Acessibilidade / Reportar erro

Hipoinsulinemia em alcoolistas com hepatopatia mínima

Hypoinsulinemia in alcoholics with minimal hepatopaty

Resumos

OBJETIVO: Em alcoolistas portadores de lesões hepáticas mínimas avaliar os níveis de glicose e insulina séricas após estímulo com glicose intravenosa. MÉTODOS: Em oito etilistas, portadores de alterações hepáticas mínimas, caracteriza por biópsia hepática, e em 26 controles sadios não-alcoólicos, foram estudados os níveis glicêmicos e insulinêmicos (RIE) nos tempos 1, 3, 5, e 10 minutos após estímulo com glicose intravenosa (0.5g/Kg de peso). RESULTADOS: As médias da insulina sérica dos tempos 1, 3 minutos e resposta integrada total (RIT-10min) após estímulo foram menores no grupo alcoolista em relação ao controle (p < 0,05) apesar de curvas glicêmicas normais. CONCLUSÃO: Etilistas crônicos com lesões hepáticas mínimas, à semelhança do observado anteriormente em etilistas assintomáticos, apresentam níveis diminuídos de insulina sérica, mas com curvas glicêmicas normais, após estímulo com glicose intravenosa, indicando hipofunção de células beta do pâncreas.

Alcoolismo; Hepatopatia Mínima; Hipoinsulinemia; Disfunção pancreática


The chronic pancreatitis (CP) may evolve with low insulin levels and develop clinical picture of diabetes mellitus. Low seric levels of insulin and C peptide after stimulus has also been described in asymptomatic alcoholics even with normal glicemic curves. It is known that the chronic alcoholism is the main etiological factor of CP and hepatic diseases, and that the insulin produced by the pancreas is metabolized mainly by the liver. High levels of periferic insulin are described in hepatic cirrhosis due to decrease of hepatic metabolization alone or associated to increase of periferic resistence. AIM: In alcoholics with minimal hepatic lesions to evaluate the seric insulin and glucose levels after stimulus with intravenous glucose. METHODS: In 8 alcoholic patients with minimal hepatic lesions characterized by hepatic biopsy, and 26 non-alcoholics, healthy controls, it was studied the serum glucose and insulin levels in basal time, 1, 3, 5, and 10 minutes after stimulus with intravenous glucose (0.5 g/kg). RESULTS: The insulin means in time 1, 3 minutes and total integrated response after stimulus were lower (p < 0.05) in alcoholic group than in control, even with normal glucose curves. CONCLUSION: Alcoholics with minimal hepatic lesions showed low seric insulin levels after glucose stimulus, similar to former observations in asymptomatic alcoholics, indicating hypofunction of pancreatic B cells.

Alcoholism; Minimal hepatopaty; Hypoinsulinemia; Precocious endocrine; Pancreatic dysfuntion


Artigo Original

Hipoinsulinemia em alcoolistas com hepatopatia mínima

M.M. das Neves, S.M. Moraes, V.P. Lanzoni

Disciplina de Gastroenterologia e Departamento de Patologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) - Escola Paulista de Medicina. São Paulo, Brasil.

RESUMO

OBJETIVO: Em alcoolistas portadores de lesões hepáticas mínimas avaliar os níveis de glicose e insulina séricas após estímulo com glicose intravenosa.

MÉTODOS: Em oito etilistas, portadores de alterações hepáticas mínimas, caracteriza por biópsia hepática, e em 26 controles sadios não-alcoólicos, foram estudados os níveis glicêmicos e insulinêmicos (RIE) nos tempos 1, 3, 5, e 10 minutos após estímulo com glicose intravenosa (0.5g/Kg de peso).

RESULTADOS: As médias da insulina sérica dos tempos 1, 3 minutos e resposta integrada total (RIT-10min) após estímulo foram menores no grupo alcoolista em relação ao controle (p < 0,05) apesar de curvas glicêmicas normais.

CONCLUSÃO: Etilistas crônicos com lesões hepáticas mínimas, à semelhança do observado anteriormente em etilistas assintomáticos, apresentam níveis diminuídos de insulina sérica, mas com curvas glicêmicas normais, após estímulo com glicose intravenosa, indicando hipofunção de células beta do pâncreas.

UNITERMOS: Alcoolismo. Hepatopatia Mínima. Hipoinsulinemia. Disfunção pancreática.

