chamada de violência no namoro, que ocorre entre adolescentes envolvidos em relacionamentos amorosos11. World Health Organization, Regional Office for Europe. Responding to violence against women and children during COVID-19: impact on service provision, strategies and actions in the WHO European Region [Internet]. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe; 2021 [cited 2022 May 6]. Available from: Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/349504
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Independente da forma que se manifesta, a violência é um evento traumático que possui impactos negativos à nível individual, social e econômico22. Gilbert R, Widom CS, Browne K, Fergusson D, Webb E, Janson S. Burden and consequences of child maltreatment in high-income countries. Lancet. 2009;373(9657):68-81. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(08)61706-7
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, e dependendo da forma com a qual ocorre, isto é, crônica ou recorrente, as consequências podem ser ainda mais graves. Um dos aspectos mais perturbadores dos maus-tratos infantis é sua tendência à recorrência33. Fluke JD, Yuan YYT, Edwards M. Recurrence of maltreatment: an application of the National Child Abuse and Neglect Data System (NCANDS). Child Abuse Neglect. 1999;23(7):633-50. https://doi.org/10.1016/s0145-2134(99)00039-3
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. A literatura aponta que a recorrência de violência se refere a circunstâncias em que vítimas que foram previamente comprovadas como vítimas de abuso ou negligência experimentam outro incidente de maus-tratos comprovado44. Carnochan S, Rizik-Baer D, Austin MJ. Preventing the Recurrence of Maltreatment. J Evid Based Social Work. 2013;10(3):161-78. https://doi.org/10.1080/15433714.2013.788947
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No Brasil, em 2017, foram registradas 79.914 notificações de violência contra adolescentes, sendo que, 30,9% desses casos já haviam ocorrido outras vezes e a maior parte da recorrência dessas violências ocorreram em ambientes domésticos. Na região Sudeste, neste mesmo ano, foram notificados 36.521 casos de violência, e deste total, 29,5% corresponderam a casos de repetição55. Ministério da Saúde (BR). Violência Doméstica, Sexual e/ou Outras Violências - Sinan [Homepage]. 2021 [cited 2022 Feb 13]. Available from: Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinannet/violencia/bases/violebrnet.def
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.

A recorrência tem efeitos negativos múltiplos e significativos sobre as crianças e adolescentes vítimas de maus-tratos44. Carnochan S, Rizik-Baer D, Austin MJ. Preventing the Recurrence of Maltreatment. J Evid Based Social Work. 2013;10(3):161-78. https://doi.org/10.1080/15433714.2013.788947
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. Tratando-se de violência sexual, um estudo concluiu que aqueles que sofrem um episódio de abuso sexual na infância apresentam mais comportamentos sexuais de risco e são mais propensos a experimentar novos episódios de vitimização sexual durante a adolescência e início da juventude66. Castro Á, Ibáñez J, Maté B, Esteban J, Barrada JR. Childhood Sexual Abuse, Sexual Behavior, and Revictimization in Adolescence and Youth: A Mini Review. Front Psychol. 2019;10:2018. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2019.02018
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. Além disso, adolescentes que sofrem violência recorrente tendem a sofrer mais episódios de violência na escola, vivenciam mais agressões na comunidade e transgridem mais as normas sociais. Eles também têm menos apoio social, menor capacidade de resiliência e baixa autoestima77. McGee ZT, Baker SR. Impact of Violence on Problem Behavior Among Adolescents: Risk Factors Among an Urban Sample. J Contemp Crim Justice. 2002;18(1):74-93. https://doi.org/10.1177/1043986202018001006
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-88. Yule K, Houston J, Grych J. Resilience in Children Exposed to Violence: A Meta-analysis of Protective Factors Across Ecological Contexts. Clin Child Fam Psychol Rev. 2019;22(3):406-31. https://doi.org/10.1007/s10567-019-00293-1
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A recorrência de maus-tratos é de grande interesse na área de intervenção dos serviços de proteção às vítimas de violência33. Fluke JD, Yuan YYT, Edwards M. Recurrence of maltreatment: an application of the National Child Abuse and Neglect Data System (NCANDS). Child Abuse Neglect. 1999;23(7):633-50. https://doi.org/10.1016/s0145-2134(99)00039-3
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, sendo que nesse contexto os profissionais da saúde, especialmente o enfermeiro, têm um importante papel na identificação dos casos de violência aguda ou crônica nos territórios, para melhor encaminhamento das vítimas na rede de atenção à saúde visando a resolutividade e integralidade do cuidado. Essa identificação pelo enfermeiro também fornece subsídios para a organização e a atuação da rede de proteção social aos adolescentes99. Lima JS, Deslandes SF. Mandatory notification of sexual abuse against children and adolescents: a comparison between American and Brazilian mechanisms. Interface (Botucatu). 2011;15(38):819-32. https://doi.org/10.1590/S1414-32832011005000040
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. Ademais, a notificação dos casos contribui no dimensionamento epidemiológico do problema, o que permite o conhecimento da dinâmica dessa violência, e o posterior desenvolvimento e criação de programas e ações específicas, além de políticas públicas voltadas à sua prevenção1010. Saliba O, Garbin CAS, Garbin AJI, Dossi AP. Responsibility of health providers in domestic violence reporting. Rev Saúde Pública. 2007;41:472-7. https://doi.org/10.1590/S0034-89102007000300021
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Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi identificar a frequência de casos notificados de violência recorrente contra adolescentes e sua associação com as características da vítima, da violência e dos agressores.

