Qualidade de vida e fatores associados entre servidores aposentados por invalidez de universidades públicas

Resumo

Objetivo:

analisar a qualidade de vida e os fatores associados entre servidores de universidades públicas aposentados por invalidez.

Método:

estudo transversal, com amostra de servidores aposentados por invalidez de universidades públicas. Um questionário de caracterização e o World Health Organization Quality of Life - Disabilities foram aplicados por contato telefônico ou online no período de novembro de 2019 a setembro de 2020. Verificaram-se os fatores associados por regressão linear múltipla.

Resultados:

dos 80 aposentados por invalidez, 15% eram docentes e 85% da carreira técnica-administrativa. Quanto aos fatores associados à qualidade de vida, o uso de medicação contínua (β^aj: -0,25; p=0,02) e os problemas do sistema nervoso (β^aj: -0,21; p<0,05) associaram-se ao domínio Overall; o uso de medicação contínua (β^aj: -0,23; p=0,04) ao domínio físico; o tabagismo (β^aj: -0,21; p<0,05) e os transtornos mentais e comportamentais (β^aj: -0,21; p<0,01) ao domínio psicológico; o tabagismo (β^aj: -0,46; p<0,01), os problemas respiratórios (β^aj: -0,21; p=0,03) e circulatórios (β^aj: -0,21; p=0,03) ao domínio social; o tabagismo (β^aj: -0,33; p<0,01) e os problemas do sistema nervoso (β^aj: -0,22; p=0,04) ao domínio ambiental; os transtornos mentais e comportamentais ao módulo incapacidades (β^aj: -0,29; p<0,01) e ao domínio discriminação (β^aj: -0,21; p<0,05); o tabagismo (β^aj: -0,32; p<0,01) e os problemas do sistema nervoso (β^aj: -0,20; p<0,05) ao domínio inclusão. O domínio autonomia não apresentou associação.

Conclusão:

os aposentados estudados apresentaram uma qualidade de vida prejudicada.

Descritores:
Aposentadoria; Seguro por Invalidez; Qualidade de Vida; Saúde do Trabalhador; Universidades; Empregados do Governo

Abstract

Objective:

to analyze quality of life and factors associated among public university employees retired due to disabilities.

Method:

a cross-sectional study conducted with a sample of public university employees retired due to disabilities. A characterization questionnaire and the World Health Organization Quality of Life - Disabilities instrument were applied via telephone or online contacts from November 2019 to September 2020. The associated factors were verified through multiple linear regression.

Results:

of the 80 retirees due to disability, 15% were professors and 85% had a technical-administrative career. As for the factors associated with Quality of Life, continuous medication use (β^adj: -0.25; p=0.02) and problems in the nervous system (β^adj: -0.21; p<0.05) were associated with the Overall domain; continuous medication use (β^adj: -0.23; p=0.04), to the Physical domain; smoking (β^adj: -0.21; p<0.05) and mental and behavioral disorders (β^adj: -0.21; p<0.01), to the Psychological domain; smoking (β^adj: -0.46; p<0.01) and respiratory (β^adj: -0.21; p=0.03) and circulatory (β^adj: -0.21; p=0.03) problems, to the Social domain; smoking (β^adj: -0.33; p<0.01) and problems in the nervous system (β^adj: -0.22; p=0.04), to the Environmental domain; mental and behavioral disorders, to the Disabilities module (β^adj: -0.29; p<0.01) and to the Discrimination domain (β^adj: -0.21; p<0.05); and smoking (β^adj: -0.32; p<0.01) and problems in the nervous system (β^adj: -0.20; p<0.05), to the Inclusion domain. The Autonomy domain did not present any association.

Conclusion:

the retirees under study presented impaired Quality of Life.

Descriptors:
Retirement; Insurance, Disability; Quality of Life; Occupational Health; Universities; Government Employees

Resumen

Objetivo:

analizar la calidad de vida y los factores asociados de empleados de universidades públicas jubilados por invalidez.

Método:

estudio transversal, con una muestra de trabajadores jubilados por invalidez de universidades públicas. Se aplicó un cuestionario de caracterización y el World Health Organization Quality of Life - Disabilities mediante contacto telefónico u online desde noviembre de 2019 hasta septiembre de 2020. Los factores asociados se verificaron mediante regresión lineal múltiple.