INTRODUÇÃO

Menor número de células beta nos três tipos diferentes de ilhotas de Langherans foram descritos em pacientes com pancreatite crônica (PC) mas com curvas glicêmicas normais, demonstrando que em alcoólatras a alteração anatômica da célula beta, antecede o aparecimento clínico do diabete1. Há sugestões de que pelo menos quatro anos ocorram entre o início da destruição das células beta e o aparecimento de hiperglicemia tanto de jejum como pós-estímulo2.

A PC em seus estados avançados pode cursar com intolerância à glicose, diabete clinicamente manifesta e hipoinsulinemia, situação geralmente acompanhada por insuficiência pancreática exócrina3-6. Menores níveis de insulina são entretanto também descritos na PC até em situações de normoglicemia6,7.

Em alcoólatras assintomáticos três tipos de comportamento da insulina em sangue periférico após estimulo foram descritos. Níveis aumentados, normais e diminuídos.

Os níveis aumentados de insulina e glicose pós-estímulo em sangue periférico têm várias hipóteses para explicá-los, tais como: intolerância à glicose que acompanha preferencialmente o alcoólatra crônico com lesão hepática8,9 aumento da resistência periférica à insulina e lesão dos hepatócitos da zona perivenular, que são os principais responsáveis pela captação da glicose, além de serem os mais atingidos pelo álcool10, shunts porto-sistêmicos ou intra-hepáticos e ou alteração na utilização da glicose ao nível muscular periférico8,11,12.

Hiperinsulinemia no sangue periférico, acompanhada de níveis diminuídos de insulina no sangue portal, foi descrita na cirrose hepática alcoólica, indicando que o aumento da insulina periférica, observado nesta patologia, pode ser resultante basicamente de menor metabolização hepática, apesar de também haver menor produção de insulina pelas células beta das ilhotas pancreáticas13,14.

Etilistas assintomáticos, isto é, sem evidências clínicas de pancreato ou hepatopatia, além de hipersecreção exócrina de suco pancreático15, apresentaram também hipoinsulinemia no sangue periférico após variados e diferente estímulos16-19. Neste trabalho permanece, entretanto, a dúvida do real estado do parênquima hepático, por não ter sido realizado estudos histológicos em virtude da ausência total de sinais ou sintomas de hepatopatia.

A doença hepática alcoólica (DHA) associa-se com a ingestão alcoólica excessiva por período prolongado de tempo20, sendo que a maioria desenvolverá apenas esteatose hepática21, poucos evoluirão a formas mais graves22, sendo que os mecanismos associados que determinam diretamente as lesões permanecem indefinidos23. É maior a predominância das lesões na zona perivenular do ácino hepático24, quer por anóxia25, oxi-redução26, distribuição zonal das enzimas do citocromo P-450 máxima nessa região27, pelos agregados de acetaldeído28, lesão microtubular e alteração no transporte de proteínas29, aumento da síntese de RNA e colágeno30 entre outros.

Em decorrência do alcoolismo crônico ser o principal fator associado à pancreatite crônica e às disfunções hepáticas, e a insulina produzida nas células beta das ilhotas pancreáticas ser importantemente metabolizada nos hepatócitos, tivemos como objetivo avaliar um grupo de alcoolistas clinicamente assintomáticos e portadores de alteração hepática mínima, caracterizada por estudo histológico21,31,32, os níveis de insulina séricos, na fase rápida, após administração de glicose intravenosa.

CASUÍSTICA

A casuística consta de 34 indivíduos adultos distribuídos em dois grupos:

Grupo alcoolista: Constituído de oito indivíduos do sexo masculino, com média de idade de 37 anos (26 a 53 anos), peso corporal de 63Kg (55 a 70Kg) e peso ideal médio de 96% (87 a 104%) calculado levando em consideração a compleição física e o Metropolitan Life Insurance Co. Statistical Bulletin Nº 40. A média diária da ingestão etílica foi de 187g de etanol (107-312g) por período médio de 18 anos (12 a 28 anos) e ingestão etílica total média de 1240Kg (469-2097Kg). Todos apresentavam, à biópsia hepática, alterações histológicas consideradas como mínimas (esteatose, fibrose perivenular e ou esclerose de veia centrolobular discretas)21,31,32. Na Tabela 1 apresentamos a histologia hepática dos alcoolistas estudados neste grupo.

