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Campanhas eleitorais em sociedades midiáticas: articulando e revisando conceitos

Electoral campaigns in "media societies": articulating and revising concepts

Campagnes electorales dans des societes des mass media: articuler et reviser les concepts

Resumos

Este artigo busca, por meio de um processo de revisão e articulação de conceitos, elucidar as razões e significados assumidos pelas campanhas eleitorais qua momentos decisivos das democracias de público contemporâneas. O uso intensivo de pesquisas e do marketing, a centralidade dos meios de massa, a profissionalização dos participantes, a personalização e o uso de apelo publicitário sedutor-emotivo emergem como as principais características das campanhas eleitorais modernas; tais aspectos só podem ser corretamente apreendidos em seus atributos e fatores causais se se conferir especial atenção às alterações mais profundas e significativas que as antecederam e que fizeram emergir o que aqui chamamos de "sociedades midiáticas". Nessas sociedades, a videopolítica sartoriana assume papel fulcral, inclusive para a operacionalização da nova forma de governo representativo nelas dominante, qual seja, a democracia de público. Este artigo conclui - na contramão daqueles que enxergam as campanhas modernizadas como obras de políticos apolíticos e publicitários oportunistas - que os novos modos do agir político representam apenas a ponta de um iceberg que possui em sua base transformações de ordem societal, política e tecnológica muito mais profundas.

campanhas eleitorais; democracia de público; mídia; política


Through a process of revision and articulation of concepts, this article seeks to elucidate the motives and meanings assumed in electoral campaigns as decisive moments of contemporary public democracies. The intensive use of research and marketing, centrality of mass media, professionalization of participants, and the personalization and usage of seductive and emotional publicity appeals emerge as the main characteristics of modern electoral campaigns; such aspects can only be correctly apprehended in their attributes and causal factors if special attention is given to the deep and significant changes that preceded them and brought about what we refer to here as "media societies". In such societies, sartorian video-politics take on a central role, even in the sense of the operationalization of the new form of representative government that prevails within them, in other words, that of public democracy. We conclude - thus going against the grain of those who see modernized campaigns as the work of apolitical politicians and opportunistic advertising specialists - that these new modes of political action represent just the tip of the iceberg: one that has as its basis societal, political and technological changes that run much deeper.

electoral campaigns; public democracy; media; politics


En révisant et en articulant des concepts, cet article cherche à éclaircir les raisons et les significations prônées par les campagnes électorales, moments essentiels pour les démocraties populaires contemporaines. Il émerge comme caractéristiques importantes des campagnes électorales modernes le recours intensif aux sondages et au marketing, la centralisation des médias, la profissionalisation des participants, la personnalisation et l'emploi de la séduction-émotion publicitaire. Cela sera mieux compris en ce qui concerne ses attributs et ses retombées, si l'on examine avec attention spéciale non seulement les modifications plus profondes et significatives qui ont eu lieu, mais aussi ce qui les a précédées et qui a originé ce que nous appelons ici « la société des mass media ». Dans ces sociétés, la vidéopolitique sartorienne joue le rôle de support, y compris pour la mise en oeuvre de la nouvelle forme de gouvernement représentatif qui s'y impose, c'est-à-dire la démocracie populaire. Cet article conclut - à l'opposé de ceux qui voient les campagnes modernes comme l'oeuvre des politiciens apolitiques et des publicitaires opportunistes - que les nouveaux modes d'agir politique n'est qu'une partie d'un iceberg possédant dans sa base des transformations d'ordre sociétal, politique et technologique bien plus profondes.

campagnes électorales; démocracie; mass media; politique


DOSSIÊ MÍDIA E POLÍTICA

Campanhas eleitorais em sociedades midiáticas: articulando e revisando conceitos1 1 Este artigo é parte da pesquisa de mestrado que desenvolvi sob orientação do Prof. Dr. Fernando Antônio Azevedo, no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos. Essa investigação, que contou com financiamento da CAPES – por meio de Bolsa de Demanda Social –, inseriu-se no âmbito do Grupo de Pesquisa em Comunicação Política da mesma instituição. Agradeço os comentários tecidos pelo Prof. Fernando e pelos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política, que contribuíram para algumas importantes correções e aprimoramentos do texto; as incorreções existentes são, entretanto, de exclusiva responsabilidade do autor.