Método

Delineamento do estudo

Estudo observacional analítico do tipo transversal1111. Gordis L. Epidemiology. 5. ed. Rio de Janeiro: Thieme Revinter; 2017..

Local

O estudo ocorreu no estado do Espírito Santo, Brasil. O estado do Espírito Santo (ES) é uma das unidades de federação que compõem a Região Sudeste do Brasil, possuindo uma área territorial de 46.074,447 km². O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010, corresponde a 0,740, fazendo com que o estado possua o 7º melhor IDH entre os estados do Brasil. O número de habitantes adolescentes com idade entre 10 e 19 anos no último censo foi de 603.898 mil pessoas.

População e período

A pesquisa foi realizada com os dados notificados de violências recorrente contra adolescentes, com idade entre 10 e 19 anos, produzidos pela Vigilância Epidemiológica e registrados no Sistema de Informação de Agravos e Notificação (Sinan), entre anos de 2011 e 2018 em todo o estado do Espírito Santo.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define adolescência como sendo o período da vida que começa aos 10 anos e termina aos 19 anos completos. Para a OMS, a adolescência é dividida em três fases: Pré-adolescência - dos 10 aos 14 anos, Adolescência - dos 15 aos 19 anos completos1212. World Health Organization. Young People ´s Health - a Challenge for Society. Report of a WHO Study Group on Young People and Health for All. Technical Report Series 731. Geneva: WHO; 1986..

Variáveis do estudo

A variável dependente deste estudo é a violência recorrente (sim e não). As variáveis independentes foram as características da vítima: sexo (masculino e feminino); faixa etária (10 a 14 anos e 15 a 19 anos); raça/cor (branca e não branca); deficiência/transtorno (sim e não) e zona de residência (urbana e rural/periurbana). As características da agressão: tipo de violência (física, sexual, psicológica/negligência, lesão autoprovocada e outros) e local de ocorrência (residência, via pública e outros); e as características do agressor: número de agressores envolvidos (um e dois ou mais), idade do agressor (até 19 anos e 20 anos ou mais), sexo do agressor (feminino, masculino e ambos), vínculo com a vítima (familiar, desconhecidos e outros/conhecidos), e, agressor suspeito de uso de álcool (não e sim).

Análise dos dados

Os dados foram analisados por meio da estatística descritiva em frequência bruta e relativa com intervalos de confiança de 95%. As análises bivariadas foram realizadas por meio do teste Qui-Quadrado (χ²), com nível de significância de 95%, e, análise ajustada com Regressão de Poisson com variância robusta. Foram incluídas no modelo todas as variáveis independentes com p< 0,20 e a permanência se deu quando o valor de p < 0,05.

