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Atenção integral à saúde dos adolescentes transgêneros: subsídios para a prática da Enfermagem

Resumo

Objetivo:

analisar a atenção integral à saúde dos adolescentes transgêneros na perspectiva dos seus responsáveis.

Método:

estudo qualitativo fundamentado no referencial Rede Social proposto por Lia Sanicola, desenvolvido com 22 responsáveis por adolescentes transgêneros no Brasil por meio de entrevistas online individuais semiestruturadas. O material empírico foi analisado com a utilização da técnica de análise de conteúdo na modalidade temática.

Resultados:

Foram evidenciados a falta de ambiência e despreparo técnico de profissionais da saúde em relação à temática em todos os níveis de atenção, transfobia, centralização do cuidado em escassos serviços habilitados para pessoas trans no período infantojuvenil, invisibilidade do apoio à família, ausência de ações de promoção da saúde no âmbito comunitário, sobretudo, escolar, e, ainda, o acolhimento promovido, comumente, pelas iniciativas não governamentais.

Conclusão:

a centralização de ações em escassos serviços especializados no país e a transfobia estrutural podem comprometer a atenção integral à saúde dos adolescentes trans. Urge a necessidade de uma linha de cuidado capaz de auxiliar a atuação conjunta por equipe multi e interdisciplinar com maior proatividade do enfermeiro junto ao adolescente trans e seus responsáveis por meio de ações individuais e coletivas; ambiência; promoção da saúde nas escolas para visibilidade e acolhimento na Atenção Primária à Saúde desde a infância.

Descritores:
Enfermagem; Rede Social; Pessoas Transgênero; Identidade de Gênero; Família; Saúde Pública

Abstract

Objective:

to analyze the integral health care for transgender adolescents from the perspective of their guardians.

Method:

qualitative research based on the Social Network framework proposed by Lia Sanicola, developed with 22 guardians of transgender adolescents in Brazil through semi-structured individual online interviews. The empirical material was analyzed using the content analysis technique, thematic modality.

Results:

lack of ambience was observed, in addition to technical unpreparedness of health professionals in relation to the theme at all levels of care, transphobia, centralization of care in scarce qualified services for transgender children and youth, absence of family support, lack of health promotion actions within the community, especially in the school environment, and the common support from non-governmental initiatives.

Conclusion:

the centralization of actions in scarce specialized services in the country, and the structural transphobia can compromise the integral health care for transgender adolescents. There is an urgent need for a network of care capable of assisting the joint action by multi and interdisciplinary teams, with greater proactivity of the nurse with the transgender adolescent and their guardians in individual and collective actions; ambience; health promotion in schools for visibility and support in Primary Health Care since childhood.

Descriptors:
Nursing; Social Networking; Transgender Persons; Gender Identity; Family; Public Health

Resumen

Objetivo:

analizar la atención integral a la salud de los adolescentes transgénero desde la perspectiva de sus responsables.

Método:

estudio cualitativo basado en el marco de la Red Social propuesto por Lia Sanicola, desarrollado con 22 responsables de adolescentes transgénero en Brasil a partir de entrevistas en línea individuales semiestructuradas. El material empírico fue analizado mediante la técnica de análisis de contenido, modalidad temática.

Resultados:

se ha evidenciado la falta de ambiente y preparación técnica de los profesionales de la salud con relación al tema en todos los niveles de atención, transfobia, centralización del cuidado en los pocos servicios habilitados para personas trans en el período infantojuvenil, invisibilidad del apoyo a la familia, ausencia de acciones de promoción de la salud en el ámbito comunitario, especialmente en la escuela, y la acogida comúnmente por las iniciativas no gubernamentales.

Conclusión:

la centralización de acciones en los pocos servicios especializados del país y la transfobia estructural pueden comprometer la atención integral en salud de los adolescentes trans. Urge una línea de cuidado capaz de auxiliar la acción conjunta de un equipo multi e interdisciplinario, con mayor proactividad del enfermero con el adolescente transgénero y sus responsables en acciones individuales y colectivas; ambiente; promoción de la salud en las escuelas para la visibilidad y acogida en la Atención Primaria de la Salud desde la infancia.

Descriptores:
Enfermería; Red Social; Personas Transgénero; Identidad de Género; Familia; Salud Pública

Destaques:

(1) Necessidade de linha de cuidado para atenção integral ao adolescente transgênero.

(2) Centralização e escassos serviços habilitados para transgeneridade infantojuvenil.

(3) Invisibilidade da família, ausência de promoção da saúde no âmbito comunitário.

(4) Despreparo dos profissionais da saúde e desarticulação da rede de atenção à saúde.

(5) Necessidade de qualificação dos enfermeiros para acolhimento à transgeneridade.


Introdução

Os adolescentes transgêneros e seus responsáveis vivenciam desafios para visibilidade em face do contexto cisnormativo que os vulnerabilizam, assim, demandam rede de apoio e políticas de saúde que se estruturem em modelo protetor no campo da saúde integral. A abordagem à transgeneridade, embora seja protegida pela legislação na maioria dos países, é incipiente nos espaços de saúde em cenário mundial11. Benevides BG. Associação Nacional de Travestis e Transexuais. Dossiê assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2021 [Internet]. Brasília: Distrito Drag; ANTRA; 2022 [cited 2022 Jun 15]. Available from: Available from: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2022/01/dossieantra2022-web.pdf
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2. Silva FV, Jales RD, Pereira IL, Almeida LR, Nogueira JA, Almeida SA. Childhood transgenderity under the perspective of elementary school teachers. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2021 Jun;29:e3459. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3792.3459
https://doi.org/10.1590/1518-8345.3792.3...

3. Carlile A. The experiences of transgender and non-binary children and young people and their parents in healthcare settings in England, UK: Interviews with members of a family support group. Int J Transgenderism. 2019 Nov;21(1):16-32. https://doi.org/10.1080/15532739.2019.1693472
https://doi.org/10.1080/15532739.2019.16...
-44. Frigerio A, Montali L, Anzani A, Prunas A. “We’ll accept anything, as long as she is okay”: Italian parents’ narratives of their transgender children’s coming-out. J GLBT Fam Stud. 2021 Jun;17(5):432-49. https://doi.org/10.1080/1550428X.2021.1932005
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.

As adolescências, de forma plural, compõem o universo das experiências emancipatórias entre a infância e fase adulta, as quais estão associadas às características singulares da pessoa e às interseccionalidades dos segmentos sociais, raciais, étnicos, espirituais. Além da identidade de gênero e orientação sexual, estas experiências são influenciadas pela origem histórica e multicultural e pela determinação social55. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção em Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes nacionais para a atenção integral à saúde de adolescentes e jovens na promoção, proteção e recuperação da saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2010 [cited 2022 Apr 20]. Available from: Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_nacionais_atencao_saude_adolescentes_jovens_promocao_saude.pdf
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.

Apesar de o direito às ações integradas de saúde do adolescente ser previsto desde a Constituição Federal (CF) de 1988 e a criação do Sistema Único de Saúde (SUS)66. Brasil. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil [Internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 2016 [cited 2020 Jan 13]. Available from: Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
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-77. Presidência da República (BR), Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União, 20 set. 1990 [cited 2020 Jan 13]. Available from: Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm
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, e de se dispor do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) como principal instrumento normativo dos seus direitos à vida e à saúde bem como à expressão, escuta por equipe interprofissional, preservação da autonomia, identidade e proteção88. Presidência da República (BR), Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União, 16 jul. 1990 [cited 2020 Jan 13]. Available from: Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm
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, a adolescência no contexto trans compreende desafios a serem enfrentados devido ao estigma99. Nascimento FK, Reis RA, Saadeh A, Demétrio F, Rodrigues ILA, Galera SAF, et al. Brazilian transgender children and adolescents: Attributes associated with quality of life. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2020;28:e3351. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3504.3351
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e à dupla vulnerabilização por ser adolescente e trans, imersa na transfobia estrutural, potencializada pela intersecção de identidades sociais oprimidas e discriminadas.

