Avaliação sorológica e vacinal para hepatite B entre Agentes Comunitários de Saúde

Resumo

Objetivo:

identificar a situação vacinal e sorológica contra hepatite B entre agentes comunitários de saúde; vacinar contra o vírus da hepatite B e avaliar a resposta imunológica dos agentes susceptíveis.

Método:

fase I, estudo transversal e descritivo, entre agentes comunitários de saúde de uma capital da região Centro-oeste, por meio de questionário autoaplicável, conferência do cartão vacinal e coleta de sangue para testagem dos marcadores sorológicos para hepatite B. Fase II, estudo de coorte realizado em trabalhadores vacinados não imunes e identificados na fase I. Estes receberam uma dose da vacina (dose desafio) e teste sorológico.

Resultados:

participaram do estudo 109 agentes. A maioria tinha registro de vacinação (97; 89,0%) e completude vacinal (75; 77,3%), já o marcador anti-HBs (anticorpos contra o vírus da hepatite B) isolado foi detectado em 78 (71,6%) agentes. A prevalência de exposição ao vírus da hepatite B foi de 8,2%. Dos dez agentes vacinados não imunes, após a dose desafio, um permaneceu susceptível.

Conclusão:

apesar da maioria dos trabalhadores estarem vacinados e apresentarem resposta imunológica para hepatite B, a suscetibilidade após a dose desafio foi identificada. Portanto, é necessário que haja um programa de vigilância da situação vacinal e estado sorológico para este vírus, para promover a segurança destes trabalhadores.

Descritores:
Agentes Comunitários de Saúde; Hepatite B; Anticorpos Anti-Hepatite B; Vacinação; Saúde do Trabalhador; Exposição Ocupacional

Abstract

Objective:

to identify the vaccination and serological status against hepatitis B among community health workers; to vaccinate against hepatitis B virus and to evaluate the immune response of susceptible workers.

Method:

phase I, cross-sectional and descriptive study, among community health workers in a capital city of the Midwest region, through a self-administered questionnaire, checking of vaccination cards, and blood collection for testing of serological markers for hepatitis B. Phase II, cohort study carried out in vaccinated non-immune workers identified in phase I. They received one dose of vaccine (challenge dose) and serological testing.

Results:

a total of 109 workers participated in the study. Most had vaccination record (97; 89.0%) and vaccination completeness (75; 77.3%), while the isolated anti-HBs (Antibodies against hepatitis B virus) marker was detected in 78 (71.6%) workers. The prevalence of hepatitis B virus exposure was 8.2%. Of the ten non-immune vaccinated workers, after challenge dose, one remained susceptible.

Conclusion:

although most workers are vaccinated and show immunological response to hepatitis B, susceptibility after challenge dose was identified. Therefore, it is necessary to have a surveillance program of the vaccination situation and serological status for this virus, to promote these workers’ safety.

Descriptors:
Community Health Workers; Hepatitis B; Hepatitis B Antibodies; Vaccination; Occupational Health; Occupational Exposure

Resumen

Objetivo:

identificar la situación de la vacunación y serología contra la hepatitis B entre agentes comunitarios de la salud, vacunar contra el virus de la hepatitis B y evaluar la respuesta inmunológica de los agentes susceptibles.

Método:

fase I, estudio transversal y descriptivo, entre agentes comunitarios de la salud de una capital de la región centro oeste, por medio de cuestionario autoadministrado, verificación del carné de vacunación y extracción de sangre para comprobar los marcadores serológicos para la hepatitis B. Fase II, estudio de cohorte realizado en trabajadores vacunados no inmunes e identificados en la Fase I; estos recibieron una dosis de la vacuna (dosis de desafío) y realizaron el test serológico.

Resultados:

participaron del estudio 109 agentes. La mayoría tenía registro de vacunación (97; 89,0%) y de cobertura de vacunación (75; 77,3%); el marcador anti-HBs (Anticuerpos contra el virus de la hepatitis B) aislado fue detectado en 78 (71,6%) de los agentes. La prevalencia de exposición al virus de la hepatitis B fue de 8,2%. De los diez agentes vacunados no inmunes, después de la dosis desafío, uno permaneció susceptible.

Conclusión:

a pesar de que la mayoría de los trabajadores estaban vacunados y presentaron respuesta inmunológica para la hepatitis B, la susceptibilidad, después de la dosis desafío, fue identificada. Por tanto, es necesario que exista un programa de vigilancia de la situación de vacunación y estado serológico para este virus, para promover la seguridad de estos trabajadores.

