Relação entre depressão, ansiedade, estresse e dependência de smartphone em estudantes de enfermagem na COVID-19 ^*

Objetivo:

verificar a relação entre sintomas de depressão, ansiedade, estresse e dependência de smartphone em estudantes de enfermagem na COVID-19.

Método:

estudo descritivo-analítico realizado com 206 estudantes de enfermagem. Para coleta de dados foram utilizados um instrumento de caracterização sociodemográfica e uso do smartphone adaptado da literatura e as seguintes escalas: Depression, Anxiety and Stress Scale e Smartphone Addiction Inventory. Os dados sociodemográficos e o uso do smartphone foram analisados por meio de estatísticas descritivas e a relação entre sintomas de depressão, ansiedade, estresse e dependência de smartphone foi analisada a partir de regressão logística múltipla.

Resultados:

a prevalência de dependência de smartphone em estudantes de enfermagem foi de 129 (62,6%) e houve relação entre sintomas de depressão moderada (p=0,049), grave/muito grave (p=0,005) e ansiedade leve (p=0,028) e grave/muito grave (p=0,019) e dependência de smartphone.

Conclusão:

os dados revelam que a construção e a implementação de políticas de uso do smartphone no contexto acadêmico e hospitalar para prevenção da dependência de smartphone e controle dos fatores de risco associados são necessárias.

Descritores:
Smartphone ; Comportamento Aditivo; Estudantes de Enfermagem; Enfermagem; Ansiedade; Depressão

Objective:

to verify the relationship between symptoms of depression, anxiety, stress and smartphone addiction in COVID-19 nursing students.

Method:

this was a descriptive-analytical study of 206 nursing students. A sociodemographic characterization and smartphone use instrument adapted from the literature and the following scales Depression, Anxiety and Stress Scale and Smartphone Addiction Inventory were used for data collection. Sociodemographic data and smartphone use were analyzed using descriptive statistics and the relationship between symptoms of depression, anxiety, stress and smartphone addiction was analyzed using multiple logistic regression.

Results:

the prevalence of smartphone addiction among nursing students was 129 (62.6%) and there was a relationship between symptoms of moderate depression (p=0.049), severe/very severe depression (p=0.005) and mild anxiety (p=0.028) and severe/very severe anxiety (p=0.019) and smartphone addiction.

Conclusion:

the data show that the construction and implementation of smartphone use policies in the academic and hospital context to prevent smartphone addiction and control associated risk factors is necessary.

Descriptors:
Smartphone; Addictive Behavior; Nursing Students; Nursing; Anxiety; Depression

Objetivo:

verificar la relación entre síntomas de depresión, ansiedad, estrés y dependencia del smartphone en estudiantes de enfermería durante la COVID-19.

Método:

estudio descriptivo-analítico realizado con 206 estudiantes de enfermería. Para la recogida de datos se utilizaron un instrumento de caracterización sociodemográfica y uso del smartphone adaptado de la literatura y las siguientes escalas: Depression, Anxiety and Stress Scale y Smartphone Addiction Inventory. Los datos sociodemográficos y el uso del smartphone se analizaron mediante estadísticas descriptivas y la relación entre síntomas de depresión, ansiedad, estrés y dependencia del smartphone se analizó mediante la regresión logística múltiple.

Resultados:

la prevalencia de dependencia del smartphone en estudiantes de enfermería fue de 129 (62,6%) y hubo relación entre síntomas de depresión moderada (p=0,049), grave/muy grave (p=0,005) y ansiedad leve (p=0,028) y grave/muy grave (p=0,019) y dependencia del smartphone.

Conclusión:

los datos revelan que la construcción e implementación de políticas de uso del smartphone en el contexto académico y hospitalario para la prevención de la dependencia del smartphone y el control de los factores de riesgo asociados son necesarias.

Descriptores:
Teléfono Inteligente; Conducta Adictiva; Estudiantes de Enfermería; Enfermería; Ansiedad; Depresión

Destaques:

(1) Alta prevalência de dependência de smartphone em estudantes de enfermagem.

(2) Houve relação entre sintomas de depressão, ansiedade e dependência de smartphone.

(3) A enfermagem possui papel preponderante na identificação e manejo das dependências.

