Estratégias de ensino e aprendizagem na Terapia Enteral domiciliar: ganhos de conhecimentos percebidos por cuidadores

Resumo

Objetivo:

avaliar como diferentes estratégias educativas contribuem para ganhos de conhecimento percebidos por cuidadores de pessoas em uso da Terapia Nutricional Enteral.

Método:

estudo quase-experimental realizado em duas etapas; a primeira contemplou uma aula expositiva dialogada (AE) e a segunda aconteceu em dois grupos: treino de habilidades (TH) simulado in situ e leitura da cartilha educativa (CE). Os cuidadores responderam um questionário autoaplicável para avaliação de conhecimentos em pré e pós-intervenções; para a análise foi proposto um modelo linear generalizado com distribuição Poisson e as comparações foram realizadas por contrastes ortogonais.

Resultados:

participaram 30 cuidadores, observou-se evidência de diferença de conhecimento entre os tempos t₁ e t₀. A análise da comparação final sobre o aumento do conhecimento entre os grupos CE e TH, por teste t-Student, evidenciou uma diferença estimada de -1,33, com IC 95% (-4,98; 2,31) e valor de p de 0,46.

Conclusão:

ocorreu uma maior elevação de conhecimento entre os tempos t₁ e t₀, quando comparada os tempos t₂ e t₁ em ambos os grupos. Quando comparados, não podemos concluir que um dos grupos mudou mais que o outro em relação aos tempos t₀ e t₂; assim, o estudo evidenciou o ganho de conhecimento após todas as estratégias educativas nos dois grupos.

Descritores:
Educação em Saúde; Nutrição Enteral; Cuidadores; Cuidado Domiciliar; Aprendizagem; Ensino

Abstract

Objective:

to evaluate how different educational strategies contribute to knowledge gains perceived by caregivers of people using Enteral Nutritional Therapy.

Method:

a quasi-experimental study conducted in two stages: the first one included an interactive lecture class (LC) and the second was carried out in two groups: in-situ simulated skills training (ST) and reading of an educational booklet (EB). The caregivers answered a self-administered questionnaire to assess knowledge before and after the interventions; for the analysis, a generalized linear model with Poisson distribution was proposed and the comparisons were carried out using orthogonal contrasts.

Results:

the participants were 30 caregivers; evidence of a difference in knowledge between the t₁and t₀ moments is evidenced. The analysis of the final comparison about the knowledge gain between the EB and ST groups, according to Student’s t, evidenced an estimated difference of -1,33, with 95% CI (-4.98; 2.31) and p-value=0.46.

Conclusion:

knowledge was further increased between the t₁ and t₀ moments, when compared to the t₂ and t₁ moments in both groups. When compared, we cannot conclude that one of the groups changed more than the other in relation to moment t₀ and t₂; thus, the study evidenced the knowledge gain after all the educational strategies in both groups.

Descriptors:
Health Education; Enteral Nutrition; Caregivers; Home Care Services; Learning; Teaching

Resumen

Objetivo:

evaluar cómo las diferentes estrategias educativas contribuyen a la adquisición de conocimiento percibida por los cuidadores de personas que utilizan Terapia Nutricional Enteral.

Método:

estudio cuasiexperimental realizado en dos etapas; la primera incluyó una clase expositiva dialogada (CE) y la segunda se desarrolló en dos grupos: entrenamiento de habilidades (EH) simuladas in situ y lectura del folleto educativo (FE). Los cuidadores respondieron un cuestionario autoadministrado para evaluar el conocimiento pre-posintervenciones; para el análisis se propuso un modelo lineal generalizado con distribución de Poisson y las comparaciones se realizaron mediante contrastes ortogonales.

Resultados:

participaron 30 cuidadores, había evidencias de la diferencia de conocimiento entre los tiempos t₁ y t₀. El análisis de la comparación final sobre el aumento de conocimientos entre los grupos FE y EH, mediante la prueba t de Student, mostró una diferencia estimada de -1,33, con un IC del 95% (-4,98; 2,31) y un valor de p de 0,46.

Conclusión:

hubo un mayor aumento del conocimiento entre los tiempos t₁ y t₀, que entre los tiempos t₂ y t₁ en ambos grupos. Al compararlos, no podemos concluir que uno de los grupos cambió más que el otro entre t₀ y t₂; por lo tanto, el estudio demostró que hubo adquisición de conocimiento después de todas las estrategias educativas en ambos grupos.

Descriptores:
Educación en Salud; Nutrición Enteral; Cuidadores; Cuidado Domiciliario; Aprendizaje; Enseñanza

Destaques

(1) Maior proporção de acertos entre os cuidadores após a aula expositiva.

