Tecnologias da informação como apoio organizacional das ações de enfrentamento da COVID-19: discurso de enfermeiros

Resumo

Objetivo:

analisar o discurso de enfermeiros acerca das potencialidades na utilização das tecnologias da informação como apoio organizacional das ações de enfrentamento da COVID-19 na Atenção Primária à Saúde.

Método:

estudo qualitativo e exploratório, realizado nas unidades da Estratégia Saúde da Família, na cidade de João Pessoa, Paraíba, Brasil. A coleta de dados foi realizada de setembro a novembro de 2021 com 26 enfermeiros selecionados por meio da snowball technique, utilizando-se de roteiro de entrevista semiestruturado. O material empírico foi organizado no software Atlas.ti 9 e fundamentado com base no aporte teórico-metodológico da Análise do Discurso de linha francesa.

Resultados:

evidenciaram-se três blocos discursivos: inovação a partir das mídias sociais; ações de educação em saúde; resolutividade nas ações organizacionais, apresentando a relevância dos aplicativos WhatsApp^®, Instagram^® e Facebook^® como recursos estratégicos, de forma a colaborar para a área de Atenção Primária à Saúde com a organização das ações de saúde frente à COVID-19 por enfermeiros.

Conclusão:

as unidades de saúde possuem potencial para fortalecer a assistência por meio dos dispositivos organizacionais digitais, no entanto, necessitam de apoio político que invista na estrutura e em estratégias para potencializar a organização das ações de saúde.

Descritores:
Enfermagem; Informática em Enfermagem; Tecnologia da Informação; Inovação Organizacional; COVID-19; Atenção Primária à Saúde

Abstract

Objective:

to analyze nurses’ discourse about the potentialities in using information technologies as organizational support for the COVID-19 coping actions in Primary Health Care.

Method:

a qualitative and exploratory study conducted in the Family Health Strategy units from the city of João Pessoa, Paraíba, Brazil. Data collection was carried out from September to November 2021 with 26 nurses selected through the snowball technique, resorting to a semi-structured interview script. The empirical material was organized in the Atlas.ti 9 software and grounded on the theoretical-methodological contribution of Discourse Analysis, French Line.

Results:

three discursive blocks were evidenced: innovation based on social media; health education actions; resoluteness in organizational actions, presenting the relevance of the WhatsApp^®, Instagram^® and Facebook^® apps as strategic resources, in order to collaborate in the Primary Health Care are with the organization of health actions against COVID-19 by nurses.

Conclusion:

health units have the potential to strengthen the assistance provided through digital organizational devices; however, they need political support that invests in the structure and strategies to enhance organization of the health actions.

Descriptors:
Nursing; Nursing Informatics; Information Technology; Organizational Innovation; COVID-19; Primary Health Care

Resumen

Objetivo:

analizar el discurso de los enfermeros sobre el potencial que tienen las tecnologías de la información como apoyo organizacional a las acciones en la lucha contra el COVID-19 en la Atención Primaria de Salud.

Método:

estudio cualitativo y exploratorio, realizado en unidades de la Estrategia Salud de la Familia, en la ciudad de João Pessoa, Paraíba, Brasil. La recolección de datos se realizó de septiembre a noviembre de 2021 con 26 enfermeros seleccionados mediante la técnica de bola de nieve, utilizando un formulario de entrevista semiestructurada. El material empírico fue organizado en el software Atlas.ti 9 y se basó en el aporte teórico-metodológico del Análisis del Discurso de la escuela francesa.

Resultados:

se observaron tres bloques discursivos: innovación desde las redes sociales; acciones de educación para la salud; resolutividad en las acciones organizacionales, que muestran la importancia de las aplicaciones WhatsApp^®, Instagram^® y Facebook^® como recursos estratégicos, que colaboran en el área de Atención Primaria de Salud con la organización de las acciones de salud contra el COVID-19 que llevan a cabo los enfermeros.

Conclusión:

las unidades de salud tienen potencial para fortalecer la atención a través de dispositivos organizacionales digitales, pero necesitan apoyo político que invierta en la estructura y en estrategias para mejorar la organización de las acciones de salud.

Descriptores:
Enfermería; Informática en Enfermería; Tecnología de la Información; Innovación Organizacional; COVID-19; Atención Primaria de Salud

Destaques:

(1) Reflexões acerca do apoio organizacional das TIs para ações frente à COVID-19.

(2) TIs como facilitadoras das ações de saúde frente à COVID-19, garantindo o distanciamento.

