Fatores de risco à infecção pelo HIV entre adolescentes e jovens: revisão sistemática^*

Resumo

Objetivo:

identificar e analisar os fatores de risco à infecção pelo HIV entre adolescentes e jovens.

Método:

trata-se de uma revisão sistemática que teve como questão norteadora: quais são os fatores de risco à infecção pelo HIV entre adolescentes e jovens?”. As buscas em cinco bases de dados e no Google Scholar ocorreram em dezembro de 2021, tendo como filtro publicações entre 2012-2022 sem limitação de idiomas. As publicações foram selecionadas por dois revisores independentes. Os materiais incluídos foram submetidos à avaliação da qualidade metodológica e a uma síntese narrativa.

Resultados:

recuperou-se 26.191 materiais, sendo sete artigos incluídos. Todos os estudos foram conduzidos na África. Identificou-se que o sexo feminino, a maior idade dos jovens, baixa escolaridade, pessoas negras, múltiplas parcerias sexuais, uso inconsistente de preservativos, consumo de álcool e início sexual precoce constituíram fatores de risco para a infecção pelo HIV em adolescentes e jovens.

Conclusão:

a compreensão dos fatores de risco alicerça a propositura de políticas de saúde e estratégias de intervenção com a finalidade de fortalecer a capacidade de resposta dos serviços de saúde e o cuidado da equipe de enfermagem para a diminuição da transmissão do HIV entre adolescentes e jovens.

Descritores:
HIV; Fatores de Risco; Adolescente; Adulto Jovem; Comportamento Sexual; Revisão Sistemática; Enfermagem

Abstract

Objective:

to identify and analyze HIV infection risk factors among adolescents and the youth.

Method:

this is a systematic review whose guide question is: what are the risk factors for HIV infection among adolescents and the youth?” In total, five databases and Google Scholar were searched in December 2021 and the found publications between 2012-2022 were filtered without language restriction. Studies were selected by two independent reviewers. The included materials were subjected to methodological quality evaluation and narrative synthesis.

Results:

overall, we included seven studies out of the 26,191 retrieved. All studies were conducted in Africa. We found that the female gender, older age, low schooling, Black ethnicity, multiple sexual partners, inconsistent use of condoms, alcohol consumption, and early sexual onset constituted risk factors for HIV infection in adolescents and the youth.

Conclusion:

understanding risk factors underscores the provision of health policies and intervention strategies to strengthen the responsiveness of health services and nursing teams’ care to reduce HIV transmission among adolescents and the youth.

Descriptors:
HIV; Risk Factors; Adolescent; Young Adult; Sexual Behavior; Systematic Review; Nursing

Resumen

Objetivo:

identificar y analizar los factores de riesgo de infección por VIH entre adolescentes y jóvenes.

Método:

se trata de una revisión sistemática que tuvo como pregunta orientadora: “¿Cuáles son los factores de riesgo a la infección por el VIH entre adolescentes y jóvenes?”. Las búsquedas en cinco bases de datos y en Google Scholar ocurrieron en diciembre de 2021, teniendo como filtro de publicaciones entre 2012-2022 sin limitación de idiomas. Las publicaciones fueron seleccionadas por dos revisores independientes. Los materiales incluidos fueron sometidos a la evaluación de la calidad metodológica y a una síntesis narrativa.

Resultados:

se recuperaron 26.191 materiales, siendo siete artículos incluidos. Todos los estudios se realizaron en África. Se identificó que el sexo femenino, la mayor edad de los jóvenes, baja escolaridad, personas negras, múltiples parejas sexuales, el uso inconsistente de preservativos, consumo de alcohol y el inicio temprano de las relaciones sexuales eran factores de riesgo de infección por el VIH en adolescentes y jóvenes.

Conclusión:

la comprensión de los factores de riesgo fundamenta la proposición de políticas de salud y estrategias de intervención con la finalidad de fortalecer la capacidad de respuesta de los servicios de salud y el cuidado del equipo de enfermería para la disminución de la transmisión del VIH entre adolescentes y jóvenes.