No âmbito da saúde, o vínculo entre profissionais e pessoas trans, especialmente os adolescentes, deveria se iniciar com base na projeção do olhar acolhedor e legitimação do nome elegido pela pessoa trans, ancorado aos aspectos afetivos, sociais e políticos1010. Mota M, Santana ADS, Silva LR, Melo LP. “Clara, esta sou eu!” Nome, acesso à saúde e sofrimento social entre pessoas transgênero. Interface (Botucatu). 2022 Out;26:e210017. https://doi.org/10.1590/interface.210017
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, no entanto, apesar de o “nome social” ser um direito instituído pelo SUS desde 2006 por meio da Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde1111. Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Carta dos direitos dos usuários da saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2011 [cited 2022 Apr 20]. Available from: Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartas_direitos_usuarios_saude_3ed.pdf
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) e, posteriormente, compor o campo para registro no Cartão Nacional de Saúde (Cartão SUS)1212. Ministério da Saúde (BR), Gabinete do Ministro. Portaria nº 1.820, de 13 de agosto de 2009. Dispõe sobre os direitos e deveres dos usuários da saúde [Internet]. Diário Oficial da União, 14 ago. 2009 [cited 2022 Apr 20]. Available from: Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt1820_13_08_2009.html
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, na prática dos serviços de saúde, este direito é comumente infringido e negado, o que implica violência e potencial rompimento de vínculos1010. Mota M, Santana ADS, Silva LR, Melo LP. “Clara, esta sou eu!” Nome, acesso à saúde e sofrimento social entre pessoas transgênero. Interface (Botucatu). 2022 Out;26:e210017. https://doi.org/10.1590/interface.210017
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. Além destes aspectos, os adolescentes trans, também enfrentam barreiras burocráticas para retificação do nome, visto que para menores de 18 anos ocorre mediante autorização judicial1313. Gherini PMM, Valentim G. Guia para retificação do registro civil de pessoas não cisgêneras [Internet]. São Paulo: Baptista Luz; 2019 [cited 2022 Apr 20]. Available from: Available from: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2020/03/guia_retificacao_genero.pdf
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, sendo considerados o desrespeito ao nome e pronomes de tratamento como dificuldades vivenciadas em todos os âmbitos sociais, incluindo o núcleo familiar e escola99. Nascimento FK, Reis RA, Saadeh A, Demétrio F, Rodrigues ILA, Galera SAF, et al. Brazilian transgender children and adolescents: Attributes associated with quality of life. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2020;28:e3351. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3504.3351
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Além das Diretrizes Nacionais para a Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens na Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde55. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção em Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes nacionais para a atenção integral à saúde de adolescentes e jovens na promoção, proteção e recuperação da saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2010 [cited 2022 Apr 20]. Available from: Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_nacionais_atencao_saude_adolescentes_jovens_promocao_saude.pdf
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, a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBTI+) foi instituída pelo Ministério da Saúde por meio da Portaria n.º 2.836, de 1º de dezembro de 2011, a qual inclui a responsabilidade articulada entre os entes federativos nas estratégias que promovam a atenção integral à saúde dos adolescentes trans fundamentada no acolhimento e apoio1414. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2013 [cited 2022 Apr 20]. Available from: Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_lesbicas_gays.pdf
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O Processo Transexualizador no SUS, também se configurou como importante marco de acesso aos cuidados em saúde com ampliação da assistência aos homens transgêneros e às travestis1515. Ministério da Saúde (BR), Gabinete do Ministro. Portaria nº 2.803, de 19 de novembro de 2013. Redefine e amplia o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. Diário Oficial da União, 21 nov. 2010 [cited 2022 Apr 20]. Available from: Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt2803_19_11_2013.html
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-1616. Associação Nacional de Travestis e Transexuais. Como acessar o SUS para questões de transição? Direitos e Política, Saúde [Internet]. Rio de Janeiro: ANTRA; 2020 [cited 2022 Apr 20]. Available from: Available from: https://antrabrasil.org/2020/07/27/como-acessar-o-sus-para-questoes-de-transicao/
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. Apesar dos avanços no campo dos direitos ao acesso a tais cuidados, a transfobia estrutural demarca o afastamento da pessoa trans dos cuidados específicos que buscam. As barreiras incluem a negação de sua identidade e nome somados à dificuldade de acesso aos serviços na Rede de Atenção à Saúde (RAS), sobretudo pelo despreparo dos profissionais de saúde em acolher. Este cenário pode ser intensificado nos serviços privados em relação ao SUS e pode culminar em alternativas de auto-hormonização de forma indiscriminada1010. Mota M, Santana ADS, Silva LR, Melo LP. “Clara, esta sou eu!” Nome, acesso à saúde e sofrimento social entre pessoas transgênero. Interface (Botucatu). 2022 Out;26:e210017. https://doi.org/10.1590/interface.210017
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Na adolescência, o sentimento de modificação corporal pode se intensificar e estar relacionado a problemas para autoaceitação em lidar com o corpo o qual não se identificam, especialmente, pelo desconforto com os caracteres sexuais secundários. A maioria dos adolescentes trans expressa desejo por hormônios99. Nascimento FK, Reis RA, Saadeh A, Demétrio F, Rodrigues ILA, Galera SAF, et al. Brazilian transgender children and adolescents: Attributes associated with quality of life. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2020;28:e3351. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3504.3351
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, mas cabe ressaltar que a identidade trans independe de qualquer modificação física e, nesse sentido, o enfermeiro precisa estar apto para escutar as necessidades apresentadas pelo adolescente que podem estar ou não associadas às questões da transgeneridade ou ser transversais a esta bem como os potenciais riscos pela hormonização autopromovida, sofrimento psíquico e risco de suicídio99. Nascimento FK, Reis RA, Saadeh A, Demétrio F, Rodrigues ILA, Galera SAF, et al. Brazilian transgender children and adolescents: Attributes associated with quality of life. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2020;28:e3351. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3504.3351
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Em relação aos cuidados de crianças e adolescentes transgêneros, cabe citar a Resolução n.º 2.265, de 20 de setembro de 2019, que dispõe sobre a assistência por meio de especialidades que atendam à necessidade do Projeto Terapêutico Singular (PTS). Na Pré-puberdade, o acompanhamento é orientado pela equipe; na Puberdade, existe a possibilidade de recorrer ao bloqueio hormonal para impedir o surgimento dos caracteres sexuais secundários mediante a anuência da equipe e responsáveis legais; e, a partir dos 16 anos, tem-se a possibilidade de hormonização cruzada para feminilização ou masculinização mediante anuências. A partir dos 18 anos de idade, estão previstas cirurgias, incluindo a metoidoplastia, que deixa de ser experimental1717. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.265, de 20 de setembro de 2019. Dispõe sobre o cuidado específico à pessoa com incongruência de gênero ou transgênero e revoga a Resolução CFM nº 1.955/2010 [Internet]. Diário Oficial da União, 9 jan. 2020 [cited 2022 Apr 20]. Available from: Available from: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-2.265-de-20-de-setembro-de-2019-237203294#:~:text=Art.,relacionadas%20%C3%A0%20diversidade%20de%20g%C3%AAnero
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Neste sentido, a consolidação do SUS repercutiu, de forma significativa, na estruturação das políticas de saúde com vistas ao bem-estar e equidade, no entanto, o dinâmico cenário político e modelo cisnormativo precisam ser analisados de forma crítica nos contextos históricos e culturais de avanços e retrocessos na garantia dos direitos à pessoa trans55. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção em Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes nacionais para a atenção integral à saúde de adolescentes e jovens na promoção, proteção e recuperação da saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2010 [cited 2022 Apr 20]. Available from: Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_nacionais_atencao_saude_adolescentes_jovens_promocao_saude.pdf
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. Quanto à interlocução com os direitos dos adolescentes trans, verificam-se importantes desafios, uma vez que ainda são cotidianamente infringidos por negligências e necrotranspolítica que naturalizam a precarização da vida trans num país que lidera o quantitativo de assassinatos, limita projetos de vida da adolescência trans, o curso da vida e o envelhecimento desta população11. Benevides BG. Associação Nacional de Travestis e Transexuais. Dossiê assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2021 [Internet]. Brasília: Distrito Drag; ANTRA; 2022 [cited 2022 Jun 15]. Available from: Available from: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2022/01/dossieantra2022-web.pdf
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A garantia do direito à saúde para o adolescente trans se apoia não apenas em protocolos e o acesso aos serviços de saúde em si, uma vez que demanda a efetiva prática da transcidadania, ou seja, do protagonismo trans nos espaços sociais e de saúde, o qual exige dos profissionais de saúde1818. Lazcano CL, Toneli MJF. Producción de Sentidos sobre Asistencia Transespecífica en Salud, Derechos y Ciudadanía Trans*. Psicol Cienc Prof. 2022 Jan;42:e230748. https://doi.org/10.1590/1982-3703003230748
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, sobretudo do enfermeiro, aptidões para acolher e viabilizar a participação trans no processo de produção do cuidado em saúde.