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo, sob parecer de n. 2.819.597, e foram respeitadas todas as normas e diretrizes da Resolução 466/2012.

Resultados

Foram notificados 3.094 casos de violência recorrente contra adolescentes no estado do Espírito Santo no período de 2011 a 2018, ou seja, uma frequência de 46,4%.

A maior parte dos adolescentes vítimas de violência recorrente eram do sexo feminino (78,3%), na faixa etária dos 15 aos 19 anos de idade (52,5%), raça/cor não branca (72%), não apresentavam deficiência e/ou transtorno (80,7%), e residiam na zona urbana (90,7%). O tipo de agravo mais frequente foi a violência física (34%), e a residência foi o local de maior ocorrência da violência de repetição (79,3%) (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização dos adolescentes vítimas de violência de repetição (N=3.094). Vitória, ES, Brasil, 2011 a 2018

Os dados mostram uma maior frequência de violência praticada por uma única pessoa (86,3%), principalmente do sexo masculino (57,8%), com faixa etária de até 19 anos de idade (55,6%), e, em 48% dos casos, o agressor era familiar da vítima. Na maioria dos casos (76,5%), os agressores não eram suspeitos de terem consumido álcool antes da agressão (Tabela 1).

As análises bivariadas (Tabela 2) mostram que a distribuição das características das notificações de violência de repetição contra adolescentes esteve relacionada às variáveis sexo, faixa etária, raça/cor, deficiência/transtorno, tipo de violência, local de ocorrência, número de agressores envolvidos, sexo do agressor e vínculo com a vítima (p < 0,05).

Tabela 2
Distribuição das características das notificações de repetição entre adolescentes. (N=3.094). Vitória, ES, Brasil, 2011 a 2018

A partir da análise ajustada (Tabela 3), nota-se uma prevalência 1,26 vezes maior de violência recorrente no sexo feminino quando comparado ao sexo masculino (RP: 1,26; IC95%: 1,15 - 1,38). Adolescentes de 10 a 14 anos de idade tiveram prevalência 20% maior do que aqueles na faixa de 15 a 19 anos (RP: 1,20; IC95%: 1,13 - 1,28). E aqueles que tinham algum tipo de deficiência e/ou transtorno foram 52% mais prevalentes entre as vítimas quando comparado ao grupo que não possui estes agravos (RP: 1,52; IC95%: 1,42 - 1,62).

Tabela 3
Análise bruta e ajustada dos efeitos das características dos casos de violência de repetição entre adolescentes (N=3.094). Vitória, ES, Brasil, 2011 a 2018

A violência psicológica/negligência e outros tipos deste agravo, foram, respectivamente, 30% e 57% mais prevalentes de recorrência do que a violência autoprovocada (RP: 1,30; IC 95%: 1,11 - 1,52 e RP: 1,57; IC95%: 1,09 - 2,25). Além disso, a residência das vítimas foi o local de maior ocorrência (RP: 1,56; IC95%: 1,37 - 1,77).

Quanto às características do agressor, nota-se uma prevalência 11% maior de violência recorrente praticada por agressores com 20 anos de idade ou mais comparado ao grupo de até 19 anos de idade (RP: 1,11; IC95%: 1,00 - 1,23). Em relação ao sexo do agressor, a variável “ambos os sexos” foi mais prevalente quando comparada aos agressores dos sexos masculino e feminino individualmente (RP: 1,37; IC95%: 1,20 - 1,57).