Descriptores:
VIH; Factores de Riesgo; Adolescente; Adulto Joven; Conducta Sexual; Revisión Sistemática; Enfermería

Destaques:

(1) A síntese do conhecimento contribui para a assistência prestada nos serviços de saúde.

(2) Os principais fatores para o HIV estão relacionados aos comportamentos de risco.

(3) Os resultados apontam para a propositura de políticas de saúde para prevenção do HIV.

(4) Importância de diferentes atores sociais e instâncias gestoras no enfrentamento do HIV.

(5) O estudo fortalece o papel da enfermagem na prevenção da transmissão do HIV.

Introdução

A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) ainda é considerada um desafio à saúde, uma vez que houve 1,5 milhões de casos novos em 2020 no mundo e, no mesmo ano, das 37,7 milhões de pessoas que viviam com o vírus, 10,2 milhões estavam sem tratamento e 680 mil morreram por causas relacionadas à Síndrome da Imunodeficiência Humana (aids)¹.

Segundo dados globais, 5,1 milhões de adolescentes e jovens viviam com HIV no mundo em 2019. Nos últimos 10 anos, apesar do declínio de 46% nas novas infecções entre de adolescentes e jovens, a cada sete novas infecções por HIV, duas eram de indivíduos de 15 a 24 anos². Os países acompanhados pelo Global AIDS Monitoring apontaram maior vulnerabilidade dessa população à infecção em profissionais do sexo, gays e outros homens que fazem sexo com homens, usuários de drogas injetáveis, população transexual e pessoas privadas de liberdade².

Alguns fatores, como estrutura insatisfatória e restrição de acesso aos serviços de saúde, contribuem para falhas nas abordagens comportamental e biomédica da população adolescente e jovem, refletindo em maiores taxas de infecção pelo vírus¹. Além disso, tal vulnerabilidade também pode ser explicada em função de fatores biológicos, físicos, mentais e sociais que ocorrem na transição para a idade adulta^3-4.

Diante das dificuldades supracitadas, a enfermagem tem importante papel e ocupa posição estratégica para contribuir com o controle da epidemia de HIV entre adolescentes e jovens ao reconhecer e compreender as representações sociais dessa população sobre vulnerabilidades e os fatores de risco à infecção, tais como o não uso de preservativo e dificuldades pelas adolescentes para levá-lo consigo, questões relacionadas ao prazer sexual para os adolescentes masculinos, uso de álcool e/ou drogas, múltiplas parcerias, dificuldades de acesso aos serviços e de educação sexual nas escolas, bem como incipiência de diálogo com os pais e/ou familiares⁵.

A partir disso, os profissionais de enfermagem, juntamente à equipe multiprofissional, devem priorizar políticas públicas focadas nessas dimensões psicoemocionais e sociais, além de intervir nos ambientes em que essas representações circulam, uma vez que nesses cenários pode ser possível interferir na realidade dos adolescentes⁵. Algumas estratégias, quando incorporadas às práticas preventivas que a enfermagem realiza em contextos comunitários e adequada às necessidades e ao perfil de risco dessa população, podem favorecer positivamente a saúde pública e, consequentemente, na diminuição da transmissão e prevalência do HIV^6-7.

Ao considerar que o conhecimento do perfil de vulnerabilidade de adolescentes e jovens à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana pode ajudar na identificação de falhas na assistência prestada pelos serviços de saúde, esforços são envidados para compreender os elementos que coadunam com tal fenômeno e orientem o delineamento de estratégias de intervenção, a fim de garantir a prevenção da transmissão do vírus pelas equipes de saúde e principalmente de enfermagem. Nesta direção, o presente estudo objetivou identificar e analisar os fatores de risco à infecção pelo HIV entre adolescentes e jovens.

Método

Delineamento do estudo

Trata-se de uma revisão sistemática, elaborada com base nas recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analysis (PRISMA)⁸, bem como nas etapas das “Diretrizes Metodológicas: elaboração de revisão sistemática e metanálise de estudos observacionais comparativos sobre fatores de risco e prognóstico”, preconizadas pelo Ministério da Saúde⁹. Ressalta-se que o protocolo da pesquisa foi registrado na PROSPERO (CRD42021276566) e publicado na revista Research, Society and Development¹⁰.