Os profissionais de saúde, particularmente os da Enfermagem que compõem a Atenção Primária à Saúde (APS) podem estabelecer vínculo e papel de referência no reconhecimento da rede de apoio aos adolescentes transgêneros e suas famílias de forma a considerar seu contexto social e, a partir daí, atender às necessidades numa perspectiva socio-histórica e cultural não somente biológica, mas também com a possibilidade de garantia dos direitos e da concretização das políticas para o cuidado integral na RAS1919. Abreu PD, Araújo EC, Vasconcelos EMR, Ramos VP, Moura JWS, Santos ZC, et al. Dynamics of the social network of young female transsexuals that live and deal with HIV/AIDS. Rev Bras Enferm. 2019 Sep/Oct;72(5):251-7. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0289
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A análise da atenção integral à saúde no contexto da adolescência trans, à luz das dinâmicas da rede social, reflete nuances necessárias para se discutir o papel da Enfermagem e suas potencialidades junto à equipe de saúde. As redes sociais podem ser definidas como uma trama de laços estabelecidos entre a pessoa e a rede primária: familiares, parentes, amigos e vizinhos, além da relação com a rede secundária: laços estabelecidos com as instituições; organizações do mercado; e terceiro setor2020. Sanicola L. As dinâmicas de rede e o trabalho social. 2. ed. São Paulo: Veras; 2015..

A identificação das lacunas para o acesso ao cuidado integral à saúde do adolescente trans demanda escuta destes e, também, dos atores que compõem a sua rede social, visto que a proteção e gestão do cuidado são norteadas por diferentes frentes, nas quais a família é a primeira rede de socialização, reconhecimento e responsabilização pelo cuidado da pessoa trans desde a infância, constituindo, assim, potencial rede de apoio ou de violência e desproteção ao adolescente trans. A escuta das mães, pais e responsáveis pode complementar a compreensão dos desafios a serem enfrentados por ambos e possíveis caminhos para a estruturação do acolhimento e empoderamento no sentido de dar suporte no apoio aos seus filhes trans. A perspectiva destes responsáveis precisa ser analisada e contextualizada em relação ao papel do enfermeiro enquanto ator social inserido numa rede de apoio, visto que o encontro entre profissionais e usuários compreende a dimensão do cuidado no território da micropolítica em saúde, inserida no planejamento junto à equipe multi/interdisciplinar na produção de uma linha de cuidado em rede, em que as políticas sociais e de saúde operam sob a influência do Estado e sociedade civil na disputa dos projetos que irão impactar nas condições de vida de saúde2121. Cecilio LCO. Apontamentos teórico-conceituais sobre processos avaliativos considerando as múltiplas dimensões da gestão do cuidado em saúde. Interface (Botucatu). 2011 Jun;15(37):589-99. https://doi.org/10.1590/S1414-32832011000200021
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A realização do estudo foi motivada com base nas seguintes questões norteadoras: Quais as experiências das mães, pais ou responsáveis por adolescentes transgêneros no âmbito da saúde? Como ocorre a operacionalização da atenção integral à saúde do adolescente transgênero na perspectiva dos responsáveis? Qual o papel da Enfermagem na atenção integral ao adolescente transgênero? Assim, objetivou-se analisar a atenção integral à saúde dos adolescentes transgêneros na perspectiva dos seus responsáveis.

Método

Delineamento do estudo

Estudo qualitativo, norteado pelas orientações do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ)2222. Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007 Dec;19(6):349-57. https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
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e fundamentado no referencial teórico e metodológico de Rede Social proposto por Lia Sanicola, o qual versa sobre a dinâmica das relações sociais em rede e se configura em malha de interação exercida em função de determinado objeto central, possuindo funções de suporte ou de contenção e controle. Estas redes podem contribuir para o fortalecimento dos apoios emocional, presencial, instrumental, informativo e autoapoio, além de prover mudanças da situação de dependência para a de autonomia do público-alvo2020. Sanicola L. As dinâmicas de rede e o trabalho social. 2. ed. São Paulo: Veras; 2015..

Cenário do estudo

O estudo contemplou as 27 Unidades Federativas do Brasil e contou com o apoio dos ambulatórios de referências, Secretarias Municipais de Saúde, associações e grupos de pares atuantes na temática com representantes em todos os estados do Brasil, a saber: Nível Nacional: Aliança Nacional LGBT, Organização Não-governamental Mães pela Diversidade, Associação Nacional de Travestis e Transexuais; Nível Estadual: Espaço de Cuidado e Acolhimento Trans - Hospital das Clínicas/Pernambuco; Nível Municipal: Núcleo de Atenção Integral à População Negra e LGBT/Jaboatão dos Guararapes; e o Ambulatório T para pessoas Trans de Porto Alegre.

O acesso a estes locais se iniciou com a inserção da pesquisadora nos espaços de acolhimento para pessoas transgêneros em nível municipal, os quais indicaram os demais locais em nível estadual e nacional de forma progressiva. Apesar de a maioria destes locais possuir enfoque sobre pessoas trans adultas, a contribuição se deu com o apoio à pesquisa e indicação de representações específicas não governamentais de grupos de pares coordenados por mães de pessoas LGBTIA+ e constituídos por responsáveis de crianças e adolescentes transgêneros.

Depois do contato com essas representações, a pesquisadora buscou estabelecer vínculo com profissionais e representantes destes espaços, participando de reuniões e apresentando o estudo, o que culminou com a conformação de uma rede de compartilhamento do formulário de agendamento para participação da pesquisa, o qual foi elaborado no Google Forms e direcionado aos participantes elegíveis e indicados pelos integrantes da rede formada.

Ressalta-se que o grupo de pares nacional, específico para responsáveis de crianças e adolescentes transgêneros não permite a inserção de pesquisadores e demandou a construção de vínculo e confiança para divulgação do formulário de agendamento, seguido do compartilhamento dos participantes iniciais entre grupos com consenso e certificação da importância da pesquisa. Outros locais não integraram ao estudo por estarem com atividades suspensas no período da pandemia da COVID-19 e pela amostragem suficiente em grupo específico nacional.

Período

A produção dos dados empíricos ocorreu entre os meses de agosto e outubro de 2021.

População

Compuseram o estudo 22 participantes, entre mães, pais ou responsáveis por adolescentes transgêneros que se dispuseram a prestar seus depoimentos. Consideraram-se como “adolescentes” as pessoas de 10 a 19 anos de idade55. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção em Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes nacionais para a atenção integral à saúde de adolescentes e jovens na promoção, proteção e recuperação da saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2010 [cited 2022 Apr 20]. Available from: Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_nacionais_atencao_saude_adolescentes_jovens_promocao_saude.pdf
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. O processo de amostragem seguiu as recomendações da pesquisa qualitativa, que consideram o conjunto de características pertencentes a um grupo social claro, a fim de privilegiar as especificidades. A amostra qualitativa ideal reflete de forma aprofundada o fenômeno, assim, este estudo não buscou generalizações e critérios numéricos, mas a constante análise da homogeneidade, diversidade e intensidade das informações2323. Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesqui Qual [Internet]. 2017 Apr [cited 2022 Apr 20];5(7):1-12. Available from: Available from: https://editora.sepq.org.br/rpq/article/view/82
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.

O recrutamento dos participantes em estudos que envolvem tabus sociais pode gerar incômodo, desta forma, o critério de pausa demandou constante análise das falas após cada entrevista, a fim de verificar o suficiente aprofundamento e a lógica interna do objeto de estudo à luz do referencial proposto.

Critérios de seleção

Foram incluídos mães, pais ou responsáveis por adolescentes transgêneros que tiveram acesso ao link de agendamento disponibilizado com a descrição da pesquisa. Foram excluídas pessoas que apresentaram impedimento ou limitação para a participação no período da coleta de dados. Na etapa do agendamento, houve quatro desistências de participação na entrevista cuja exclusão ocorreu após três tentativas de contato para o reagendamento.

Participantes

A seleção dos participantes se deu por meio da técnica de snowball, variante da amostragem por conveniência, a fim de reunir a população de interesse de difícil acesso devido aos estigmas sociais2424. Biernacki P, Waldorf D. Snowball sampling: problems and techinques of chain referral sampling. Soc Methods Res. 1981;10(2):141-63. https://doi.org/10.1177/004912418101000205
https://doi.org/10.1177/0049124181010002...
-2525. Sampieri RH, Collado CF, Lucio MPB. Amostragem na pesquisa qualitativa: metodologia de pesquisa. 5. ed. Porto Alegre: Penso; 2013..