(3) Geração de dados relacionados ao uso das TIs por enfermeiros frente à COVID-19 na APS.

Introdução

A pandemia ocasionada pelo SARS-CoV-2 representa um dos maiores acontecimentos sanitários desde a gripe espanhola de 1918, tendo efeitos maiores que a pandemia do HIV/aids nos anos 80 devido às grandes proporções sociais, econômicas e humanitárias¹. Até o dia 05 de julho de 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) registrou 548.990.094 casos da COVID-19 mundialmente². No Brasil, na mesma faixa temporal, foram confirmados 32.687.68 casos³.

Ante este cenário pandêmico, observou-se em diversos países do mundo, inclusive, no Brasil, a centralização do enfrentamento da pandemia alinhadas com o cuidado individual em âmbito hospitalar, entretanto, não foi suficiente para atender, isoladamente, a necessidade sanitária adequada e oportuna. Assim, visto a necessidade de capilarização da assistência, destacou-se a reorganização dos serviços de Atenção Primária à Saúde (APS) na descentralização dos casos leves da COVID-19 devido a quantidade de casos pela infecção e ampliação de acesso para o usuário em virtude de a APS ser considerada como a porta preferencial de entrada e eixo ordenador do Sistema Único de Saúde (SUS)^4-5.

Para potencializar a descentralização e ampliar o cenário de atendimento à COVID-19, o Ministério da Saúde (MS) estimulou o uso da tecnologia da informação (TI) por meio da Portaria n.º 467, de 20 de março de 2020⁶. A TI é vista como um arranjo organizacional que favorece a capacidade de promover a equidade da atenção integral à saúde, otimizar as práxis do cuidado em saúde e auxiliar a produção de conhecimento e ampliação da intercomunicação da APS com os outros níveis de atenção⁷.

Em contrapartida, o excesso de informações e notícias produzidas sobre a COVID-19 se tornou preocupante durante a pandemia. Tal situação é conceituada como infodemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), estando relacionada à demasia de informações, algumas precisas e outras não, o que dificulta o alcance e localização de fontes idôneas e orientações confiáveis, favorecendo a desinformação da população⁸.

Nesse contexto, o enfermeiro é um dos profissionais da saúde com potencial no enfrentamento à pandemia da COVID-19, atuação estratégica no combate à infodemia e utilização eficaz da TI, considerando a posição de destaque nas práticas assistenciais individuais e coletivas que se somam às atividades gerenciais com responsabilidade técnica da equipe de enfermagem das Unidades de Saúde. Entretanto, este profissional nem sempre tem acesso equânime à TI, o que fragiliza as políticas de saúde direcionadas ao atendimento da COVID-19 na APS^9-10.

Em revisão da literatura acerca das utilizações das TIs por enfermeiros no enfrentamento à COVID-19, observaram-se benefícios no que tange à classificação de pacientes e dimensionamento de profissionais de enfermagem¹¹, otimização da assistência ao paciente em isolamento¹², organização do cuidado¹³ e telenfermagem como ferramenta de apoio para promoção da saúde materna¹⁴, sendo todos incluídos na perspectiva hospitalar.

Ressalta-se que não foram localizados estudos acerca da temática no âmbito da APS que analisassem os sentidos ligados ao discurso de enfermeiros de forma a justificar o delineamento e necessidade da presente pesquisa para suprir esta lacuna na literatura nacional e internacional.

Em face da problematização supracitada, evidencia-se a necessidade de difundir reflexões a respeito da atuação dos enfermeiros na assistência ao uso das TIs e, dentre elas, as que potencializam a organização das ações de saúde no enfrentamento à COVID-19, com destaque para o registro de dados diagnósticos, implementação de intervenções preventivas, contribuição nas ações assistenciais, otimização do tempo e qualificação dos serviços prestados.

Logo, a pesquisa apresentou o seguinte questionamento: O que sinalizam os discursos dos enfermeiros sobre as potencialidades da utilização das TIs na gestão de enfrentamento da COVID-19 na APS? Assim, este estudo tem como objetivo analisar o discurso de enfermeiros acerca das potencialidades na utilização das tecnologias da informação como apoio organizacional das ações de enfrentamento da COVID-19 na Atenção Primária à Saúde.

Método

Delineamento do estudo

Estudo com abordagem qualitativa e delineamento exploratório, fundamentado no aporte teórico-metodológico da Análise do Discurso (AD), de Linha Francesa, respaldado nos constructos teóricos de Michel Pêcheux.