Optou-se por uma revisão sistemática, uma vez que permite reunir, avaliar os dados obtidos de maneira individual e publicar as evidências encontradas sobre determinada área de interesse, a fim de colaborar com as tomadas de decisões e a construção do conhecimento diante de uma pergunta elaborada¹¹. Para isso, foram seguidas as seguintes etapas: definição da questão de pesquisa; definição dos critérios de elegibilidade para seleção de estudos primários; seleção das bases de dados; busca de estudos elegíveis; triagem dos artigos encontrados pela leitura de título e resumo; leitura completa dos estudos selecionados na etapa anterior; avaliação da elegibilidade dos estudos; extração de dados; avaliação da qualidade metodológica dos estudos incluídos e síntese dos resultados⁹.

Definição da questão de pesquisa

Para elaboração da questão norteadora: quais são os fatores de risco à infecção pelo HIV entre pessoas adolescentes e jovens?”, empregou-se o acrônimo PECO⁹, o qual foi estruturado da seguinte maneira: População (P) correspondente aos adolescentes e jovens; Exposição (E) aos fatores de risco; Comparador (C): não foi definido um comparador, pois iria variar conforme os fatores analisados nos estudos, e Desfecho (outcome) (O) à infecção pelo HIV.

Critérios de elegibilidade

Foram incluídos estudos primários que testaram a hipótese da existência de algum fator de risco à infecção pelo HIV entre adolescentes e jovens. Considerou-se adolescentes e jovens os indivíduos com idade entre 15 e 24 anos^12-13. Assim, estudos cuja população incluía adolescentes e jovens não separados de indivíduos nas demais faixas etárias (0 a 14 anos e de 25 anos ou mais) foram excluídos. Além disso, buscou-se incluir estudos observacionais-analíticos, independentemente do país em que foi realizado.

Busca de estudos elegíveis

As palavras-chave mencionadas na estratégia PECO, foram utilizadas para a identificação do vocabulário controlado nos Descritores de Ciência e Saúde (DeCS), Medical Subject Headings (MeSH) e Emtree, bem como os sinônimos de cada uma delas e os descritores correspondentes nos idiomas português, inglês e espanhol. Destaca-se que foram realizadas buscas prévias nas bases de dados, a fim de identificar o vocabulário livre também utilizado na literatura.

As buscas bibliográficas foram realizadas por dois pesquisadores independentes e ocorreram no mês de dezembro de 2021 nas seguintes bases de dados: Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Excerpta Medica Database (Embase), SciVerse Scopus (Scopus), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Web of Science. Para a busca da literatura cinzenta, utilizou-se o Google Scholar. Salienta-se a utilização do vocabulário nos idiomas português, inglês e espanhol para a busca na LILACS, enquanto nas demais bases de dados, utilizou-se apenas o vocabulário em inglês.

As estratégias de busca foram adaptadas para cada base de dados com a utilização dos operadores booleanos OR e AND⁹, conforme Figura 1. Na busca, não foram utilizados limites de idioma, no entanto, optou-se pela aplicação dos filtros: período de publicação de 2012 a 2022 em todas as bases de dados e Google Scholar e tipo de publicação (artigo, artigo de conferência, revisão, revisão sistemática, metanálise), exceto na LILACS e Google Scholar.

Figura 1
Estratégias de busca de publicações utilizadas para a realização da revisão sistemática sobre os fatores de risco à infecção pelo HIV entre pessoas adolescentes e jovens, segundo base de dados. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2021

*Para esta plataforma, foram utilizadas duas estratégias de busca para o levantamento de publicações pertencentes à literatura cinzenta

Triagem dos artigos

As citações e resumos encontrados por meio das buscas nas bases de dados foram exportados para o aplicativo de revisão sistemática online Rayyan QCRI da Qatar Computing Research Institute¹⁴. Em seguida, as publicações duplicadas foram excluídas para o início do processo de leitura dos títulos e resumos por dois revisores independentes. Nos casos de dúvida ou discordância entre eles em relação à inclusão de algum material, um terceiro revisor foi consultado. Para confirmação da inclusão dos estudos selecionados, todos os artigos elegíveis foram lidos na íntegra.