Em conformidade com a técnica snowball, iniciou-se o contato com os profissionais ou representantes dos locais do estudo, que foram as “sementes”. Na ocasião, foi explicado o objetivo do estudo e procedeu-se à adequação das estratégias para a condução da coleta de dados em consonância com a dinâmica do local, para fins de compartilhamento dos formulários de agendamento aos possíveis participantes.

As pessoas indicadas compuseram a onda zero e fizeram parte da amostra. Dada a dificuldade de acesso a esse público-alvo, estes também tiveram a função de indicar outros participantes para compor as ondas subsequentes.

Instrumentos utilizados para a coleta das informações

O instrumento de caracterização e roteiro da entrevista semiestruturada foi elaborado pela pesquisadora e contou com revisão de conteúdos por expertises de um grupo de pesquisa. O instrumento foi submetido a um pré-teste, realizado com os oito primeiros participantes do estudo, os quais autopreencheram o instrumento de coleta de dados.

A aplicação revelou respostas alinhadas às perguntas abertas, no entanto, com pouco aprofundamento para uma análise satisfatória do fenômeno investigado, revelando a importância da interação entre pesquisador e participante na condução da investigação qualitativa, que inclui observações da expressão das emoções por meio dos gestos para além da fala.

Coleta de dados

Devido à distância geográfica de alguns participantes, contexto da pandemia por COVID-19 e às limitações encontradas no autopreenchimento do instrumento de coleta de dados, optou-se por realizar entrevistas individuais de forma remota e face a face por meio da ferramenta Google Meet. É importante ressaltar que os participantes do pré-teste não foram incluídos no estudo, com exceção de dois que, numa segunda oportunidade de agendamento, foram submetidos à entrevista face a face.

Desta forma, após o pré-teste, a coleta ocorreu da seguinte forma: inicialmente, foi disponibilizado nos locais de pesquisa um link de acesso a um formulário do Google Forms com a descrição da pesquisa, o qual permitia o agendamento das entrevistas junto aos possíveis participantes do estudo, buscando se adequar à disponibilidade dos mesmos e resguardar uma ambiência que permitisse uma verbalização aprofundada, sobretudo, de questões que envolviam estigmas sociais.

No dia e horário pactuado, os participantes receberam um link para acesso ao formulário do Google Forms, contendo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e questões fechadas, para fins de caracterização da população de estudo. Em seguida, os participantes receberam um link de acesso ao Google Meet para realização das entrevistas individuais, as quais foram conduzidas pela própria pesquisadora, que possui experiência em pesquisa qualitativa, e por uma integrante do grupo de pesquisa previamente treinada. Ao final das entrevistas, os participantes foram convidados a indicar outros potenciais participantes. Ressalta-se que o preenchimento do instrumento de caracterização e a participação nas entrevistas individuais durava, em média, 60 minutos.

Tratamento e análise dos dados

As entrevistas individuais foram audio/videogravadas e, posteriormente, transcritas na íntegra. O corpus textual foi submetido à Análise de Conteúdo na modalidade temática2626. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011.. A primeira etapa consistiu na pré-análise com leitura flutuante do material empírico e consideração às regras de exaustividade, representatividade, homogeneidade, pertinência e exclusividade. A segunda etapa correspondeu à exploração do material, ou seja, codificação dos dados e agregação semântica das palavras; e a terceira etapa se deu com o tratamento dos resultados, de forma interpretativa, para nomeação das categorias à luz do referencial teórico2626. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011..

Aspectos éticos

Este estudo seguiu a Resolução n.º466/122727. Presidência da República (BR), Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos [Internet]. Diário Oficial da União, 13 jun. 2013 [cited 2022 Apr 20]. Available from: Available from: https://wp-sites.info.ufrn.br/admin/facisa/wp-content/uploads/sites/4/2020/07/RESOLU%C3%87%C3%95ES-466-12-510-16-e-580-18.pdf
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. Depois da anuência dos locais de pesquisa, o projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (CEP-EERP/USP) segundo o parecer n.º 4.567.837. O CEP-EERP/USP encaminhou uma cópia ao CEP das duas instituições coparticipantes que apresentavam comitê próprio, uma situada na região nordeste (parecer n.º 4.759.691) e outra na região sul do país (parecer n.º 4.655.270). A anuência dos participantes se deu por meio do TCLE.

Os nomes dos participantes foram substituídos por nomes de flores ou plantas, sugeridos pela pesquisadora e, posteriormente, escolhidos e/ou autorizados pelos participantes, sendo autorizadas substituições e os pedidos de permanência do nome próprio.

Resultados

Foram incluídos no estudo 22 responsáveis por adolescentes transgêneros, sendo 20 mães e dois pais, procedentes dos estados de Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Dentre os participantes, todos se declararam cisgênero, Vinte participantes referiram ser heterossexuais, um referiu ser homossexual e um, bissexual. A média de idade dos participantes foi de 46 anos, portanto, pessoas em fase adulta. Em relação ao estado civil, 10 se declararam casados, sete solteiros, dois separados, dois divorciados e um em união estável. Em relação à escolaridade: oito possuíam Pós-Graduação; oito, Ensino Superior Completo; três, Ensino Superior Incompleto; dois, Ensino Médio Completo; e um, Ensino Técnico Incompleto. Em relação à renda: quatro possuíam mais de seis salários mínimos (SM); seis, entre cinco-seis SM; sete, entre três-quatro SM, quatro, um-dois SM; e um, <1 SM.

Acesso aos serviços habilitados e acolhimento na rede de atenção à saúde

Os responsáveis pelos adolescentes transgêneros relataram dificuldades no acesso aos serviços de saúde especializados habilitados para realizarem o acompanhamento desde a infância à adolescência. Também é possível verificar a falta de preparo de profissionais da saúde sobre a temática:

Então essa equipe multidisciplinar que eu falei, que a resolução do Conselho Federal de Medicina lançou, no Brasil só temos três ambulatórios digamos aptos para atendimento de crianças [...] Então, são três cidades que atendem muitas pessoas? Sim. Só que o Brasil inteiro é muito grande, é um primeiro passo? Sim, só que assim, teria que ter mais atendimento, mais apoio, tá? mais descentralizado (Espada de São Jorge).

[...] Eles têm que se mobilizar de diversos lugares do Brasil com passagem aérea, com hospedagem para vir atender sua criança aqui em [Estado], sabe? É um absurdo, o Brasil é imenso, tem que ter isso em todo lugar, toda cidade tem que ter o atendimento, todo Estado, toda capital é um absurdo não ter (Rosa).

[...]os hospitais, deveriam ampliar... é muito pouco em relação à quantidade de pessoas que buscam [...] Eu optei por particular porque eu não encontrei no serviço público [...]uma enfermeira, que teve uma entrevista com a gente falou que não tinha mais como está participando o hospital, o serviço público, não é? mas ela me indicou uma pessoa. Mesmo para fazer particular, não é fácil. Não a questão do dinheiro, mas a questão de quem poderia fornecer esse serviço mesmo particular? (Peristeria).

Não existe um ambulatório que cuide disso na rede particular. Os médicos particulares que dão esse atendimento cobram o valor que eles quiserem. Então assim... a família estava pensando se ia precisar de um endividamento para poder dar assessoria para minha filha... precisa de uma rede muito maior... e o ambulatório foi fundamental, porque senão até hoje eu não tinha conseguido um endocrinologista... foi mais de um ano procurando o endocrinologista só para ver os hormônios da minha filha como estavam [...] é absurdo, é preconceito, é transfobia, mas aconteceu comigo (Rosa).

Na minha cidade foi inaugurado recentemente o primeiro ambulatório para atendimento de saúde integral das pessoas trans, mas é só para quem tem acima de dezesseis anos, então o [filho] ainda não pode usar, mas eu acho que é isso, assim, se os profissionais fossem capacitados, se a rede de saúde como um todo fosse preparada para receber as pessoas trans, não precisaria de um ambulatório (Azaleia).

A gente não conseguiu ainda passar para um ambulatório específico. Não achamos aqui isso na minha cidade (hormonização). Deveria ter um ambulatório na cidade que tivesse um acompanhamento específico para eles (Hortência).