Este dispositivo analítico propõe compreender os processos de produção de sentidos, correlacionando-os com a língua, a ideologia e o sujeito favorecedor da compreensão dos efeitos que a língua provê dos sentidos por e para sujeitos. Sem a emissão de juízo à linguagem, a AD permite a análise por meio de um sujeito inconsciente, denotando o processo de construção através da língua¹⁵.

Durante a elaboração e execução da pesquisa, utilizaram-se as recomendações do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ) mediante check list disponibilizado pela rede EQUATOR (https://www.equator-network.org/).

Cenário da pesquisa

A pesquisa foi realizada nas unidades da Estratégia Saúde da Família (ESF) distribuídas nos cinco Distritos Sanitários (DSs) do município de João Pessoa, capital do estado da Paraíba. A ESF se configura como política prioritária na região, perfazendo uma cobertura populacional de 90% que abrange 211 equipes de saúde, além de sua magnitude territorial organizada em DSs que adotam o uso das TIs como suporte para intervenção das ações de enfrentamento da COVID-19, justificando a escolha deste cenário. O acesso à rede de internet local é facultado, em sua maioria, por dados móveis de recursos próprios dos enfermeiros.

Participantes do estudo e critérios de seleção

A seleção dos participantes do estudo se deu por intermédio da snowball technique, também chamada de bola de neve ou cadeia de referência, de forma a possibilitar o reconhecimento não aleatório de novos participantes. Esta técnica valoriza a qualidade da amostra, considerando o conhecimento e vivência do participante no que tange ao objeto de pesquisa de modo a se atingir um consenso de ideias especializadas¹⁶.

Assim, selecionou-se a informante-chave de modo intencional: enfermeira com cargo efetivo, que exerce mais de 20 anos de atividade laboral na APS com extensa rede de contatos no campo cujas características justificaram sua escolha. Desse modo, solicitou-se à informante-chave a recomendação de novos participantes com perfil de indivíduos com possibilidade de atender aos critérios de composição da amostra, sinalizando os nomes, contatos e endereços eletrônicos. Os participantes indicados também realizaram a sugestão de novas pessoas e, assim, sucessivamente.

Ressalta-se a aplicação da técnica de saturação teórica nos discursos, em que, por meio da rede de contatos com 38 enfermeiros, foi implementado um processo contínuo de análise dos dados durante o andamento das entrevistas, descrito pelo distanciamento de novos elementos no discurso, resultando na amostra final de 26 participantes. Dessa forma, foi obtido o quantitativo de profissionais especializados na temática que se enquadravam nos parâmetros do estudo, sem, contudo, abranger o quantitativo total de equipes da ESF do município.

A seleção atendeu aos seguintes critérios: enfermeiros com atuação mínima de um ano em ESF de referência à COVID-19 no sistema local de saúde, além de ter experiência com TI na organização de ações de saúde em face da COVID-19. Contudo, foram excluídos da pesquisa os enfermeiros que estiveram de licença e/ou férias no período da coleta.

Coleta de dados

Os dados foram coletados entre os meses de setembro e novembro de 2021, exclusivamente pela autora principal, a fim de minimizar vieses por múltiplos coletores. A pesquisadora possui experiência prática na APS e na condução de coleta e análise de dados qualitativos, porém, sem vínculo trabalhista ou pessoal com os participantes do estudo.

Em virtude da restrição social gerada pela pandemia da COVID-19, os contatos prévios com os participantes foram estabelecidos inicialmente por meio de aplicativo de mensagens WhatsApp^® para apresentação do projeto. A partir disso, realizou-se estudo-piloto visando avaliar, testar, aprimorar e retificar o roteiro de entrevista semiestruturado para coleta de dados, definido em cinco entrevistas, uma em cada DS do cenário de pesquisa. Este proporcionou reflexão e refinamento da questão, resultando na seguinte pergunta: considerando sua vivência, poderia dizer as potencialidades identificadas no uso das tecnologias da informação em relação à organização das ações de saúde no serviço para o enfrentamento da COVID-19? Além disso, o instrumento contemplou as seguintes variáveis sociodemográficas: faixa etária; sexo; estado civil; religião; vínculo empregatício; tempo de atuação; e especialização.

As entrevistas foram agendadas, previamente, conforme disponibilidade do participante, sendo realizadas em ambiente privativo de acordo com a escolha de cada participante nos turnos da manhã e tarde. As entrevistas foram gravadas com auxílio do aplicativo “Gravador de voz” em um smartphone, com média de 30 minutos, de forma presencial, estando em conformidade com as medidas de biossegurança estabelecidas pelo MS relativa à COVID-19.

