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Relações entre educação ambiental e educação em ciências na complementaridade dos espaços formais e não formais de educação

Relations between environmental education and education of sciences in the complementarity of the formal and no formal spaces of education

Resumos

A partir dos resultados parciais de uma pesquisa que procura investigar um curso de formação de professores para a atuação na educação não formal, desenvolveu-se uma reflexão sobre os limites de uma formação tradicional. Isso, para se pensar em uma proposta de formação que privilegie uma abordagem relacional, buscando a complementaridade dos espaços formais e não formais de Educação como forma de potencializar uma abordagem crítica de Educação Ambiental.

educação formal e não formal; educação ambiental; ensino de ciências


We developed a reflection on the limits of the traditional teacher's education. From the partial results of a research project that evaluating a course ateacher to work in informal education. Our purpose was to think about a new proposal for teacher education emphasing the relational approach, seeking complementarity of formal and informal education and enhancing the critical approach of Environmental Education.

formal and no formal education; environmental education; education of sciences


DOSSIÊ: EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Relações entre educação ambiental e educação em ciências na complementaridade dos espaços formais e não formais de educação

Relations between environmental education and education of sciences in the complementarity of the formal and no formal spaces of education

Mauro GuimarãesI; Maria das Mercês N. VasconcellosII

IDoutor em Ciências. Pesquisador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST) e Coordenador do Núcleo Multidisciplinar de Educação Ambiental da Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO). E-mail: mauro@mast.br

IIMestre em Educação. Chefe de Serviço em Pesquisas Educacionais na Coordenação de Educação do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST). E-mail: merces@mast.br

RESUMO

A partir dos resultados parciais de uma pesquisa que procura investigar um curso de formação de professores para a atuação na educação não formal, desenvolveu-se uma reflexão sobre os limites de uma formação tradicional. Isso, para se pensar em uma proposta de formação que privilegie uma abordagem relacional, buscando a complementaridade dos espaços formais e não formais de Educação como forma de potencializar uma abordagem crítica de Educação Ambiental.

Palavras-chave: educação formal e não formal; educação ambiental; ensino de ciências.

ABSTRACT

We developed a reflection on the limits of the traditional teacher's education. From the partial results of a research project that evaluating a course ateacher to work in informal education. Our purpose was to think about a new proposal for teacher education emphasing the relational approach, seeking complementarity of formal and informal education and enhancing the critical approach of Environmental Education.

Key-words: formal and no formal education; environmental education; education of sciences.

Este artigo é resultante da pesquisa em desenvolvimento, na Coordenação de Educação do Museu de Astronomia e Ciências afins (MAST), no Rio de Janeiro, em que procuramos analisar "A formação de professores como agentes de mediação em museus e centros de ciências e a contribuição da Educação Não Formal para a construção da sustentabilidade sócio-ambiental".

Temos como objetivo pesquisar o processo formativo de licenciandos da área de Ciências e Pedagogia, realizado pelo MAST em parceria com universidades, na sua proposta de formar agentes de mediação, entendido como o mediador do processo de interação do conhecimento disponibilizado em espaços de educação não formal (museus e centros de ciências) e o visitante. Isso vem sendo realizado em um curso de extensão universitária de 40 horas que denominamos de "Curso Parcerias". Pretendemos perceber em processos formativos como esse, os limites e possibilidades de construção de conhecimentos que demonstrem a intrínseca relação de complementaridade entre a Educação Formal e Não Formal e a importância da popularização da Ciência para se abordar a complexidade das atuais questões socioambientais. Desta forma procura-se caracterizar espaços de Educação Não Formal, como o MAST, como um ambiente educativo propício à práxis de educadores ambientais, espaços que ainda carecem de trabalhos que contemplem a dimensão ambiental.