Descriptores:
Agentes Comunitarios de la Salud; Hepatitis B; Anticuerpos contra la Hepatitis B; Vacunación; Salud Laboral; Exposición Profesional

Destaques

(1) A maioria dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) tinha completude vacinal (77,3%).

(2) Anti-HBs isolado foi detectado em 71,6% ACS.

(3) A prevalência de exposição do vírus da hepatite B foi de 8,2%.

(4) Um ACS não imune permaneceu susceptível após dose desafio.

(5) Programa de vigilância é necessário para segurança ocupacional de ACS.

Introdução

Os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) compõem a equipe multiprofissional de saúde em vários países do mundo¹. A Organização Internacional do Trabalho define o ACS como o profissional que presta cuidados à população por meio de “encaminhamento e acompanhamento, gerenciamento de casos, serviços básicos de saúde preventiva e serviços de visita domiciliar a comunidades específicas”².

Na execução das suas atividades laborais, esses trabalhadores estão expostos aos riscos, incluindo o de exposição ao material biológico³, sendo o vírus da hepatite B (VHB) de importância epidemiológica para este grupo⁴. Em 2019, aproximadamente 296 milhões de pessoas eram portadoras crônicas do VHB⁵, sendo que em alguns grupos, como os trabalhadores de saúde (TS), a prevalência foi maior⁶.

Sabe-se que a vacinação é a principal medida preventiva contra o VHB, por isso, o Programa Nacional de Imunização Brasileiro, desde 1993, disponibiliza a vacina gratuitamente para todos os TS com esquema de três doses em intervalos de zero, um e seis meses⁷. Profissionais da saúde apresentam diferentes prevalências de imunização da hepatite B no País^8-11.

Para os TS, além da vacinação, entidades internacionais e nacionais recomendam a realização do exame que confirma a resposta imunológica induzida pela vacina, o anti-HBs, 30 a 60 dias após a finalização do esquema vacinal^12-16. A detecção de anticorpos ≥ 10 milli-international units (mUI)/mL garante proteção ao trabalhador ao longo da vida¹⁷; todavia estudos retratam baixa adesão da realização desse exame pelos TS brasileiros^11,18.

O custo da implementação do teste para anticorpos contra o antígeno de superfície do vírus da hepatite B (anti-HBs) após completude do esquema é baixo comparado ao manejo profilático pós-exposição ao vírus da hepatite B¹⁹. Além disso, instituições de saúde que adotam juntamente o teste anti-HBs nos programas de vigilância e a vacina possuem maiores coberturas vacinais de TS do que os estabelecimentos que não oferecem o exame²⁰. E isso garante maior segurança para a execução das atividades laborais desses trabalhadores.

Em relação aos ACS, ainda existe uma lacuna de conhecimentos sobre as condições de saúde relacionadas ao VHB entre esses trabalhadores que atuam na atenção primária desde 1991. Mundialmente, também são poucos os estudos realizados com essa categoria profissional. Dessa forma, conhecer o status vacinal e sorológico dos ACS ante o vírus da hepatite B permite a elaboração de estratégias de proteção desses trabalhadores expostos a esse vírus.

Os objetivos do estudo foram: identificar a situação vacinal e sorológica contra hepatite B entre agentes comunitários de saúde; vacinar contra o vírus da hepatite B e avaliar a resposta imunológica dos ACS susceptíveis.

Método

Delineamento e local do estudo

Trata-se de um estudo epidemiológico, guiado pela iniciativa STROBE (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology), com dois delineamentos metodológicos. A fase I consistiu em um estudo transversal e descritivo, realizado entre ACS com lotação de trabalho em uma capital de grande porte da Região Central do Brasil. A fase II trata-se de uma coorte constituída de ACS incluídos na fase I e elegível para receber a dose desafio da vacina contra hepatite B.

Goiânia, capital de Goiás, é uma cidade com aproximadamente 1.536.097 habitantes, localizada na região central do território brasileiro²¹. A Atenção Primária foi instituída no País em 1994, e tem nos Centros de Saúde da Família (CSF) o local para realização das atividades²². Atualmente, Goiânia possui 62 CSF, divididos em sete Distritos Sanitários com 896 ACS²³.