(4) Abordagem multidisciplinar na prevenção e no manejo da dependência de smartphone.

(5) A dependência de smartphone em estudantes de enfermagem é um tema novo no Brasil.

Introdução

O uso excessivo do smartphone pode desencadear um quadro de dependência que é também denominado como “nomofobia’’ ou medo irracional de ficar sem o aparelho celular ⁽ 1 ⁾. Essa dependência se caracteriza pela utilização obsessiva do aparelho celular, pela verificação repetitiva de mensagens ou atualizações, pela maior tolerância ao uso mais prolongado e intenso do dispositivo e também pelo retraimento, sentimento de agitação, sofrimento e comprometimento funcional ou interferência com outras atividades da vida e relacionamento sociais ⁽ 2 ⁾.

A dependência de smartphone é um problema que afeta a saúde física e intelectual entre diversos públicos, inclusive entre os universitários ⁽ 3 ⁾. Em estudantes de enfermagem, a estimativa meta-analítica da prevalência de dependência de smartphone foi de 22% em uma amostra de 2.780 indivíduos ⁽ 4 ⁾. Em outra pesquisa, com 298 universitários de enfermagem da região Nordeste do Brasil, a prevalência de dependência de smartphone foi de 47,7% ⁽ 5 ⁾. Esses valores são preocupantes, seja pela taxa de prevalência, seja pelas consequências que podem ter no cotidiano dos alunos ⁽ 4 ⁾. Um dos motivos de preocupação são as distrações que o uso acentuado do aparelho celular pode gerar nos estudantes universitários de enfermagem durante a prática clínica, reduzindo a qualidade do cuidado e a segurança do paciente ⁽ 4 ⁾.

No exterior, estudos prévios investigaram a relação entre sintomas de ansiedade, depressão, estresse e dependência de smartphone em estudantes universitários de enfermagem. No Egito, um estudo realizado com 320 estudantes universitários de enfermagem verificou que a correlação entre esse tipo de dependência e sintomas de depressão (r = 0,996, p < 0,001) foi estatisticamente significativa ⁽ 6 ⁾. Uma revisão integrativa para verificar as repercussões do uso do smartphone por universitários de enfermagem identificou níveis alarmantes de dependência de smartphones que originavam estresse e ansiedade e se refletiam na qualidade do sono, na aprendizagem e no rendimento acadêmico ⁽ 7 ⁾. Na Coreia, resultados de um outro estudo realizado com 421 estudantes universitários indicaram que ansiedade e depressão estavam relacionadas à dependência de smartphone. Segundo o estudo, pessoas com ansiedade e depressão podem sofrer emoções negativas no mundo real, o que as leva a um comportamento compensatório, buscando alívio no mundo virtual, o que aumenta a possibilidade do uso exacerbado dos aparelhos celulares ⁽ 8 ⁾.

No Brasil, há poucos estudos sobre esse fenômeno em relação aos estudantes universitários de enfermagem ⁽ 5 ⁾. Desde a tradução e adaptação cultural da Smartphone Addiction Inventory (SPAI) para o Brasil ⁽ 9 ⁾, um estudo ⁽ 5 ⁾ verificou se o uso de álcool (p=0,036) e a qualidade do sono (p <0,001) estão relacionados à dependência de smartphone em estudantes de enfermagem. No entanto, a relação entre sintomas de ansiedade, depressão, estresse e dependência de smartphone em estudantes universitários de enfermagem ainda não foi investigada no contexto da pandemia de COVID-19.

Devido à pandemia, inúmeras instituições educacionais em todo o mundo foram obrigadas a fechar suas portas e a adaptar-se aos de métodos de ensino e aprendizagem online para fornecer o material necessário e tentar manter o ano e as atividades acadêmicas. A mudança repentina nos métodos de ensino sobrecarregou muitos estudantes, provocando cargas de trabalho ainda mais estressantes que passaram a gerar mais sintomas de depressão e ansiedade entre os universitários ⁽ 10 ⁾. O aumento desses sintomas é uma das possibilidades para que os estudantes de enfermagem tenham mais propensão à dependência de smartphone na pandemia da COVID-19 ⁽ 11 ⁾.