Discussão

O presente estudo buscou compreender o cenário da violência de repetição contra adolescentes segundo as características da vítima, das agressões e dos agressores. Verificamos que a violência recorrente contra adolescentes no estado do Espírito Santo entre 2011 e 2018 apresentou uma frequência de 46,4%. Em pesquisa realizada a nível nacional com dados de notificação de violência contra adolescentes registrados no SINAN entre 2011 e 2017, foi observado que 39,9% dos eventos tiveram caráter de repetição1313. Pereira VOM, Pinto IV, Mascarenhas MDM, Shimizu HE, Ramalho WM, Fagg CW. Violence against adolescents: analysis of health sector notifications, Brazil, 2011-2017. Rev Bras Epidemiol. 2020;23 Suppl 1:e200004.SUPL.1. https://doi.org/10.1590/1980-549720200004.supl.1
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No que tange às características das vítimas, nota-se uma maior prevalência de recorrentes casos de violência entre adolescentes do sexo feminino (RP: 1,26; IC95%: 1,15 - 1,38). Este achado se assemelha ao estudo realizado a partir das notificações aos Conselhos Tutelares e programas de atendimento do município de Londrina, Paraná, no período de 2002 a 2006, onde a maioria dos casos de violência de repetição notificados ocorreram entre vítimas do sexo feminino (66,3%)1414. Martins CBG, Jorge MHPM. Childhood and adolescent sexual abuse: profile of the victims and aggressors in a county in the south of Brazil. Texto Contexto Enferm. 2010;19(2):246-55. https://doi.org/10.1590/S0104-07072010000200005
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. Outro estudo afirma que as mulheres foram vítimas de violência de repetição em maior proporção do que os homens1313. Pereira VOM, Pinto IV, Mascarenhas MDM, Shimizu HE, Ramalho WM, Fagg CW. Violence against adolescents: analysis of health sector notifications, Brazil, 2011-2017. Rev Bras Epidemiol. 2020;23 Suppl 1:e200004.SUPL.1. https://doi.org/10.1590/1980-549720200004.supl.1
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A maior prevalência da violência de repetição no sexo feminino pode ser atribuída a fatores histórico-culturais, os quais impuseram condições de abuso, exploração, subordinação e discriminação às mulheres, acarretando as questões de gênero existentes atualmente que colocam as meninas em maior risco de exposição à violência e sua reincidência1515. Barufaldi LA, Souto RMCV, Correia RSB, Montenegro MMS, Pinto IV, Silva MMA, et al. Gender violence: a comparison of mortality from aggression against women who have and have not previously reported violence. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22:2929-38.-1616. Albarran J. Referentes conceptuales sobre femicidio/feminicidio: Su incorporación en la normativa jurídica Venezolana. Comunidad Salud [Internet]. 2015 [cited 2022 May 6];75-80. Available from: Available from: http://ve.scielo.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1690-32932015000200010
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As adolescentes trazem consigo um movimento de liberdade e busca por superação dos estereótipos da feminilidade. A perspectiva desenvolvimental relacionada ao gênero e violência nas relações de intimidade tem sido reportada na literatura internacional1717. Dosil M, Jaureguizar J, Bernaras E, Sbicigo JB. Teen Dating Violence, Sexism, and Resilience: A Multivariate Analysis. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(8):2652. https://doi.org/10.3390/ijerph17082652
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. De fato, as relações íntimas geralmente se iniciam na adolescência, sendo que o conhecimento dos adolescentes para estas relações está atrelado à mídia, bem como a observação de amigos e familiares. Tal processo é permeado pelo narcisismo, um apego a papéis específicos de gênero e a mistificação do amor romântico, levando essa população vulnerável à violência nas relações de intimidade1717. Dosil M, Jaureguizar J, Bernaras E, Sbicigo JB. Teen Dating Violence, Sexism, and Resilience: A Multivariate Analysis. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(8):2652. https://doi.org/10.3390/ijerph17082652
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. Ademais, essa perspectiva também é abordada em uma metanálise de prevalência de violência nas relações de intimidade física e sexual entre adolescentes, bem como seus fatores associados1818. Wincentak K, Connolly J, Card N. Teen dating violence: A meta-analytic review of prevalence rates. Psychol Violence. 2017;7(2):224-41. https://doi. org/10.1037/a0040194
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Em relação à faixa etária das vítimas, nota-se maior prevalência entre os adolescentes mais novos (10 a 14 anos de idade) (RP: 1,20; IC95%: 1,13 - 1,28). Um estudo conduzido com os dados secundários da Amostra II da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE 2015), apontou que entre os adolescentes vítimas da violência intrafamiliar, os com a menor faixa etária (13 a 15 anos de idade) apresentaram maiores prevalências de violência de repetição (P: 8,6%. IC95%: 7,6 - 9,6) quando comparado com adolescentes mais velhos1919. Antunes JT, Machado ÍE, Malta DC. Risk and protective factors related to domestic violence against Brazilian adolescents. Rev Bras Epidemiol . 2020;23 Suppl 1:e200003.SUPL.1. https://doi.org/10.1590/1980-549720200003.supl.1
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O maior número de casos de violência a faixas etárias menores justifica-se devido à incapacidade desses indivíduos em escaparem e/ou se defenderem. Em adição, a fragilidade física e de personalidade torna os adolescentes alvos fáceis da violência e colaboram para a cronicidade de tais abusos1414. Martins CBG, Jorge MHPM. Childhood and adolescent sexual abuse: profile of the victims and aggressors in a county in the south of Brazil. Texto Contexto Enferm. 2010;19(2):246-55. https://doi.org/10.1590/S0104-07072010000200005
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,2020. Hino P, Takahashi RF, Nichiata LYI, Apostólico MR, Taminato M, Fernandes H. Interfaces of vulnerability dimensions in violence against children. Rev Bras Enferm. 2019;72(suppl 3):343-7. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0463
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Adolescentes de faixas etárias menores são física, psicológica e socialmente mais vulneráveis, não possuindo maturidade suficiente para compreender a teia criada pelo agressor para praticar a violência2121. Souza CS, Costa MC, Assis SG, Musse JO, Nascimento C Sobrinho, Amaral MT. Surveillance System for Violence and Accidents (VIVA) and notification of infant-juvenile violence in the Brazilian Unified Health System (SUS) in Feira de Santana in the state of Bahia. Cien Saude Colet. 2014;19(3):773-84. https://doi.org/10.1590/1413-81232014193.18432013
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. Ainda, estes possuem maiores chances de sofrerem violência pelo fato de ficarem mais tempo dentro de suas residências com seus familiares quando comparados a faixas etárias maiores que, geralmente, estão mais tempo fora de suas casas1919. Antunes JT, Machado ÍE, Malta DC. Risk and protective factors related to domestic violence against Brazilian adolescents. Rev Bras Epidemiol . 2020;23 Suppl 1:e200003.SUPL.1. https://doi.org/10.1590/1980-549720200003.supl.1
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.