Este estudo foi realizado no Distrito Sanitário Oeste cuja região, conforme a Coordenação da Atenção Primária da Secretaria Municipal de Saúde, é a maior, em termos de área de abrangência e quantidade de CSF (14 ao total). Além disso, o quantitativo de 172 ACS pertencentes ao distrito é condizente com a quantidade de equipes e população do território adscrito.

Período e população do estudo

O estudo transversal foi realizado no período de julho a dezembro de 2019 e a coorte, de janeiro a maio de 2020. Na fase I, foram incluídos ACS com idade igual ou maior que 18 anos e excluídos aqueles que estavam de férias e/ou licença nas datas agendadas. Portanto, dos 172 ACS, 36 estavam de férias ou licenças e foram excluídos do estudo. Para a formação da coorte (fase II), foram critérios de inclusão: ACS que apresentaram registro de três doses da vacina contra hepatite B e ao exame sorológico, títulos de anti-HBs <10 mIU/mL. Indivíduos nessa situação estavam aptos para receber a dose desafio¹².

Coletas de dados

Inicialmente, um convite virtual foi realizado pelos gestores de cada unidade para os ACS ativos. Aqueles que compareceram na data e local agendado e aceitaram participar do estudo, após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), foram convidados a responder ao questionário. Este instrumento continha perguntas sobre características sociodemográficas e conhecimento sobre vacinação para hepatite B. Depois desta etapa, foi solicitado o cartão de vacinação para a conferência do registro vacinal para hepatite B; na ausência deste, buscaram-se informações no Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SIPNI).

Por fim, foi realizada coleta de oito mililitros (mL) de amostra de sangue através de punção venosa em membro superior, para a realização da sorologia para hepatite B. Todas as amostras foram testadas para os seguintes marcadores sorológicos: antígeno de superfície da hepatite B (HBsAg), anticorpos contra a proteína do core do vírus da hepatite B (anti-HBc) e anti-HBs. Para detecção do marcador HBsAg, foi utilizado o Teste Rápido da marca Bioclin, Brasil. Os marcadores anti-HBc e anti-HBs foram testados utilizando o método de quimiluminescência (Architect i1000^TM, Abbott Diagnostics).

Os resultados dos exames foram entregues, pessoalmente, a cada ACS. Aqueles não vacinados ou com esquema incompleto foram orientados a realizar um novo esquema de três doses ou completar o esquema^12,16.

Os indivíduos elegíveis para a fase II receberam uma dose da vacina contra hepatite B (“dose desafio”), conceituada como a administração de uma dose da vacina contra hepatite B para averiguar a presença de anticorpos de memória contra uma eventual exposição ao vírus²⁴. Assim, no período de 30 a 60 dias após a vacinação, uma nova amostra de sangue foi coletada para realização de teste sorológico para o marcador anti-HBs. O exame foi realizado utilizando o método de eletroquimioluminescência (Cobas e 411^TM, kit Elecsys Anti-HBs, Roche). Os indivíduos que não apresentaram títulos protetores de anti-HBs foram encaminhados para a rede pública e orientados a dar continuidade à vacinação contra hepatite B.

Variáveis do estudo

As variáveis investigadas neste estudo foram: sexo; faixa etária, nível de ensino; tempo de atuação como ACS; esquema vacinal completo contra hepatite B; relato da realização do anti-HBs; valor do anti-HBs; apresentação do cartão vacinal contra hepatite B; tempo decorrido entre a última dose da vacina contra hepatite B e a data de realização do anti-HBs e a resposta sorológica à dose desafio (segundo anti-Hbs).

Considerou-se prevalência global para hepatite B, a positividade para o marcador HBsAg e/ou anti-HBc; indivíduos imunizados, por sua vez, foram definidos pela presença de anti-HBs isolado com títulos de anticorpos ≥ 10 mUI/mL²⁴.

Tratamento e análise dos dados

O Software Statiscal Package for Social Science (SPSS) versão 21.0 foi utilizado para a análise dos dados. Prevalências foram estimadas com intervalo de confiança (IC) de 95%. Foram calculados o valor preditivo positivo, valor preditivo negativo e especificidade do registro de vacinação contra hepatite B.

Aspectos éticos

Estudo aprovado em Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE): 41413015.6.0000.5078, parecer 980.293 de 2015. Para a ampliação dos objetivos foi solicitado um adendo ao respectivo comitê, aprovado sob CAAE 41413015.6.0000.5078, número de parecer 3.632.014 de 2019.