A formação no curso parcerias

O que justifica a iniciativa do MAST em intervir na formação de professores para a atuação na área da educação não formal, é que entendemos ser esta uma área genericamente carente nos cursos de formação inicial de professores das universidades, que focam quase que exclusivamente na educação formal. Professores e seus alunos são um dos principais públicos de usuários de museus e centro de ciências. Além disso, há uma grande carência de cursos específicos para formação profissional de agentes de mediação nestes espaços de educação não formal. Desta forma, esse curso de formação oferecido periodicamente pelo MAST a licenciandos e conhecido como "Curso Parcerias", situa-se no recorte que fizemos como universo de pesquisa que busca refletir sobre o processo formativo de educadores em seus diferentes espaços de atuação.

O Curso Parcerias é uma atividade desenvolvida no MAST desde 2001, tendo sido formada quatro turmas neste período. A pesquisa a que este artigo se reporta, tem como objeto de estudo a turma de 2004. Esta turma teve início no dia 08 de setembro, contando com a participação de 21 graduandos do Curso de Pedagogia da UERJ e três licenciandos do curso de Biologia da UFRJ, totalizando 24 inscritos. Destes alunos, dezesseis concluíram conseguindo cumprir a carga horária mínima de 75% de freqüência. O curso se compôs de doze módulos, sendo finalizado no dia 08 de dezembro.

Temos como objetivos nesta pesquisa: avaliar os conceitos que fundamentam o curso e a relação que estabelecem com as práticas pedagógicas realizadas durante o seu desenvolvimento. Investigar através de entrevistas a formação dos licenciandos, a partir de suas prévias visões de mundo sobre educação, ciência, questões socioambientais, ao iniciar o curso. Analisar pela observação participante o processo formativo do curso, dimensionando os seus limites e possibilidades na tentativa de interagir educação formal e não formal. Pesquisar em entrevistas ao final do Curso os impactos desse processo formativo nas concepções prévias, diagnosticadas no instrumento inicial, referendando-as pela avaliação da realização de suas propostas (projeto) de práticas pedagógicas em espaços de educação não formal.

As reflexões presentes neste artigo representam um esforço de produção do conhecimento como práxis, já que as análises decorrentes deste curso de 2004 servirão como subsídios para a reestruturação do processo formativo para a nova turma a ser iniciada no 2º semestre de 2005, também sendo esta turma objeto de estudo da pesquisa em andamento, possibilitando assim avaliar perdas e ganhos das diferentes propostas.

Refletindo sobre experiências

A partir da análise de dados coletados ao longo do Curso Parcerias de 2004, pudemos apontar alguns indicativos que merecem maior aprofundamento na nova proposta do curso. São esses indicativos que nos remetem às reflexões presentes neste artigo.

Apesar da avaliação positiva sobre os resultados do curso manifestada pelos alunos, há indícios, em seus relatos, que o conhecimento resultante do processo formativo ainda se constituiu fragmentado, com uma visão simplificada do processo e das possibilidades educativas de espaços não formais de educação. Acreditamos que tal fato decorra de uma concepção tradicional de formação acadêmica, que se reproduziu no curso em foco, de se constituir por uma estruturação modular, baseado na docência de profissionais ligados a diferentes setores da instituição, com baixo nível de articulação institucional. Isso reflete e é reflexo da própria constituição da realidade na modernidade que reproduz nas instituições sociais uma estrutura fragmentária concretizada em departamentos estanques. Sendo assim os processos formativos tendem a se impregnar pelo "paradigma da disjunção", conforme analisa Morin no conjunto de sua obra, revelando a forte influência da tradicional concepção disciplinar de formação. O paradigma de disjunção da sociedade moderna, caracterizado pelos aspectos do cientificismo cartesiano, produz conhecimentos sobre a realidade a partir da fragmentação do saber. Esse enfoque gera uma disciplinarização do conhecimento com tendências ao aprofundamento e especialização, mas que no seu extremo se desconecta e descontextualiza de uma compreensão mais totalizante e complexa do real em suas interações parte-todo, todo-parte, parte-parte.