(2) Todos os cuidadores aumentaram o conhecimento ao final das intervenções.

(3) Cuidadores com relação familiar apresentam maiores ganhos de conhecimento.

(4) Treinar habilidades dos cuidadores com simulação resultou em melhores resultados.

Introdução

A Terapia Nutricional Enteral (TNE) é uma das formas terapêuticas de atender as necessidades ou recuperar o estado nutricional dos pacientes, podendo ser continuada no domicílio¹.

Para os pacientes que necessitam utilizar uma Sonda Nasoentérica (SNE) para a TNE em âmbito domiciliar, a exposição à ocorrência de eventos adversos aumenta consideravelmente^1-2. Entre as complicações mais comuns estão as mecânicas, exemplificadas pelos deslocamentos, retirada não planejada, obstruções metabólicas como as gastrointestinais, respiratórias e infecciosas como a pneumonia por aspiração, contaminação e os impactos psicossociais gerados ao paciente³.

O enfermeiro durante o período de assistência intra hospitalar necessita aderir a um planejamento para a alta de maneira holística e multiprofissional, promovendo um cuidado integral baseado em conhecimentos técnico-científicos, éticos e humanísticos, a fim de atender as necessidades dos pacientes e cuidadores⁴. Nesse sentido, o planejamento domiciliar deverá iniciar em conjunto ao uso da terapia enteral durante a internação hospitalar¹ com ações educativas para contribuir com a prevenção dos eventos adversos e, consequentemente, para a manutenção da qualidade de vida dos pacientes⁵.

Diante do exposto, é evidente a necessidade de desenvolver métodos de educação em saúde para promover maior autonomia no cuidado do cliente em uso de TNE em domicílio, formando cuidadores mais comprometidos, estáveis e preparados emocionalmente para a resolução e o reconhecimento de possíveis problemas, a fim de evitar erros e complicações decorrentes do uso desta terapia⁶.

Uma revisão sistemática⁷ referiu que cuidadores de pacientes com Terapia Nutricional Enteral Domiciliar (TNED) devem estabelecer um processo sistemático e personalizado para evitar falhas no cuidado, sendo necessária observação e reflexão cuidadosa para evitar complicações. O estudo também evidenciou que os cuidadores devem se comunicar com os profissionais de saúde em tempo hábil para garantir a segurança de estratégias flexíveis; sendo assim, os profissionais reforçaram a formação regular dos cuidadores e garantiram o conhecimento adequado da formação⁷. No entanto, há poucos estudos publicados a respeito das opiniões dos cuidadores sobre o que poderia apoiá-los nesse cuidado domiciliar⁸.

Diante disso, o objetivo deste estudo é avaliar como diferentes estratégias educativas contribuem para ganhos de conhecimento percebidos por cuidadores de pessoas em uso da Terapia Nutricional Enteral.

Método

Design e local do estudo

Estudo quase-experimental⁹ que seguiu os pressupostos do guia Revised Standards for Quality Improvement Reporting Excellence (SQUIRE 2.0)¹⁰.

O estudo foi realizado em um Hospital Universitário em um município do interior do estado de São Paulo.

Participantes e recrutamento

Os cuidadores foram recrutados a partir da indicação dos profissionais de saúde em um Hospital Universitário e de fácil acesso às pesquisadoras na cidade de São Carlos, São Paulo (SP), Brasil. A população do estudo contemplou todos os cuidadores de pacientes com indicação de TNED de alta hospitalar, sendo convidados a participarem voluntariamente e incluídos os que tivessem idade maior ou igual a 18 anos, alfabetizados, sendo cuidadores de pessoas maiores de 18 anos com TNED, com capacidade de dar consentimento informado e capacidade de entender e comunicar-se em português, durante o período de coleta de dados, entre novembro de 2019 a março de 2020.

A amostra foi composta pelos indivíduos que participaram de todas as etapas das intervenções educativas e preencheram o formulário de dados sociodemográficos. Foram convidados a participar da pesquisa 62 (100%) cuidadores; destes, 27 (43,5%) recusaram-se a participar da leitura da cartilha ou treino de habilidade simulado in situ e outros 5 (8%) desistiram durante o processo, finalizando como amostra final 30 (48%) cuidadores.

Todas as intervenções contemplaram as mesmas temáticas. A primeira foi uma aula expositiva dialogada (Intervenção AE) para os cuidadores de pacientes com indicação de TNED. A aula presencial foi desenvolvida pela equipe multiprofissional por cerca de duas horas, na qual assuntos como deglutição, disfagia e anatomia do sistema digestório foram apresentados por uma fonoaudióloga; o preparo dos alimentos e orientações sobre a nutrição foi realizado pela nutricionista; as orientações sobre os cuidados com o paciente em TNED foram realizados pela enfermeira e os cuidados com a administração de fármacos pela farmacêutica.