Grupo controle: Constituído de 26 indivíduos, sem histórico de ingestão etílica, sendo 18 do sexo masculino, com média de idade de 32 anos (20 a 56 anos), média de peso corporal de 64Kg (49 a 89Kg). A média do peso ideal foi de 100% (86 a 113%) levando em consideração a compleição física de cada indivíduo de acordo com o Metropolitan Life Insurance Co. Statistical Bulletin Nº 40.

Todos preencheram os seguintes critérios de inclusão:

1 - Peso real dentro da faixa de ± 15% do peso ideal. 2 - Sem história ou clínica de doença hepática, endócrina, pancreática, ou hipertensão arterial. 3 - Apresentar os seguintes exames dentro da normalidade: glicemia de jejum, uréia, creatinina, sódio, potássio, hemograma completo, amilase, quimotripsina fecal, protoparasitológico, bilirrubinas, fosfatase alcalina, atividade de protrombina, e marcadores para vírus da hepatite B e C negativos. No grupo alcoolista, seis indivíduos apresentavam as aminotransferases (ALT, AST) elevadas até três vezes o limite superior da normalidade. 4 - Ultrassonografia abdominal normal com exceção de cinco indivíduos alcoolistas que apresentaram esteatose hepática. 5 - Resultado da biópsia hepática compatível com lesão hepática mínima21,31,32.

Os dados relativos à ingestão etílica de cada indivíduo do grupo alcoolista foram obtidos em entrevistas com os pacientes e as informações complementadas por familiares e amigos. Para o cálculo da quantidade de etanol consumida, consideramos 42 g de etanol puro por litro de cerveja, e 333 g por litro de cachaça. Em cada dose de 50 ml de destilados como cachaça, uísque, ou vodca há 16g de etanol33. A ingestão etílica total foi calculada tomando-se como base a ingestão media diária X 365 X duração em anos de ingestão para cada indivíduo do grupo alcoolista.

MÉTODO

Os indivíduos do grupo alcoolista foram submetidos à biópsia hepática. Os fragmentos obtidos foram corados pela hematoxilina-eosina, tricromio de Masson, impregnação das fibras reticulares pela prata, método de Gomori, imunoperoxidade para pesquisa de AgHBs e AgHBc tecidual, dando ênfase aos aspectos sugestivos da etiologia alcóolica34,35.

Todos os indivíduos foram submetidos a um teste de tolerância à glicose intravenosa (TTGIV). Nos três dias que antecederam o TTGIV foram orientados a ingerir dieta geral mais no mínimo 200g de carboidratos na forma de doces. Pela manhã, após jejum noturno de 10 horas, foi colhida amostra de sangue, tempo basal (0 min), e a seguir administramos glicose a 50% na dose de 0,5 g/Kg de peso corporal em injeção intravenosa rápida (1-2 min); colhemos amostras de sangue nos tempos 1, 3, 5, 10 min, após o estímulo com glicose, na veia cubital contralateral, que foi mantida durante o teste com soro fisiológico a 0.9%2. A glicemia foi dosada sempre em duplicata, em cada um destes pontos, pelo método enzimático (GOD-POD), utilizando-se material Mercktest e os resultados foram expressos em mmol/L. A insulina foi dosada também em duplicata por radioimunoensaio, utilizando material obtido da Diagnostic Products Corporation (USA). O coeficiente de variação intra-ensaio foi sempre menor que 10%36. A área total sob a curva no período 0-10 min foi representada por RIT - 10 min36.

Todos os pacientes foram orientados quanto aos objetivos, riscos e benefícios da pesquisa, e deram seu consentimento por escrito. O projeto foi ainda aprovado pelo Comitê de Controle de Pesquisa Clínicas "in Anima Nobile" da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. A comparação estatística entre os dois grupos estudados foi realizada utilizando-se o teste de Mann-Whitney, para a análise de dados não paramétricos37. O nível de rejeição da hipótese nula foi de 5% (0,05).

RESULTADOS

A tabela 1 mostra os resultados histopatológicos dos espécimes de biópsias hepáticas nos pacientes do grupo alcoolista.