Estudos internacionais têm abordado adolescentes que vivem em região urbana de alta vulnerabilidade, e apontam diferenças estatisticamente significantes na compreensão e enfrentamento dessa população vulnerável quanto à violência nas relações de intimidade1818. Wincentak K, Connolly J, Card N. Teen dating violence: A meta-analytic review of prevalence rates. Psychol Violence. 2017;7(2):224-41. https://doi. org/10.1037/a0040194
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,2222. Garthe RC, Gorman-Smith D, Gregory JR, Schoeny ME. Neighborhood Concentrated Disadvantage and Dating Violence among Urban Adolescents: The Mediating Role of Neighborhood Social Processes. Am J Community Psychol. 2018;61(3-4):310-20. https://doi.org/10.1002/ajcp.12239
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. O contexto de vulnerabilidade social pode expor os adolescentes a situações de violência com repercussões negativas para suas vidas. Uma revisão sistemática que sintetizou e avaliou as evidências sobre as causas e consequências da violência nas relações de intimidade entre adolescentes, apontou que a pobreza apresenta-se como um fator importante para sua ocorrência2323. Taquette SR, Monteiro DLM. Causes and consequences of adolescent dating violence: a systematic review. J Inj Violence Res. 2019;11(2):137-47. https://doi.org/10.5249/jivr.v11i2.1061
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. Ainda sugere que a dificuldade financeira e baixa renda também aumentam o risco para violência nas relações de intimidade2424. Niolon PH, Kearns M, Dills J, Rambo K, Irving S, Armstead TL, et al. Preventing Intimate Partner Violence Across the Lifespan: A Technical Package of Programs, Policies and Practices [Internet]. Atlanta, GA: Centers for Disease Control and Prevention; 2017 [cited 2021 Mar 05]. Available from: Available from: https://www.cdc.gov/violenceprevention/pdf/ipv-technicalpackages.pdf
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.