Considerando o exposto, objetivo deste estudo foi verificar a relação entre sintomas de depressão, ansiedade, estresse e dependência de smartphone em estudantes de enfermagem no contexto da pandemia da COVID-19.

Método

Delineamento do estudo

Trata-se de um estudo descritivo-analítico, redigido de acordo com a ferramenta STROBE ( Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology).

Local e período

O estudo foi realizado nos campi da capital e do interior de duas Instituições de Ensino Superior (IES) públicas do Piauí, Brasil, sendo elas: Universidade Federal do Piauí ( Campi Teresina, Picos e Floriano – UFPI) e Universidade Estadual do Piauí ( Campi Teresina, Picos e Floriano – UESPI).

A escolha das IES pelos pesquisadores foi feita devido à facilidade de acesso delas, bem como considerando o fato das referidas IES estarem consolidadas na região, tanto pela qualidade dos seus cursos e das suas ações acadêmicas, quanto pelo resultado das avaliações realizadas pelos órgãos reguladores do Ministério da Educação

População e critérios de seleção e definição da amostra

A população foi composta por estudantes de enfermagem (n=1145) de duas universidades públicas UFPI (n=844) e UESPI (n=301), conforme explicitado anteriormente. A amostra foi obtida por conveniência e constituída por 206 estudantes de enfermagem que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: (1) ter 18 anos ou mais no ato da coleta de dados, (2) ter e usar smartphone, (3) ter acesso à internet através do telefone. Os critérios de exclusão foram: não preencher completamente os itens dos instrumentos de coleta de dados.

Instrumentos do estudo

Os participantes responderam a três instrumentos: caracterização sociodemográfica e uso do smartphone, adaptado da literatura ⁽ 12 ^, 13 ^- 14 ⁾, Depression, Anxiety and Stress Scale (DASS-21) ⁽ 15 ⁾, e Smartphone Addiction Inventory (SPAI) ⁽ 9 ⁾.

O instrumento de caracterização sociodemográfica e uso do smartphone ⁽ 12 ^- 14 ⁾ era composto por seis questões sobre idade, sexo e mais três questões sobre o uso do smartphone.

A DASS-21 foi desenvolvida na língua inglesa ⁽ 15 ⁾, sendo adaptada e validada para o Brasil ⁽ 16 ⁾. Trata-se de uma escala de autorresposta, composta por um conjunto de três subescalas do tipo Likert de quatro pontos, que avaliam os sintomas de depressão, ansiedade e estresse. Cada subescala é composta por sete itens que se encontram divididos em três fatores (Itens sobre Depressão: 3, 5, 10, 13, 16, 17, 21; itens referentes à Ansiedade: 2, 4, 7, 9, 15, 19, 20; itens correspondentes ao Estresse: 1, 6, 8, 11, 12, 14, 18). Cada item apresenta respostas de gravidade organizadas de zero (não se aplicou de maneira alguma) a três (aplicou-se muito, ou na maioria do tempo) ⁽ 15 ⁾. O resultado é obtido pelo somatório das respostas aos itens em cada uma das três subescalas, as quais devem ser obrigatoriamente multiplicadas por dois para o cálculo do escore final e aplicação do corte, apresentando classificação: normal, leve, moderado, grave e muito grave ⁽ 15 ⁾. O alfa de Cronbach obtido para a subescala de Depressão foi de 0,92; para a de Estresse foi de 0,90 e de 0,86 para Ansiedade ⁽ 16 ⁾.

A SPAI foi desenvolvida em Taiwan ⁽ 17 ⁾ com base em questionários de rastreamento da dependência em Internet. Traduzida e adaptada culturalmente para o Brasil, possui 26 itens subdivididos em quatro categorias denominadas: comportamento compulsivo, comprometimento funcional, síndrome de abstinência e síndrome de tolerância. Tem pelo menos nove respostas positivas como ponto de corte ⁽ 9 ⁾. O coeficiente alfa de Cronbach e o coeficiente de Kuder-Richardson da SPAI-BR foram ambos de 0,887 ⁽ 9 ⁾.