A tabela 2 mostra que não houve diferenças estatísticas significantes (p>0.05) entre as médias de glicemina obtidas nos tempos 0, 1, 3, 5 e 10 minutos, após o estímulo com glicose IV nos dois grupos analisados.

A tabela 3 mostra que as médias de insulina sérica após estímulo com glicose IV obtidos nos tempos 1 e 3 minutos do grupo alcoolista foram menores (p < 0.05) do que as respectivas médias do controle.

Na tabela 4 observamos que não houve diferenças entre as médias do RIT- 10 min de glicose nos dois grupos. A média do RIT-10 min de insulina do grupo alcoolista foi estatisticamente menor (p < 0.01) do que a obtida para o grupo controle.

DISCUSSÃO

Histologia hepática em alcoolistas

Está bem estabelecido que a ingestão excessiva de etanol é o fator etiológico mais comum de pancreatite crônica e cirrose hepática, pelo menos nos países ocidentais38-40. É notório que cirrose hepática, clinicamente definida, incomumente associa-se com pancreatite crônica, e vice versa38, 41,42. Entretanto, estas duas condições coexistem mais comumente, quando avaliadas através de histologia43,44, pancreatografia45 e testes de função pancreática exócrina46.

No presente estudo, realizado em grupo de indivíduos etilistas crônicos, portadores de discretas alterações bioquímicas ou ultrassonográficas (aminotransferases elevadas até três vezes o limite normal e ou ultrassonografia de abdômen mostrando esteatose hepática) e negativos para o vírus B e C, o conjunto de achados histológicos foi compatível com a denominação de alterações hepáticas mínimas31,32,47,48.

A razão de rotularmos esteatose como lesão hepática mínima, e não doença hepática significante, justifica-se pelo seu caráter geralmente benigno e usualmente transitório21, pelo fato de mesmo breves períodos de ingestão etílica poder ocasioná-la31 e pela comprovação de que indivíduos com esteatose hepática "pura", por ocasião da biópsia inicial, não obrigatoriamente progredirem para estágios mais avançados de doença hepática32. É oportuno ressaltar que nenhum dos pacientes deste estudo era obeso ou diabético, condições estas capazes de simular o quadro histológico de esteatose ou hepatite alcoólica47. Uma forma de lesão típica de injúria alcoólica, a fibrose perivenular intensa, não foi observada, quatro etilistas apresentaram fibrose de caráter discreto, o que de certa forma reforça a idéia de lesões hepáticas mínimas48. Este achado é importante, pelo fato já demonstrado de que o indivíduo com fibrose intensa perivenular, mesmo no estágio de fígado esteatótico, tem maior probabilidade de apresentar rápida progressão para estágios mais graves de hepatopatia alcoólica se o consumo de álcool persistir32.

Glicemia em alcoolistas com hepatopatia mínima

A análise da glicemia basal 1, 3, 5, 10 minutos e RIT-10min pós estímulo IV com glicemia 0,5 g/Kg peso, não mostrou diferença entre os grupos alcoolista e controle, apontando para o fato de que o estímulos aplicados aos dois grupos foi semelhante. O achado de níveis glicêmicos normais após estímulo, em um grupo de alcoolistas portadores de alterações hepáticas mínimas realizado neste estudo, demonstra que estas lesões não foram capazes de produzir alterações no metabolismo dos hidratos de carbono, e concorda com observações anteriores realizadas em etilistas assintomáticos, de que alterações na glicemia ou no perfil glicídico não são encontradas em pacientes alcoólatras assintomáticos para doenças pancreática ou hepática15,17,18,19,49, sendo que tais alterações glicêmicas são habitualmente descritas em pacientes alcoólatras portadores de pancreatite crônica e cirrose hepática11,14.

Insulinemia em alcoolistas com hepatopatia mínima

Graças ao melhor conhecimento de alguns aspectos da evolução de pacientes com tendência a desenvolver diabete melito, sabe-se que existe longo período de latência entre o surgimento de anticorpos contra ilhotas, auto-anticorpos contra insulina, anticorpos da proteína 64 K da ilhota, e o surgimento de hiperglicemia de jejum e as posteriores manifestações clínicas clássicas de diabetes2. Assim, nesses indivíduos com maior predisposição ao diabete melito, antes que ocorra hiperglicemia de jejum, e mesmo antes de ser detectado alguma alteração ao estímulo com glicose, haveria diminuição progressiva da primeira fase da resposta insulínica após estímulo com glicose intravenosa rápida, e que só ocorreria hiperglicemia e diabete clinicamente manifesto quando houvesse perda dessa primeira fase da resposta insulínica2,50-54.

