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Existe lugar para a monitorização eletroencefalográfica em pacientes graves?

À BEIRA DO LEITO

MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS

Existe lugar para a monitorização eletroencefalográfica em pacientes graves?

Alejandra G Garrido; Ruy J Cruz Jr

A despeito do advento das técnicas de neuroimagem, como tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética, a eletroencefalografia continua sendo o exame mais difundido para avaliação da função cerebral1. O eletroencefalograma (EEG) de rotina é uma ferramenta diagnóstica de baixo-custo, de elevada sensibilidade e especificidade no diagnóstico e manejo de pacientes com epilepsia1. Entretanto, nas últimas duas décadas, a exequidade e o sucesso da aplicação do EEG contínuo à beira de leito no intra-operatório, trouxe novas perspectivas para a monitorização eletrofisiológica em pacientes graves na terapia intensiva (UTI), mostrando-se útil em condições sistêmicas, tais como desordens metabólicas, tóxicas, degenerativas, pós-anóxicas, inflamatórias e pós-traumáticas, que afetam o sistema nervoso central direta ou indiretamente2. Apesar dos achados eletroencefalográficos nas encefalopatias difusas usualmente serem inespecíficos, são valiosos na avaliação da etiologia e do prognóstico de pacientes em coma3. Adicionalmente, permite identificar eventos neurológicos adversos para uma rápida intervenção e redução dos danos neurológicos secundários2. No intra-operatório, o EEG contínuo permite identificar eventos isquêmicos relacionados à circulação extra-corpórea, na cirurgia cardiovascular, e aos procedimentos neurocirúrgicos, tais como na endarterectomia de carótida, na clipagem de aneurisma cerebral e na ressecção de mal-formação arteriovenosa. Adicionalmente, permite a monitorização da eficácia da hipotermia sobre o sistema nervoso central. Ainda, permite identificar com maior precisão focos epileptiformes durante a cirurgia para epilepsia e permite titular a dose de barbitúricos. No pré-operatório, o EEG pode ser utilizado para localizar as áreas sensoriomotoras e de linguagem que pretendem ser preservadas na cirurgia e para localização das áreas de memória e linguagem (teste Wada) antes de procedimentos neuroradiológicos de embolização arterial1.

Recentemente, a monitorização com EEG contínuo têm sido indicada na UTI para pacientes com hemorragia subaracnóide (HSA), sangramento intracraniano, trauma craniano, status epilepticus, suspeita de status epilepticus não convulsivo, acidente vascular cerebral embólico ou trombótico e nos estados de coma prolongado1,2. A morbidade neurológica do vasoespasmo pós-HSA é a complicação mais incapacitante desta doença. O manejo se baseia no reconhecimento e tratamento deste insulto secundário, mas geralmente o tratamento é instituído quando déficts neurológicos irreversíveis já se estabeleceram. A monitorização com EEG contínuo possui um potencial único para detectar precocemente os insultos secundários e permitir uma intervenção igualmente precoce2. Vespa et al. conduziram um estudo em 32 pacientes com HSA, encontrando uma redução na variabilidade quantitativa relativa das ondas alfa (RA) em 100% dos 19 pacientes com vasoespasmo documentado angiograficamente, sendo que em 10 destes 19 pacientes, a redução da RA precedeu o diagnóstico de vasoespasmo em 2,9 dias. Desta forma, os autores concluíram que os achados no EEG são capazes de detectar precocemente as complicações neurológicas, como vasoespasmo, antes de qualquer manifestação clínica2. Embora a utilização do EEG seja bem estabelecido no diagnóstico e manejo de pacientes com epilepsia, é na sua complicação mais temida - status epilepticus, que o estudo eletroencefalográfico assume um papel primordial1. O status epilepticus é uma emergência neurológica comum, com elevada morbidade e uma mortalidade estimada de 20% (3%-35%) alcançando níveis superiores a 60% quando refratário4. O manejo destes pacientes visa o controle da atividade convulsiva e suporte das funções vitais. Embora o estudo eletroencefalográfico não seja disponível na sala de emergência, a monitorização com EEG contínuo deve ser obtido o mais breve possível, especialmente quando nos casos de uma resposta insatisfatória ao tratamento anticonvulsivante inicial. Se por um lado, até 23% dos pacientes admitidos com status epilepticus na UTI podem apresentar crises pseudoepilépticas, sendo o diagnóstico definido apenas com auxílio do EEG, as descargas ictais persistentes são identificadas no EEG em cerca de 20% dos pacientes em que a atividade convulsiva cessa após tratamento anticonvulsivante. Recentemente, Claassen et al. em um estudo retrospectivo de 33 pacientes com status epilepticus não-convulsivo, portanto, diagnosticado somente através da monitorização eletroencefalográfica, observaram controle imediato das crises em mais de 80% dos casos com midazolam endovenoso contínuo. Entretanto, as crises recorreram durante o tratamento com midazolam em mais de 50% dos casos e após sua suspensão em dois terços da amostra4. Desta forma, a monitorização eletroencefalográfica no status epilépticus visa estabelecer o diagnóstico acurado e a detecção de atividade convulsiva subclínica após controle das crises motoras4.