Coleta de dados

A coleta de dados foi realizada entre os meses de abril e julho de 2021, remotamente, devido à pandemia de COVID-19. Inicialmente, a pesquisadora fez contato com os coordenadores dos cursos de Enfermagem para obter os números de telefone ou correios eletrônicos dos líderes de turma dos estudantes de enfermagem das universidades. Os líderes de turma foram localizados, os objetivos da pesquisa foram expostos para eles e a pesquisadora solicitou que o convite para que os alunos participassem do estudo fosse divulgado nos grupos de WhatsApp, Instagram e correio eletrônico da turma. A anuência dos estudantes de enfermagem para participar do estudo foi obtida por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (via Google Docs). Em seguida, um link do Google Forms foi disponibilizado por WhatsApp, Instagram e correio eletrônico para o preenchimento dos instrumentos de coleta de dados.

Análise dos dados

A análise dos dados foi realizada por meio do software estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22.0. As características sociodemográficas e o uso do smartphone foram analisadas por meio de estatísticas descritivas, constituídas pela frequência e porcentagem para as variáveis qualitativas e média e desvio padrão para as variáveis quantitativas. A análise bivariada das variáveis depressão, ansiedade, estresse e dependência de smartphone foi descrita por meio do teste do Qui-quadrado e odds ratio não ajustado. A relação foi considerada significativa quando P<0,05. A relação entre sintomas de depressão, ansiedade, estresse e dependência de smartphone foi analisada a partir do modelo de regressão logística múltipla. As variáveis foram introduzidas nos modelos uma a uma (método Stepwise Forward). Permaneceram no modelo final as variáveis com p-valor ≤ 0,05. Para todas as análises foi adotado o nível de significância de 5%.

Aspectos éticos

Antes do início do estudo, foram obtidas as autorizações dos proprietários das escalas utilizadas na pesquisa por correio eletrônico. O estudo foi aprovado pelas duas universidades públicas e por um Comitê de Ética em Pesquisa (parecer nº 4.688.110, em 3 de maio de 2021). Os estudantes de enfermagem foram informados sobre o objetivo da pesquisa e foi obtido o consentimento por escrito daqueles que concordaram em participar.

Resultados

A maioria dos estudantes de enfermagem era do sexo feminino, 85,9% (n=177) e a média de idade era de 21,7 anos (desvio-padrão de 3,2) e mediana 21 (intervalo interquartil 20-23). Os estudantes usavam o smartphone em média 7,9 horas por dia (desvio-padrão de 3,7). Foi verificado que 57,3% (n=118) estudantes usavam o smartphone para acessar rede social, 34% (n=70) trabalhar ou estudar, 6,3% (n=13) obter informações ou notícias e 2,4% (n=5) jogar.

A prevalência de dependência de smartphone nos estudantes de enfermagem foi de 129 (62,6%). A prevalência das categorias que compõem a SPAI: comportamento compulsivo, limitação funcional, abstinência e tolerância é apresentada na Tabela 1.

Tabela 1 -
Prevalência dos itens das categorias da escala Smartphone Addiction Inventory (SPAI) respondidos pelos graduandos de Enfermagem das Instituições de Ensino Superior públicas do Piauí (n = 206). Teresina, PI, Brasil, 2021