O processo de busca e elegibilidade dos materiais encontrados e incluídos foi apresentado em um diagrama de fluxo, conforme preconizado pelo Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses 2020 Statement (PRISMA)⁸.

Extração de dados

Os dados foram extraídos por uma dupla de revisores e conferidos por outro. Para isso, foi utilizada uma ficha padronizada, elaborada conforme itens sugeridos pelo The Joanna Briggs Institute para extração de dados de revisões sistemáticas de etiologia e risco¹⁵, sendo eles: autores, ano de publicação, nome do periódico, objetivo, tipo e local do estudo, população e características da amostra do estudo, procedimentos realizados no recrutamento dos participantes, duração do estudo e do acompanhamento, fatores de exposição (variáveis independentes), variáveis dependentes, análise dos dados, ajuste para fatores de confusão, resultados do estudo e comentários. Cabe ressaltar que não foi realizado contato com os autores dos artigos incluídos para fins de solicitação de dados ausentes ou adicionais referentes a quaisquer etapas dos estudos.

Avaliação da qualidade metodológica e síntese dos estudos incluídos

A qualidade metodológica dos artigos incluídos foi avaliada por meio de um instrumento específico para a análise da qualidade metodológica de estudos transversais analíticos (https://jbi.global/sites/default/files/2021-10/Checklist_for_Analytical_Cross_Sectional_Studies.docx), conforme recomendado pelo The Joanna Briggs Institute¹⁵, pelo qual foi possível identificar o número de itens abordados nos estudos segundo o número de itens previstos pelos instrumentos. Por fim, os resultados dos artigos incluídos foram submetidos a uma síntese narrativa.

Resultados

Foram recuperadas 26.191 publicações no período de 2012 a 2022 nas bases de dados selecionadas, sendo 13.291 excluídas por duplicação. Em seguida, 12.900 títulos/resumos dos materiais foram lidos para avaliação quanto à inclusão na presente revisão, dos quais 23 foram lidos na íntegra. Dos possíveis estudos elegíveis, 12 foram excluídos por não responderem à questão norteadora delineada e quatro por não abrangerem a população de 15 a 24 anos. Por fim, sete artigos foram incluídos para extração e compilação dos dados (Figura 2).

Figura 2
Fluxograma das etapas seguidas para a seleção dos artigos incluídos na revisão sistemática sobre os fatores de risco à infecção pelo HIV entre adolescentes e jovens. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2021

*Scopus = SciVerse Scopus; ^†MEDLINE = Medical Literature Analysis and Retrieval System Online; Embase = Excerpta Medica Database; LILACS = Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde

Todos os artigos incluídos na revisão foram sido publicados na língua inglesa^16-22, na África^16-22) e nos anos de 2012¹⁶, 2014¹⁸, 2018^17,19-20, 2021¹⁹⁾ e 2022²². Os artigos apresentavam delineamento do tipo transversal e foram realizados nos seguintes países: Cabo Ocidental^17-20, Malawi²⁰, Península do Cabo¹⁷, Zimbábue¹⁶, Uganda¹⁸, Quênia²² e África do Sul¹⁹. Um estudo informou que foi realizado em 17 países da África Central e Ocidental²¹. Em relação à população dos estudos, três incluíram apenas adolescentes e jovens do sexo feminino^17,19,21, e quanto à coleta de dados, três utilizaram dados primários^17,20,22) e quatro fontes secundárias^16,18-19,21 (Figura 3).

Figura 3
Descrição dos artigos incluídos na revisão sistemática sobre os fatores de risco à infecção pelo HIV entre pessoas adolescentes e jovens. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2021

*HIV = Vírus da Imunodeficiência Humana; ^†AIDS = Síndrome da Imunodeficiência Humana Adquirida; ^‡OR = Odds ratio; ^§IC95% = Intervalo de confiança (todos foram de 95%); ^||IST = Infecções Sexualmente Transmissíveis; ^¶dp = Desvio-padrão; **aPR = Razão de prevalência ajustada; ^††aOR = Odds ratio ajustado

A qualidade metodológica foi analisada em cada publicação para que pudessem ser identificadas as principais limitações dos estudos. Dois artigos contemplaram todos os itens considerados para a excelência da qualidade metodológica e cinco não atingiram tal excelência, sendo a identificação e o controle dos fatores de confundimento os elementos menos abordados nestes estudos (Figura 4).