Resultados:

de los 80 jubilados por invalidez, el 15% era docente y el 85% era técnico-administrativo. En cuanto a los factores asociados a la calidad de vida, el uso continuo de medicamentos (β^aj: -0,25; p=0,02) y los problemas del sistema nervioso (β^aj: -0,21; p<0,05) se asociaron al dominio overall; el uso continuo de medicamentos (β^aj: -0,23; p=0,04) el dominio físico; el tabaquismo (β^aj: -0,21; p<0,05) y los trastornos mentales y conductuales (β^aj: -0,21; p<0,01) al dominio psicológico; el tabaquismo (β^aj: -0,46; p<0,01), los problemas respiratorios (β^aj: -0,21; p=0,03) y circulatorios (β^aj:-0,21;p=0,03) al dominio social; el tabaquismo (β^aj: -0,33; p<0,01) y los problemas del sistema nervioso (β^aj: -0,22; p=0,04) al dominio ambiental; los trastornos mentales y conductuales al módulo discapacidad (β^aj: -0,29; p<0,01) y al dominio discriminación (β^aj: -0,21; p<0,05); el tabaquismo (β^aj: -0,32; p<0,01) y los problemas del sistema nervioso (β^aj: -0,20; p<0,05) al dominio inclusión. El dominio autonomía no mostró asociación.

Conclusión:

la calidad de vida de los jubilados por invalidez que participaron del estudio estaba deteriorada.

Descriptores:
Jubilación; Seguro por Invalidez; Calidad de Vida; Salud Laboral; Universidades; Empleados del Estado

Destaques

(1) Os transtornos mentais interferem negativamente na qualidade de vida.

(2) Aposentados por invalidez apresentam uma qualidade de vida prejudicada.

(3) O aumento da idade associa-se a menores escores da qualidade de vida

Introdução

Os avanços na ciência e tecnologia impulsionam a transformação nas sociedades, instituições e economias mundiais, modificando as formas de viver, trabalhar e interagir¹, o que pode impactar positivamente ou prejudicar na qualidade de vida (QV) das pessoas. Ademais, acarretam transformações no âmbito demográfico, com diminuição da natalidade e aumento da expectativa de vida, e no epidemiológico com acréscimo da morbimortalidade pelas doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), sendo um desafio para os países na elaboração de políticas públicas que melhorem e prolonguem a vida dos trabalhadores, mantendo assim o equilíbrio financeiro dos diferentes sistemas previdenciários^2-3.

Além disso, a morbimortalidade causada pelas DCNTs, ocasiona alta prevalência de mortes, limitações, incapacidades e diminui a QV dos indivíduos ao redor do mundo, principalmente nos países emergentes, sendo, inclusive, responsável por mortes prematuras⁴.

A atual organização da sociedade capitalista somada à evolução das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) transformaram e inovaram a organização do trabalho, as relações laborais e aumentaram a produtividade, representando uma verdadeira mudança de paradigma. Embora isso possa ser benéfico em vários aspectos, também afetou o equilíbrio entre vida profissional e vida pessoal, e tem desencadeado modos de trabalho cada vez mais desgastantes para a saúde física, mental e social⁵. Tais fatores podem levar ao adoecimento, com consequente afastamento temporário ou até definitivo do profissional do seu labor. Os afastamentos por doença podem culminar na aposentadoria por invalidez devido ao grau de comprometimento, impactando na área profissional e na saúde pública, além dos prejuízos ao trabalhador⁶.

A aposentadoria motivada pela invalidez é aquela concedida aos trabalhadores segurados que se tornam incapacitados definitivamente para a atividade laboral, por doença ou acidente, após a comprovação por perícia médica. Os proventos são proporcionais às contribuições do trabalhador, exceto em caso de acidente de trabalho, doença profissional ou doença grave, transmissível ou incurável⁷.

Cabe destacar que a aposentadoria poderá dar origem às múltiplas transformações na vida do ser humano, ou seja, é um paradoxo complexo, pois pode significar liberdade para o trabalhador, sendo um momento cobiçado no qual a pessoa terá tempo para cuidar com mais afinco dos projetos pessoais, da família e de si mesmo. Entretanto, pode ter uma conotação negativa, se apresentado como um momento de retirar-se, recolher-se aos aposentos, finitude, abandono, inatividade, ser deixado de lado pela sociedade⁸.

Quando essa saída ocorre por meio de uma situação de invalidez, as consequências ocorrerão tanto na força de trabalho, como no cotidiano das pessoas, além dos impactos na QV. Estudo mostrou que quanto melhor a percepção da QV durante a carreira, maior é o desejo de não querer se desvincular do trabalho⁹. A aposentadoria é um período de transição ímpar que é intrínseco ao processo de envelhecimento e sua associação com a maior satisfação com a vida pode ter efeitos positivos na saúde geral, funcionamento e QV. No entanto, os aposentados por motivos de saúde têm uma experiência singular e diferem dos que optaram por se aposentar por tempo de serviço ou idade. Assim sendo, pode-se inferir que a aposentadoria por invalidez pode trazer prejuízos para a QV dessas pessoas.