Depois da fase de transcrição, com auxílio do editor de texto Google Docs, utilizando a ferramenta “digitador por voz”, foi realizada a codificação das entrevistas. Tendo em vista a confiabilidade dos dados, todas as transcrições foram revisadas, de forma independente, por dois autores, dos quais, após reunião com terceiro autor, resultou o corpus discursivo do estudo. Preservou-se o anonimato dos participantes cujos nomes foram paraninfados com a sigla E, fazendo menção à categoria profissional “enfermagem”, seguido de algarismo arábico selecionado de forma aleatória (p. ex. E1, E2 a E26).

Tratamento e análise dos dados

Os dados foram processados com auxílio do software Atlas.ti, versão 9.0. Este recurso tecnológico colabora para o rigor e a cientificidade na interpretação dos sentidos dos discursos transcritos, contribuindo para o manejo do processo de organização dos dados. Dessa forma, gerou-se uma coletânea de discursos transcritos, salvos em documento do Word e, posteriormente, alojados no software Atlas.ti, no qual foram criados quotes (códigos) adequados para os fragmentos discursivos em análise. Assim, o software não influenciou a delimitação de fragmentos nem na criação de quotes, mas, unicamente beneficiou na organização dos dados.

Para análise dos dados, adotou-se a AD de linha francesa, a qual se desenvolve em dois momentos complementares e distintos: a análise em si e a transcrição da análise¹⁵.

No primeiro momento, o qual correspondeu à análise em si, realizou-se a circunscrição do conceito-análise, objetivando, também verificar a análise e a saturação determinada pela recorrência do discurso a ponto de ser encerrada. Dessa forma, o corpus discursivo foi definido, inicialmente, por meio de leitura flutuante, realizada sem muita ênfase, sucedido por leitura analítica, tendo em vista assistir a analista na compreensão dos sentidos que respondam às seguintes questões heurísticas: 1. Qual é o conceito-análise presente no texto? 2. Como o texto constrói o conceito-análise? 3. A que discurso pertence o conceito-análise construído da forma que o texto constrói?¹⁵.

O conceito-análise definido neste estudo foi “potencialidades na utilização da TI para organizar as ações de saúde no enfrentamento da COVID-19”. Esse conceito se embasa nas marcas textuais identificadas no corpus discursivo. A seguir, buscou-se identificar as percepções atribuídas pelos enfermeiros com base em leituras exaustivas, possibilitando o reconhecimento dos sentidos atrelados às marcas textuais identificadas até que se procedeu à saturação de significados, de forma a evidenciar o funcionamento da ideologia na textualização¹⁵.

No segundo momento, ocorreu a escrita da análise mediante contextualização e elucidação da temática, além da explicação do dispositivo teórico-analítico. Assim, compreenderam-se os pressupostos teóricos que sustentam o relato da análise como: descrição e interpretação relativos ao percurso dos discursos retirados do corpus; o retorno da análise, definido pelo instante em que a devolutiva do conteúdo que vem do social deve voltar para o social; e referência, concernente aos anexos e apêndices¹⁵.

Aspectos éticos

A pesquisa pôde ser executada na APS após obtenção de anuência da Secretaria Municipal de Saúde e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, sob número de protocolo 4.827.540 e Certificado de Apresentação de Apreciação Ética n.º 47670621900005188. Cientes dos objetivos, benefícios e riscos da pesquisa, todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e o estudo foi desenvolvido obedecendo a todos os preceitos éticos da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados

Participaram 26 entrevistados que tinham entre 23 e 60 anos. O sexo feminino prevaleceu, tendo apenas um representante do sexo masculino na amostra final. A maioria dos enfermeiros se declarou adepto da religião católica, casado, com vínculo empregatício predominantemente como prestador de serviço, com duração entre 1 e 35 anos, exerce atividade laboral de 40 horas semanais, em que apenas uma das entrevistadas não possuía pós-graduação.

Seguindo a linha de interpretação dos sentidos, foi visto que todos os enfermeiros entrevistados utilizaram as mídias sociais WhatsApp^®, Instagram^® e Facebook^® para desenvolver as ações de saúde no momento da pandemia. Esta conduta potencializou as ações de saúde e organizacionais destinadas aos usuários acometidos pela doença em isolamento social e dos usuários que procuravam as ESFs com outras demandas de saúde. Além disso, possibilitou tornar as informações fidedignas, orientadas pela OMS e MS, proporcionando a minimização da infodemia que se multiplicou exponencialmente.