Resultados

Dos 172 ACS pertencentes ao Distrito Sanitário Oeste, 109 (63,3%) participaram do estudo, 36 estavam na vigência de férias ou licença, 20 não compareceram às unidades nos dias da coleta e sete recusaram. Em relação às características sociodemográficas, a maioria dos ACS era do sexo feminino (91,7%), faixa etária de 31 a 40 anos (45,9%), ensino médio completo (44,0%) e com tempo de atuação menor que cinco anos (37,6%). Quando perguntados sobre o esquema vacinal recebido contra hepatite B, 58,7% (64/109) ACS responderam ter recebido as três doses da vacina, contudo, 48,4% (31/64) relataram ter realizado o anti-HBs, 36,0% (23/64) não o realizaram e 15,6% (10/64) não informaram. Dos ACS que declaram ter realizado o anti-HBs, 74,2% (23/31) referiram valores ≥ 10 mIU/mL.

A prevalência global da hepatite B entre os ACS investigados foi de 8,2%. Em 78 (71,6%) ACS observaram-se títulos ≥ 10 mIU/mL para anti-HBs, de forma isolada, indicando vacinação prévia contra hepatite B. Mais de 20% estavam em condição de susceptibilidade ao VHB com idade variando entre 30 a 60 anos.

Foi possível ter acesso às informações de registro de vacinação contra hepatite B de 97 participantes (89%). Destes, 77,3% (75/97) possuíam esquema completo para hepatite B, porém somente 35 destes ACS informaram ter realizado o exame após a finalização do esquema vacinal. Os valores preditivos positivos e especificidade do registro vacinal da vacina contra hepatite B, comparados com o marcador sorológico para hepatite B, foram 74,7% e 38,7% respectivamente (Tabela 1).

Tabela 1
Valores Preditivos Positivos (VPP*) e Negativos (VPN^†) do registro vacinal da vacina contra hepatite B comparados com marcador sorológico para hepatite B, “anti-HBs^‡ isolado”, em 109 Agentes Comunitários de Saúde do município de Goiânia-GO. Goiânia, GO, Brasil, 2019-2020

Cartão de vacinação	Anti-HBs‡ isolado
	Positivo	Negativo	Total
Esquema Completo	56§	19	75
Esquema incompleto ou ausência de cartão	22	12ǁ	34
Total	78§	31ǁ	109

• ^*
  VPP 56/75 = 74,7%; ^†VPN 12/34 = 35,3%; ^‡anti-HBs = Anticorpos contra o antígeno de superfície do vírus da hepatite B; ^§Sensibilidade 56/78 = 71,8%; ^ǁEspecificidade 12/31 = 38,7%

Depois de ter sido realizada a avaliação dos registros vacinais contra hepatite B entre aqueles que receberam três doses da vacina, identificaram-se dez indivíduos que não apresentaram títulos protetores contra hepatite B e constituíram a coorte. Uma dose da vacina foi administrada em todos os dez participantes. O tempo decorrido entre a última dose da vacina contra hepatite B recebida e a data de realização do anti-HBs confirmatório variou de 6 a 18 anos. Somente um indivíduo não desenvolveu títulos de anti-HBs ≥ 10 mIU/mL (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma da apresentação do registro vacinal e a associação com os marcadores sorológicos de Agentes Comunitários de Saúde (N= 109) de um distrito sanitário de Goiânia. Goiânia, GO, Brasil, 2019-2020

Discussão

Desde a introdução da vacina contra hepatite B no Brasil, em 1998, o perfil epidemiológico do VHB vem sofrendo mudanças. Atualmente, uma baixa prevalência para hepatite B é encontrada entre a população em geral do país²⁵. Por outro lado, alguns grupos, como ACS, continuam em risco para a infecção, considerando as características de exposição e as baixas taxas de vacinação.