O conceito de QV adotado neste estudo está relacionado aos aspectos subjetivos ligados às questões sociais, culturais e ambientais, podendo ser definido a partir de como o indivíduo percebe sua vida no contexto em que está inserido quanto à cultura, aos valores, às metas, às expectativas, às regras e às preocupações¹⁰.

Diante do exposto, este estudo é relevante, pois poderá propiciar reflexões sobre a QV das pessoas aposentadas por invalidez, fornecendo subsídios para a implementação de medidas que busquem a prevenção e a promoção de saúde dos trabalhadores e, por consequência, evitando a aposentadoria precoce. Cabe enfatizar que os estudos que avaliam a relação entre aposentadoria e satisfação com a vida foram realizados em países de alta renda, como Estados Unidos e Europa, e poucos foram realizados em países de baixa ou média renda, como o Brasil, no qual as condições de vida e os regimes de proteção social são mais desfavoráveis¹¹. Esta investigação teve como objetivo analisar a qualidade de vida e os fatores associados entre servidores de universidades públicas aposentados por invalidez.

Método

Tipo do estudo

Trata-se em um estudo quantitativo, de corte transversal. Assim sendo, a descrição dessa seção seguiu o recomendado pelo Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).

População e local do estudo

A população foi constituída por servidores aposentados por invalidez, no período de 2007 a 2017, de sete universidades públicas estaduais do Paraná (PR), Brasil. O período selecionado se refere à inauguração de uma das sete universidades de estudo (2007), bem como à data da última concessão de aposentadoria por invalidez nos locais de pesquisa (2017).

Critérios de seleção

Os critérios de elegibilidade foram: ser aposentado por invalidez há pelo menos um ano, ter trabalhado em regime estatutário em uma das universidades e ter condições de responder aos questionários por escrito ou verbalmente.

Amostra

Foram identificados 150 possíveis participantes. A amostra foi constituída por todos os servidores aposentados por invalidez localizados e que concordaram em participar da pesquisa, totalizando 80 pesquisados, com representantes de todas as universidades elegíveis, sendo de 01 a 56 participantes por universidade.

Instrumentos utilizados e variáveis do estudo

Os dados foram coletados por meio de um instrumento de autorrelato, em que a primeira parte continha questões para obtenção de dados sociodemográficos (sexo, idade, estado civil, escolaridade e renda familiar), ocupacionais (função exercida anteriormente à aposentadoria, ano da aposentadoria, tempo de serviço na universidade e carga horária semanal), clínicos (presença de comorbidades, uso de medicações contínuas e causas da invalidez permanente), hábitos de vida (uso de bebida alcoólica, tabagismo e prática de atividade física). Essas questões de caracterização foram elaboradas pela primeira autora e submetidas à um teste piloto com sete servidores aposentados por invalidez de duas universidades públicas de outros estados brasileiros, o qual demonstrou estar adequado para atingir o objetivo proposto.

A segunda parte avaliava a QV, em que se selecionou o World Health Organization Quality of Life, um instrumento utilizado mundialmente, sem custo e desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), com um módulo de avaliação específico para pessoas com incapacidades, o World Health Organization Quality of Life - Disabilities (WHOQOL-DIS).

A OMS recomenda que seja aplicado o World Health Organization Quality of Life Assessment Instrument - Bref (WHOQOL-Bref), que avalia a QV por meio de 24 facetas divididas entre quatro domínios (físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente) e duas questões para a avaliação geral da QV (Overall)¹². E, na sequência, o módulo Disabilities (Módulo-DIS), constituído por 13 facetas, uma de avaliação geral do impacto da deficiência na QV e as demais divididas em três domínios: discriminação, autonomia e inclusão (Figura 1)¹³. Portanto, o WHOQOL-DIS consiste na administração do WHOQOL-Bref com a adição do Módulo-DIS¹⁴.