Um estudo qualitativo que objetivou conhecer e analisar as percepções de adolescentes de alta vulnerabilidade social frente à construção de relações de intimidade violentas, identificou que as normas tradicionais de gênero ainda ocupam um lugar importante no delineamento de relações entre adolescentes. Tais condutas são mais visíveis em relações de namoro, quando o compromisso e a exclusividade são tidos como principais características; além disso o ciúme emergiu como principal disparador de violência, sendo que as tecnologias foram os principais recursos contemporâneos para reforçá-la2525. Oliveira APF, Silva SMC, Campeiz AB, Oliveira WA, Silva MAI, Carlos DM. Dating violence among adolescents from a region of high social vulnerability. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2021;29:e3499. https://doi.org/10.1590/1518-8345.5353.3499
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.

Outro achado do presente estudo foi a maior prevalência de recorrência de violência psicológica/negligência entre os adolescentes (RP: 1,30; IC95%: 1,11 - 1,52). Em pesquisa realizada à nível nacional entre 2011 e 2017, a repetição da violência esteve associada à maior ocorrência de violência psicológica e da negligência1313. Pereira VOM, Pinto IV, Mascarenhas MDM, Shimizu HE, Ramalho WM, Fagg CW. Violence against adolescents: analysis of health sector notifications, Brazil, 2011-2017. Rev Bras Epidemiol. 2020;23 Suppl 1:e200004.SUPL.1. https://doi.org/10.1590/1980-549720200004.supl.1
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. Destaca-se que ambas são de difícil registro devido à sua característica de subjetividade e de diferentes expressões, estando geralmente associadas a outras formas de violência2626. Frugaard Stroem I, Aakvaag HF, Wentzel-Larsen T. Characteristics of Different Types of Childhood Violence and the Risk of Revictimization. Viol Against Women. 2019;25(14):1696-716. https://doi.org/10.1177/1077801218818381
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-2727. Silva LL, Coelho EBS, Caponi SNC. Silent violence: psychological violence as a condition of domestic physical violence. Interface (Botucatu). 2007;11:93-103. https://doi.org/10.1590/S1414-32832007000100009
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.

A maior prevalência da reincidência de comportamentos violentos esteve associada a ter algum tipo de deficiência e/ou transtorno no presente estudo (RP: 1,52; IC95%: 1,42 - 1,62). Dado esse, semelhante à pesquisa realizada pela empresa estadunidense Westat que evidenciou que a violência contra adolescentes com deficiência e/ou transtorno ocorreu 1,7 vezes mais do que entre adolescentes que não possuem deficiência2828. Committee on Child Abuse and Neglect and Committee on Children With Disabilities. Assessment of Maltreatment of Children With Disabilities. Pediatrics. 2001;108(2):508-12.. Determinadas características de certos tipos de deficiência, como dificuldades de comunicação, falta de conhecimento em como se defender, pouca habilidade social e dependência excessiva de terceiros, podem ser facilitadoras de algumas ações de violência e também da cronicidade desses eventos2929. Pfeiffer L, Salvagni EP. Current view of sexual abuse in childhood and adolescence. J Pediatr (Rio J). 2005;81(5 Suppl):S197-S204.