Após a finalização desta atividade, ocorreu a seleção aleatória dos participantes para a participação na etapa dois, que aconteceu com dois grupos: o grupo 1 que correspondeu ao treino de habilidades simulado in situ (Intervenção TH) em um quarto de enfermaria da clínica médica e o grupo 2 na qual ocorreu a leitura com apoio de cartilha educativa (Intervenção CE). As duas intervenções foram embasadas na aula expositiva-dialogada (Intervenção AE).

Para a segunda etapa, os participantes foram distribuídos de maneira aleatória por meio do sistema eletrônico de acesso livre na web Stat Trek (http://stattrek.com/Tables/Random.aspx); este processo foi realizado por um membro independente da equipe de pesquisa, não envolvido no atendimento ao paciente ou na coleta de dados.

Os cuidadores responderam a um instrumento elaborado em 2019 pelos autores apoiando-se nos referenciais^11-16 sobre a autopercepção com o ganho de conhecimento, segurança, motivação e autoconfiança após participarem das estratégias educativas. O instrumento foi previamente testado com cinco cuidadores, escolhidos por conveniência e que não fizeram parte da amostra, necessitando de pequenos ajustes a fim de facilitar a compreensão dos participantes.

A Figura 1 apresenta o Fluxograma 1 demonstrando as etapas e o número de participantes em cada uma delas.

Figura 1
Fluxograma das etapas com distribuição dos grupos em cada intervenção. São Carlos, SP, Brasil, 2019-2020

Ferramentas e métodos de coleta de dados

Foi utilizado um questionário autoaplicável para a avaliação de conhecimento, composto por 20 assertivas sobre TNED, os cuidados e os possíveis manejos de complicações, inteiramente desenvolvido pelos pesquisadores, aplicados nos momentos t₀, t₁ e t₂. Para cada pergunta apresentada, havia três alternativas: uma verdadeira com pontuação atribuída de 1 ponto, uma falsa com 0 pontuação e uma opção de “desconheço” sem pontuação atribuída. Ao final desse questionário, encontrava-se uma avaliação sobre a autopercepção dos participantes em relação ao ganho de conhecimento por meio de quatro alternativas: (1) muito pouco (seguro/motivado/autoconfiante), (2) Pouco (seguro/motivado/autoconfiante); (3) (seguro/motivado/autoconfiante) e (4) Muito (seguro/motivado/autoconfiante).

Após o preenchimento do formulário de dados sociodemográficos, o questionário autoaplicável sobre avaliação do conhecimento foi aplicado em três momentos a todos os participantes (Figura 1): pré-teste (t₀), antes de ter acesso a qualquer tipo de estratégia educativa; pós-teste (t₁), após a educação tradicional e após cada uma das estratégias complementares (t₂).

Intervenção AE: aula expositiva dialogada (educação tradicional)

A aula expositiva dialogada ocorreu por aproximadamente uma hora em sala de aula hospitalar, ministrada por uma equipe multiprofissional composta por enfermeiros, nutricionistas, fonoaudiólogos e farmacêuticos. Como recurso didático e demonstração das informações sobre TNED, foi utilizado um computador para a projeção de slides. A apresentação abordou as temáticas de deglutição, sistema digestório, o que é a nutrição enteral, vias de acesso, higiene pessoal e do ambiente, preparo da TNE (ingredientes, suplementos, receita e quantidades), métodos de administração, equipamentos e utensílios necessários, orientações sobre o posicionamento do paciente; quanto ao gotejamento, as complicações mais recorrentes, como lidar com intercorrências (obstrução, deslocamentos, náuseas, vômitos, diarreia, constipação etc.), orientações sobre a lavagem da sonda após o uso para dietas, hidratação e instruções para o cuidado na administração de medicamentos.

Após a aula expositiva e dialogada (Intervenção AE) ocorreu, então, a seleção aleatória dos participantes em cada um dos dois grupos (Intervenção TH e Intervenção CE).

Intervenção TH: treino de habilidades em cenário clínico simulado

O cenário foi realizado em ambiente físico hospitalar com paciente simulado em uso de sonda nasoentérica (simulador de baixa fidelidade, tipo torso masculino, sem qualquer tipo de resposta às intervenções efetuadas) e os equipamentos: cama, rede de gases, suportes de soro, armário de roupas (compressas não estéreis, lençóis, travesseiros, pijamas, toalhas, etc.), cabeceira do leito, escada beira-leito, pia para lavagem das mãos, fita métrica, equipo de nutrição enteral, frasco de nutrição enteral, seringas de 20 mililitros (ml) e 60 ml.