Figura 1
Distribuição das facetas nos domínios do WHOQOL-Bref e Módulo Disabilities

Domínios	Facetas
World Health Organization Quality of Life Assessment Instrument - Bref (WHOQOL-Bref)
Overall	Qualidade de vida geral
	Saúde geral
I. Físico	Dor e desconforto
	Dependência de medicação ou de tratamentos
	Energia e fadiga
	Mobilidade
	Sono e repouso
	Atividades da vida cotidiana
	Capacidade de trabalho
II. Psicológico	Sentimentos positivos
	Espiritualidade/religião/crenças pessoais
	Pensar, aprender, memória e concentração
	Imagem corporal e aparência
	Autoestima
	Sentimentos negativos
III. Relações Sociais	Relações pessoais
	Atividade sexual
	Suporte (apoio) social
IV. Meio Ambiente	Segurança física e proteção
	Ambiente físico (poluição/ruído/trânsito/clima)
	Recursos financeiros
	Oportunidades de adquirir novas informações e habilidades
	Participação em oportunidades de recreação/lazer
	Ambiente no lar
	Cuidados de saúde e sociais: disponibilidade e qualidade
	Transporte
Módulo Disabilities (Módulo-DIS)
Overall-DIS	1. Impacto da deficiência
I - Discriminação	Discriminação
	Proteção
	Perspectivas futuras
II. Autonomia	Controle de sua vida
	Poder de decisão
	Autonomia
III. Inclusão	Capacidade de comunicação
	Aceitação social
	Respeito
	Interação Social
	Inclusão social
	Capacidade pessoal

• Fonte: World Health Organization (1996)12; The WHOQOL-DIS Group (2011)13

O WHOQOL-Bref e o Módulo-DIS foram traduzidos e validados para o português do Brasil em 2000 e 2014, respectivamente^14-15. O WHOQOL-DIS tem respostas fornecidas em escalas Likert de cinco pontos e não possui uma nota de corte, contudo os escores obtidos nos domínios devem ser transformados em uma escala de 0 a 100, na qual, quanto mais próximo de zero, pior a QV, e quanto mais próximo de 100, melhor a QV^12-13.

Coleta de dados e período

A coleta de dados foi realizada pela primeira autora, sendo os participantes identificados por meio dos dados fornecidos pelas universidades e convidados a participar por ligações telefônicas, mensagens eletrônicas e divulgação na página de uma das universidades. Os questionários foram respondidos online por meio do Google Forms ou por contato telefônico, conforme preferência do participante, no período de novembro de 2019 a setembro de 2020. Acerca da perda de 46,6% (n=70) da população, 20% (n=30) faleceram e 26,6%(n=40) se recusaram a participar.

Análise dos dados

O programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0, foi utilizado para as análises estatísticas. As variáveis foram descritas por medidas de tendência central e de variabilidade ou por frequências absolutas e relativas.

As variáveis dependentes do estudo apresentaram aderência à distribuição normal, conforme indicou o teste Kolmogorov-Smirnov (p>0,05). A associação das dimensões e facetas do WHOQOL-DIS com as variáveis independentes foram verificadas pelo coeficiente de correlação de Pearson. Para definir o conjunto de variáveis que melhor explicavam o desfecho, realizou-se regressão linear múltipla, pelo método forward bootstrap. O tamanho amostral foi considerado adequado para essa análise, visto que a literatura recomenda de 10 a 15 casos para cada variável inserida no modelo, com um mínimo de 50 casos¹⁶. Todos os pressupostos deste método de análise foram atendidos, sendo que para os diagnósticos de colinearidade, obteve-se valores do Fator de Inflação da Variância (FIV) de 1,008 a 2,110, o que foi considerado adequado. Foram mantidas as variáveis independentes estatisticamente significativas e aquelas que ajustaram β1 em 10%, no mínimo. Todos os modelos foram ajustados por sexo e idade, por serem considerados potenciais confundidores da relação. Para todos os testes foram considerados nível de significância de 5% e intervalo de confiança de 95%.

Aspectos éticos

Os preceitos éticos vigentes foram seguidos nessa investigação, assim como a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa após autorização das universidades estaduais, com Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) nº 03990518.5.0000.5231. Os pesquisados que participaram por meio da mídia eletrônica tiveram acesso aos instrumentos após concordar com e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e por via telefônica, o consentimento foi gravado, após a leitura do mesmo.

Resultados

Dos 150 servidores aposentados por invalidez elegíveis para o estudo, 80 concordaram em participar 15,0% eram professores de ensino superior e 85,0% eram técnicos-administrativos, sendo de nível superior (5,0%), médio (43,8%) e operacional (36,3%). A maioria era do sexo feminino (65%), sem relacionamento conjugal (77,5%), com ao menos um problema de saúde atual (93,8%) e em uso contínuo de medicação (92,5%). A idade e o tempo de aposentadoria foram, em média, 59,83 (±8,98) e 8,31 (±3,76) anos. De acordo com a cotação da média do dólar (US$1 = R$5,09) no ano de 2020¹⁷, a renda mensal variou entre US$235,76 (R$1.200,00) e US$6,876.23 (R$35.000,00), com média de US$1,073.92 (R$5.466,25). Quanto aos hábitos de vida, 10% faziam uso excessivo de bebidas alcoólicas, 65% eram sedentários e 23,8% tabagistas.