Figura 4
Avaliação da qualidade metodológica dos artigos incluídos na revisão. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2021

Discussão

Todos os estudos incluídos nessa revisão foram realizados na África, continente com alta prevalência de HIV²³. Neste cenário, a transformação da aids como a principal causa de morbimortalidade foi codeterminada pelas crises políticas, econômicas e sociais que os países atravessaram na década de 1980, junto ao início da epidemia global de HIV, concentrando-se nos grupos raciais historicamente mais vulneráveis e impactando, até hoje, os seguimentos mais pobres da população, caracterizando a pauperização como um dos principais determinantes sociais sobre quem adoece e morre de aids²⁴.

Quanto aos fatores associados ao HIV na população adolescente e jovem, identificou-se que nessa revisão que, quanto maior a idade do indivíduo jovem, maior o risco de infecção pelo vírus em comparação aos grupos com menor idade^{16-17,19,21-22}. Contudo, a iniciação sexual precoce e sem o uso de preservativo na primeira relação sexual contribuiu para predisposição ao HIV, aumentando a vulnerabilidade à infecção^16,21.

Nesse sentido, cabe destacar que a atividade sexual precoce indica a necessidade de campanhas de promoção à saúde com a finalidade de aumentar a conscientização sobre o autocuidado individual para a prevenção ao HIV e de estratégias que alcancem adolescentes e jovens não apenas na perspectiva informativa, mas de construir o conhecimento e colaborar para redução coletiva da transmissão do vírus²¹. Ressalta-se a importância dessas intervenções ocorrerem, inclusive, antes da iniciação sexual entre os adolescentes e jovens e de forma acessível em ambientes que proporcionem discussões sobre a promoção da saúde, valorizando a saúde sexual e reprodutiva, incluindo a prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)/HIV.

Dois estudos mostraram que houve maior risco de diagnóstico de HIV entre mulheres jovens^16,22. Tal resultado também foi encontrado em estudos que analisaram as desigualdades de gênero na vulnerabilidade ao HIV na África. Esses estudos mostram a feminização do cenário da soroprevalência, devido a aspectos relacionados à dependência e submissão da mulher, dificuldades em negociar o uso do preservativo, práticas culturais e/ou tradicionais, prostituição e recusa por parte dos homens em realizarem o teste e/ou não revelar o status sorológico às parceiras^25-27 apenas a este grupo populacional^17,19,21.

Além disso, entre as mulheres, a infecção por HIV era maior entre aquelas que se percebiam sem risco ao vírus²⁰, constituindo um fator agravante de epidemia, que requer ações voltadas à redução de comportamentos que as tornem vulneráveis à infecção. Neste sentido, é necessário enfatizar a abordagem de ações de educação em saúde em consonância com as questões culturais do continente africano, tais como o uso consistente de preservativos, diminuição do consumo de álcool, com vistas ao seu empoderamento, para negociar o sexo seguro com seus parceiros^17,19.

Destaca-se que as mulheres africanas também apresentam maior utilização dos serviços de saúde do que homens em função do acompanhamento gestacional, pós-gestacional e planejamento familiar, o que induz a uma maior realização de testagem para IST/HIV nessa população²³. Por outro lado, os serviços africanos de testagem e aconselhamento encontram dificuldades na realização de testes sorológicos de HIV entre a população jovem do sexo masculino²⁸ ocasionada, em muitos casos, por questões transversais relacionadas aos aspectos psicossociais, econômicos e culturais, tais como o machismo, percepções de adoecimento, trabalho e dificuldade de acesso aos serviços de saúde²⁹.

Também é importante entender as relações entre adolescentes/jovens e seus parceiros, uma vez que se identificou maior risco de HIV entre as relações sexuais com mais de uma pessoa, parcerias que se relacionam com outros indivíduos e que dormiram fora de casa por três ou mais noites^16,19-20. Nessa vertente, é importante abordar, durante as atividades de promoção em saúde e prevenção às IST/HIV, as parcerias e, quando possível, orientar a vinda de ambos ao serviço de testagem, mesmo que ter um parceiro cinco anos mais velho seja um fator de proteção em relação à infecções pelo HIV¹⁹.