30. Cavalcante LV, Vieira SC, Silva LMP. Violência contra adolescentes com deficiência: uma revisão integrativa da literatura. Rev Adolesc Saúde. 2016;13(2):79-86.
-3131. Laignier MR, Lopes-Júnior LC, Santana RE, Leite FMC, Brancato CL. Down Syndrome in Brazil: Occurrence and Associated Factors. Int J Environ Res Public Health . 2021;18(22):11954. https://doi.org/10.3390/ijerph182211954
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. Destaca-se que a recorrência de violência entre pessoas com deficiência ou transtorno é escasso na literatura, o que demonstra a necessidade de maior investigação científica acerca desse assunto.

A maior prevalência de violência de repetição esteve associada à ocorrência nas residências das vítimas (RP: 1,56; IC95%: 1,37 - 1,77). Este está em linha com um estudo3232. Gawryszewski VP, Valencich DMO, Carnevalle CV, Marcopito LF. Child and adolescent abuse in the state of São Paulo, Brazil, 2009. Rev Assoc Med Bras. 2012;58(6):659-65. https://doi.org/10.1590/s0104-42302012000600009
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que utilizou dados do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) - que faz parte do Sinan - no estado de São Paulo, no período de 2009, no qual apontou a residência como local de ocorrência de 72,9% dos casos de violência contra adolescentes. Uma outra pesquisa1313. Pereira VOM, Pinto IV, Mascarenhas MDM, Shimizu HE, Ramalho WM, Fagg CW. Violence against adolescents: analysis of health sector notifications, Brazil, 2011-2017. Rev Bras Epidemiol. 2020;23 Suppl 1:e200004.SUPL.1. https://doi.org/10.1590/1980-549720200004.supl.1
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apontou que aproximadamente 57% dos casos ocorreram na residência, apontando esse espaço como local comum de ocorrência da violência.

O domicílio da vítima como local mais frequente de ocorrência de múltiplos episódios de violência é visto como um ambiente privilegiado para a prática de tais abusos contra adolescentes, uma vez que os limites impostos pela privacidade física e social do ambiente proporcionam o isolamento da família diante do olhar público, propiciando um lugar sem testemunhas e encoberto pela cumplicidade familiar1414. Martins CBG, Jorge MHPM. Childhood and adolescent sexual abuse: profile of the victims and aggressors in a county in the south of Brazil. Texto Contexto Enferm. 2010;19(2):246-55. https://doi.org/10.1590/S0104-07072010000200005
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.

Em relação às características dos agressores, nota-se uma maior prevalência de violência de repetição perpetuada por indivíduos com 20 anos de idade ou mais (RP: 1,11; IC95%: 1,00 - 1,23). Este dado corrobora a um estudo realizado com casos notificados de violência de repetição presentes no Sinan, no estado do Espírito Santo, no período de 2011 a 2018, no qual apontou recorrência da violência praticada com predominância de indivíduos com 20 anos ou mais de idade (78,5%) quando comparados a indivíduos com faixa etária entre 0 e 19 anos3333. Pedroso MRO, Leite FMC. Recurrent violence against children: analysis of cases notified between 2011 and 2018 in Espírito Santo state, Brazil. Epidemiol Serv Saude. 2021;30(3):e2020809. https://doi.org/10.1590/S1679-49742021000300003
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.