Acreditamos que a avaliação extremamente positiva manifestada pelos alunos se dê pela transmissão e acumulação de conhecimentos, ainda muito centrada no caráter teórico, no entanto, conhecimentos esses até então ausentes em seus processos individuais de formação, o que lhes dá um real sentimento de ampliação e crescimento cognitivo, mas numa perspectiva ainda "bancária" de depositório aditivo de conteúdos, como Paulo Freire nos denunciava em sua vasta obra. Entretanto ao cruzarmos com suas visões de mundo, o estabelecimento de relações simplistas e lineares com a problemática socioambiental e a proposição de práticas pouco inovadoras, caracterizaram-se como indicativos de baixa associação entre reflexão e ação, teoria e prática, numa perspectiva pouco crítica, não referenciada por um pensamento complexo. Tais fatos aqui constatados e também observados em outras propostas formativas, indicam limites deste processo modular e disciplinar influenciada pelos "paradigmas de disjunção" que ainda são hegemônicos nas concepções de cursos de formação na área educacional.

A realização destas propostas, segundo essas concepções, limita as possibilidades para se buscar a complementaridade entre educação formal e não formal. Consideramos essa complementaridade algo extremamente importante de ser buscado pela educação ambiental. Isso como forma de potencializar, entre outros, o trabalho de contextualização entre o local e o global e uma melhor aproximação a uma realidade complexa, já que podemos encontrar, na perspectiva disjuntiva, não relacional, a raiz das questões socioambientais que nos aflige na atualidade, posição essa defendida nas discussões sobre uma educação ambiental crítica e emancipatória (GUIMARÃES, 2004; LOUREIRO, 2003; entre outros).

Portanto, a perspectiva disjuntiva, não relacional, é questão extremamente pertinente para refletirmos sobre o processo formativo que pretendemos desenvolver. Reflexões que possam vir a subsidiar uma proposta que venha promover a relação entre espaços formais e não formais de educação; assim como, a complementaridade entre a educação ambiental e a educação em ciências numa perspectiva crítica da educação.

Formação para uma educação relacional

Para pensarmos nesta formação, os pressupostos de uma Educação ambiental crítica que estamos considerando aqui são sua abordagem interdisciplinar, referenciada na perspectiva da complexidade e subsidiada pela interpretação histórico-crítica da realidade. Estes pressupostos afirmam o caráter participativo, permanente e político da dimensão ambiental no processo educativo, conforme defendem vários autores presentes no livro As identidades da educação ambiental brasileira (2004), publicado pelo Ministério de Meio Ambiente.

Entendemos aqui que na educação em ciências essa perspectiva crítica se revela na formação de pessoas (cidadãos) aptas a dialogarem com o conhecimento científico em interação com outros saberes, por um lado. Por outro, é estimular que esse conhecimento e seu processo de produção sejam popularizados como ferramenta de promoção de engajamento político. Esse processo possibilita a ruptura do que Giddens (1991) denomina de "sistema perito", por se dar por conhecimentos cada vez mais sob o domínio exclusivo de especialistas.

Desta forma para nos mantermos fiéis ao referencial da teoria crítica e do pensamento complexo, estamos adotando a abordagem relacional como subsídio conceptual para a elaboração do processo formativo da nova turma 2005, que será também acompanhada pela pesquisa em andamento.

Compreendemos a abordagem relacional no processo educativo, assim como explicitado a seguir:

... processo educacional fundamentado em ações pedagógicas baseadas no estudo das relações. O fundamento dessa idéia está justamente no entendimento (...) de que as principais questões contemporâneas surgem das formas e da intensidade do relacionamento dos seres humanos entre si e com os demais componentes do mundo em que vivemos. Assim, considera-se que o estudo das relações pode ser um ponto de partida para o devido entendimento dessas questões, etapa inicial para o seu enfrentamento. (...) O estudo das relações requer o conhecimento dos conteúdos necessários para o entendimento dos elementos envolvidos. Assim, as ações pedagógicas relacionais devem permitir o trabalho dos conteúdos a partir da perspectiva do estudo das relações. Com esse procedimento pode-se chegar aos conteúdos que surgem das relações e que normalmente não são devidamente compreendidos num tratamento fragmentado onde os temas são tratados isoladamente. É com essa compreensão que a Abordagem Relacional pode contribuir para a construção de visões de mundo integradas. (...) O que se propõe na perspectiva da Abordagem Relacional é uma mudança no foco da ação integradora: a integração passa a ser o objeto do conhecimento. A integração dos conhecimentos disciplinares torna-se um dos instrumentos para a construção de um conhecimento integrado, que possibilite a percepção e a compreensão da complexa rede de conexões dos componentes físico-químicos, biológicos e humanos do nosso planeta. (MORAES, 2003, p. 3)

O ponto de partida destas reflexões se dá em um pressuposto já consensuado em nossa sociedade, de que os problemas socioambientais colocam-se hoje como questões centrais para a compreensão do mundo contemporâneo. Talvez a dimensão das conseqüências é que possam ainda gerar controvérsias. No entanto, cada vez mais avança no meio acadêmico-científico a percepção de que vivemos na atualidade uma séria crise ambiental, entendida como uma crise civilizatória; ou seja, uma crise de um modelo de sociedade e seus paradigmas – uma crise socioambiental.

A crise socioambiental da atualidade e suas relações com a crise de paradigmas da sociedade atual já vem sendo trabalhado por diversos autores: Boff (1999, 2000); Capra (1989, 1997); Gadotti (2000); Grün (1996); Guimarães (2000, 2004); Gutiérrez e Prado (1999); Leff (2001); Loureiro et al. (2000, 2002), Loureiro (2003); Morin (1997, 1999), entre outros.

O contexto social atual exige o empenho de todas as áreas do conhecimento nas discussões para se buscar superar as nefastas conseqüências de degradação socioambiental. Neste cenário de crise, destaca-se a função social da educação e da ciência, e em particular suas interfaces, a educação em ciências em interlocução com os pressupostos da educação ambiental crítica, que podem oferecer uma grande contribuição recíproca na construção da sustentabilidade socioambiental. Pois para discutir e se engajar como cidadão no enfrentamento dos problemas socioambientais, a população precisa estar cientificamente alfabetizada, politicamente consciente e engajada. Entendemos o sentido de "alfabetização" dado na obra de Paulo Freire como domínio da leitura não reduzido ao "bê a ba" em um juntamento de letras, ou seja, ao domínio da técnica, mas como uma leitura de mundo que dê sentido a compreensão e ação do/a educando/a sobre a realidade. É inerente a este sentido a dimensão política que possibilita ao educando/a tornar-se sujeito na história pela ampliação do exercício da cidadania a partir de sua alfabetização.

O enfrentamento da atual crise socioambiental depende, entre outras, da luta pela formulação de uma ciência e uma cultura engajadas no processo de construção de um modelo de sociedade ecológica e socialmente sustentável. Este projeto se concretizará a partir de uma participação política que contribua para construir nas relações societárias uma perspectiva de imperativos éticos voltados para o bem comum, como a eqüidade, a solidariedade e a cooperação.

Tal demanda assume proporções de grande complexidade, o que justifica que seja esse um esforço social amplo, integral e integrado entre educação e ciência. É aqui que justificamos a necessidade da complementaridade e a emergência da abordagem relacional. No campo educacional, a escola, como espaço de educação formal, tradicionalmente é percebida como "locus" para o desenvolvimento deste esforço. Mas pela centralidade da questão ambiental na compreensão de mundo, a intensidade da demanda por sua gravidade e pela complexidade destas questões socioambientais, faz-se fundamental a disseminação desse esforço por todos os espaços educativos: os ditos formais, não formais e até mesmo os informais. A educação, entre outros setores, pode ajudar a construir essa sociedade, no entanto, esta é realmente uma tarefa grande demais para ficar só no âmbito escolar. Será necessária uma cooperação entre diferentes instituições educativas a partir de uma relação de complementaridade entre os diferentes espaços educativos na sociedade.