É necessário considerar outros aspectos que aumentam a predisposição ao HIV, uma vez que houve maior risco de viver com o vírus entre as pessoas com maior consumo de álcool^18-20, que praticavam sexo transacional, que mantinham relações sexuais com parceiros que viviam com HIV²⁰, que eram viúvos ou divorciados e que não moravam juntos^16,18.

Tais situações podem ser observadas, principalmente, entre as mulheres que sofrem com a escassez de recursos após o falecimento do parceiro ou divórcio e acabam encontrando fonte de renda na prostituição. Além disso, estudos apontam que pessoas jovens divorciadas tendem a utilizar grande quantidade de álcool e praticar sexo sem a utilização de preservativo, o que aumenta a vulnerabilidade ao HIV^30-32.

Questões de gênero supracitadas, como a dificuldade de acesso aos serviços de saúde por homens ou a baixa adesão a testes sorológicos, contribuem para o aumento da transmissão do vírus, principalmente entre aqueles indivíduos que mantêm relação sexual, uma vez que o diagnóstico oportuno e o tratamento precoce tendem a ser falhos devido o desconhecimento do estado sorológico entre as parcerias.

Entre os fatores associados ao HIV entre as mulheres, observa-se a prática sexual forçada por parceiros ou não, tornando-as mais vulneráveis a traumas físicos e mentais, além de dificultar a procura por serviços de saúde devido ao estigma do ocorrido, sendo necessário que atividades de promoção em saúde aconteçam para contribuir com a diminuição da violação dos direitos entre as mulheres africanas³³.

Em relação às mulheres jovens que não viviam com o vírus, identificou-se que estas foram significativamente associadas a ter um padrão previsível de atividade sexual e realizar sexo aos finais de semana¹⁷, variáveis que deveriam ter sido melhor elucidadas pelo estudo em questão.

Apesar da totalidade dos estudos ter sido realizada na África, continente com maior contingente de pessoas negras, pesquisas que comparam a etnia dos participantes demostraram que grupos raciais não negros e com maior nível de escolaridade eram fator de proteção ao HIV^19,21-22. Neste cenário, as relações sociohistóricas pós-apartheid têm mostrado uma desproteção social entre determinados grupos raciais que vivem com HIV/aids, guiado por um modelo residual de bem-estar social, com programas de transferência de renda direcionados aos indivíduos em situação de extrema pobreza e inseridos em serviços sociais básicos, em detrimento de políticas e tecnologias intersetoriais que garantam acesso à educação e ações de saúde²⁵.

Na presente revisão, verificou-se ainda que há maior risco ao HIV entre adolescentes e jovens com histórico de testagem sorológica e de IST^17-18,20-21. Ou seja, são variáveis que podem indicar o contato dessas populações com os serviços de saúde, constituindo momentos oportunos para o aconselhamento em infecções sexualmente transmissíveis, enquanto um instrumento para a interrupção da cadeia de transmissão destas, incluindo o HIV/aids.

Cabe destacar também a importância do acolhimento durante o aconselhamento, uma vez que este deve contribuir para a oferta de teste rápido para IST/HIV, garantindo o diagnóstico oportuno, bem como a instituição do tratamento e o acompanhamento do caso na rede de atenção em saúde. No Brasil, adota-se a estratégia voltada para testagem de adolescentes entre 12 e 18 anos sem a presença dos responsáveis legais após avaliação das condições físicas, psíquicas e emocionais, cuja divulgação do resultado é fornecida apenas ao adolescente/jovem que buscou pelo atendimento³⁴. Tais estratégias são importantes uma vez que, além das ações de acolhimento e aconselhamento sobre o sexo seguro, diante do diagnóstico da infecção pelo HIV, tem-se a possibilidade de instituir oportunamente a Terapia Antirretroviral (TARV). A TARV é uma tecnologia biomédica que contribui com a redução da carga viral - até se tornar indetectável - assim, tem-se a perspectiva de que a infecção se torne intransmissível, promovendo, portanto, importantes rupturas na cadeia de transmissão do vírus, inclusive diante de relações sexuais desprotegidas³⁵.