Electoral campaigns in "media societies": articulating and revising concepts

Campagnes electorales dans des societes des mass media: articuler et reviser les concepts

Pedro José Floriano Ribeiro

RESUMO

Este artigo busca, por meio de um processo de revisão e articulação de conceitos, elucidar as razões e significados assumidos pelas campanhas eleitorais qua momentos decisivos das democracias de público contemporâneas. O uso intensivo de pesquisas e do marketing, a centralidade dos meios de massa, a profissionalização dos participantes, a personalização e o uso de apelo publicitário sedutor-emotivo emergem como as principais características das campanhas eleitorais modernas; tais aspectos só podem ser corretamente apreendidos em seus atributos e fatores causais se se conferir especial atenção às alterações mais profundas e significativas que as antecederam e que fizeram emergir o que aqui chamamos de "sociedades midiáticas". Nessas sociedades, a videopolítica sartoriana assume papel fulcral, inclusive para a operacionalização da nova forma de governo representativo nelas dominante, qual seja, a democracia de público. Este artigo conclui – na contramão daqueles que enxergam as campanhas modernizadas como obras de políticos apolíticos e publicitários oportunistas – que os novos modos do agir político representam apenas a ponta de um iceberg que possui em sua base transformações de ordem societal, política e tecnológica muito mais profundas.

Palavras-chave: campanhas eleitorais; democracia de público; mídia; política.

ABSTRACT

Through a process of revision and articulation of concepts, this article seeks to elucidate the motives and meanings assumed in electoral campaigns as decisive moments of contemporary public democracies. The intensive use of research and marketing, centrality of mass media, professionalization of participants, and the personalization and usage of seductive and emotional publicity appeals emerge as the main characteristics of modern electoral campaigns; such aspects can only be correctly apprehended in their attributes and causal factors if special attention is given to the deep and significant changes that preceded them and brought about what we refer to here as "media societies". In such societies, sartorian video-politics take on a central role, even in the sense of the operationalization of the new form of representative government that prevails within them, in other words, that of public democracy. We conclude — thus going against the grain of those who see modernized campaigns as the work of apolitical politicians and opportunistic advertising specialists — that these new modes of political action represent just the tip of the iceberg: one that has as its basis societal, political and technological changes that run much deeper.

Keywords: electoral campaigns; public democracy; media; politics.

RÉSUMÉ

En révisant et en articulant des concepts, cet article cherche à éclaircir les raisons et les significations prônées par les campagnes électorales, moments essentiels pour les démocraties populaires contemporaines. Il émerge comme caractéristiques importantes des campagnes électorales modernes le recours intensif aux sondages et au marketing, la centralisation des médias, la profissionalisation des participants, la personnalisation et l'emploi de la séduction-émotion publicitaire. Cela sera mieux compris en ce qui concerne ses attributs et ses retombées, si l'on examine avec attention spéciale non seulement les modifications plus profondes et significatives qui ont eu lieu, mais aussi ce qui les a précédées et qui a originé ce que nous appelons ici « la société des mass media ». Dans ces sociétés, la vidéopolitique sartorienne joue le rôle de support, y compris pour la mise en oeuvre de la nouvelle forme de gouvernement représentatif qui s'y impose, c'est-à-dire la démocracie populaire. Cet article conclut – à l'opposé de ceux qui voient les campagnes modernes comme l'oeuvre des politiciens apolitiques et des publicitaires opportunistes – que les nouveaux modes d'agir politique n'est qu'une partie d'un iceberg possédant dans sa base des transformations d'ordre sociétal, politique et technologique bien plus profondes.