Diante disso, o MAST como Instituto de Pesquisa no campo da educação em ciências em espaço de educação não formal, assumiu esse compromisso de desenvolver um trabalho educativo que visa contribuir na construção da sustentabilidade socioambiental. Este trabalho é realizado a partir de uma interlocução com a produção teórica do que se reconhece hoje como educação ambiental. O museu objetiva na atualidade inserir essa dimensão em suas ações educativas como potencializadora de sua intervenção na construção de uma nova realidade socioambiental.

É nesse contexto que propomos refletir sobre a perspectiva mais ampla do processo educacional, para além da educação formal e não formal, o que não quer dizer a não explicitação de suas especificidades, mas que voltando reciprocamente a essas especificidades, entendemos a dimensão de complementaridade desse processo educativo. Da mesma forma, pretendemos pensar no educador para além do profissional que atua no espaço formal (professor) e não formal (profissional de museus e centros), sem mais uma vez deixar de reconhecer as especificidades de cada espaço e de cada função, com suas habilidades e competências particulares. Desta forma, desenvolvemos nossas reflexões na perspectiva dialógica sobre a complementaridade do processo educacional. No pensamento complexo de Edgar Morin, o dialógico se constitui/ é constituinte pela/da unidade do antagonismo e complementaridade recíproca das partes.

Diante da particularidade do MAST (mas também extensivo a outros museus e centros de ciências), que tem um público significativo de escolares, com seus professores e alunos, já se vêm produzindo conhecimento e realizando atividades voltadas para esta realidade em particular. Desde a sua criação em 1985, o MAST tem desenvolvido pesquisas sobre a relação museu-escola. Algumas destas pesquisas revelaram um alto grau de escolarização no uso do museu. Esta realidade levou o MAST a desenvolver trabalhos na formação inicial e continuada de professores (QUEIROZ; GUARACIRA; CRESO, 2003). Um exemplo destas ações é o "Curso Parcerias" aqui presente como base das reflexões trazidas neste artigo.

É na perspectiva dialógica da complementaridade do processo educativo que buscamos refletir sobre a formação destes licenciandos para subsidiar propostas formativas. Objetivamos perceber entre o antagonismo e a complementaridade desse processo de formação, os limites e as possibilidades do processo educativo e seus educadores, para intervirem no processo de enfrentamento dos problemas socioambientais. Entendemos que o processo educativo é formador e formado por atores sociais críticos no exercício de uma cidadania plena e ativa. Uma cidadania de conquista de espaço e afirmação de direitos. Cidadania que se exerce no espaço público, por meio da participação individual-coletiva no processo de transformação da realidade em busca da construção da sustentabilidade socioambiental.

Consideramos relevantes essas reflexões por partirmos da premissa de que há uma tendência paradigmática dissociativa, que fragmenta a compreensão e a ação sobre o mundo criando dualismos dicotômicos, com reflexos em todos os campos, entre estes (os mais próximos ao foco destas reflexões), nas relações entre ciência (e seus cientistas) e sociedade; entre os diferentes campos disciplinares do conhecimento científico; educação em ciências e educação ambiental; educação formal e não formal; educador e educando. Essas relações dicotômicas, historicamente construídas e extremamente presente nas visões de mundo predominantes, estão imbricadas na própria formação de educadores e em suas ações conseqüentes, denominado em Guimarães (2004) de "armadilha paradigmática" e que resulta em uma prática educativa com uma "limitação compreensiva e incapacidade discursiva" para lidar com a complexidade do real, das questões socioambientais da atualidade e dos aspectos de complementaridade de processos numa perspectiva relacional.