Neste estudo, foi encontrada uma taxa de exposição ao VHB de 8,2% (IC 95%= 4,4%-15,5%) e a idade dos indivíduos expostos variou entre 31 a 61 anos. Investigação realizada com 644 TS espanhóis identificou uma prevalência para anti-HBc de 4,2% e com aumento progressivo entre os mais velhos²⁶. Não é possível afirmar que a exposição ao vírus tenha acontecido durante a prática laboral, mas cabe ressaltar que, durante suas atividades, os ACS podem ter sido contaminados, pois os acidentes biológicos são retratados entre essa categoria profissional²⁷. Dessa forma, há necessidade de políticas públicas de gerenciamento do risco biológico neste grupo. Ainda, considera-se que estes profissionais devem ser preparados para o enfrentamento deste risco, desde a sua formação, com a inclusão da temática de biossegurança²⁸. Vale destacar que a maioria dos ACS participantes deste estudo possuía ou estava cursando ensino médio (técnico ou não) ou ensino superior em cursos ligados à área das ciências humanas (20,2%), o que confirma a não formação quanto ao risco biológico e medidas de segurança.

Títulos anti-HBs isolados foram identificados em 71,6% (n=78/109; IC95%= 62,5%-79,2%) dos participantes, indicando vacinação prévia contra hepatite B. Não foram encontrados estudos que avaliaram a vacinação contra hepatite B entre ACS pela análise dos marcadores sorológicos. Entretanto, alta porcentagem de títulos protetores contra o VHB são encontrados entre TS, como retrata estudo realizado em Gana entre 711 trabalhadores da área hospitalar, no qual o anti-HBs isolado foi detectado em 91,8% dos indivíduos participantes²⁹.

Sabe-se que a comprovação das três doses da vacina contra hepatite B no cartão vacinal é considerada padrão-ouro para conferir status de vacinação³⁰. Noventa e sete ACS (89,0%) possuíam o cartão de vacina nesse estudo e, destes, 75 apresentaram registro completo das três doses contra hepatite B, representando 68,8% (n=75/109; IC95%= 59,6%-76,7%). A cobertura vacinal, segundo o registro em cartão de vacina, foi semelhante ao exame sorológico realizado, indicando uma sensibilidade do registro de 71,8%. Apesar de ser significativo o percentual de cobertura vacinal contra hepatite B, o esperado era que todos estivessem vacinados, pois a vacina foi implementada no Brasil para profissionais da área da saúde desde 1993⁷. Além disso, mais de 90% dos participantes ingressaram no serviço há menos de vinte anos.

Não foram identificados na literatura consultada estudos que tenham investigado a cobertura vacinal entre os ACS por meio do cartão de vacina. Entre os estudos que demonstraram índices de vacinação relatados por TS atuantes na Atenção Primária por meio de aplicação de questionários, foram identificados percentuais de ACS vacinados abaixo do valor encontrado neste estudo, 41,0%³¹, 65,4%³²; entretanto, em outro estudo⁸, identificou-se um índice um pouco superior, em que 84,1% dos ACS referiram imunização.

Logo, chama a atenção entre os indivíduos para os quais foi identificado o registro vacinal no estudo (n=97), o fato de 22,7% (n=22/97) estarem desenvolvendo suas atividades laborais em risco para hepatite B, uma vez que doses incompletas diminuem significativamente as chances da presença de títulos protetores contra hepatite B²⁹.

Essa informação pode ser considerada interessante, pois uma das exigências para o ingresso de qualquer trabalhador atuante nos serviços de saúde é a apresentação de registro de vacinação contra hepatite B³³ e isso pode sugerir falha no processo de admissão e/ou manutenção da saúde do trabalhador. Compreende-se que é necessário estabelecer uma política de acompanhamento quanto à completude do esquema vacinal pelos ACS, para a proteção destes trabalhadores.

Com base na sorologia, independentemente do registro vacinal, 22 indivíduos (20,1% n=22/109) foram considerados susceptíveis ao VHB, dado considerado preocupante, uma vez que esse grupo possa ter ficado exposto a fluidos corporais em suas atividades laborais com risco de exposição ao vírus da hepatite B³⁴. Em investigação sobre o perfil dos acidentes com exposição ao material biológico ocorridos na região Sul do estado de Minas Gerais, identificou-se que cinco ACS (1,1%) sofreram acidente; dentre estes, dois não tinham realizado vacinação contra o vírus da hepatite B²⁷. A chance de indivíduos susceptíveis contraírem o vírus varia de 6%-30,0%³⁵; dessa forma, a possibilidade de uma soroconversão é uma realidade presente nas atividades laborais dos ACS e que pode passar despercebida.