Então, não temos, não é? [acompanhamento especializado], eu agora vou conhecer o [ambulatório especializado], espero que seja bom. Eu tenho muita expectativa estou até segurando a minha expectativa porque é a minha esperança aqui, nós temos o [ambulatório especializado de outro estado], eu estou na fila de espera que é enorme [...] primeiro que eu fico feliz dele adentrar no SUS, porque eu acredito muito no SUS e eu quero que ele tenha esse suporte psicológico, psiquiátrico, endocrinológico dentro do SUS para vida (Bromélia).

Outros participantes enfatizaram a falta de serviço especializado no município e a necessidade de busca de atendimento em serviço de saúde pertencente a um município distante, para fins de apoio emocional, informativo e acompanhamento de saúde para adolescentes transgêneros:

As filas hoje são muito grandes, tudo com mais de um ano de espera [...] toda a ansiedade [dos filhos/as/es] é muito grande e quando falam [...] já não aguenta mais. O [hospital] de [município que reside] não tem acompanhamento multidisciplinar, só uma ginecologista... estamos sendo acompanhados por uma equipe multidisciplinar no [hospital de referência em outro município] a equipe conta com psiquiatria, psiquiatria da infância e adolescência, psicologia, enfermagem, fonoaudiologia, pediatria, endocrinologia, ginecologia, arteterapia e antropologia (Espada de São Jorge).

[...] a gente fez a inscrição dela lá [serviço especializado], já tem bem mais de dois anos, ninguém chama, não fala nada [...] está sendo basicamente zero, especialmente o SUS [...] quando ela foi na unidade de saúde, o médico que atendeu foi muito solícito e ele indicou ela no endócrino, ele indicou ela simplesmente o serviço de maior, não é? que é quem autoriza, negou, disse que ela não precisava, que o SUS não ia autorizar (Orquídea).

Este cenário se agravou no decorrer da pandemia da COVID-19 com a restrição de acolhimento aos adolescentes trans e seus responsáveis no âmbito do SUS:

Eu passei um ano nessa luta procurando atendimentos gratuitos porque não tinha condições de procurar um atendimento pago. A pandemia suspendeu os serviços aí quando fez um ano de pandemia [...] a gente conseguiu entrar no atendimento público [...] fiz um plano de saúde porque eu sei que a gente precisa, tudo estava muito difícil pelo SUS [...] abrir mão de alguma coisa pra conseguir pagar um plano de saúde (Lírio).

A falta de acesso aos serviços públicos e o acolhimento por profissionais qualificados podem acarretar riscos à saúde, decorrentes da hormonização indiscriminada conforme verificado nos relatos a seguir:

Sobre saúde, sobre ela fazer a hormonização, a gente tem uma mulher trans que faz parte da nossa associação e que ela é endocrinologista, formada na Universidade Federal do nosso Estado [...] a gente não tem condição financeira. Pelo SUS a gente fez a inscrição dela, tem bem mais de dois anos e não tem, ninguém chama [...] e sobre o tratamento psicológico [...] atendemos também no grupo de mães, pelo SUS está muito complicado, por isso muitos acabam fazendo tudo por conta própria e acontecendo tantas coisas graves em relação a isso, a hormonização [...] (Orquídea).

[...] queria essa orientação [sobre hormonização] de alguém que seja da saúde do adolescente. Eu preciso conversar com alguém que entenda sobre isso. Eu tenho prima endócrina, mas ela não atua nessa área. A gente não tem muito acesso, não sabe muito o que fazer, não é? Estou bem perdida, sabe? (Jade).

Em relação à ausência de especialistas qualificados no município e à resistência para encaminhamentos, uma das mães relatou experiências difíceis e burocráticas:

[...] a gente se inscreveu no ambulatório de identidade de gênero da [Universidade] e nós conseguimos passar pela triagem lá [...] estou resolvendo os problemas burocráticos porque eu teria que ter a passagem de ônibus com ele pra ir até lá, consegui recentemente o apoio aqui dentro da UBS do meu bairro [...] nós fomos numa médica que é do nosso setor, a médica do nosso setor chamou essa médica trans que nos acolheu muito bem, nos encaminhou para um outro ambulatório, nos orientou da melhor maneira (Girassol).

Visibilidade: o olhar projetado para o apoio no âmbito da saúde

Os responsáveis pelos adolescentes transgêneros enfatizaram a importância do acolhimento, apoio emocional e informativo e a ambiência, a partir dos relatos a seguir:

Quanto mais informação, a gente sofre um pouco menos, não que vai resolver tudo, mas sofre um pouco menos porque você consegue antecipar e entender as coisas que acontecem e você vê que não está sozinho, entendeu? (Espada de São Jorge).

O (apoio) informativo eu acho que a gente precisa, mesmo a questão assim da saúde, sabe. Ninguém te fala [...] faz isso, quem fala são as mães, mas na saúde, se você procurar a médica: “nem conheço”. O próprio ambulatório onde eu fui, não sabia que tinha lugar que atendia (Astromélia).

[...] as instituições de saúde eu acho que (deveriam apoiar) [...] deveria ser uma coisa mais normal. Como é a saúde, por exemplo, a mulher [...] é feito campanha [...] deveria existir também acolhimento para atendimento de adolescentes trans (Helicônia).

Eu acho que todo tipo de informação principalmente para idade de crianças, sobre escola, como que se deveria enfrentar ou como se deve conversar sobre a utilização de banheiros, sobre documentos, sobre saúde e assim o mais importante realmente além do material seria um apoio, ter um atendimento aqui (Espada de São Jorge).

[...] numa UBS, todos os cartazes, só tem representatividade cishétero, é sempre um homem, uma mulher, uma criança branquinha, alguma. O público LGBT não tem, não é? Ele chega lá, ele nunca se vê acolhido, tem que ir na ginecologista, tem que ir no oftalmo e nunca tem nada referente, você sempre, “não pode falar”, eu acho que nos espaços públicos deveria ocorrer (Tulipa).

[...] os próprios profissionais não sabem o que fazer, não é? Não tem uma política, pelo menos não é muito falada [...] Se eu for aqui na saúde da família, isso não vão saber que existe, nem as escolas [...] é uma coisa que precisa ser divulgada, precisa ser falado, que pode ter muitas crianças sofrendo, adolescente sofrendo e não sabe porquê (Astromélia).

Falta capacitação, esse mostrar do dever só se fala em direito [...] mas o direito só vem se o dever for cumprido e o dever do profissional é justamente esse, lembrar que ali ele é instituição. Hoje em dia a gente vê muito nisso na questão da empatia, não é? Que nem todo mundo entende, que a gente precisa tá sempre educando, mas hoje em dia a gente vê que são leis, não é? Que você não pode simplesmente desrespeitar. Está na lei. Se você não fizer, configura crime em muitos casos (Laelia).

A lei ela não garante que as coisas aconteçam, não é? Uma pessoa até de mais idade, por exemplo, que já trabalha atendendo o público lá tem trinta anos, não é que ela seja contra e que ela ache isso algum tipo de aberração nem nada assim, mas é porque não sabe, nem sabe o que é isso (Alpínia).

No âmbito comunitário, a promoção da saúde nas escolas é uma importante estratégia para visibilidade e acolhimento, no entanto, sobre o contexto escolar foi relatado:

[...] ele foi perseguido por três colegas dentro da escola e a escola não o acolheu e foi quando eu e a mãe dele entramos, porque o rendimento dele começou a cair, cair mesmo [...] estava havendo bullying com ele na escola e a escola não o acolheu e a gente travou uma briga bem grande, mas contra a escola, retirou ele da escola foi para uma outra escola e a partir daí foi que a gente procurou e colocou ele numa psicóloga [...] (Mandacaru).

No que se refere aos espaços que proporcionam algum tipo de auxílio foi mencionado:

[...] eu pego muita informação de lá [Organização Não-Governamental (ONG)], são mães que nossa, me acolheram muito! Às vezes eu falo uma coisa e “ai desculpa eu não sei se eu estou falando certo”, elas falam “relaxa, pode falar se não tiver certo a gente vai com muito carinho te falar: “olha não é assim que fala? (Jasmim).

[...] são iniciativas da sociedade civil, mas no governo não existe, essas informações tão claras para a população, e eu ainda me sinto num local de privilégio porque eu estou num grupo pela diversidade, eu consigo acesso, eu tenho internet enfim, mas há pessoas que não estão nessa situação (Papoula).

No grupo também a gente troca muita experiência e muita informação sobre leis, por exemplo, a gente compartilha muita lei porque tem lei que é Federal e tem lei que é estadual e foi assim que eu descobri, coisas que eu consegui aqui no [Estado que reside] com muita facilidade, algumas mães não tinham conseguido ainda (Flor-de-lis).