As medidas de insulina após estímulo com glicose intra-venosa no grupo alcoolista com mínimas lesões hepáticas nos tempos 1 e 3 minutos e na resposta total integrada RIT-10 minutos, foram estatisticamente menores do que as observadas no grupo controle (Tabela 3 e 4), demonstrando que a primeira fase ou fase rápida da resposta insulínica neste grupo de pacientes já está comprometida, e confirmam achados anteriores de níveis diminuídos de insulina em alcoolistas assintomáticos17,19.

No presente trabalho, o grupo alcoolista é composto por indivíduos portadores de lesões hepáticas mínimas, traduzidas na histologia por esteatose, esclerose ou fibrose de discreta intensidade, as quais não são causadoras de alteração do metabolismo da insulina, como ocorre na cirrose hepática onde há aumento da insulina periférica8,12,14. Desta forma, os menores níveis insulinênicos, agora observados não podem ser simplesmente explicados por diminuição da metabolização hepática. Por outro lado, procuramos afastar fatores que pudessem interferir na liberação de insulina e alterar o metabolismo glicídico. Os dois grupos foram pareados em relação à idade, peso, porcentagem de peso ideal, além da ausência de antecedentes de diabetes, ou qualquer outra doença que possa alterar o metabolismo dos hidratos de carbono.

O estado de desnutrição subclínica que pode acompanhar o alcoolismo crônico tende a determinar balanço nitrogenado negativo, com perda de peso de eletrólitos e redução da excreção renal de peptídeo-C, com o retorno à dieta normal sem etanol há reversão dessas alterações55. Alcoólatras com abstinência alcoólica e teste de tolerância à glicose alterado, apresentaram normalização da intolerância à glicose, e aumento na resposta insulínica quando submetidos à dieta normocalórica, mesmo na vigência da ingestão etílica56.

Dos pacientes por nós estudados neste trabalho nenhum apresentou sinais de abstinência, e nem alterações das curvas glicêmicas. Além disso, não havia sinais evidentes de desnutrição; todos estavam dentro da faixa de peso de ± 15% do peso ideal, e para evitar a influência de dieta hipoglicídica sobre a secreção de insulina57, todos os indivíduos foram orientados a ingerir dieta geral acrescida de 200 gramas de carboidratos durante os três dias que antecederam o teste de tolerância à glicose. Muito embora a desnutrição subclínica não possa ser afastada totalmente, não podemos atribuir a menor resposta insulínica observada apenas aos fatores nutricionais, pois os dois grupos não diferiram quanto ao peso e porcentagem de peso ideal, e nem apresentavam sinais de desnutrição clínica.

Em decorrência de achados anteriores de hipoinsulinemia após estímulo com glicose intravenosa em diferentes grupos de alcoólatras assintomáticos18,19,49,58, observados na mesma linha de pesquisa que norteia este trabalho, além de menor produção de insulina pelo pâncreas em alcoólatras com cirrose hepática13,14 e em portadores de pancreatite crônica mas com glicemia de jejum normal7, o achado de hipoinsulinemia, após estímulo com glicose IV, na fase rápida de secreção de insulina neste grupo de pacientes etilistas crônicos assintomáticos, portadores de lesões hepáticas mínimas, é indicativo de disfunção pancreática endócrina precoce de células beta no alcoolismo.

SUMMARY

Hypoinsulinemia in alcoholics with minimal hepatopaty

The chronic pancreatitis (CP) may evolve with low insulin levels and develop clinical picture of diabetes mellitus. Low seric levels of insulin and C peptide after stimulus has also been described in asymptomatic alcoholics even with normal glicemic curves. It is known that the chronic alcoholism is the main etiological factor of CP and hepatic diseases, and that the insulin produced by the pancreas is metabolized mainly by the liver. High levels of periferic insulin are described in hepatic cirrhosis due to decrease of hepatic metabolization alone or associated to increase of periferic resistence.

AIM: In alcoholics with minimal hepatic lesions to evaluate the seric insulin and glucose levels after stimulus with intravenous glucose.