A idade dos indivíduos susceptíveis variou de 31 a 60 anos. Percebe-se que alguns desses ACS nasceram antes da implementação da vacina no País⁷, contudo a disponibilidade e gratuidade da vacina há mais de 20 anos no Sistema Único de Saúde (SUS) para os TS revela as oportunidades perdidas de vacinação entre esses trabalhadores, principalmente por atuarem em CSF que possuem salas de vacina como um dos ambientes essenciais na estrutura da unidade³⁶.

Dez participantes exibiram cartão vacinal com registro de administração de três doses da vacina, porém não apresentaram títulos de anticorpos que comprovassem a efetividade do esquema recebido. Entretanto, após uma dose desafio da vacina contra hepatite B, somente um indivíduo não desenvolveu títulos protetores contra hepatite B, indicando boa resposta anamnéstica da vacina nestes trabalhadores.

Recomendações internacionais e nacionais trazem a necessidade de realização do teste anti-HBs idealmente de 30 a 60 dias após a completude do esquema vacinal^12,16. No presente estudo, dos 75 que apresentaram registro de vacinação prévia contra hepatite B, 37,3% informaram não ter realizado exame anti-HBs após recebimento de esquema completo de vacinação. Dados internacionais mostram diferenças significativas de adesão e eficácia da vacina contra hepatite B quando profissionais são seguidos continuamente²⁰. Assim, uma política de acompanhamento laboral poderá contribuir para a prevenção e controle da hepatite B.

Neste estudo, não foi avaliado o status de não respondedor à vacina contra hepatite B. São necessários dois esquemas vacinais completos seguidos de títulos de anti-HBs inferior ou igual a 10 mUI/mL, no prazo de 30 a 60 dias após a finalização da vacinação, para conferir ao indivíduo o status de não respondedor à vacina¹². Sabe-se que fatores intrínsecos, extrínsecos, perinatais, ambientais, comportamentais, nutricionais, vacinais e de administração³⁷ podem afetar a imunogenicidade do indivíduo.

Os achados deste estudo contribuem para o avanço do conhecimento científico e em saúde ao evidenciarem e indicarem a necessidade de um programa de vigilância para acompanhamento de ACS quanto à situação vacinal e sorológica para hepatite B no intuito de garantir a segurança destes trabalhadores. Neste sentido, também contribuem para o conhecimento e prática de Enfermagem, pois sinalizam ações esperadas do enfermeiro líder de equipe no controle de doenças infectocontagiosas na atenção primaria à saúde e promoção da saúde ocupacional.

Este estudo apresenta algumas limitações. A primeira delas relaciona-se com a abrangência, uma vez que a pesquisa, embora realizada em uma grande região do município de Goiânia, que abarca 22,0% de todos os ACS, não foi executada em todos os CSF desse município. A segunda limitação é relacionada à cobertura vacinal. Uma vez que não foi possível obter a fotocópia do cartão de vacinação de todos os participantes do estudo, para aqueles que não apresentaram o cartão, foi realizada uma busca no Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunização com o intuito de obter informações acerca do esquema vacinal de cada trabalhador.

Conclusão

Na avaliação de ACS em atividades laborais, identificou-se que, dos 109 participantes, para 97 (89,0%) foi identificado o registro físico ou via SIPNI sendo que 75 (77,3%) trabalhadores tinham esquema completo contra o vírus da hepatite B. Para aqueles com esquema completo, somente 56 (74,7%) tinham anti-HBs isolado. Em relação aos 10 com esquema completo com ausência de títulos de anticorpos, estes receberam uma dose da vacina, na qual nove apresentaram resposta anamnéstica e um, ainda, continuou não imune.

Considera-se necessário implementar um programa de vigilância e acompanhamento do estado sorológico dos ACS para o VHB, o que deve incluir não só a vacinação, como também a realização do exame anti-HBs após esquema completo, pois o risco biológico é conhecido. Todavia, ainda não foram observadas a adoção e a descrição de medidas nas políticas desses trabalhadores, no Brasil.

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• Trabalho acadêmico associado

  Artigo extraído da dissertação de mestrado “Avaliação sorológica e vacinal para Hepatite B entre agentes comunitários de saúde em Goiânia, Goiás”, apresentada à Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil.

• Financiamento

  Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de Goiás, Processo nº 201810267001139, Brasil.

Editado por

Editora Associada

Maria Lúcia do Carmo Cruz Robazzi

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  30 Jan 2023
• Data do Fascículo
  Jan-Dec 2023

Histórico

• Recebido
  22 Mar 2022
• Aceito
  26 Jul 2022