Variáveis	Sim n(%)
Comportamento compulsivo
Eu me sinto disposto a usar o smartphone mesmo quando me sinto cansado	142(68,9)
Eu uso smartphone durante mais tempo e/ou gasto mais dinheiro nele do que eu pretendia inicialmente	95(46,1)
Embora o uso de smartphone tenha trazido efeitos negativos nos meus relacionamentos interpessoais, a quantidade de tempo que eu gasto nele mantém-se a mesma	86(41,7)
Eu me sinto incomodado ou para baixo quando eu paro de usar o smartphone por um certo período de tempo	74(35,9)
Eu não consigo controlar o impulso de utilizar o smartphone	87(42,2)
Minhas atividades de lazer diminuíram por causa do uso do smartphone	47(22,8)
Minha vida seria sem graça se eu não tivesse o smartphone	100(48,5)
Navegar no smartphone tem causado prejuízos para a minha saúde física. Por exemplo, uso o smartphone quando atravesso a rua, ou enquanto dirijo ou espero algo, e esse uso pode ter me colocado em perigo	34(16,5)
Eu tenho tentado passar menos tempo usando o smartphone, mas não tenho conseguido	82(39,8)
Comprometimento funcional
Em mais de uma ocasião, eu dormi menos que quatro horas porque fiquei usando o smartphone	82(39,8)
Eu me sinto mais satisfeito utilizando o smartphone do que passando tempo com meus amigos	28(13,6)
Eu sinto dores ou incômodos nas costas, ou desconforto nos olhos, devido ao uso excessivo do smartphone	112(54,4)
O uso de smartphone tem causado efeitos negativos no meu desempenho na escola ou no trabalho	66(32)
Minha interação com meus familiares diminuiu por causa do meu uso do smartphone	63(30,6)
Minha interação com meus familiares diminuiu por causa do meu uso do smartphone	63(30,6)
Eu tornei o uso do smartphone um hábito e minha qualidade e tempo total de sono diminuíram	83(40,3)
Eu preciso gastar cada vez mais tempo no smartphone para alcançar a mesma satisfação de antes	42(20,4)
Eu me sinto cansado durante o dia devido ao uso do smartphone tarde da noite/de madrugada	68(33)
Síndrome de abstinência
Eu me sinto desconfortável/ansioso/inquieto quando eu fico sem usar o smartphone durante um certo período de tempo	117(56,8)
Eu me sinto inquieto e irritado quando não tenho acesso ao smartphone	93(45,1)
A ideia de utilizar o smartphone vem como primeiro pensamento na minha cabeça quando acordo de manhã	145(70,4)
Eu me sinto ansioso ou irritado quando meu smartphone não está disponível e sinto falta de algo ao parar o uso do smartphone por certo período de tempo	86(41,7)
Eu sinto uma grande vontade de usar o smartphone novamente logo depois que eu paro de usá-lo	105(51)
Eu não consigo fazer uma refeição sem utilizar o smartphone	70(34)
Síndrome de tolerância
Já me disseram mais de uma vez que eu passo tempo demais no smartphone	125(60,7)
Eu acho que eu tenho ficado cada vez mais tempo conectado ao smartphone	159(77,2)
Eu tenho aumentado consideravelmente o tempo gasto usando o smartphone nos últimos 3 meses	125(60,7)

A prevalência de sintomas moderados a extremamente graves de depressão, ansiedade e estresse entre os estudantes de enfermagem com dependência de smartphone foi de 64,6%, 64,5% e 63,1%, respectivamente.

Na análise bivariada, o nível de depressão moderado ou grave/muito grave (p<0,001), o nível de ansiedade leve (p=0,028), moderada (p=0,002) e grave/muito grave (p<0,001), o nível de estresse leve (p=0,039), moderado (p=0,007) e grave/muito grave (p<0,001) possui relação significativa com a dependência do smartphone. Não foi encontrada relação significativa com o nível de depressão leve (p>0,05). Após a regressão logística os sintomas de depressão moderada (p=0,049), grave/muito grave (p=0,005), a ansiedade leve (p=0,028) e grave/muito grave (p=0,019) permaneceram relacionados à dependência de smartphone ( Tabela 2).

Tabela 2 -
Relação entre depressão, ansiedade, estresse e dependência de smartphone em estudantes de Enfermagem das Instituições de Ensino Superior públicas do Piauí (n=206). Teresina, PI, Brasil, 2021