Para Guimarães (2004) "armadilha paradigmática" é a reprodução nas ações educativas dos paradigmas constituintes da sociedade moderna e que provoca, segundo Viégas (2002) uma limitação compreensiva e uma incapacidade discursiva de forma recorrente, gerando o que Grün (1996) chama de uma pedagogia redundante. Essa armadilha, produto e produtora de uma leitura de mundo e de um fazer pedagógico, se atrela ao "caminho único" traçado pela racionalidade dominante da sociedade moderna e que busca ser inquestionável. Esse processo vem gerando, predominantemente, ações educativas reconhecidas no cotidiano escolar, e também não escolar, como educação ambiental e que, por essa armadilha paradigmática na qual se aprisionam os educadores/as, apresenta-se fragilizada em sua prática pedagógica. As práticas resultantes (por não serem conscientes, levam a não fazer diferente) tendem a reproduzir o fazer pedagógico da educação tradicional, enebriando a perspectiva crítica e criativa no processo pedagógico, produzindo dominantemente nas ações educativas uma educação ambiental de caráter conservador. Ou seja, limitados por uma compreensão de mundo moldada pela racionalidade hegemônica, geram-se práticas - entre elas a ação discursiva - incapazes de fazer diferente do "caminho único" prescrito por essa racionalidade, efetivando-se a hegemonia.

Como proposição de superação dessa armadilha, defendemos a práxis da criticidade do processo educativo e o desenvolvimento de um pensamento complexo através de uma abordagem relacional (MORAES, 2003), em que a problematização em busca dos nexos estruturantes de uma dada realidade é o movimento de embasamento desta prática educativa, que deve refletir em propostas de formação do educador.

Com relação aos espaços de educação não formal, existem alguns aspectos que os tornam fundamentais para a promoção desta proposta educacional. Isto porque o caráter de não formalidade dessas instituições permite uma maior liberdade na seleção e organização de conteúdos e metodologias, o que amplia as possibilidades da interdisciplinaridade e contextualização. Por esse motivo, eles possuem um grande potencial para promover, segundo Tapia (2001) a motivação intrínseca para o estudo de ciências em suas inter-relações com as questões ambientais.

Tais espaços ganham cada vez mais importância diante do aumento constante e acelerado da complexidade da realidade. A escola, no entanto, tem encontrado dificuldades para proporcionar à sociedade todas as informações e reflexões necessárias para a compreensão deste contexto. Algumas hipóteses podem ser levantadas para explicar essa limitação. Por exemplo, o fato de a escola acumular uma grande quantidade de funções sociais pode ser um dos motivos que cria barreiras para uma maior flexibilidade curricular.

Sendo assim, a organização disciplinar da Escola é uma das principais dificuldades para a formação de uma visão de mundo mais integradora da realidade. "A organização disciplinar se impõe como forma de controlar o tempo e o espaço escolar, constituindo-se como uma tecnologia de organização curricular" (LOPES, 2002, p. 161). Coloca-se em jogo, neste caso, a própria função social da escola.

Portanto, a educação não formal por ter uma organização espaço-tempo mais flexível, possui um importante papel para a ampliação da cultura científica e humanística. Mas, para conseguir popularizar o seu trabalho, é importante que estes espaços estabeleçam uma forte parceria com as escolas, já que estas são instituições com maior capacidade de promover a sistematização com continuidade e a capilarização do trabalho educativo de intervenção na sociedade. Acreditamos que seja na complementaridade, entendida não como forma de uma instituição suprir deficiências da outra, e sim, como uma relação que amplie, pela interação, as possibilidades educativas numa perspectiva geradora de sinergia. Desta forma, a interação entre espaços educacionais (formal e não formal) podem potencializar a adoção de uma abordagem relacional no processo educativo - uma abordagem capaz de propiciar a necessária contextualização do conhecimento científico, que contemple a dimensão ambiental. Deste modo, fica mais fácil a sociedade compreender o passado e o presente, ajudando-a na construção de um futuro melhor.