As medidas descritivas do WHOQOL-DIS encontram-se expressas na Tabela 1, sendo a maior média apresentada no domínio autonomia e a menor média no domínio físico.

Tabela 1
Medidas descritivas do WHOQOL-DIS^* dos aposentados por invalidez de universidades públicas estaduais (n=80). Paraná, Brasil, 2019-2020

WHOQOL-DIS*	Média	Desvio padrão	Mediana	Intervalo interquartílico
Overall	50,16	28,02	50,00	25,00-75,00
Físico	46,74	21,40	46,43	28,57-64,29
Psicológico	54,64	23,31	54,17	33,33-73,96
Relações Sociais	55,83	28,11	54,17	33,33-75,00
Meio Ambiente	62,89	15,69	62,50	53,13-71,88
Overall-Disabilities	63,43	20,57	67,71	47,92-81,25
Discriminação	65,78	23,56	66,67	50,00-83,33
Autonomia	75,99	25,30	83,33	66,67-100,00
Inclusão	55,94	23,73	58,33	37,50-70,83

• *World Health Organization Quality of Life - Disabilities

Os domínios do WHOQOL-DIS apresentaram correlações com as variáveis de caracterização sociodemográficas, clínicas e ocupacionais conforme descrito na Tabela 2.

Tabela 2
P-valores^* das correlações de Pearson do WHOQOL-DIS^† com as variáveis de caracterização dos aposentados por invalidez de universidades públicas estaduais (n=80). Paraná, Brasil, 2019-2020

Variáveis	Overall	Físico	Psicológico	Relações sociais	Meio ambiente	Overall-Disabilities	Discriminação	Autonomia	Inclusão
Idade	0,22	0,32	<0,01	0,06	0,01	0,08	0,27	0,70	0,02
Sexo	<0,01	0,03	<0,01	0,16	0,30	0,03	<0,01	0,23	0,10
Relacionamento conjugal	0,22	0,46	0,11	0,02	0,20	0,30	0,48	0,55	0,08
Ter dependentes	0,88	0,45	0,11	0,33	0,50	0,47	0,28	0,93	0,06
Renda mensal	0,40	0,52	0,73	0,88	0,07	0,72	0,24	0,85	0,89
Uso excessivo de álcool	0,19	0,26	0,59	0,35	1,00	0,96	0,61	0,81	0,98
Prática de atividade física	0,19	0,60	0,21	0,23	0,17	0,58	0,57	0,61	0,68
Tabagismo	0,15	0,26	<0,01	<0,01	<0,01	0,02	1,00	0,20	<0,01
Tipo de carreira	0,26	0,71	0,25	0,55	0,35	0,53	0,41	0,86	0,56
Problemas geniturinários	0,17	0,46	0,16	0,28	0,33	0,53	0,66	0,80	0,46
Problemas osteomusculares	0,39	0,13	0,68	0,43	0,50	0,48	0,74	0,46	0,34
Problemas respiratórios	0,34	0,18	0,15	<0,05	0,14	0,32	0,65	0,60	0,22
Problemas circulatórios	0,96	0,68	<0,01	<0,01	0,12	0,08	0,32	0,83	0,01
Problemas nos olhos	0,15	0,97	0,15	0,25	0,90	0,17	0,93	0,08	0,15
Problemas no sistema nervoso	0,03	0,46	0,01	0,13	<0,01	0,03	0,10	0,23	0,02
Transtornos mentais e Comportamentais	0,16	0,36	<0,01	<0,01	0,04	<0,01	0,02	0,20	<0,01
Problemas endócrinos ou Nutricionais	0,35	0,70	<0,05	0,28	0,87	0,42	0,77	0,84	0,25
Doenças infecciosas ou Parasitárias	0,20	0,28	0,59	0,77	0,38	0,62	0,65	0,45	0,82
Neoplasias	0,17	0,62	0,85	1,00	0,45	0,77	0,99	0,98	0,61
Uso de medicação contínua	0,06	0,02	0,12	0,27	0,60	0,15	0,04	0,55	0,26

• *Coeficiente de correlação de Pearson; ^†World Health Organization Quality of Life - Disabilities

Os modelos múltiplos dos domínios do WHOQOL-DIS estão apresentados na Tabela 3.