O treino de habilidades simulado objetivou a execução de atividade como o posicionamento do torso masculino em decúbito elevado, verificação do posicionamento da sonda, manipulação dos utensílios e equipamentos, adequação do gotejamento prescrito, administração da nutrição enteral e hidratação, realização da fixação, administração de medicamentos, lidar intercorrências comuns e evitar a saída, obstrução e contaminação da sonda.

Intervenção CE: leitura com apoio de cartilha educativa

A intervenção educativa foi realizada com a cartilha sobre a temática, desenvolvida pelas próprias autoras e validada por juízes¹⁷, a qual foi entregue a cada participante. O material é constituído por 17 itens: capa, sumário; 1. O que é nutrição enteral; 2. Materiais e equipamentos; 3. Tipos de nutrição enteral; 4. Higiene pessoal e do ambiente; 5. Receita e modo de preparo da nutrição enteral semiartesanal; 6. Lista de substituições dos ingredientes; 7. Modo de preparo da nutrição enteral semiartesanal; 8. Receita da nutrição enteral industrializada; 9. Modo de preparo da nutrição enteral industrializada; 10. Administração da nutrição enteral; 11. Água para hidratação; 12. Administração de medicamentos; 13. Recomendações; 14. Complicações; 15. Administração de nutrição enteral e medicação pela sonda; 16. Referências e 17. Anotações.

Mediante a entrega, foi realizada uma leitura junto ao participante dos itens 2, 10, 11, 12, 13, 14, 15, que correspondem aos cuidados orientados pelo enfermeiro.

Análise estatística

Inicialmente os dados foram descritos por meio de medidas como média, desvio-padrão, mínimo, mediana e máximo (variáveis quantitativas).

Para analisar a relação das covariáveis de interesse (idade, relação com o paciente, gênero, escolaridade, raça e religião) e ainda comparar os 2 grupos e 3 tempos de interesse, foi proposto um modelo linear generalizado com distribuição Poisson com função de ligação identidade. A classe de modelos lineares generalizados é uma extensão do modelo linear tradicional que permite que a média populacional seja dependente de um preditor linear por meio de uma função de ligação e permite que a distribuição de probabilidade da variável resposta seja qualquer membro da família exponencial (Distribuição Normal, Binomial, Poisson e Gama)¹⁸; as comparações foram realizadas por contrastes ortogonais. Para comparar a diferença entre os grupos CE e TH de t₂ e t₀, foi proposta a análise de delta. Na comparação dos grupos quanto à diferença do número de acertos entre t₀ e t₂ (análise de delta), foi proposto o teste t-Student.

As análises foram realizadas com o auxílio do software SAS 9.4¹⁹, para as quais se adotou um nível de significância de 5%.

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos- UFSCar, sob o CAAE nº 17428819.0.0000.5504 e parecer nº 3.556.901/2019, respeitando as normas da Resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde. Todos os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias, sendo uma arquivada por uma das pesquisadoras (primeira autora) e a outra em posse dos cuidadores.

Resultados

A amostra final foi composta por 30 (100%) cuidadores que aceitaram participar de todas as etapas, a idade variou de 18-64 anos (M=44,4; DP=±14,4), a maioria 18 (60%) era do sexo feminino. Destes, 20 (66,67%) eram familiares [filho(a), esposa, irmã(o), genro/nora, neto(a)] e 10 (33,33%) não familiares (cuidadores e amigos). Quanto à escolaridade, verificou-se a variedade entre ensino médio incompleto ou inferior [14 (46,67%)] e ensino médio completo ou superior [16 (53,33%)].

Ademais, os respondentes identificaram-se como brancos [11 (36,67%)] e pretos e/ou pardos [19 (63,33%)] e a maioria declarou-se católica [18 (60%)].

A Tabela 1 apresenta a descritiva dos acertos no instrumento construído pelas autoras para avaliação acerca dos conhecimentos alcançados pela população em estudo nos diferentes momentos da investigação.

Tabela 1
Acertos no instrumento de avaliação do conhecimento nos momentos pré, pós aula e pós Cartilha Educativa (CE) e Treino de Habilidades (TH), (n=30). São Carlos, SP, Brasil, 2019-2020

Total de acertos	n	Média (DP)	Mediana (Q1 - Q3)	Mín - Máx
Pré (t0)*	30	10,27 (4,91)	9 (7 - 13)	2 - 20
CE	15	10,67 (4,53)	10 (7 - 13)	3 - 20
TH	15	9,87 (5,38)	9 (6 - 13)	2 - 20
Pós aula (t1)†	30	17,87 (1,98)	18 (17 - 19)	13 - 20
CE	15	18,07 (1,67)	18 (17 - 19)	14 - 20
TH	15	17,67 (2,29)	18 (17 - 19)	13 - 20
Pós intervenções (t2)‡	30	19,47 (0,97)	20 (19 - 20)	16 - 20
CE	15	19,2 (1,26)	20 (19 - 20)	16 - 20
TH	15	19,73 (0,46)	20 (19 - 20)	19 - 20

• *t₀ = Momento antes de qualquer intervenção; ^†t₁ = Momento após intervenção AE; ^‡t₂ = Momento após intervenção TH e intervenção CE.