Mots-cles: campagnes électorales; démocracie; mass media; politique.

I. INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, não poucos autores têm-se dedicado ao estudo da problemática interação entre os media2 2 Quando nos referimos aos media, queremos dar a entender os órgãos e agentes dos meios de comunicação de massa, ou seja: empresas de rádio e televisão, seus controladores e principais profissionais. Assim, media e meios de massa não se confundem: os primeiros são os agentes, enquanto os últimos representam os meios de difusão. , os meios de massa e os processos políticos contemporâneos; grande parte das pesquisas desenvolvidas e dos trabalhos gerados possui como objeto de estudo as campanhas eleitorais, em suas múltiplas possibilidades de exploração científica. Esse interesse pelas campanhas explica-se principalmente pela profusão de sentidos e significados político-sociológicos que vêm à tona, de modo diáfano, nesses momentos críticos das democracias representativas contemporâneas, abrindo amplas condições para o desenvolvimento de profícuas investigações por politólogos, sociólogos, antropólogos, jornalistas, teóricos da comunicação e publicitários, entre outros.

Em que pesem os excelentes níveis de profundidade analítica atingidos nos trabalhos empreendidos por estudiosos provenientes das diferentes disciplinas envolvidas na temática, alguma confusão tem sido feita no afã de explicar as novas formas assumidas pela comunicação política nas últimas décadas.

Relegando a segundo plano os autores que há muito vêm trabalhando sobre as mudanças operadas nas sociedades modernas em decorrência da proliferação dos meios de massa, alguns cientistas parecem considerar o campo da política como situado em uma redoma instransponível, em que os atores, em uma espécie de vácuo societário, deveriam atuar incólumes frente a alterações profundas que atingem em maior ou menor grau praticamente todas as esferas das sociedades atuais.

Talvez pela dificuldade em apreender de modo correto significantes e, principalmente, significados das novas mediações do jogo político, não poucos estudiosos têm buscado culpar, conferindo-lhes maior poder do que objetivamente possuem, atores que desempenham papéis de destaque – embora não sendo protagonistas – nessa intrincada relação. Quiçá por influência do senso comum expresso em jornais e revistas, os assim chamados "marqueteiros" têm-se constituído em alvo preferencial dessas investidas; a autopromoção que esses "marqueteiros" fazem, como forma de elevação de seu "valor de mercado" no mundo da propaganda político-eleitoral, aumenta a tentação de considerá-los os novos "magos" da política.

Este artigo busca, por meio de articulação e revisão de conceitos que fogem a essa pré-conceituação derivada do senso comum, explicitar que os novos modos do fazer político, mais do que constructos resultantes de nebulosos conluios entre políticos flibusteiros e publicitários oportunistas, resultam de alterações profundas que extrapolam o campo da política, afetando a totalidade da sociedade. Procuramos, acima de tudo, demonstrar que as campanhas eleitorais modernizadas (MANCINI & SWANSON, 1996) representam apenas a cristalização, no campo político, de uma transformação que, ao alastrar-se por inúmeras esferas do cotidiano, já transformou as sociedades contemporâneas mais complexas em "sociedades midiáticas".

Assim, a segunda seção do artigo procura explicitar a mutação que levou o visível a sobrepor-se cada vez mais ao inteligível; para o politólogo Giovanni Sartori, o indivíduo contemporâneo abandonou o mundus intelligibilis da escrita para ingressar no mundus sensibilis moldado pela autoridade do real imagético (SARTORI, 2001, p. 31-37).