Destarte, para desenvolver tais atividades no meio midiático, faz-se necessário conexão constante com a internet, no entanto, um fragmento discursivo sinalizou na fala da maioria dos participantes do estudo que “a gente tem que usar os nossos dados móveis para fazer essas ações”. No momento da pandemia, como os enfermeiros não tinham à sua disposição internet e computador, tinham que desenvolver todas as atividades com recursos próprios bem como alguns enfermeiros tinham dificuldade no manuseio das redes sociais.

Com base na análise das falas dos participantes, emergiram os seguintes blocos discursivos: inovação das ações de saúde por meio das mídias sociais; ações de educação em saúde em face da pandemia; e resolutividade nas ações organizacionais.

Inovação das ações de saúde por meio das mídias sociais

Os discursos sinalizam que as TIs utilizada pelos enfermeiros foram as mídias sociais, e que as mesmas potencializaram e aumentaram a capilarização da assistência e organização das ações de saúde. Com base na sequência discursiva relacionada aos códigos WhatsApp^®, Instagram^® e Facebook^®, destacam-se os seguintes recortes:

[...] fazer um vídeo, um desenho, uma experiência muito boa, muito bacana foi a gente fazer essas figurinhas e transformá-las, traduzi-las e levá-las para a linguagem de libras. Então a gente conseguia fazer isso através de vídeos e a gente até fez um vídeo com os funcionários mostrando com as figurinhas. (E2)

[...] a gente faz as notificações dos usuários (envia a foto pelo WhatsApp^®), que tem sintomas de COVID-19 ou que estão com COVID-19 e atualmente também a gente está utilizando o aplicativo da vacina, de agendamento de vacina. (E7)

[...] a página é Facebook^® e Instagram^®, a gente tem os dois, mas a gente divulga muito vídeo pelo Instagram^®. O mais aceito é o Instagram^®, com certeza! tem uma visualização bem maior do que o Facebook^® (E11)

[...] esses pacientes entre os colegas de trabalho e a gente fazia o monitoramento desses pacientes através ou telefone ou WhatsApp^® [...] (E13)

[...] eu acho que eu nem sei mais trabalhar sem WhatsApp^® com as minhas usuárias, eu não sei mais. Agendo citológico, agendo pré-natal, acompanho, pergunto como elas estão, inclusive todas as cadernetas, eu colo, eu coloco o telefone atrás, porque eu digo para elas: precisou, fale. (E14)

[...] parte do WhatsApp^® e de ligações mesmo a gente conseguia captar esses usuários para eles virem realizar o teste aqui na unidade, deixar marcado e visualizar a causa, se vai ter alguma piora do quadro ele se direcionava para um serviço de atenção secundária [...] (E24)

Ações de educação em saúde

Seguindo a linha de interpretação dos efeitos de sentidos, os enfermeiros mencionaram em seus discursos situações que materializam a utilização das TIs para desenvolver Ações de Educação em Saúde através dos códigos capacitação profissional e educação em saúde que foram identificados no bloco discursivo a partir dos fragmentos a seguir:

Os pacientes não foram perdidos de vista, a gente tem contato com esses pacientes até hoje, o grupo ainda está ativo, então eles tiram dúvidas, então é sempre uma ação de saúde diária [...] (E1)

[...] em contrapartida dessa parte dessas fake news a gente via também que tinha muita informação que estava acessível e que as pessoas podiam se orientar através delas [...] (E8)

[...] ele organizou (o distrito sanitário) foi é fazendo algumas capacitações que houve logo no início e através também dessas reuniões remotas [...] (E15)

[...] a gente tem reunião, tem capacitação que ajuda, que no tempo (pandemia) a gente ficou fazendo acompanhamento através de planilhas também, para o preenchimento das fichas de notificação da COVID-19 [...] (E18)

[...] tem aulas que são online, na verdade aula não, capacitações que a gente também faz parte, assiste regularmente às vezes, também a gente já teve debates online ... dessa forma. (E22)

Resolutividade nas ações organizacionais

Foram evidenciados nos discursos dispositivos organizacionais que otimizam a oferta e organização das ações de saúde por meio dos códigos, de informações rápidas, vínculo e monitoramento pelos quais os enfermeiros assumiram a estratégia de comunicação e solução de problemas através das TIs, como é enunciado nas entrelinhas dos recortes a seguir:

Acho que a praticidade, a rapidez em a gente recolher, trazer essa informação, isso é um ponto positivo, prático e ser rápido, a gente consegue mais rápido [...] (E9)

[...] a questão da comunicação, de facilitar aquele usuário, da gente chegar mais perto mesmo virtualmente [...] (E10)

Ah! Me dá acesso a muita coisa... Inclusive acho que facilita até a gente resolver, a resolutividade das coisas, das ações, porque cada agente de saúde ele tinha sua pastinha então ele mesmo alimentava e todas essas informações. (E16)

Porque é mais rápido não é tudo a gente faz com mais rapidez inclusive até o futuro prontuário eletrônico do cidadão (PEC) vai nos facilitar bastante [...] (E26).

Discussão

A gestão local atua conforme orientação do MS e reconhece que o acompanhamento dos casos leves da COVID-19 é de responsabilidade da APS, contemplando o preconizado pelas diretrizes organizacionais do SUS. Desse modo, garante o fluxo organizacional, segmento indispensável para o enfrentamento da COVID-19 do município em questão.

Ante esse cenário desafiador, os enfermeiros da APS, para garantirem o distanciamento social, sinalizaram em seus posicionamentos discursivos a utilização das ferramentas midiáticas WhatsApp^®, Instagram^® e Facebook^® durante a pandemia, a fim de organizar as suas ações de saúde afloradas em suas falas atreladas à Inovação por meio de mídias sociais.

É visto que a utilização das ferramentas midiáticas é implantada de maneira crescente, tornando-se uma prática gradativa entre os profissionais de saúde. Estudo reconhece a utilização das mídias sociais no cenário internacional como arranjos organizacionais para a disseminação e fornecimento de informações de saúde, promoção de projetos de pesquisa e otimização da educação dos profissionais e estudantes, a exemplo do Facebook^®, Twitter^®, Instagram^® e YouTube^®17.

O WhatsApp^® é considerado um dispositivo eficaz para desenvolver a telemedicina e telessaúde, esta atividade foi normatizada para os enfermeiros em março de 2020 por intermédio da Resolução Cofen 634/2020. Assim, no estudo desenvolvido em um município do nordeste, considerou-se que as evidências são convincentes para que o aplicativo seja uma via para o cuidado à saúde a ser utilizado entre os profissionais e usuários. Um serviço de telenfermagem com apoio do WhatsApp^® em tempos de pandemia foi criado e possibilitou promover a saúde de uma população vulnerável às complicações da COVID-19 bem como o desenvolvimento das ações de saúde, superação de barreiras geográficas, acolhimento com segurança e acompanhamento¹⁴.

Atinente a essa questão, foi evidenciado que países como Índia¹⁸, Estados Unidos¹⁹ e Israel²⁰ utilizam WhatsApp^® para viabilizar as ações de saúde que, de acordo com estudo realizado, obtiveram retorno positivo em relação às opiniões em tempo real, comunicação rápida e que as informações podem ser ofertadas independentemente da presença da equipe¹⁴.

O Instagram^® foi utilizado pelos enfermeiros do estudo na perspectiva de organizar as ações de saúde, desenvolver atividades de educação em saúde e combater a infodemia que acontecia na pandemia por meio de informações mais fidedignas através das lives.

Na Indonésia, dois estudos mostraram que o Instagram^® foi utilizado para monitorar a progressão da pandemia da COVID-19, anunciar restrições e políticas públicas, conselhos de saúde ou divulgar informações médicas e disseminação geográfica da COVID-19, além de possibilitar a criação de pôster de saúde pública direcionado para os usuários com doenças crônicas²¹.

Destarte, para que a utilização desta ferramenta seja efetiva, há a necessidade de desenvolver estratégias que estimulem a participação dos usuários como observado na pesquisa²², que realizou comparativo entre os perfis do Instagram^® do Serviço Nacional de Saúde do Portugal com a do Ministério da Saúde do Brasil, sendo observada a não interação em Portugal, e redução da interação dos seguidores no Brasil. Dessa forma, destaca-se a necessidade de refinar estratégias de comunicação com escopo no aumento do alcance e estimulação da participação social por meio de textos informativos, imagens atrativas, hashtags adequadas ao texto e planejamento de postagens²².

De maneira tímida, apenas uma participante deste estudo mencionou que a unidade onde ela trabalha possui Facebook^®, mesmo preferindo utilizar o Instagram^®, pois a mesma sente que a participação da unidade é mais efetiva no mesmo. No entanto, a literatura aborda que o Facebook^® permite a troca de mensagens e que o mesmo ainda é considerado, dentre as redes sociais, uma das mais populares mundialmente devido ao fato de possuir mais de um bilhão de usuários²³.