Para visualizar os acertos nos respectivos momentos implementados na pesquisa, foi elaborada a Figura 2.

Figura 2
Histograma dos acertos totais por período de aplicação do instrumento. São Carlos, SP, Brasil, 2019-2020

A Figura 2 apresenta a média de acertos no momento pré intervenção em relação ao número total de participantes e por intervenção educativa, dividido entre CE e TH. Demonstra que a média de acertos dos indivíduos apresentou uma maior proporção após a realização da primeira intervenção. Haja vista, os indivíduos apresentaram uma proporção de ganho menor de conhecimento com a intervenção TH e a intervenção CE, devido ao conhecimento prévio adquirido em aula para a realização das intervenções.

Na avaliação das covariáveis foi verificado que existe evidência de diferença entre os sexos. A diferença estimada foi, em média, de 2 acertos, sendo que o feminino (F) possuiu mais acertos que o masculino (M). Existiu evidência de diferença entre raças, sendo que cuidadores brancos apresentaram, em média, 1,60 acertos a mais que os não brancos.

Identificou-se que aqueles com relação familiar [filho(a), esposa, irmã(o), genro/nora, neto(a)] com o paciente apresentaram um ganho de média 1,19 de acertos a mais no instrumento se comparados aos cuidadores sem vínculos familiar e amigos dos pacientes. As demais covariáveis como idade, escolaridade e religião não apresentaram diferenças significativas estatisticamente.

A Tabela 2 apresenta a comparação entre os tempos independente das intervenções, e demonstra que existe diferença entre os tempos t₁ e t₀. A diferença estimada foi de 38 pontos percentuais, sendo que em t₁ o percentual de acerto foi maior.

Tabela 2
Comparação entre os tempos, independente das intervenções. São Carlos, SP, Brasil, 2019 - 2020

Comparações	Estimativa	IC 95%		Valor p
t1 * - t0 †	7,78	6,20	9,37	<0,01
t2 ‡ - t0	9,44	7,79	11,09	<0,01
t2 - t1	1,66	0,86	2,46	<0,01

• *t₁ = Momento após intervenção AE (Aula Expositiva); ^†t₀ = Momento antes de qualquer intervenção; ^‡t₂ = Momento após intervenção TH (Treino de Habilidades) e intervenção CE (Cartilha Educativa)

A Tabela 3 compara os tempos considerando somente os 15 cuidadores que participaram da Cartilha Educativa, os 15 cuidadores que participaram do Treino de Habilidades e a comparação entre os grupos em cada tempo específico.

Tabela 3
Comparação da estimativa de acertos entre os tempos considerando os cuidadores que participaram da CE, os cuidadores participaram do TH e a comparação entre os grupos em cada tempo específico. São Carlos, SP, Brasil, 2019 - 2020

Comparações	Estimativa	IC 95%		Valor p
Grupo CE (t1 * - t0 †)	7,44	5,24	9,63	<0,01
Grupo CE (t2 ‡ - t0)	8,59	6,49	10,69	<0,01
Grupo CE (t2 - t1)	1,15	0,07	2,23	0,04
Grupo TH (t1 - t0)	8,13	5,84	10,42	<0,01
Grupo TH (t2 - t0)	10,30	7,76	12,83	<0,01
Grupo TH (t2 - t1)	2,17	0,97	3,36	<0,01
t0 (CE - TH)	0,60	-2,42	3,63	0,70
t1 (CE - TH)	-0,09	-1,66	1,47	0,91
t2 TH - t1	2,21	1,22	3,21	<0,01

• *t₁ = Momento após intervenção AE (Aula Expositiva); ^†t₀ = Momento antes de qualquer intervenção; ^‡t₂ = Momento após intervenção TH (Treino de Habilidades) e intervenção CE (Cartilha Educativa)

Ao realizar a comparação entre os tempos independente das intervenções, notou-se a evidência de diferença entre os tempos t₁ e t₀. A diferença estimada foi de 38 pontos percentuais, sendo que em t₁ o percentual de acerto foi maior.