A maioria das vítimas de trauma crânio-encefálico grave admitidos na terapia intensiva (UTI) apresentam longo tempo de internação, seqüelas neurológicas incapacitantes ou morte a longo prazo, sendo que apenas 20%-30% dos pacientes alcançam uma independência funcional na evolução. Entre os fatores prognósticos que influenciam a evolução neurológica destacam-se: hipoxemia, hipotensão, gravidade do insulto primário e o escore de coma de Glasgow na admissão. Os fatores que secundariamente afetam o prognóstico são: hipertensão intracraniana não controlada, redução do fluxo cerebral, hiperemia e isquemia cerebral. Estes fatores prognósticos indicam uma grande vulnerabilidade cerebral nos primeiros dias pós-trauma, em que o surgimento de insultos secundários afetam adversamente a evolução neurológica2. As convulsões e outros estados epileptiformes sabidamente promovem alterações neuroquímicas graves, piorando a lesão inicial e o prognóstico. Em estudos clínicos, a incidência de atividade convulsiva clinicamente evidente pós-trauma grave é de 4%-10%, com pico nas primeiras 48 horas. No entanto, Vespa et al., avaliando a incidência de atividade epileptiforme através da monitorização eletroencefalográfica contínua em 94 pacientes com trauma craniano moderado a grave nos primeiros 14 dias pós-trauma, identificaram crises convulsivas e não-convulsivas em 21 pacientes (22%) a despeito da terapêutica anticonvulsivante. Em 52% dos casos, as crises eram não-convulsivas, identificadas apenas com o EEG. Os autores concluíram ser importante a utilização do EEG contínuo para detectar atividade convulsiva em pacientes com trauma craniano, uma vez que, mais de um entre cinco pacientes com trauma craniano moderado a grave, apresentam crises convulsivas na primeira semana pós-trauma, freqüentemente subdiagnosticadas apenas com a avaliação clínica2.

Em pacientes em coma, sem trauma craniano, sob monitorização contínua com EEG na UTI, Young et al. encontraram atividade convulsiva em 34% (43 de 127) dos pacientes, sendo que em 14% tratava-se de status epilepticus não-convulsivo, no qual a única manifestação clínica era coma e estupor. Ainda identificaram que o atraso no diagnóstico e a duração estavam associados a mau prognóstico3. Recentemente, Towne et al. avaliaram 236 pacientes em coma, sem história ou evidências clínicas de convulsões, e encontraram status epilepticus não-convulsivo em 8% da amostra através de EEG contínuo nos três primeiros dias de UTI. Os autores concluíram que apesar da incidência não ser elevada, o status epilepticus não-convulsivo, além de apresentar uma elevada morbidade é uma importante causa de coma e, desta forma, sugerem a inclusão da avaliação eletroencefalográfica de rotina em pacientes em coma, mesmo quando não há evidências clínicas de atividade convulsivas3.

Portanto, são crescentes as evidências de benefício da monitorização eletroencefalográfica em pacientes com lesão cerebral aguda, a fim de detectar insultos secundários e proteger o cérebro através da intervenção imediata. A monitorização com EEG contínuo é o melhor método para detecção de atividade epiléptica não-convulsiva, sendo amplamente recomendado no tratamento do status epilepticus e, mais recentemente, na avaliação de pacientes em coma. Ainda permite a detecção precoce de insultos cerebrais secundários, importante para decisões terapêuticas em pacientes vítimas de trauma craniano, acidente vascular encefálico ou hemorragia subaracnóide, a fim de reduzir as seqüelas neurológicas e a mortalidade.

Referências

1. Quinonez D. Common applications of electrophysiology (EEG) in the past and today: the technologist's view. Electroencephalogr Clin Neurophysiol 1998; 106(2):108-12.

2. Vespa P. Continuous EEG monitoring for the detection of seizures in traumatic brain injury, infarction, and intracerebral hemorrhage: "to detect and protect". J Clin Neurophysiol 2005; 22(2):99-106.

3. Towne AR, Waterhouse EJ, Boggs JG, et al. Prevalence of nonconvulsive status epilepticus in comatose patients. Neurology 2000; 54(2):340-5.

4. Claassen J, Hirsch LJ, Emerson RG, et al. Continuous EEG monitoring and midazolam infusion for refractory nonconvulsive status epilepticus. Neurology 2001; 57(6):1036-42.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Abr 2006
  • Data do Fascículo
    Fev 2006
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