Destarte, em um estado no sul do Brasil, o Facebook^® foi utilizado como um ambiente de aprendizado para a formação de grupos destinados à troca de insumos e postagens de conteúdos específicos. Isto reforça que o uso de estratégias educativas inovadoras potencializa o desenvolvimento das ações de saúde, pois proporciona a interação social e o conhecimento que, por sua vez, implica habilidades e atitudes para o autocuidado, facilitando o entendimento do usuário de seu papel no cuidado à saúde²³.

Os fragmentos discursivos dos enunciados relacionados às Ações de educação em saúde identificaram nas falas alusão à educação em saúde na perspectiva de capacitação profissional para combater as fake news.

A educação em saúde é compreendida como a capacitação profissional ou do usuário para a adoção de ações benéficas à saúde coletiva e individual²⁴. Em um estado do nordeste brasileiro, desenvolveram-se transmissões on-line através do Instagram^®, sem perder de vista os pilares estruturantes das políticas públicas vigentes no SUS, temas educativos que apontam possibilidades promissoras para a continuação do fluxo de capacitação em saúde. A utilização de lives modificou as formas de ensinar e aprender, possibilitou a comunicação virtual, proporcionou interações no tempo e nos ritmos diferentes entre quem aprende e quem ensina, e, no espaço com maior liberdade de adaptação, ampliou a interdisciplinaridade e a rede de contato com corpos fisicamente distantes²⁵.

Outro estudo no nordeste do Brasil apontou que os enfermeiros reconhecem a Educação em Saúde como estratégia importante para a qualificação da assistência à saúde, entretanto, há um entrave a respeito do interesse dos enfermeiros pela busca do seu processo contínuo de aprendizado, relacionado à sobrecarga de trabalho, falta de recursos humanos e materiais e à falta de motivação das lideranças²⁶.

Em paralelo com os resultados apontados pelo referido estudo, as TIs proporcionam uma comunicação instantânea, como foi observado em estudo desenvolvido em dois estados do sudeste brasileiro, em que as fakes news tornam os usuários mais susceptíveis às influências, destacando, como exemplo, pessoas com baixo grau de escolaridade e pouca renda familiar. Contrapondo-se ao estudo anteriormente mencionado, em Portugal, uma pesquisa apontou que os genitores que se recusaram a vacinar seus filhos e expressavam conceitos do movimento antivacina tinham graduação e boa renda familiar^27-29. A deturpação ocasionada pelas fake news é real e avassaladora, em virtude de as mídias sociais proporcionarem velocidade de difusão, pela qual indivíduo se torna suscetível às suas interpretações, quer seja de maneira positiva ou negativa, e isso independe da classe social ou grau de instrução escolar.

Assim, para findar a discussão, abordou-se o terceiro bloco discursivo, resolutividade nas ações organizacionais, relacionado a informações rápidas, ao vínculo e ao monitoramento.

Consoante a este estudo, uma pesquisa desenvolvida no estado do Paraná apontou a capacidade de desempenhar diversas atividades concomitantemente e se comunicar em tempo real como principais potencialidades no uso das TIs. Esta utilização propicia uma comunicação eficiente e constante entre os colaboradores, além da relação direta para conseguir resultados imediatos, a qual afeta positivamente a eficiência e o desenvolvimento do trabalho. Entretanto, foram identificados entraves como dificuldade de compreensão, diferenças culturais ou excesso de informações, que podem ocasionar distorção da percepção da mensagem³⁰.

A formação de vínculo abordada neste estudo está relacionada à singularidade da atenção e cuidado centrado na pessoa. É válido frisar que a utilização das TIs, para criar vínculo, é um achado de nosso estudo, uma vez que, de maneira tímida, foram encontrados artigos que versam a respeito dessa relação interpessoal, entretanto, sem a participação do enfermeiro nesse contexto de pandemia.

É visto que a TI é amplamente utilizada através da realização de consultas por meio de videochamada nos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, e China. No Brasil, as consultas online desde 15 de abril de 2020 vêm sendo consideradas como ferramenta que viabiliza e potencializa a criação do vínculo com o usuário nesse momento de pandemia, pois propicia laços interpessoais, de modo que o usuário se sinta seguro e acolhido mesmo de maneira remota³¹.