Já na comparação entre os tempos, considerando somente os 15 cuidadores que participaram da CE e os 15 cuidadores que participaram do TH, evidenciou-se que existe diferença entre os tempos t₂ e t₁. A diferença estimada foi de 1,15 acertos, sendo que no tempo t₂ os cuidadores apresentaram maior percentual de acertos. Os resultados das Tabelas 2 e 3 foram ajustados por idade, relação com o paciente, sexo, escolaridade, raça e religião.

A Tabela 4 apresenta a comparação dos dois grupos sobre a diferença do número de acertos entre t₀ e t₂ realizada pela análise de delta.

Tabela 4
Análise descritiva da diferença t₂ - t₀ entre os grupos Cartilha Educativa (CE) e Treino de Habilidades (TH). São Carlos, SP, Brasil, 2019 - 2020

Diferença entre t2 e t0	n	Média (DP)	Mediana (Q1 - Q3)	Mín - Máx
Grupo CE (t2 * - t0 †)	15	8,53 (4,42)	10 (4 - 11)	0 - 16
Grupo TH (t2 - t0)	15	9,87 (5,29)	11 (6 - 14)	0 - 17

• *t₂ = Momento após intervenção de TH ou CE; ^†t₀ = Momento antes de qualquer intervenção

A análise da comparação final sobre o aumento do conhecimento entre os grupos CE e TH, por teste t-Student, evidenciou uma diferença estimada entre CE e TH de -1,33, com IC 95% (-4,98; 2,31) e valor de p de 0,46. Portanto, não houve evidência de diferença entre os grupos em relação ao delta t₂ - t₀. Assim, não podemos concluir que um dos grupos mudou mais que o outro em relação aos tempos t₀ e t₂.

Por meio de uma análise descritiva do instrumento aplicado, observa-se por meio da média simples de respostas que após a AE, menos da metade dos participantes encontrava-se motivada [14 (46,6%)]; 12 (40%) acreditavam-se autoconfiantes e/ou 11 (36,6%) seguros. Nesta estratégia (t₁), 4 (13,3%) cuidadores referiram sentir-se “muito pouco motivados”. Ademais, 1 (6,6%) participante continuou “muito pouco autoconfiante” após a intervenção TH e 1 (6,6%) “muito pouco seguro” após a intervenção CE.

Após realizar o treino de habilidades, 9 (60%) dos participantes classificaram-se como “muito seguros”, 7 (46,6%) “muito autoconfiantes” e 7 (33,3%) “muito motivados”. Os cuidadores participantes da leitura da cartilha educativa apresentaram índices menores sendo que 4 (26,6%) consideraram-se “muito seguros”, 1 (6,6%) “muito autoconfiante” e 2 (13,3%) “muito motivados’’. No total (n=30), a maioria desses participantes classificou-se como motivada [11 (73,3%)]; autoconfiante [9 (60%)] e segura [11 (73,3%)].

Em relação a como todos os 30 participantes sentiram-se após a intervenção AE, 25 (83,3%) sentiram-se “bem”, 5 (16,6%) referiram estar “cansados’’ e nenhum afirmou sentir-se “mal”. Após a intervenção TH, 12 (80%) participantes sentiram-se “bem”, 2 (13,3%) “cansados’’ e 1 (6,6%) “mal”. Para os participantes da intervenção CE, os resultados são semelhantes aos da estratégia educativa citada anteriormente, 12 (80%) sentiram-se “bem”, 2 (13,3%) “cansados’’ e 1 (6,6%) “mal”. Para ambas as estratégias, observou-se um aumento da autopercepção de segurança, confiança e motivação para o cuidado no domicílio. Consideraram-se 13 (43,3%) “muito motivados”; 8 (26,6%) “muito autoconfiantes” e 7 (23,3%) “muito seguros”, chegando a zero participantes muito pouco motivados.

Discussão

Os cuidadores participantes do estudo apresentaram idade que variou entre 18-64 anos, sendo a maioria do sexo feminino, quase metade com escolaridade entre ensino médio incompleto ou inferior, semelhante ao estudo qualitativo que descreveu as experiências de pessoas que vivem em domicílio com Terapia Nutricional Enteral (TNE) no qual os cuidadores apresentaram idade de 22 a 77 anos. Para autores⁸, os cuidadores idosos e com baixa escolaridade necessitam de mais suporte e treinamentos da equipe multiprofissional sobre nutrição enteral e cuidados aos pacientes com sonda enteral²⁰.

Nossos achados corroboram para a promoção e a preparação do cuidador, sendo que as três intervenções aplicadas aumentaram o conhecimento dos participantes, tendo em vista o aumento de acertos no instrumento em todas as etapas. Estudos^12,21 reforçaram a importância da orientação dos cuidadores realizada pelos profissionais, bem como o desenvolvimento de métodos de educação em saúde que contemplem as necessidades e particularidades de aprendizagem para o cuidado adequado e a prevenção de riscos para os pacientes tratados em domicílio.