Em seguida, procuramos elucidar os efeitos dessa profunda alteração societária para o campo da política, principalmente por meio do conceito sartoriano de "videopolítica" (SARTORI, 1989; 2001). Nesse ponto, procuraremos explorar e delinear o círculo vicioso que se estabelece entre os partidos políticos – qua instituições reguladoras e mediadoras centrais do jogo democrático – e os meios de massa, principalmente a televisão. Frente aos graves desafios impetrados às agremiações políticas pelas condições intrínsecas às sociedades midiáticas, efetuamos algumas reflexões concernentes a funções que, conquanto continuem sendo desempenhadas pelos partidos, passaram a contar também com outros agentes executores, notadamente os media televisivos; essa problemática relação levou alguns autores a falar em uma completa substituição dos partidos pela televisão, em uma visão catastrófica com que não coadunamos.

Depois, o artigo estabelece um liame entre o conceito de sociedade midiática e o tipo ideal de "democracia de público" elaborado por Bernard Manin, demonstrando como esse novo modelo de governo representativo só poderia surgir tendo como estruturante as características das sociedades midiáticas, expostas nos tópicos anteriores (MANIN, 1995; 1996). Torna-se diáfana, nesse ponto, a convergência das diferentes análises para a explicação das novas características das democracias contemporâneas.

Por fim, todos os conceitos até então explorados tornam-se fatores explicativos dos novos modos assumidos pelas campanhas eleitorais a partir do quartel final do século XX. Essas novas formas do agir político são expostas em cinco tópicos, a partir do tipo ideal de campanha modernizada elaborado por Mancini e Swanson: pesquisas e marketing eleitoral; centralidade dos meios de massa; personalização da campanha; profissionalização dos participantes e apelo publicitário sedutor-emotivo (MANCINI & SWANSON, 1996, p. 4-9). Sob a luz dos desenvolvimentos anteriores, atentamos para os fatores causais que imprimiram essas novas características às campanhas eleitorais das democracias contemporâneas.

Percorrendo esse caminho, não há como fugir à constatação de que essas novas formas de fazer uma campanha eleitoral, mais do que invenções de agentes que com elas auferem enormes lucros, representam apenas a ponta mais visível e ruidosa de um iceberg que traz em sua base profundas alterações societárias, tecnológicas e políticas: essa é, em resumo, a conclusão deste artigo.

II. MIDIATIZAÇÃO: SOCIEDADE, POLÍTICA E PARTIDOS

As campanhas eleitorais modernizadas desenrolam-se tendo como pano de fundo sociedades espetacularizadas ou até mesmo estados espetacularizados (SCHWARTZENBERG, 1978; DEBORD, 1997). Postadas no proscênio do palco principal constituído pela televisão, as imagens, por meio de um auto-conferido caráter de autoridade do real – já que faz ver ao mesmo tempo em que faz crer naquilo visto3 3 Bourdieu denomina essa autoridade imagética de "efeito de real" (BOURDIEU, 1997, p. 28). – intermedeiam as relações entre indivíduos que pouco ou nada abstraem a partir de elementos não-sensíveis visualmente, fazendo com que o visível sobreponha-se ao inteligível.

Se até meados do século XV oralidade e gestual extrema e necessariamente personalizados prevaleciam na comunicação humana, com vozes, entonações, expressões faciais e gestos a serviço de uma persuasão sedutora que se dava por meio do despertar de emoções na audiência, a prensa tipográfica de Gutenberg surgiria em 1450 para revolucionar os meios de difusão, fazendo com que o reino da palavra falada e da imagem pessoal fosse substituído pelo primado da palavra impressa em cada vez mais numerosos livros, panfletos, jornais e revistas que atingiriam o pináculo como meios de expressão-intervenção na esfera pública na passagem dos séculos XIX para o XX. Essa segunda fase da comunicação humana mostrou-se extremamente favorável ao desenvolvimento das capacidades cognitivo-intelectuais e críticas do indivíduo, na medida em que a palavra escrita chegava ao receptor com maiores margens de neutralidade, tornando premente ao indivíduo o uso daquelas capacidades, não só para ler a palavra e compreendê-la, como também, e principalmente, para abstrair, refletir e analisar criticamente o lido. Nesse estágio, o racional ganhou espaço frente ao emocional e a comunicação humana adquiriu ares argumentativos, já que se estruturou ao redor de idéias e não de homens.