	Dependência de smartphone			Odds bruta (IC*95)	p-valor †	Odds ajustada (IC*95)	p-valor †
	Sim n(%)	Não n(%)	Total n(%)
Depressão
Normal	29(39,7)	44(60,3)	73(100)	1	-	1
Leve	13(46,4)	15(53,6)	28(100)	1,32(0,55-3,17)	0,541 ‡	0,78(0,29-2,12)	0,626 §
Moderada	27(77,1)	8(22,9)	35(100)	5,12(2,05-12,82)	<0,001 ‡	2,84(1,00-8,06)	0,049 §
Grave/muito grave	60(85,7)	10(14,3)	70(100)	9,1(4,02-20,61)	<0,001 ‡	4,53(1,59-12,96)	0,005 §
Ansiedade
Normal	26(35,6)	47(64,4)	73(100)	1	-	1	-
Leve	7(77,8)	2(22,2)	9(100)	6,33(1,22-32,71)	0,028 ‡	6,67(1,23-6,21)	0,028 §
Moderada	21(70)	9(30)	30(100)	4,218(1,69-10,54)	0,002 ‡	2,64(0,95-7,33)	0,062 §
Grave/ muito grave	75(79,8)	19(20,2)	94(100)	7,14(3,56-14,30)	<0,001 ‡	3,03(1,20-7,65)	0,019 §
Estresse
Normal	30(39,5)	46(60,5)	76(100)	1	0,039 ‡	-	-
Leve	11(68,8)	5(31,3)	16(100)	3,37(1,07-10,68)	-	-	-
Moderada	22(68,8)	10(31,3)	32(100)	3,37(1,40-8,11)	0,007 ‡	-	-
Grave/muito grave	66(80,5)	16(19,5)	82(100)	6,33(3,10-12,92)	<0,001 ‡

• ^*IC = Intervalo de Confiança; ^†p-valor = Nível de Significância; ^‡Teste de Qui-quadrado; ^§Regressão Logística

Discussão

Os resultados destacam a alta prevalência de dependência de smartphone em estudantes de enfermagem. Em outros estudos, a prevalência do quadro foi menor ⁽ 4 ^- 5 ⁾. Certamente, as variações nas taxas de prevalência podem refletir diferenças decorrentes de vários fatores locais, incluindo a disponibilidade relativa e a aceitabilidade social de tais tecnologias ⁽ 18 ⁾. Na pandemia de COVID-19, juntamente com a educação à distância, os hábitos de uso do smartphone e internet dos estudantes mudaram e sua duração foi estendida. No entanto, o efeito da situação em problemas que podem se desenvolver devido ao uso acentuado do smartphone e da internet, como nomofobia (medo de perder), ainda é desconhecido ⁽ 19 ⁾.

A regressão logística mostrou que houve relação entre sintomas de depressão moderada e grave/muito grave, ansiedade leve e grave/muito grave e dependência de smartphone. No entanto, essa relação é complexa, ainda não se sabe ao certo se os sintomas de depressão e ansiedade aumentam entre os indivíduos com dependência de smartphone ⁽ 20 ⁾, se indivíduos com sintomas de depressão e ansiedade são mais predispostos ⁽ 6 ^, 21 ⁾ ou se existe correlação bidirecional entre sintomas de depressão e ansiedade e a dependência de smartphone ⁽ 22 ⁾. Um estudo realizado na Sérvia com estudantes universitários confirmou correlação bidirecional entre dependência de smartphone e depressão ⁽ 22 ⁾.

A prevalência de sintomas moderados a extremamente graves de depressão, ansiedade e estresse entre os estudantes de enfermagem com dependência de smartphone foi de 64,6%, 64,5% e 63,1%, respectivamente. Os resultados deste estudo são semelhantes aos de outros que também identificaram relação entre sintomas de depressão e dependência de smartphone, de forma que ela aumenta conforme os níveis de depressão ⁽ 6 ^, 23 ^, 24 ^- 25 ⁾. Além disso, as demandas decorrentes do uso do smartphone podem predispor depressão por estresse ⁽ 6 ⁾. Depressão, mau humor e nervosismo são mais frequentes enquanto os indivíduos estão offline ⁽ 26 ⁾. Outros estudos também encontraram relação dos sintomas de ansiedade e dependência de smartphone ⁽ 14 ^, 21 ^, 27 ⁾.

Nos últimos dois anos, em virtude da pandemia de COVID-19, houve aumento expressivo do tempo e da intensidade de uso de aparelhos eletrônicos entre estudantes universitários e a sua relação com vários problemas de saúde mental ⁽ 28 ^, 29 ^- 30 ⁾. Uma pesquisa realizada com universitários no Cazaquistão revelou maior propensão a sintomas de depressão e ansiedade após a introdução do aprendizado online ⁽ 31 ⁾. Acredita-se que o ensino online, a substituição de livros impressos por ferramentas digitais, aplicativos gratuitos, plataformas para realizar videoconferências e outras mídias eletrônicas direcionaram os estudantes para o uso excessivo de smartphones ⁽ 32 ⁾ e a piora de transtornos mentais ⁽ 33 ⁾.