Esse processo deve ser incorporado no planejamento da alta hospitalar e com indicação para o atendimento no domicílio, juntamente com a participação da equipe multiprofissional^1,22. No entanto, na prática clínica os autores percebem que a maior parte das informações sobre TNED são oferecidas em um momento pontual e muito próximo ao da alta hospitalar. Um estudo¹⁴ evidenciou que os pacientes que não fazem parte de um programa de nutrição enteral de acompanhamento para o domicílio enfrentam muitos desafios, incluindo a manutenção do estado funcional, as complicações da nutrição enteral, a falta de acesso a uma equipe interdisciplinar, bem como a própria competência do cuidador.

A aula expositiva dialogada pode familiarizar os cuidadores com o conteúdo e possibilitar o esclarecimento de dúvidas instantaneamente, além de estimular o diálogo e interação dos cuidadores e familiares com uma construção coletiva de conhecimentos.

Estudos que utilizaram a simulação para práticas em TNE, como tratado em 2020², evidenciou a simulação como uma metodologia muito útil para revisar as boas práticas na TNE com relação ao treino de habilidades. Este estudo descritivo² utilizou a simulação para avaliar o conhecimento dos técnicos de enfermagem sobre as potenciais complicações e/ou eventos adversos relacionados à TNE em um cenário simulado, sendo que a simulação clínica permitiu a identificação dos riscos na prática de administração de terapia nutricional enteral e meios de minimizá-los.

O treino de habilidades como uma viabilização do ensino em diferentes contextos, confere habilidade e conhecimento aos processos vivenciados durante a fase de aprendizagem, estimulando o uso do raciocínio clínico, planejamento do cuidado com a sonda e suas possíveis intercorrências de uma forma menos abstrata²³.

A utilização de um cenário para o treino de habilidades como o realizado nesse estudo pode ajudar a explorar o cuidado com a sonda, reconhecer as possíveis intercorrências de uma forma menos abstrata, ressaltando a importância da prevenção de erros e de danos aos pacientes, auxiliando na compreensão do processo e diminuindo o nível de ansiedade dos cuidados relacionados à sonda, colaborando com a formação de cuidadores mais ativos para uma assistência mais segura ao paciente no domicílio¹².

Para além disso, autores²⁴ ressaltam que os materiais educativos são capazes de explorar recursos que vão ao encontro de significados reconhecidos e valorizados no contexto dos usuários e da comunidade, independente do meio cultural ou social ao qual o indivíduo pertence. Observou-se que a cartilha educativa foi um diferencial para a capacitação dos cuidadores após a aula expositiva dialogada, facilitando a abordagem do conteúdo e garantindo que os aspectos importantes fossem trabalhados, fato que evidencia a importância de investimentos dessa natureza.

Um estudo²⁵ indicou que os indivíduos que recebem materiais educativos atribuem de forma positiva os materiais didáticos impressos. Menciona ainda a relevância da cartilha como meio importante para a promoção do conhecimento em um formato claro, com ilustrações explicativas, que facilitam a memorização dos cuidados necessários, podendo favorecer aspectos psicossociais e comportamentos positivos.

Assim também, o manual educativo auxiliou na memorização de conteúdos e na facilidade de retomar o que foi abordado na aula expositiva dialogada, ilustrando as tarefas que podem estimular a aplicabilidade do material. Outros autores²⁶ destacam que materiais impressos sensibilizam e educam o público alvo, abrangendo uma construção de conhecimento para além do cuidador, coletiva entre a população e profissionais. Para os profissionais de saúde, essa abordagem garante acessibilidade e facilidade de uso em todos os níveis de escolaridade, sendo um recurso de prontidão disponível em casa para consulta em caso de dúvidas^17,26.

Nossos achados apontam que os cuidadores com vínculos familiares com o paciente apresentaram um maior ganho de conhecimento quando comparados aos sem vínculos familiares. Estudo²⁷ apresenta que o contexto domiciliar pode influenciar no cuidado que é oferecido e nesse ínterim, os papéis familiares sofrem alterações para desenvolver novas relações de cuidado entre si, acrescidos aos afazeres diários já realizados habitualmente^7,11.