As falas apresentaram a falta de visibilidade e acolhimento dos espaços potenciais para promoção da saúde:

Não fui informada de nada no postinho que tem aqui. Os médicos parecem que nem sabem [...]. Pronto, minha filha é trans e agora? Sem ter essa resposta a gente fica só, tem que correr atrás pra saber, para descobrir sozinho [...] Não existe um caminho (Cacto).

Tem grupos [no município] que é o Fórum LGBT e tem um grupo também que é de pessoas trans, travestis, mas isso mais relacionado a pessoas adultas [...] tem grupos, mas é nada relacionada a saúde, por exemplo, não tem nem conselho LGBT aqui teria que ter mais profissionais habilitados pra isso, ambulatórios e acolhimento, mas acolhimento para os pais quanto para crianças, adolescentes (Amarílis).

Não chega na mídia, a gente não tem acesso, porque depois que você está nos grupos, aí você fica pertencendo a esses lugares, mas até chegar eu tive pessoas que me ajudaram e pessoas que colocaram obstáculos até chegar a esse processo (Tulipa).

[...]depois de muito pesquisar e até mesmo no atendimento, a gente viu que eles não ofereciam; isso foi aonde surgiu a oportunidade através da [ONG], de uma live, o pessoal lá [do ambulatório especializado], os médicos responsáveis deram a oportunidade, aí a gente se inscreveu, acho que demorou mais ou menos uns seis meses e eles chamaram (Dália).

Discussão

Apesar do Processo Transexualizador do SUS ser uma importante conquista dos movimentos sociais para a universalidade do acesso, este princípio doutrinário está aquém da cobertura da maioria das pessoas trans. No Brasil, os escassos centros de referência para acompanhar crianças e adolescentes transgêneros estão centralizados nas regiões sudeste e sul do país1616. Associação Nacional de Travestis e Transexuais. Como acessar o SUS para questões de transição? Direitos e Política, Saúde [Internet]. Rio de Janeiro: ANTRA; 2020 [cited 2022 Apr 20]. Available from: Available from: https://antrabrasil.org/2020/07/27/como-acessar-o-sus-para-questoes-de-transicao/
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, nos quais a hormonização pode ser iniciada na puberdade, exclusivamente, em caráter experimental de protocolos de pesquisa, em consonância com as normas do Sistema CEP/Conep1717. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.265, de 20 de setembro de 2019. Dispõe sobre o cuidado específico à pessoa com incongruência de gênero ou transgênero e revoga a Resolução CFM nº 1.955/2010 [Internet]. Diário Oficial da União, 9 jan. 2020 [cited 2022 Apr 20]. Available from: Available from: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-2.265-de-20-de-setembro-de-2019-237203294#:~:text=Art.,relacionadas%20%C3%A0%20diversidade%20de%20g%C3%AAnero
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.

O acolhimento da criança/adolescente trans e sua família necessita ser implementado desde os primeiros anos de vida, uma vez que a identidade de gênero pode ser reconhecida desde os dois anos de idade99. Nascimento FK, Reis RA, Saadeh A, Demétrio F, Rodrigues ILA, Galera SAF, et al. Brazilian transgender children and adolescents: Attributes associated with quality of life. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2020;28:e3351. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3504.3351
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. No entanto, os achados da presente pesquisa apontam importantes barreiras de acesso mediante longas filas de espera para os serviços especializados, as quais podem durar anos, refletindo em sofrimento, sobretudo, na primeira fase da adolescência devido à abordagem tardia ou inexistente pelos serviços de saúde33. Carlile A. The experiences of transgender and non-binary children and young people and their parents in healthcare settings in England, UK: Interviews with members of a family support group. Int J Transgenderism. 2019 Nov;21(1):16-32. https://doi.org/10.1080/15532739.2019.1693472
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. Tal cenário induz a reflexões tanto no que tange à necessidade de ampliação e descentralização desses serviços especializados em território nacional como no que se refere ao fortalecimento da rede de saúde por meio do preparo de profissionais de saúde atuantes tanto na APS quanto na atenção especializada e à perspectiva de fortalecimento da articulação intersetorial.

As barreiras de acesso aos serviços de saúde constituem vazios assistenciais, permeados da inexistência de referência e contrarreferência na rede de atenção à saúde e dificuldades de acolhimento nos municípios de residência com busca por soluções alternativas, mas de alto custo nos serviços particulares. Além disso, tal população pode buscar ajuda em serviços voluntários vinculados ao terceiro setor, ou mesmo em locais não oficiais cuja clandestinidade pode conferir alto potencial de risco à saúde dos adolescentes trans.

Neste estudo, os participantes relataram a importância e a urgência de uma política de saúde em rede, que vislumbre a oferta de ações e serviços capazes de viabilizar o acesso ao cuidado e superar potenciais barreiras econômicas. Apesar de existirem políticas específicas e transversais no cenário nacional, tais falas refletem não apenas o desconhecimento por parte dos participantes, mas, sobretudo, desvelam as fragilidades na visibilidade e concretude de tais políticas no contexto das práticas sociais e de saúde.

Outro aspecto identificado e que corrobora outros estudos11. Benevides BG. Associação Nacional de Travestis e Transexuais. Dossiê assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2021 [Internet]. Brasília: Distrito Drag; ANTRA; 2022 [cited 2022 Jun 15]. Available from: Available from: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2022/01/dossieantra2022-web.pdf
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2. Silva FV, Jales RD, Pereira IL, Almeida LR, Nogueira JA, Almeida SA. Childhood transgenderity under the perspective of elementary school teachers. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2021 Jun;29:e3459. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3792.3459
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3. Carlile A. The experiences of transgender and non-binary children and young people and their parents in healthcare settings in England, UK: Interviews with members of a family support group. Int J Transgenderism. 2019 Nov;21(1):16-32. https://doi.org/10.1080/15532739.2019.1693472
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-44. Frigerio A, Montali L, Anzani A, Prunas A. “We’ll accept anything, as long as she is okay”: Italian parents’ narratives of their transgender children’s coming-out. J GLBT Fam Stud. 2021 Jun;17(5):432-49. https://doi.org/10.1080/1550428X.2021.1932005
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se refere ao fato de nem sempre as dúvidas serem esclarecidas pelas equipes de saúde, o que revela a necessidade de fortalecimento de uma porta de entrada bem como a definição e reconhecimento/legitimidade de um itinerário de acolhimento definido por parte dos profissionais para o atendimento dos adolescentes trans no âmbito da RAS por meio de uma linha de cuidado que organize o fluxo e dê suporte à transgeneridade no período infantojuvenil.

No contexto da pandemia da COVID-19, os participantes deste estudo indicaram que a atenção à saúde dos adolescentes trans esteve, ainda, mais precarizada, percebida como menos importante cujas demandas se configuraram como seletivas e não urgentes, contribuindo para que houvesse maior sofrimento emocional. É importante ressaltar que o início da puberdade é uma fase complexa, que demanda acolhimento, sobretudo, àqueles adolescentes trans que manifestam desejo em mudanças corporais. É frequente, além da hormonização de forma indiscriminada, o uso de silicone industrial, faixas peitorais, binders e outros métodos sem a recomendação dos profissionais da saúde1010. Mota M, Santana ADS, Silva LR, Melo LP. “Clara, esta sou eu!” Nome, acesso à saúde e sofrimento social entre pessoas transgênero. Interface (Botucatu). 2022 Out;26:e210017. https://doi.org/10.1590/interface.210017
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,1717. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.265, de 20 de setembro de 2019. Dispõe sobre o cuidado específico à pessoa com incongruência de gênero ou transgênero e revoga a Resolução CFM nº 1.955/2010 [Internet]. Diário Oficial da União, 9 jan. 2020 [cited 2022 Apr 20]. Available from: Available from: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-2.265-de-20-de-setembro-de-2019-237203294#:~:text=Art.,relacionadas%20%C3%A0%20diversidade%20de%20g%C3%AAnero
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Mesmo em países desenvolvidos como o Canadá, estudo realizado com pais de adolescentes trans apontou elevado tempo de espera para o início da hormonização e falta de terapeuta para seus filhos(as/es), o que gerou maior tensão2828. Sansfaçon AP, Kirichenko V, Holmes C, Feder S, Lawson ML, Ghosh S, et al. Parents’ Journeys to Acceptance and Support of Gender-diverse and Trans Children and Youth. J Fam Issues. 2019 Nov;41(8):0192513X1988877. https://doi.org/10.1177/0192513X19888779
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. Estas limitações resultam em angústia dos pais, decorrente do potencial sofrimento emocional de seus filhos devido ao surgimento dos caracteres sexuais opostos à sua identidade de gênero pelo atraso da hormonização e possível limitação dos resultados tardios2929. Clark BA, Marshall SK, Saewyc EM. Hormone therapy decision-making processes: Transgender youth and parents. J Adolescence. 2020 Jan;79(1):136-47. https://doi.org/10.1016/j.adolescence.2019.12.016
https://doi.org/10.1016/j.adolescence.20...
.