Porém, é preciso entender que estes dois espaços educativos possuem funções sociais diferentes e particularidades. Essa advertência é importante para que não se submeta a educação não formal aos referenciais estritamente escolares e vice-versa. Por exemplo, não deve ser cobrado das atividades no museu um aprendizado formal. Isto comprometeria a motivação intrínseca e a aprendizagem significativa, segundo Ausubel (1968), quando essa ocorre a partir de relações que se estabelecem entre idéias já existentes, com novas experiências para construir novas idéias.

Dentro deste campo da educação não formal, os museus devem ser "ambientes educativos" como percebidos por Guimarães (2004): o ambiente educativo se constitui nas relações que se estabelecem entre escola e comunidade, entre comunidade e sociedade, entre seus atores, nos embates ideológicos por hegemonia. Portanto, é um movimento complexo das relações propícias à vivência de experiências significativas em uma abordagem relacional, apta à superação da "armadilha paradigmática" presente dominantemente nos processos educativos, proporcionando a construção de conhecimentos, opiniões, visões de mundo na perspectiva da complexidade. Nessas experiências, "a sensibilidade estética é aflorada, num processo aberto de comunicação que permite a cada pessoa explorar, sentir, pensar, tocar de modo singular e autônomo" (SCHALL, 2003, p. 17). Com isso, estimula-se no público o desejo de se inserir no ambiente educativo de forma espontânea, utilizando como fio condutor a curiosidade, o lúdico, o cotidiano e o contexto socioambiental.

Desta forma a educação não formal deve aliar informação, ensino-aprendizagem e entretenimento em prol da promoção da ampliação da cultura e construção de valores. Valores que reflitam o aumento do empode-ramento da população, a partir da ampliação do exercício da sua cidadania. Para isso ela deve também trabalhar para desmistificar a ciência e motivar o pensamento problematizador-crítico e investigador na compreensão-ação dos problemas socioambientais.

Proposta de um processo formativo relacional

É dentro desta perspectiva que pretendemos subsidiar o desenvolvimento da nova turma do Curso Parcerias como forma de refletir sobre o processo formativo de educadores que contemple sua dimensão ambiental. Uma das estratégias pensadas para podermos trabalhar durante o curso a abordagem relacional e a complementaridade entre os espaços formais e não formais da educação é a utilização da "Trilha Ambiental".

A "Trilha Ambiental" é uma das "trilhas" que o MAST oferece para o atendimento das escolas. O museu chama de "trilhas" as atividades que são propostas aos professores, como estratégia para estabelecer um continuum entre a atividade escolar e a museal. Com estas "trilhas", procura-se construir uma complementaridade educativa entre estes diferentes espaços. Para isso, os professores participam de uma reunião em que lhe são apresentadas as "trilhas" como uma proposta para dinamizar a interação entre a atividade da escola e do museu. Sugere-se que a "trilha" escolhida pelo professor se inicie na escola com a realização de atividades "provocativas" para a visita ao MAST. Nesta visita os estudantes e professores são guiados por diferentes exposições do museu. E para o retorno à escola são propostas atividades que têm o potencial de promover uma continuidade do trabalho.

No caso da "Trilha Ambiental", uma atividade que é sugerida para antes da visita ao museu é o preenchimento de uma ficha onde os estudantes registram suas concepções sobre sua localização no espaço e no tempo, sua identidade e seu entendimento sobre o que é um problema ambiental. O conteúdo destas fichas será trabalhado com a turma durante a visita ao MAST. Durante a visita, a ciência é trabalhada a partir de discussões sobre a problemática socioambiental, explorando-se atividades como o "Ano Cósmico", que trabalha a dimensão temporal da vida humana na Terra, e as seguintes exposições: "Sistema Solar em Escala", "Astronomia: uma História" e "Ciclos Astronômicos e a Vida na Terra".