Tabela 3
Modelos múltiplos de regressão linear bruta e ajustada das dimensões e facetas do WHOQOL-DIS^* entre os aposentados por invalidez de universidades públicas estaduais (n=80). Paraná, Brasil, 2019-2020

Modelos múltiplos†	Beta	p-valor	Intervalo de confiança 95%		Beta	p-valor	Intervalo de confiança 95%
Overall (R 2 =0,201)
Problemas no sistema nervoso	-0,26	0,02	-4,17	-46,52	-0,25	0,02	-4,39	-45,44
Uso de medicação contínua	-0,23	0,03	-47,47	-2,03	-0,21	<0,05	-44,12	-0,31
Sexo					0,11	0,30	-5,52	17,67
Idade					-0,27	0,01	-3,78	-28,01
Físico (R 2 =0,115)
Uso de medicação contínua	-0,25	0,03	-37,87	-2,64	-0,23	0,04	-36,00	-1,15
Sexo					-0,05	0,65	-11,30	7,05
Idade					-0,23	0,04	-0,52	-19,83
Psicológico (R 2 =0,302)
Transtornos mentais e comportamentais	-0,28	0,01	-24,28	-3,03	-0,21	<0,05	-20,77	-0,08
Tabagismo	-0,27	0,02	-26,67	-2,85	-0,31	<0,01	-28,57	-5,62
Sexo					0,15	0,12	-1,84	16,16
Idade					-0,25	0,01	-2,73	-21,74
Relações Sociais (R 2 =0,378)
Tabagismo	-0,46	<0,01	-42,64	-17,63	-0,465	<0,01	-43,07	-17,93
Problemas respiratórios	-0,23	0,02	-74,24	-7,19	-0,214	0,03	-71,99	-4,55
Problemas circulatórios	-0,22	0,03	-1,53	-23,12	-0,21	0,03	-0,99	-22,74
Sexo					0,03	0,78	-8,90	11,80
Idade					0,13	0,16	-3,11	18,52
Meio Ambiente (R 2 =0,234)
Tabagismo	-0,31	<0,01	-19,14	-3,87	-0,33	<0,01	-19,77	-4,73
Problemas no sistema nervoso	-0,24	0,03	-1,71	-24,71	-0,22	0,04	-0,60	-23,40
Sexo					0,19	0,07	-0,54	12,23
Idade					0,12	0,25	-2,75	10,48
Overall-Disabilities (R2=0,161)
Transtornos mentais e comportamentais	-0,33	<0,01	-23,21	-4,97	-0,29	<0,01	-21,56	-3,39
Sexo					0,12	0,26	-3,69	13,51
Idade					-0,19	0,08	-0,96	-17,24
Discriminação (R 2 =0,169)
Transtornos mentais e comportamentais	-0,27	0,02	-23,73	-2,40	-0,21	<0,05	-20,87	-0,14
Sexo					0,10	0,36	-5,31	14,31
Idade					-0,29	<0,01	-4,07	-24,82
Inclusão (R 2 =0,246)
Tabagismo	-0,29	0,01	-28,07	-3,60	-0,32	<0,01	-29,80	-5,51
Transtornos mentais e comportamentais	-0,25	0,03	-23,13	-1,30	-0,20	<0,05	-20,88	1,03
Sexo					0,16	0,13	-2,18	16,87
Idade					0,15	0,16	-2,82	17,29

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  World Health Organization Quality of Life - Disabilities;^†Não houve modelo com variáveis significativas para o domínio autonomia do WHOQOL-DIS

Verificou-se que a QV geral diminuiu para os aposentados por problemas no sistema nervoso e em uso de medicamentos contínuos, sobretudo os mais idosos. A QV física diminuiu significativamente para os aposentados por Transtornos Mentais e Comportamentais (TMCs), principalmente os de idade mais avançada. A QV psicológica diminuiu significativamente para os tabagistas e aposentados por TMCs, também associados ao aumento da idade. A QV social foi significativamente reduzida para os tabagistas e aposentados por problemas respiratórios e circulatórios, independentemente de idade e sexo. A QV ambiental também foi reduzida para os tabagistas e aposentados por problemas no sistema nervoso, independentemente de idade e sexo.

A QV geral relacionada à incapacidade foi diminuída para os aposentados por TMCs, sobretudo os mais idosos. No domínio discriminação, aqueles aposentados por TMCs e de idade mais avançada apresentaram menor qualidade de vida. Similarmente, no domínio inclusão tiveram menores pontuações os aposentados por TMCs e os tabagistas.

Discussão

Os aposentados por invalidez investigados apresentaram escores reduzidos na QV. Os principais fatores que estiveram associados às menores pontuações da QV foram os TMCs e problemas do sistema nervoso, como causas de aposentadoria, e o tabagismo.