Estudos realizados no Canadá e Estados Unidos da América ressaltaram a importância do reconhecimento da identidade de gênero dos filhos trans, o que ocorreu entre os seus responsáveis, os quais se comprometeram com o bem-estar deles, a fim de protegê-los do bullying, depressão, ansiedade, automutilação e suicídio3030. Zerbinati JP, Bruns MAT. A família de crianças transexuais: o que a literatura científica tem a dizer? Pensando Fam [Internet]. 2018 Jul;22(2):37-51. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2018000200004
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...

31. Thornburgh C, Kidd KM, Burnett JD, Sequeira GM. Community-Informed Peer Support for Parents of Gender-Diverse Youth. Pediatrics. 2020 Oct;146(4):e20200571. https://doi.org/10.1542/peds.2020-0571
https://doi.org/10.1542/peds.2020-0571...
-3232. Katz-Wise SL, Galman SC, Friedman LE, Kidd KM. Parent/Caregiver Narratives of Challenges Related to Raising Transgender and/or Nonbinary Youth. J Fam Issues. 2021 Set. https://doi.org/10.1177/0192513X211044484
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. Neste sentido, o apoio dos profissionais pode ajudar na busca das “soluções” que estes responsáveis apresentam3333. Iudici A, Orczyk G. Understanding and Managing Gender Identity Variance in Minors: A Qualitative Research on the Parental Role in Italy. Sex Cult. 2021 Mar;25:1567-87. https://doi.org/10.1007/s12119-021-09835-8
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.

Em relação à transfobia no ambiente escolar, adolescentes trans brasileiros enfrentam limitações para uso de banheiros, além de agressões físicas e psicológicas, situações de imposição familiar na escolha de sua vestimenta, rótulos, falta de compreensão da sociedade e invasão de sua intimidade. Neste sentido, o diálogo com o adolescente e responsável visa ao conhecimento e compreensão de suas demandas, sem que sua intimidade seja exposta ou invadida, tampouco que os façam se sentirem estranhos99. Nascimento FK, Reis RA, Saadeh A, Demétrio F, Rodrigues ILA, Galera SAF, et al. Brazilian transgender children and adolescents: Attributes associated with quality of life. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2020;28:e3351. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3504.3351
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. Para isto, os participantes do presente estudo propuseram maior visibilidade da temática, inclusive, nas escolas, pois possibilita maiores ações extramuros no território por meio do Programa Saúde na Escola e sensibilização da comunidade para o enfrentamento da transfobia.

O acolhimento e escuta qualificada se configuram como tecnologias com potencial de nortear o cuidado na perspectiva da transcidadania1818. Lazcano CL, Toneli MJF. Producción de Sentidos sobre Asistencia Transespecífica en Salud, Derechos y Ciudadanía Trans*. Psicol Cienc Prof. 2022 Jan;42:e230748. https://doi.org/10.1590/1982-3703003230748
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mediante motivação e suporte para a participação ativa no processo de produção do cuidado em saúde, no entanto, a diversidade de gênero, ainda é conduzida por alguns profissionais como patologia33. Carlile A. The experiences of transgender and non-binary children and young people and their parents in healthcare settings in England, UK: Interviews with members of a family support group. Int J Transgenderism. 2019 Nov;21(1):16-32. https://doi.org/10.1080/15532739.2019.1693472
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,1010. Mota M, Santana ADS, Silva LR, Melo LP. “Clara, esta sou eu!” Nome, acesso à saúde e sofrimento social entre pessoas transgênero. Interface (Botucatu). 2022 Out;26:e210017. https://doi.org/10.1590/interface.210017
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Estudo desenvolvido na Itália revelou que a orientação sobre transgeneridade se dava dos pais para os profissionais de saúde cujas experiências culminaram em conflitos entre ambos; além disso, os serviços especializados eram localizados, essencialmente, em hospitais de modo que a ambiência remetia à perspectiva patológica3434. Lorusso M, Albanesi C. When the context rows against. Voicing parents of transgender children and teenagers in Italy: A qualitative study. J Community Appl Soc Psychol. 2021 Mar;31(6):732-48. https://doi.org/10.1002/casp.2518
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. A ambiência foi relatada por uma das participantes deste estudo como importante recurso de pertencimentos aos espaços públicos de saúde.

No que se refere aos pais ou responsáveis, a figura materna é considerada como a primeira pessoa a quem os adolescentes buscam para iniciar o diálogo sobre o reconhecimento da sua identidade de gênero e para apoio99. Nascimento FK, Reis RA, Saadeh A, Demétrio F, Rodrigues ILA, Galera SAF, et al. Brazilian transgender children and adolescents: Attributes associated with quality of life. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2020;28:e3351. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3504.3351
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, coerente com o perfil dos participantes da presente pesquisa, que era composto, em sua maioria, de mães.

Ainda, esta pesquisa aponta importantes fragilidades dos participantes em lidar com a transfobia estrutural. Nesta direção, outros estudos, também reportaram isolamento dos pais/responsáveis, sentimento de medo, rejeição, culpa, perda ambígua do filho idealizado (cisgênero), desconhecimento e necessidade de apoio da sua rede social3535. Abreu PD, Andrade RLP, Maza ILS, Faria MGBF, Nogueira JA, Monroe AA. Dynamics of Primary Social Networks to Support Mothers, Fathers, or Guardians of Transgender Children and Adolescents: A Systematic Review. Int J Environ Res Public Health. 2022 Jun;19:7941. https://doi.org/10.3390/ijerph19137941
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Os participantes deste e de outro estudo99. Nascimento FK, Reis RA, Saadeh A, Demétrio F, Rodrigues ILA, Galera SAF, et al. Brazilian transgender children and adolescents: Attributes associated with quality of life. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2020;28:e3351. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3504.3351
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, também mencionaram que o apoio de profissionais de saúde, emocional e informativo, e de outros pais (pessoalmente e online) contribuíram para o entendimento sobre a situação dos filhos e seu papel, no entanto, outros pais referiram se sentirem excluídos dos processos de tomada de decisões e alguns descreveram problemas de comunicação com profissionais de saúde e negação do acesso oportuno aos cuidados necessários.

Neste estudo, apenas um participante mencionou a Enfermagem, mostrando a lacuna de acesso aos cuidados transespecíficos realizados por enfermeiros e a falta de compreensão da sociedade civil sobre as potencialidades da profissão. Tal situação pode ser explicada por um estudo que revelou desconhecimento de enfermeiros atuantes na APS com condutas alinhadas à formação biomédica e falta de habilidade no acolhimento das necessidades de pessoas trans cujas ações, ainda são conduzidas de forma binária. Tais elementos podem contribuir para a fragilização de vínculos num contexto amplo e complexo, permeado de dinâmicas estruturais que sedimentam a violência transfóbica cujo enfrentamento exige transformações, especialmente, na formação de recursos humanos. Nesta direção, vale ressaltar a necessidade de revisão das matrizes curriculares dos projetos pedagógicos dos cursos de Enfermagem para que contemplem a atenção integral à saúde sob a ótica do cuidado nas diversidades sexuais e de gênero3636. Reis PSO, Neves ALM, Therense M, Honorato EJS, Teixeira E. Veiled transphobia: meanings produced by nurses on the reception of travestis and transgender. Rev Fund Care Online. 2021 Jan/Dez;13:80-5. https://doi.org/10.9789/2175-5361.rpcfo.v13.7488
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Ainda no que se refere ao cuidado integral prestado pela Enfermagem, ressalta-se que a pessoa trans apresenta demandas gerais de saúde e algumas especificidades ante suas necessidades, exigindo aptidão profissional para o acolhimento, superando visões e abordagens patologizantes e avançando para o reconhecimento e naturalização de uma perspectiva de ser e de existir. Neste sentido, a formação do enfermeiro em sua grade curricular apresenta potencialidades para abordar a transgeneridade alicerçada em disciplinas de políticas, gestão e ciclos vitais no processo de produção do cuidado, inclusive, visando ao reconhecimento das questões da identidade de gênero, mesmo quando não se configuram como a demanda principal, mas se conformam como demandas transversais na perspectiva de uma linha de cuidado transespecífica.