O objetivo da "Trilha Ambiental" é provocar reflexão sobre a visão de mundo referenciada pelos paradigmas da sociedade moderna, a partir de atividades educativas que explorem conteúdos de diferentes exposições. Nestas atividades procura-se construir uma mudança/ampliação do olhar, em que se trabalha uma identidade de pertencimento a um coletivo; de sermos e estarmos em uma parte enredada em um todo maior; que participamos de um movimento evolutivo, não exclusivamente linear, mas também cíclico e complexo. Procuramos provocar uma mudança de foco que contemple uma compreensão complexa da realidade socioambiental e que os motive a se envolver com a discussão sobre esta problemática.

Ao final da visita, estimula-se o surgimento de questionamentos, para serem trabalhados posteriormente na escola, a respeito da crise socioam-biental da atualidade. Foram selecionados e criados materiais e produtos para subsidiar a continuidade pelo professor das atividades educativas, entre as quais: o empréstimo do livro-jogo "Unidos para construir um mundo melhor" (VASCONCELLOS, 2004), para estimular atividades cooperativas e o planejamento coletivo de projetos escolares; a disponibilização de textos e um fórum permanente de debate via internet; a participação nas demais atividades propostas pela Coordenação de Educação do MAST com esta dimensão ambiental, proporcionando uma consolidação da relação museu-escola. A nossa proposta é que essa cooperação entre o museu e a escola possa contribuir para a promoção de uma alfabetização científica a partir de uma perspectiva crítica de educação ambiental.

A trilha ambiental se constituirá na nova proposta do curso 2005, refletindo os resultados encontrados nas análises da turma 2004, como um conteúdo aplicado, unindo teoria e prática, promovendo uma práxis educativa como processo de formação. Pretende-se com isso, que os alunos interajam ao longo do curso com a Trilha e venham a intervir nela com os projetos de final de curso, propondo atividades que a complementem de acordo com essas concepções de abordagem relacional do processo educativo e a complementaridade dos espaços educativos trabalhadas ao longo do processo formativo, pretendendo que esses licenciandos sejam sujeitos nos "ambientes educativos" em que virão a atuar no seu exercício profissional cidadão.

Considerações finais

Para reagir as influências paradigmáticas que se sobrepõem tradicionalmente aos processos formativos, como pudemos constatar na própria avaliação do Curso Parcerias 2004 (MAST), e que reproduzem a estruturação disciplinar disjuntiva, gerando uma formação fragmentária, simplificadora e reducionista da realidade, nos propusemos a uma investigação reflexiva que nos desse subsídios para reelaborar uma proposta que contemple a formação de educadores aptos a lidarem com a complexidade da problemática socioambiental.

É na análise dos processos em andamento e na experimentação e avaliação dos resultados dessa proposta na realização do curso para os licenciandos, que procuraremos, como conclusão da pesquisa em andamento, construir indicativos que possam contribuir no balizamento do processo formativo de educadores. Assim como, na interação de educadores com diferentes "ambientes educativos", procuramos refletir sobre os limites e potencialidades do processo educativo, em sua perspectiva ampla, dialógica, mas também na especificidade da educação não formal e no MAST em particular.

Esse artigo procurou assim, em um primeiro esforço reflexivo sobre os resultados parciais da pesquisa citada, desenvolver o indicativo da pertinência de se trabalhar a abordagem relacional sobre realidades complexas, como forma de se contrapor a uma tendência formativa que julgamos insuficiente para o enfrentamento dos problemas socioambientais. Além disto, pretendemos também incitar o debate sobre a necessidade de se estabelecer a fundamental relação entre educação formal e não formal, como também entre educação ambiental e educação de ciências, como forma de a educação contribuir no processo de enfrentamento da grave crise socioambiental pela qual passa o mundo contemporâneo.

Texto recebido em 15 out.2005

Texto aprovado em 22 jan.2006

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2007
  • Data do Fascículo
    Jun 2006

Histórico

  • Aceito
    22 Jan 2006
  • Recebido
    15 Out 2005
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