A prevalência das aposentadorias por invalidez está associada com as altas demandas de trabalho físico e com as más condições psicossociais de trabalho^18-19. Há evidências sobre altas demandas e ao baixo controle no trabalho como preditores para a aposentadoria por invalidez²⁰.

Acredita-se que a estrutura e a organização do serviço público são obstáculos para que o trabalhador tenha o controle sobre o trabalho desempenhado, contribuindo para os afastamentos precoces. Esses dados são análogos aos de outro estudo com aposentados por invalidez, o qual identificou que eles ainda eram pessoas em idades produtivas²¹. Esse fato provoca impactos no sistema previdenciário brasileiro que apresenta um histórico deficitário, como também, em déficits financeiros ao trabalhador, que, muitas vezes, não alcançou o tempo de contribuição necessário para perceber a aposentadoria integral²².

A idade abaixo do estabelecido para a aposentadoria entre os afastados por invalidez foi identificada em diferentes realidades, com diversos grupos de trabalhadores ao redor do mundo^21,23. Esse fato vem ratificar a importância dessa temática e o estabelecimento de medidas para a prevenção da saída precoce do mercado de trabalho.

A alta frequência de problemas de saúde e de uso de medicamentos deve-se à própria aposentadoria por invalidez resultante da incapacidade para o trabalho ocasionada pela evolução das doenças preexistentes. Há evidência que o tempo de afastamento por doença enquanto trabalhador ativo é preditor da aposentadoria por invalidez, independentemente da atividade desenvolvida²⁴, sendo necessário e urgente promover intervenções junto aos trabalhadores enquanto estão na ativa para evitar que caminhem para a incapacidade definitiva.

Os hábitos de vida também são determinantes para a saúde e QV. O sobrepeso, tabagismo, abuso de álcool, distúrbios do sono e pouca atividade física estão associadas à maior carga de doença, absenteísmo no trabalho e aposentadoria por invalidez^25-26.

Ao comparar os escores do WHOQOL-DIS dos aposentados por invalidez desse estudo com os dados normativos brasileiros da população geral do sul do Brasil²⁷, verificou-se que os aposentados investigados apresentaram escores menores em todos os domínios, indicando que a aposentadoria por invalidez pode levar a prejuízos na QV dos indivíduos.

Apesar das limitações que culminaram na invalidez, os aposentados pesquisados apresentaram escores mais elevados no domínio autonomia na avaliação das incapacidades, ou seja, os pesquisados consideram-se no controle de suas vidas e respeitados pelos que o cercam. Revisão sistemática sobre os fatores associados à autonomia em idosos identificou seu caráter multifatorial e biopsicossocial, sendo que entre as associações positivas da autonomia estão a melhor QV física e mental, a faixa etária entre 60 a 69 anos, a satisfação com a vida e as relações familiares²⁸.

O processo de envelhecimento promove a diminuição progressiva das funções biológicas, favorece o surgimento das DCNTs, assim como das complicações consequentes da falta de controle adequado dos problemas de saúde ao longo da vida. O tratamento estabelecido, muitas vezes, é realizado com mais de dois medicamentos. A polimedicação prejudica a QV e a capacidade funcional do indivíduo, pois além das reações adversas ocasionadas pelas interações medicamentosas, aumenta o risco para quedas e, consequentemente, à dependência familiar^29-30. O uso de medicações nesse estudo apresentou relação com a piora da QV relacionada ao aumento da idade, de encontro com a literatura.

No que concerne ao tabagismo, sabe-se que é oneroso para a saúde pública, visto que, está associado às mortes evitáveis e constitui um fator de risco importante para as doenças respiratórias, cardiovasculares e o câncer; somado a isso, a carga tabagística e o grau de dependência da nicotina relacionam- se com a piora da QV³¹. Tal afirmativa coaduna com os resultados do presente estudo, visto que o tabagismo contribuiu para menores pontuações da QV psicológica, social, ambiental e também no relativo à inclusão dos aposentados por invalidez, sendo um hábito de vida modificável e passível de intervenções para vencer o vício e, assim, colaborar para a melhora da QV dos aposentados por invalidez estudados.

Estudo realizado na China mostrou que para os fumantes, a probabilidade média de ter uma melhor QV foi 11,65% menor do que quando eles não fumavam e destacam que é necessário que as campanhas antitabagismo indiquem claramente o efeito negativo do uso do tabaco na QV das pessoas³².

No presente estudo, os domínios da QV afetados pelos TMCs independeram de sexo, mas estiveram associados ao aumento da idade. Estudo espanhol que avaliou a QV de pessoas com doença mental grave identificou que a média geral da QV no componente físico das mulheres foi significativamente menor que entre os homens, os fatores associados a QV também diferiram por sexo³³.