Quanto às potencialidades para a ampliação da prática clínica da enfermagem com adolescentes trans na APS, têm-se oportunidades para: protagonismo no esclarecimento de dúvidas e desmistificação dos tabus sociais, direitos ao nome social e políticas no âmbito da saúde; e articulação entre redes de pares para suporte contínuo, encaminhamento aos serviços habilitados de acordo com as demandas apresentadas, recomendações e implicações relacionadas à hormonização e demais recursos para feminilização ou masculinização.

Destacam-se, ainda: aspectos relacionados à saúde sexual, reprodutiva; inclusão nas ações preventivas de câncer; combate à transfobia; apoio à família para o empoderamento na tomada de decisão; qualificação da equipe, inclusive, o porteiro, atendentes, agentes comunitários de saúde e demais profissionais da equipe; adequação da carteira vacinal à identidade de gênero que ainda são binárias e cisgêneras; promoção de ambiência e advocacy; participação em discussões junto à equipe interdisciplinar para construção do PTS; participação em cursos promovidos pela gestão e especializações para qualificação em condutas nos diferentes pontos de atenção da rede, incluindo, média e alta complexidade.

Ao pensar na lógica do cuidado contínuo e coordenado no âmbito da rede de atenção, tem-se como prerrogativa, o fortalecimento da APS, especialmente, a ESF enquanto modelo prioritário, uma vez que possui papel fundamental na oferta de ações descentralizadas, equânimes e longitudinais no cuidado prestado aos adolescentes trans e sua rede social, desde a infância. Reitera-se o potencial da APS por meio do PTS enquanto tecnologia de cuidado centrado na pessoa/família, além da promoção de ações coletivas e emancipatórias, articuladas em redes transcentradas, com o objetivo de fomentar a educação em saúde e apoio mútuo entre os pares. Nesse sentido, avançar na proposição, implementação e avaliação de ações individuais e coletivas que correspondam às complexas necessidades e demandas de adolescentes trans e seus pais/responsáveis exige sinergismo na atuação da equipe, sendo essencial a valorização do apoio matricial, o qual se encontra fragilizado no atual contexto das políticas de financiamento da APS e incentivo ao NASF3737. Ministério da Saúde (BR), Gabinete do Ministro. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. Diário Oficial da União, 22 set. 2017 [cited 2022 Jul 14]. Available from: Available from: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/19308123/do1-2017-09-22-portaria-n-2-436-de-21-de-setembro-de-2017-19308031
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A presente pesquisa avança na visibilidade dos desafios que envolvem o acolhimento e escuta de mães, pais e responsáveis de adolescentes trans enquanto primeira rede de socialização, para fins de promover o suporte necessário de modo que se sintam aptos a apoiar seus filhos desde a infância na perspectiva do cuidado integral à saúde. Ainda, reiteram-se a insuficiência de serviços habilitados para a abordagem à transgeneridade na infância/adolescência e a necessidade de descentralização de ações e serviços para favorecer o acesso oportuno e equânime, exigindo articulação e mobilização política, além da qualificação de enfermagem junto à equipe de saúde no âmbito da rede de atenção.

Ante esse amplo e complexo cenário, destaca-se a potencialidade da Enfermagem, articulada à equipe multi/interdisciplinar no acolhimento das necessidades trans infantojuvenis, mediante espaços e oportunidades para estimular o protagonismo de adolescentes e seus familiares/responsáveis.

A produção e gestão do cuidado em saúde dos adolescentes trans articulam ações inter-relacionadas no exercício da Enfermagem sob as dimensões individual, familiar, profissional, organizacional, sistêmica e societária2121. Cecilio LCO. Apontamentos teórico-conceituais sobre processos avaliativos considerando as múltiplas dimensões da gestão do cuidado em saúde. Interface (Botucatu). 2011 Jun;15(37):589-99. https://doi.org/10.1590/S1414-32832011000200021
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. Neste sentido, contempla a promoção da autonomia trans no cuidar de si, o suporte ao núcleo familiar e demais atores da rede social para o empoderamento e apoio à transgeneridade e exige a qualificação do enfermeiro para o acolhimento, agendas, protocolos, reuniões de equipe, planejamento e avaliação com ênfase nas seguintes questões: transcidadania; construção de fluxos de acolhimento por meio da elaboração e operacionalização de linhas e redes de cuidado voltadas à diversidade de gênero; implementação das políticas sociais e de saúde; responsabilização do Estado; e mobilização da sociedade civil organizada na participação social.

Há que se ressaltar o foco do presente estudo, ancorado na perspectiva de pais/responsáveis, no entanto, tal escuta não prescinde ou substitui a fala dos seus filhos, ao contrário, complementam-se no intenso processo de identificação das necessidades de ambos.

Em face dos achados do estudo, recomenda-se o investimento em novas pesquisas que abordem a escuta de adolescentes trans em diferentes contextos sociais, de profissionais de saúde atuantes em equipes multi e interdisciplinar, educadores, gestores e lideranças sociais, com o propósito de identificar lacunas na garantia dos direitos dos adolescentes trans e subsidiar a proposição de ações de enfrentamento da transfobia estrutural.

A limitação deste estudo se deu pelo fato de os participantes integrarem as redes de apoio da sociedade civil organizada, o que pode ter suprimido a experiência daqueles que não tiveram acesso à pesquisa ou que não reconhecem a identidade de gênero dos seus filhos(as/es).

Conclusão

A atenção integral à saúde dos adolescentes transgêneros na perspectiva dos seus pais/responsáveis desvela a falta de acolhimento e a centralização do cuidado em escassas unidades especializadas, sendo necessário o compartilhamento de ações e serviços de saúde no âmbito da rede, com ênfase na valorização da ESF enquanto porta de entrada, e a proposição de uma linha de cuidado trans-específica e produção/divulgação de protocolos/materiais educacionais na perspectiva da transcidadania.

A presente pesquisa apontou como prerrogativa a importância da atuação conjunta e coordenada da equipe multi e interdisciplinar com proatividade do enfermeiro na produção e gestão do cuidado em saúde ao adolescente trans e aos seus pais/responsáveis por meio de: oferta de ações individuais e coletivas; promoção da saúde, incluindo a articulação com escolas para visibilidade e acolhimento; e ambiência e atenção às demandas trans desde a infância, a fim de mitigar possíveis sofrimentos psíquicos e riscos à saúde.

O papel do enfermeiro demanda empatia, acolhimento e escuta ativa do outro para que este possa externar quem são, o que experienciam, quais as suas necessidades e como o trabalho profissional qualificado deve ser conduzido. As condutas profissionais não devem estar associadas a preceitos morais preconceituosos, visto que reconhecer a diversidade e variabilidade de gênero é um compromisso ético de legitimação das existências na garantia de direitos e na defesa da vida.

Agradecimentos

Agradecemos especialmente a Thamirys Nunes, mãe de uma criança trans, autora do livro: Minha Criança Trans: relato de uma mãe ao descobrir que o amor não tem gênero, idealizadora e coordenadora de um grupo de pares pelo apoio ao desenvolvimento deste estudo. Agradecemos ao grupo de pesquisa do Prof. Dr. Ednaldo Cavalcante de Araújo pela importante revisão crítica do roteiro de entrevista e à aluna de iniciação científica Ana Beatriz Marques Valença pela contribuição na coleta de dados.

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  • *
    Este artigo refere-se à chamada temática “Saúde dos adolescentes e o papel do enfermeiro”. Editado pela Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil. A publicação deste suplemento foi apoiada pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS). Os artigos passaram pelo processo padrão de revisão por pares da revista para suplementos. As opiniões expressas neste suplemento são exclusivas dos autores e não representam as opiniões da OPAS/OMS. Artigo extraído da tese de doutorado “Rede social de mães, pais ou responsáveis por crianças e adolescentes transgêneros”, apresentada à Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Código de Financiamento 001. Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de PE (PIBIC/FACEPE) - 2021 - Processo: BIC-1372-4.04/21, Brasil.

Editado por

Editora Associada: Andrea Bernardes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2022
  • Aceito
    15 Ago 2022
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