Diversas são as tecnologias possíveis para a redução da transmissão do HIV, mas estudos ainda mostram a necessidade de ações voltadas para o incentivo ao uso de preservativos, uma vez que a inconstância e o não uso do método durante as relações sexuais aumentam o risco de infecção^16-19. Neste sentido, destaca-se a importância da ampliação de acesso ao preservativo pelos adolescentes e jovens mais vulneráveis, com estímulo inclusive ao uso do preservativo feminino, uma vez que é a população mais afetada pelo HIV no continente africano.

Ademais, o risco de HIV após a circuncisão é diminuído¹⁸⁾ e deve ser destacado como um fator de proteção à infecção no âmbito assistencial e científico no intuito de promover e incentivar a realização de tal procedimento entre os homens. Além disso, outras tecnologias do cuidado em saúde devem ser estimuladas, como a Prevenção Combinada, a qual é composta por: profilaxia pós-exposição (PEP), profilaxia pré-exposição (PrEP), prevenção da transmissão vertical, imunização contra a hepatite B e o vírus do papiloma humano (HPV), diagnóstico e tratamento de IST e HIV, distribuição de preservativos e gel lubrificante e a testagem regular para IST e HIV³⁶.

Frente ao exposto, cabe destacar que todas as intervenções propostas para a prevenção do HIV entre a população adolescente e jovem devem ser incluídas e consideradas no rol das atividades desenvolvidas pela enfermagem, uma vez que esta estabelece maior vínculo com os usuários dos serviços de saúde e ocupa posição importante nas equipes multi e interdisciplinares.

Dessa forma, o estudo contribui para o avanço e a síntese do conhecimento científico já produzido em relação aos fatores de risco ao HIV entre a população adolescente e jovem, subsidiando a elaboração de políticas públicas que considerem as especificidades e visem a ampliação do acesso dessa população a estratégias que de fato auxiliem no controle do HIV.

Na avaliação da qualidade metodológica dos estudos incluídos, destaca-se a necessidade da identificação de fatores de confusão e da adoção de estratégias para lidar com eles, uma vez que tais ações constituíram as principais limitações dos estudos.

Em relação às limitações da presente revisão, aponta-se a não inclusão da literatura cinzenta e a não realização da busca manual por outras publicações que poderiam responder e incrementar ou dar maior validade aos resultados encontrados. Ainda aqui, ressalta-se que os artigos incluídos foram todos realizados no continente africano, cujos países trazem aspectos culturais muito diversos do restante do mundo, impedindo que seus resultados sejam extrapolados para outros contextos com diferentes cargas de HIV na população adolescente e jovem.

Conclusão

Dentre os fatores associados ao HIV de adolescentes e jovens destacaram-se o sexo feminino, jovens com maior idade, baixa escolaridade, etnia negra, uso de álcool, uso inconsistente de preservativo, relação sexual precoce antes dos 16 anos e múltiplas parcerias.

Esses dados sinalizam a importância do desenvolvimento de políticas de saúde e práticas assistenciais de enfermagem direcionadas aos adolescentes e jovens mostrando os fatores de risco identificados nos estudos incluídos nessa revisão para prevenir a transmissão do HIV, garantindo um diálogo interdisciplinar e intersetorial entre os diferentes pontos e redes de atenção à saúde e entre os profissionais de saúde que incluem diferentes atores sociais e órgãos de gestão para avançar no combate à infecção pelo HIV.

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• *
  *Este artigo refere-se à chamada temática “Saúde dos adolescentes e o papel do enfermeiro”. Editado pela Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil. A publicação deste suplemento foi apoiada pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS). Os artigos passaram pelo processo padrão de revisão por pares da revista para suplementos. As opiniões expressas neste suplemento são exclusivas dos autores e não representam as opiniões da OPAS/OMS. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Código de Financiamento 001 - Brasil.

• 2
  Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Brasil.
• 3
  Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil.

Editado por

Editora Associada: Maria Lúcia Zanetti

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  03 Out 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  11 Maio 2022
• Aceito
  20 Jun 2022