Cabe destacar que nem todas as pessoas acometidas pelos TMCs precisam se aposentar, e as universidades em estudo possuem um processo de readaptação laboral, sendo atribuídas funções compatíveis à sua condição de saúde sem perda de proventos. Sendo assim, se aposentam por invalidez apenas os incapacitados para o trabalho. Ademais, aposentados ou readaptados, as pessoas com TMCs precisam ser reintegradas ao processo da cidadania e de seus requisitos básicos, isto é, acessibilidade aos direitos sociais tais como: saúde, educação, assistência social, previdência, moradia, trabalho e renda, segurança alimentar, mobilidade e transporte público, e acesso às oportunidades sociais, culturais, esportivas e de turismo, lazer e inclusão digital, conforme previsto na Resolução nº 8 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) que dispõe sobre os TMCs e usuários de drogas e álcool, publicada no dia 14 de agosto de 2019, norma destinada a orientar políticas de saúde mental e/ou relativas ao uso problemático de álcool e outras drogas em todo o território nacional com foco especial em agentes e instituições estatais³⁴.

O impacto dos problemas de saúde respiratórios, circulatórios e do sistema nervoso na QV dos servidores reforça que são necessárias medidas de promoção de saúde e prevenção de complicações relacionadas às DCNTs, pois elas estão associadas à uma menor QV^27,35.

Destaca-se a influência do aumento da idade nos menores escores da QV entre a população estudada, indicando a necessidade de medidas prévias ao envelhecimento, pois a diminuição da capacidade funcional não é apenas ligada à idade cronológica, mas sofre grande influência do contexto de toda a vida do indivíduo, encontrando-se, nesse percurso, fatores modificáveis que podem ser trabalhados a fim de contribuir com um envelhecimento saudável e bem-estar, quando em idade avançada³⁶.

Cabe destacar a importância da área de conhecimento da saúde do trabalhador, em se tratando de estudos diversificados e complexos que intercedem nos fatores que protegem a saúde de quem trabalha e nos que podem influenciar o seu adoecimento, numa visão preventiva e de melhoria das condições laborais. Há uma gama de fatores que interferem na saúde das pessoas, entre eles, o envelhecimento e suas comorbidades. Assim sendo, é preciso que os gestores se atentem para as necessidades inerentes desse público e tracem estratégias que visem melhorar a QV dos mesmos, em especial quando estiverem exercendo suas atividades laborativas objetivando a promoção de saúde e a prevenção de agravos³⁷.

Essa pesquisa apresenta limitações relacionadas ao método, não permitindo a generalização dos resultados. Outros limites dizem respeito à pouca literatura sobre a temática da QV com aposentados por motivos de saúde e à pandemia da COVID-19, dificultando a coleta de dados presenciais o que pode ter favorecido nas recusas de participação. Porém, o estudo avança e traz contribuições significativas acadêmicas e sociais, visto que mostra aspectos da aposentadoria por invalidez que levaram a prejuízos na QV dos servidores de universidades públicas estaduais. Revela, ainda, que há fatores modificáveis que podem ser trabalhados anteriormente à incapacidade para o trabalho. Sugere-se a realização de mais estudos sobre o tema para melhor compreensão do fenômeno no território nacional.

Conclusão

Os participantes do estudo apresentaram prejuízos em sua QV, sendo que o uso de medicamentos, o tabagismo, as aposentadorias motivadas por problemas do sistema nervoso, circulatório, respiratório e, principalmente, os TMCs, estiveram associados negativamente em diversos domínios da QV independente do sexo, mas em alguns domínios foram associados ao aumento da idade.

Assim, reforça-se que é preciso planejamento e implementação de políticas públicas para melhorar a QV do trabalhador evitando aposentadorias por invalidez, ressaltando-se também que os gestores locais, em conjunto com os trabalhadores, devem buscar ações para prevenir doenças e agravos à saúde e, por sua vez, aumentar as chances de promoção e bem-estar à saúde, impedindo aposentadorias precoces.

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• Trabalho acadêmico associado

  Artigo extraído da tese de doutorado “Qualidade de vida de servidores de universidades estaduais públicas aposentados por invalidez”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Estadual do Londrina, Londrina, PR, Brasil.

Editado por

Editora Associada

Sueli Aparecida Frari Galera

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  30 Jan 2023
• Data do Fascículo
  Jan-Dec 2023

Histórico

• Recebido
  25 Fev 2022
• Aceito
  18 Ago 2022