Em relação às diferentes estratégias, a maioria dos participantes não se declarou motivada, confiante, e nem segura para aplicar os cuidados no domicílio. Autores²⁸ explanam que as estratégias educativas para cuidadores são ferramentas úteis na aprendizagem, possibilitando uma construção do conhecimento e reforçando suas competências. Esses recursos devem envolver informações escritas, explicações face a face, vídeos e demonstrações para ajudar a reduzir a ansiedade, melhorar o conhecimento, atitudes e o comportamento dos cuidadores para uma resposta adequada e possível nas situações que envolvem a prestação de cuidados em ambiente domiciliar²³. Estudo²⁹ forneceu novas evidências sobre as necessidades e experiências de cuidadores de pacientes em uso de TNED, destacando as incertezas sobre os cuidados com a sonda, com o acesso aos profissionais durante a transição e, principalmente, sobre o apoio para lidar com problemas rotineiros e urgentes com esses pacientes.

Em consonância, um estudo³⁰ que explorou as experiências de cuidadores e familiares de pacientes em uso de TNED identificou que os participantes sentiam-se despreparados, sem treinamento ou formação e sem apoio dos profissionais de saúde, sem ao menos saber o preparo da nutrição enteral, posição correta para alimentação e horários de alimentação, deparando-se assim, com erros e resultando em consequências negativas para o paciente e a família.

Os achados revelam que o treino de habilidades criou a oportunidade para que os cuidadores compreendessem melhor os cuidados, conhecendo na prática o que ficou evidente em nossos achados em relação ao aumento da segurança, confiança e motivação dos participantes na realização das práticas de cuidado. Assim como corroboram para o estímulo à autonomia e ao empoderamento para a tomada de decisões, ao desenvolvimento de competências, ao reconhecimento de dificuldades e de problemas que podem advir dos cuidados por meio da reflexão crítica para um cuidado seguro no domicílio³¹.

Reflete-se com isto que o uso de diferentes estratégias de ensino e até mesmo essas estratégias combinadas, ampliam a adequação dos familiares e cuidadores, possibilitando que se completem e sejam mais precisas e atrativas. Assim, facilita-se o processo de orientação, compreensão, clareza e aumentando a acessibilidade ao atingir diversas faixas etárias e níveis educacionais.

O enfermeiro possui um papel fundamental na educação em saúde, fornecendo um suporte para a transição ao domicílio; todavia, o processo de ensino e aprendizagem necessita também da participação de uma equipe multidisciplinar para uma abordagem mais efetiva. Salienta-se que os cuidadores são atores principais e devem ser ativos nesse processo, acompanhando o alinhamento do plano de cuidados de TNE para otimizar em conjunto com a equipe os resultados propostos para o paciente.

Este estudo representa uma importante contribuição social, com a participação ativa dos cuidadores, a educação promovida pela a equipe de saúde multidisciplinar e, sobretudo, a potencialidade do enfermeiro como mediador do cuidado. Visto que o uso do treino de habilidades em um cenário clínico simulado associado às orientações verbais e ao uso dos manuais educativos trazem ganhos consideráveis aos resultados dos cuidadores e/ou familiares, possivelmente por diminuir a abstração das orientações². No entanto, apresenta limitações, entre elas a amostra do estudo e a regionalização dos resultados, bem como o uso de questionários avaliativos não validados. Ademais, não houve uma continuidade de avaliação de controle de complicações ou reinternações após as estratégias aplicadas.

Conclusão

Ocorreu uma maior elevação de conhecimento entre os tempos t₁ e t₀, quando comparada os tempos t₂ e t₁ em ambos os grupos. Quando comparados, não podemos concluir que um dos grupos mudou mais que o outro em relação aos tempos t₀ e t₂; assim, o estudo evidenciou o ganho de conhecimento após todas as estratégias educativas nos dois grupos.

Entende-se que o uso de diferentes estratégias educativas pode colaborar com a formação de cuidadores mais ativos, empenhados, estáveis e preparados emocionalmente na resolução e análise de problemas, com a tomada de decisões críticas da prática e reduzir a ocorrência de complicações decorrentes do uso deste dispositivo. Além de apresentar contribuições significativas no contexto de política pública, facilitando o acesso à informação aos usuários de diferentes níveis socioeconômicos e culturais.

As equipes de saúde precisam ser estimuladas a realizar a alta hospitalar planejada; assim, considera-se que esses achados podem ser úteis para o desenvolvimento educacional de pacientes e cuidadores.

Agradecimentos

Agradecemos ao Grupo de Orientação em Terapia Nutricional Enteral (GOTNE) do Hospital Universitário Prof. Dr. Horácio Carlos Panepucci - Universidade Federal de São Carlos (HU-UFSCar) pela colaboração no desenvolvimento do estudo.

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• Financiamento

  Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Processo 2019/15536-0, Brasil.

Editado por

Editora Associada

Maria Lúcia do Carmo Cruz Robazzi

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  27 Mar 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  22 Fev 2022
• Aceito
  01 Set 2022