Uma revisão sistemática com metanálise para medir a variação na prevalência de transtorno depressivo maior e ansiedade antes e durante a pandemia de COVID-19 estimou um adicional de 53,2 milhões de casos de transtorno depressivo e 76,2 milhões (64,3 a 90,6) de casos de transtornos de ansiedade globalmente ⁽ 34 ⁾. Corroborando esses achados, uma pesquisa online realizada com 370 estudantes de medicina demonstrou que os sintomas depressivos estiveram presentes em 78% dos alunos e sintomas de ansiedade em 69% ⁽ 33 ⁾. Neste estudo, o uso de smartphone foi significativamente associado à presença de sintomas depressivos e de ansiedade ⁽ 33 ⁾.

Pessoas que usam smartphone excessivamente tendem a se sentir mais deprimidas e isoladas sem seus telefones celulares, além disso, elas podem experimentar outros sintomas, como preocupação, falta de tolerância, falta de controle, abstinência, modificação do humor, conflito, mentiras, e perda de interesse ⁽ 6 ⁾. Depressão e ansiedade são reflexos gerais de condições psicológicas, das quais se acredita estarem altamente correlacionadas com dependência de smartphone ⁽ 33 ⁾.

Os resultados deste estudo devem ser ponderados considerando algumas limitações. Primeiro, a amostra foi selecionada por conveniência, o que pode afetar a generalização dos resultados. Segundo, as medidas de autorrelato foram utilizadas para coletar informações dos instrumentos de coleta de dados, portanto, os resultados podem ter viés de desejabilidade social. Outro possível viés do estudo foi a forma de mensurar a dependência de smartphone entre os estudantes, respondendo perguntas de uma escala e não usando métodos de medição objetivos e clínicos. Recomenda-se que futuros estudos longitudinais ou experimentais sejam realizados para explorar essas informações e fornecer uma fotografia mais precisa do padrão real de uso e dependência de smartphone entre estudantes de enfermagem.

Considerando as mudanças ocasionadas pela pandemia COVID-19, dentre as quais se tem a introdução da aprendizagem online, avanços no desenvolvimento de tecnologias móveis, mudanças nas interações sociais e das importantes repercussões na saúde mental de estudantes universitários na pandemia COVID-19, este estudo é relevante por trazer informações sobre a saúde mental dos estudantes de enfermagem durante a pandemia e abordar a sua relação com a dependência de smartphone. Os resultados encontrados contribuem para identificação dos fatores de risco para o problema e a construção de políticas de uso restritivo do smartphone no ambiente acadêmico e hospitalar que possam prevenir a dependência de smartphone nesse público-alvo, buscando controlar os fatores relacionados.

Conclusão

Houve relação entre os sintomas de depressão moderada (p=0,049), grave/muito grave (p=0,005), ansiedade leve (p=0,028) e grave/muito grave (p=0,019) e a dependência de smartphone. Estes dados fornecem informações específicas sobre os participantes do estudo no contexto da pandemia da COVID-19, mas podem alertar as IES para a formulação de intervenções educativas para prevenção e redução dos fatores relacionados à saúde mental que podem desencadear ou piorar a dependência de smartphone, buscando a redução dessa problemática, principalmente no contexto acadêmico. Salienta-se a preponderância de abordagem multidisciplinar na prevenção e no manejo da dependência de smartphone, tendo a enfermagem um papel decisivo no reconhecimento e rastreamento dos aspectos relacionados às consequências físicas e mentais das dependências comportamentais e aos princípios básicos para seu manejo e tratamento em ambiente educacional, tanto quanto em ambientes de saúde.

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• Como citar este artigo

  Meneses MO, Andrade EMLR. Relationship between depression, anxiety, stress and smartphone addiction in COVID-19 nursing students. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2024;32:e4056 [cited ano mês dia]. Available from: URL . https://doi.org/10.1590/1518-8345.6764.4056
• Todos os autores aprovaram a versão final do texto.

Editado por

Editora Associada:

Sueli Aparecida Frari Galera

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  26 Jan 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  17 Mar 2023
• Aceito
  25 Ago 2023