Ressalta-se que estudos em diferentes países vêm ratificando a importância do desenvolvimento de ações e programas preventivos aos pares e expectadores no âmbito das violências contra crianças e adolescentes3434. Aragão AS, Ferriani M, Vendruscollo TS, Souza SL, Gomes R. Primary care nurses' approach to cases of violence against children. Rev. Latino-Am. Enfermagem . 2013;21 Spec No:172-9. https://doi.org/10.1590/s0104-11692013000700022
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35. Coker AL, Bush HM, Cook-Craig PG, DeGue SA, Clear ER, Brancato CJ, et al. RCT Testing Bystander Effectiveness to Reduce Violence. Am J Prev Med. 2017;52(5):566-78. https://doi.org/10.1016/j.amepre.2017.01.020
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-3636. Miller E. Prevention of and Interventions for Dating and Sexual Violence in Adolescence. Pediatric Clin North Am. 2017;64(2):423-34. https://doi.org/10.1016/j.pcl.2016.11.010
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. Estes programas têm reduzido significativamente a perpetração e vitimização por violência nas relações de intimidade3535. Coker AL, Bush HM, Cook-Craig PG, DeGue SA, Clear ER, Brancato CJ, et al. RCT Testing Bystander Effectiveness to Reduce Violence. Am J Prev Med. 2017;52(5):566-78. https://doi.org/10.1016/j.amepre.2017.01.020
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-3636. Miller E. Prevention of and Interventions for Dating and Sexual Violence in Adolescence. Pediatric Clin North Am. 2017;64(2):423-34. https://doi.org/10.1016/j.pcl.2016.11.010
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. Um estudo desenvolvido em escolas da Pensilvânia, Estados Unidos da América, identificou que estudantes ficaram entusiasmados sobre discutir relações saudáveis e não saudáveis com enfermeiros escolares. Muitos adolescentes envoltos em violência nas relações de intimidade se reportaram a estes enfermeiros para relatarem experiências vivenciadas3737. Reidy DE, Holland KM, Cortina K, Ball B, Rosenbluth B. Evaluation of the expect respect support group program: A violence prevention strategy for youth exposed to violence. Prev Med. 2017;100:235-42. https://doi.org/10.1016/j.ypmed.2017.05.003
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.

Uma das limitações do estudo consiste na falta de completude do banco de dados de algumas varáveis independentes. Cumpre ressaltar que o material disponível na literatura sobre violência recorrente é escasso e, em sua maioria, é voltado para a violência de repetição contra a mulher e/ou contra crianças de faixa etária inferior a 10 anos de idade. Diante disso, destaca-se a importância desta pesquisa na colaboração para um acervo bibliográfico sobre o tema, também no incentivo a mais pesquisas sobre a mesma temática, de modo a ampliar o conhecimento e lançar luz sobre novas formas de enfrentamento da problemática central - a violência de repetição contra adolescentes.

Conclusão

Conclui-se que há uma elevada prevalência de violência recorrente contra adolescentes. A maior prevalência desse evento ocorreu entre adolescentes do sexo feminino, na faixa etária entre 10 e 14 anos de idade, e que apresentavam algum tipo de deficiência e/ou transtorno. A violência psicológica/negligência foram as mais frequentes, e cometidas por agressores de ambos os sexos e na faixa etária de 20 anos ou mais.

Diante desses achados, é essencial realizar investimentos na formação de profissionais para o rastreamento e enfrentamento deste agravo, bem como a promoção de um atendimento interprofissional para a humanização da assistência e ruptura do ciclo da violência contra os adolescentes. Esse grave problema de saúde pública necessita ser enfrentado, garantindo a esses indivíduos um desenvolvimento saudável e seguro. Destaca-se a importância de ações conjuntas entre a área da saúde, os setores públicos e a sociedade civil para a redução dos casos de reincidência da violência.

Além disso, é de suma importância a notificação e qualificação dos bancos de dados, uma vez que conhecer os dados epidemiológicos acerca da violência contra adolescentes pode contribuir no dimensionamento do problema, e consequentemente, na formulação de estratégias de proteção a esse grupo.

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  • *
    Este artigo refere-se à chamada temática “Saúde dos adolescentes e o papel do enfermeiro”. Editado pela Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil. A publicação deste suplemento foi apoiada pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS). Os artigos passaram pelo processo padrão de revisão por pares da revista para suplementos. As opiniões expressas neste suplemento são exclusivas dos autores e não representam as opiniões da OPAS/OMS. Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação Espírito Santo - FAPES. Edital FAPES/CNPq/Decit-SCTIE-MS/SESA nº 03/2018 PPSUS, Processo 215/2018, Brasil.
  • 2
    Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil.

Editado por

Editora Associada: Maria Lúcia Zanetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    06 Maio 2022
  • Aceito
    03 Jun 2022
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