METHODS: In 8 alcoholic patients with minimal hepatic lesions characterized by hepatic biopsy, and 26 non-alcoholics, healthy controls, it was studied the serum glucose and insulin levels in basal time, 1, 3, 5, and 10 minutes after stimulus with intravenous glucose (0.5 g/kg).

RESULTS: The insulin means in time 1, 3 minutes and total integrated response after stimulus were lower (p < 0.05) in alcoholic group than in control, even with normal glucose curves.

CONCLUSION: Alcoholics with minimal hepatic lesions showed low seric insulin levels after glucose stimulus, similar to former observations in asymptomatic alcoholics, indicating hypofunction of pancreatic B cells. [Rev Ass Med Bras 2000; 46(1): 23-9]

KEY WORDS: Alcoholism. Minimal hepatopaty. Hypoinsulinemia. Precocious endocrine. Pancreatic dysfuntion.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Lászik Z, Pap A, Farkas G, Ormos J. Endocrine pancreas in chronic pancreatitis. Arch Pathol Lab Med 1989; 113: 47-51.

2. Soeldner S, Srikanta S, Elsenbarth GS, Gleason RE. Pré-hiperglucemic diabetes mellitus. Clin Chem 1986; 32 (10B): B7-18.

3. Andersen BN, Kraupp T, Pedersen NT, Faber DK, Hagen C, Worning H. B cell funciton in patients with chronic pancreatitis and its relation to exocrine pancreatic function. Diabetologia 1982; 23: 86-89.

4. Keller V, Szollosy E, Varga L, Gyr K. Pancreatic glucagon secretion and exocrine function. (BT - PABA test) in chronic pancreatitis. Dig Dis Sci 1984; 29: 853-57.

5. Mee AS, Klaff LJ, Gerdwood AH, Paul M, Tyler M, Marks, IN. Comparative study of pancreatic polypeptide (PP) secretion, endocrine and exocrine function and structural damage in chronic alcohol induced pancreatitis (CAIP). Gut 1983; 24: 642-47.

6. Cavallini G, Bovo, P, Zamboni M, Bosello O, Filipinni M, Riela A, Brocco G, Rossi L, Pelle C, Chiavenato A. Exocrine and endocrine functional reserve in the course of chronic pancreatitis as studied by maximal stimulation test. Dig Dis Sci 1992; 37 (1): 93-96.

7. Bonora E, Rizzi C, Lesi, C, Berra C, Coscelli C, Butturini U. Insulin and C Peptide plasma levels in patients with severe chronic pancreatitis and fasting normoglycemia. Dig Dis Sci 1988; 33: 732-6.

8. Petrides AS, Defronzo, RA. Glucose metabolism in cirrhosis: A review with some perspectives for the future. Diabet Metabl Reviews 1989; 5: 691-709.

9. Trell E, Kristenson H, Peterson B, Fex G, Hennengsen NC, Berntorp K, Hood B. Two hour glucose and insulin responses after a standardized oral glucose load in relation to serum gama-glutamyl transferase and alcohol consumption. Acta Diabet Lat 1981; 18: 311-17.

10. Jungermann K. Functional heterogeneity of periportal and perivenous hepatocytes. Enzyme 1986; 35: 161-80.

11. Shankar TP, Solomon SS, Duckworth WC. Studies of glucose intolerance in chirrosis of the liver. J. Clin Med 1983; 102: 459-69.

12. Marchesini G, Pacini G, Bianchi G, Patrono, Cobelli C. Glucose disposal, B cell secrection, and hepatic insulin extration in cirrhosis: A minimal model assessment. Gastroenterology 1990; 99: 1715-1722.

13. Grecco AV, Cruccitti F, Ghirlanda G, Manna R, Altomonte L, Rebuzzi AG, Bertoli A. Insulin and glucagon concentrations in portal peripheral veins in patients with hepatic cirrhosis. Diabetelogia 1979; 17-28.

14. Magnusson J, Tranberg KG. Impaired early insulin response to intravenous glucose in alcoholic liver cirrhosis. Scand J Gastroenterol 1987; 22: 301-307.

15. Neves MM, Borges DR, Vilela MP. Exocrine pancreatic hipersecretion in Brazilian Alcoholics. Am J Gastroent 1983; 78: 513-16.