Foram identificadas experiências exitosas no cenário internacional a respeito do monitoramento dos casos da COVID-19. Dentre os países, estão África do Sul, França, Argentina, Estados Unidos, Coreia do Sul, China, Austrália, Itália, Cuba, Índia, Reino Unido e Singapura, os quais, embora possuam modelos de APS distintos, adotaram o monitoramento dos casos como pressuposto para o controle da transmissão da COVID-19, tendo como suporte os usuários e profissionais de APS, para otimizar o fluxo do cuidado e referenciar conforme necessidade os demais serviços de urgência ou hospitalares. Os Estados Unidos se destacam pelo fato de seu modelo de vigilância em saúde pública e de atenção à saúde ser diferente e fragmentado em cada estado, permitindo que a sua organização respeite a autonomia de cada condado e ente federado³¹.

Na América Latina, a Universidade Nacional de San Marcos, no Peru, realiza serviços de telemonitoramento para pacientes sintomáticos bem como na Argentina, o Hospital Italiano de Buenos Aires desenvolve teleconsultas sobre COVID-19. Além disso, o Hospital Nacional Arcebispo Loayza e o Instituto Nacional del Niño estão testando o telemonitoramento de pacientes com doenças crônicas. As iniciativas latino-americanas implicaram mudanças nas regulamentações para replicar experiências bem-sucedidas em seus países. Temos, como exemplo, o Brasil, que permite a utilização das TIs durante emergências de saúde pela COVID-19³².

Mais de três bilhões de pessoas foram submetidas à quarentena ou isolamento social. Perante este cenário, os dispositivos digitais são ideais para uso maciço por aperfeiçoar a acessibilidade aos usuários, dentre outras oportunidades que as ferramentas digitais oferecem, tais como, a busca pela dialógica, humanização, comunicação, desenvolvimento das ações de saúde e integralidade do cuidado de maneira que a TI, antes pouco preconizada, mostrou-se como uma significativa solução para o distanciamento³³.

As mídias sociais permitem a conexão com as pessoas, além de viabilizarem a interação entre usuários e enfermeiros através de expressão de opiniões, do compartilhamento de informações, participação em discussões e criação de conteúdo.

O presente estudo contribui para fomentar debates e reflexões sobre a utilização das TIs, para organizar e ofertar as ações de saúde, para a práxis da Enfermagem e a formação de enfermeiros que visem à utilização das TIs como uma prática essencial na perspectiva de uma assistência integral à saúde em virtude de estas tecnologias serem capazes de otimizar e qualificar a assistência oferecida ao paciente, além de aumentar a produtividade, melhorar os processos e a qualidade de atuação dos enfermeiros.

Quanto às limitações, vale destacar que os participantes da pesquisa correspondem apenas a um município com formações e características específicas, e, por se tratar de um estudo qualitativo, os resultados não podem ser generalizados.

Conclusão

Ao considerar as potencialidades das tecnologias da informação como apoio organizacional, este estudo descreveu como os enfermeiros da Atenção Primária à Saúde utilizam as mídias sociais na sua atuação profissional durante a pandemia da COVID-19, apresentando a relevância dos aplicativos WhatsApp^®, Instagram^® e Facebook^® como recurso estratégico, colaborando e facilitando a organização das ações de saúde, com a finalidade de reduzir as dificuldades no acesso do usuário. Os principais benefícios estiveram relacionados à inovação com base nas mídias sociais, ações de educação em saúde e resolutividade nas ações organizacionais, que passaram a ser desenvolvidas por meio destas ferramentas apenas após a pandemia, principalmente o WhatsApp^® que não era utilizado em razão do interesse em preservar a carga horária de trabalho e a privacidade do profissional em questão.

Por fim, conclui-se que a implementação das mídias sociais na atuação dos enfermeiros que compõem a Atenção Primária durante a pandemia da COVID-19 foi positiva, comprovando ser uma estratégia que viabiliza o desenvolvimento da organização nos serviços de saúde e nos processos de trabalho.

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• Trabalho acadêmico associado

  Artigo extraído da dissertação de mestrado “Tecnologias da informação utilizadas pelos enfermeiros da atenção primária à saúde para organizar as ações de saúde frente à COVID-19”, apresentada à Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB. Este artigo refere-se à chamada temática “Inovação na prática, no ensino ou na pesquisa em saúde e Enfermagem”.

• Financiamento

  Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Processo 133516/2020-2, Brasil.

Editado por

Editora Associada

Andrea Bernardes

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  27 Mar 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  25 Abr 2022
• Aceito
  29 Set 2022