16. Yanes AP, Luque AL, Osorio J, Delarbol L, Irles JR, Palomo S. Reserva insulínica in alcoholicos cronicos sin pancreatitis ni cirrosis hepatica. Papel etiológico del alcohol en la diabetes. Rev Clin Esp 1978; 150 (1-2): 53-60.

17. Patto RJ, Altikes I, Borges DR, Neves MM. Plasma insulin response to oral glucose in alcoholics with and without exocrine pancreatic hypersecretion. Mt Sinai J Med 1986; 53: 558-562.

18. Oliveira LCM, Juliano Y, Novo NF, Neves MM. Blood glucose and insulin response to intravenous glucose by patients with chronic Chagas disease and alcoholism. Brazilian J Med Biol Res 1993; 26: 1187-1190.

19. Patto RJ, Russo EK, Borges DR, Neves MM. The enteroinsulinar axis and endocrine pancreatic function in chronic alcohol consumers: evidence for early beta-cell hypofunciton. Mt Sinai J Med 1993; 60 (4): 317-20.

20. Grant BF, Dufour MC, Harford TC. Epidemiology of alcoholic liver disease. Semin Liver Dis 1988; 8: 12-25.

21. Leevy CM. Fatty liver: a study of 270 patients with biopsy proven fatty liver and a review of the literature. Medicine 1962; 41: 249-76.

22. Morgan MY, Sherlock S. Sex-related differences among 100 patients with alcoholic liver disease. Br Med J 1977; 1: 939-41.

23. Day CP, Bassendine MF. Genetic predisposition to alcoholic liver diseade. Gut 1992; 33: 1444-7.

24. Lieber CS. Mechanism of ethanol induced hepatic injury. Pharmac Ther 1990; 46: 1-41.

25. Israel Y, Kalant H, Orrego H, Khanna JM, Videla I, Phillips JM. Experimental alcoholic induced-hepatic necrosis: suppression by propylthiouracil. Proc Nath Acad Sci 1975; 72: 1137-41.

26. Jauhonen P, Baraona E, Miyakawa H, Lieber CS. Mechanism for selective perivenular hepatotoxicity of ethanol. Alcoholism 1982; 6: 350-7.

27. Lane BP, Lieber CS. Ultrastructural alterations in human hepatocytes following ingestion of ethanol with adequate diets. Am J Pathol 1966; 49: 593-603.

28. Hoerner M, Behrens VJ, Worner T, Lieber CS. Humoral imune response to acetaldehyde in alcoholic patients. Res Commun Chem Pathol Pharmacol 1986; 54: 3-12.

29. Matsuda Y, Baraone E, Salaspuro M, Lieber CS. Effects of ethanol on liver microtubules and Golgi apparatus: possible role in altered hepatic secretion of plasma proteins. Lab Invest 1979; 41: 455-63.

30. Brenner DA, Chojkier M. Acetaldehyde increases collagen gene transcription in cultured human fibroblasts. J Biol Chem 1987; 262: 17690-5.

31. Rubin E, Lieber CS. Alcohol induced hepatic injury in nonalcoholic volunteers. N Engl J Med 1986; 278: 876-879.

32. Worner TM, Lieber CS. Perivenular fibrosis as precursor lesion of cirrhosis. JAMA 1985; 254: 627-30.

33. Neves MM, Borges DR, Vilela MP. Concentração de etanol em bebida alcoólicas mais consumidas no Brasil. GED 1989; 8 (1): 17-20.

34. Scheuer PJ. The morphology of alcoholic liver disease. Br Med Bull 1982; 38: 63-5.

35. Fleming KA. Alcoholic induced liver disease. J Clin Pathol 1981; 37: 721-33.

36. Besterman HS, Adrian TE, Bloom SR, Christofides ND, Mallinson CN, Ponti V, Lombardo L, Modigliani R, Guerin S, South M. Pancreatic and gastrointestinal hormones in chronic pancreatitis. Digestion 1982; 24: 195-208.

37. Siegel S. Estatistica no Paramétrica. Méjico, Ed Trillas, 1975, 346.

38. Angelini G, Merigo F, Degani G, Camplani N, Bovo P, Pasim AF, Cavallini G, Brocco G, Scuro LA. Association of chronic alcoholic liver and pancreatic disease: A prospective study. Am J Gastroenterol 1985; 80: 998-1003.

39. Wilson JS, Korsten MA, Pirola RC. Alcohol induced pancreatic injury. Unexplained features and ductular theories of pathogenesis. Int J Pancreatol 1989; 4: 109-25.

40. Smart RG. World trends in alcohol consumption. World Health Forum 1991; 12: 99-103.

41. Sarles H, Sarles JC, Camatte R, Muratore R, Gaini M. Observation on 205 confirmed cases of acute pancreatitis, recurring pancreatitis and chronic pancreatitis. Gut 1965; 6: 545-59.

42. Dani R, Nogueira CED, Ribeiro M, Nunes A. Concomitância de lesões hepáticas com pancreatite crônica calcificante do alcoólatra. Estudo de 60 casos. Arq Gastroenterol 1983; 20: 103-107.

43. Dutta SK, Mobrahan S, Iber FL. Associated liver disease in alcoholic pancreatitis. Dig Dis 1978; 23: 618-22.

44. Renner IG, Savage WT, Stage NH, Pantoja JL, Schultheis WM, Peters RL. Pancreatitis associated with alcoholic liver disease. A review 0f 1022 autopsy cases. Dig Dis Sci 1984; 29: 593-9.

45. Greiner VL, Schubert F, Franken FH. Koinzidenz von chronischer pankreatitis und lebirsirrhose bei alkaholabusus. Z Gastroenterologe 1983; 2P: 526-32.

46. Hayakawa T, Kondo T, Shibata S, Kitagawa M, Sakai Y, Sobajima H, Ishiguro H, Nakae Y, Kato K. Exocrine pancreatic function in chronic liver diseases. Am J Gastroenterol 1991; 86: 201-4.

47. Ludwig J, Viggiano TR, McGill DD. Nonalcoholic steatohepatitis. Mayo Clinc Proc 1980; 55: 434.

48. Nakano M, Worner TM, Lieber CS. Perivenular fibrosis in alcoholic liver injury: Ultrastructure and histologic progression. Gastroenterology 1982; 83: 777-85.

49. Oliveira LCM, Borges DR, Russo EMK, Neves MM. Avaliação de função pancreática endócrina em alcoólatras assintomáticos: Teste de estímulo com arginina. Rev Bras Pat Clin 1989; 25: 80-84.

50. Srikanta S, Ganda OP, Gleason RE, Jackson RA, Soeldner JS, Einsenbarth GS. Pre-type I diabetes: linear loss of beta cell response to intravenous glucose. Diabetes 1984; 33: 717-20.

51. Smith CP, Williams AJK, Thomas JM, Archibald HR, Algar VD, Botazzo GF, Gale EAM, Savage MO. The pattern of basal and stimulated insulin responses to intravenous glucose in first degree relatives of type I (insulin-dependent) diabetic children and unrelated adults aged 5 to 50 years. Diabetologia 1988; 31: 430-434.

52. Grodsky GM. A new phase of insulin secretion. Diabetes 1989; 38: 673-78.

53. Porte Jr D. B cells in type II diabets mellitus. Diabetes 1991; 40: 166-80.

54. Wajchenberg BL. O porque do diangóstico pré-clínico do diabete melito insulinodependente ou do tipo I. Rev Ass Med Brasil 1993; 39: 1-3.

55. Reinus JF, Heymsfield SB, Wiskind R, Casper K, Galambos JJ. Ethanol: relative fuel value and metabolic effects in vivo. Metabolism 1989; 38: 125-35.

56. Pezzarosa A, Cervigni C, Ghinelli F, Molina E, Gnudi A. Glucose tolerance in chronic alcoolics after alcohol withdrawal: effect of accompanyng diet. Metabolism 1986; 35: 984-8.

57. Muller WA, Faloona GR, Unger RH. The influence of the antecedent diet upon glucagon and insulin secretion. N Engl J Med 1971; 285: 1450-4.

58. Neves MM. Disfunção pancreática precoce em etilistas assintomáticos. Tese de Livre Docência, 1992. Escola Paulista de Medicina.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2000
  • Data do Fascículo
    Mar 2000
Associação Médica Brasileira R. São Carlos do Pinhal, 324, 01333-903 São Paulo SP - Brazil, Tel: +55 11 3178-6800, Fax: +55 11 3178-6816 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ramb@amb.org.br