Já no início do século XX notou-se o princípio da exaustão desse estágio, quando a fotografia assumiu cada vez maior importância nos jornais, fazendo retornar a mitigada autoridade do real imagética. Com a proliferação radiofônica, a oralidade da palavra também re-assumiu um papel fundamental, deixando ainda, porém, uma certa margem de subjetividade ao receptor, na medida em que este abstraía a respeito daquilo que ouvia. Essa dose de subjetividade seria solapada com o advento da televisão, que uniria em um só meio a autoridade do real imagética à oralidade, fazendo que o convencimento voltasse a dar-se por meio de rostos, gestos e vozes, em um claro retrocesso a formas emotivas de comunicação, necessariamente ultra-personalizadas e pouco afeitas a construções lógico-racionais.

Se une imagem e oralidade, a televisão privilegia aquela em detrimento da palavra falada, na medida em que ela é, per si, autoritariamente real, não se inserindo em um universo simbólico maior, como o faz a palavra, cuja condição sine qua non para seu entendimento pelo receptor é o conhecimento do universo de signos de que faz parte – qual seja, a língua específica daquilo dito. As imagens apresentam-se assim como universais, podendo ser apreendidas de maneira muito semelhante em lugares extremamente díspares, enquanto as palavras faladas enfrentam os limites das clivagens lingüísticas nacionais ou intra-nacionais (SARTORI, 2001, p. 21-22). É nesse sentido que Sartori afirma o caráter revolucionário da televisão, rejeitando que ela seja continuação ou acréscimo em relação ao rádio, pois representou uma ruptura radical por meio da substituição da palavra pela imagem (idem, p. 22).

Como fica o indivíduo frente ao novo meio televisivo? Sartori responde que o homo sapiens, formado pela palavra escrita, cujo conhecimento desenvolvia-se na dimensão do mundus intelligibilis por meio de conceitos abstratos e representações mentais, cede lugar ao homo videns, que retorna ao mundus sensibilis pré-Gutenberg, ou seja, ao mundo percebido pelos sentidos, em que o simples ver obstaculiza a capacidade de abstração e, em conseqüência, de compreensão. Enquanto o homo sapiens era capaz de compreender e de explicar a partir da abstração – bases da própria ciência –, entendendo sem ver, o homo videns gerado pela televisão volta ao estágio pré-moderno em que tudo tem correspondência com coisas concretas, visíveis, observáveis, o que constitui imenso óbice à conceituação de noções necessariamente abstratas como "nação", "soberania" ou "política" (idem, p. 31-37)4 4 "[...] O visível nos aprisiona no visível. Para o homem diante da televisão é suficiente o que vê, e aquilo que não é visto não existe" (SARTORI, 2001, p. 71). .

Nesse universo, a imagem televisiva é o liame principal entre indivíduo e mundo real, constituindo-se em poderoso modelador de fenômenos sociais e políticos que precisam adequar-se à sua estrutura; o fluxo imagético conforma-se como um resumo simplificado do mundo real, em um ritmo ditado arbitrariamente por outrem, conferindo assim um caráter de eterna surpresa que não deixa tempo à reflexão (DEBORD, 1997, p. 188).

Assim, Sartori enxerga a televisão não só como instrumento de comunicação, mas também como instrumento antropogenético, na medida em que é paidèia, moldando novos indivíduos que conformarão gerações televisivas (SARTORI, 2001, p. 22-23). Moldando indivíduos, serve ao habitus bourdieuniano, concorrendo à reprodução social da estrutura de dominação simbólica, sendo instrumentalizada eficazmente para a imposição/manutenção da violência/ordem simbólicas, na medida em que impõe aos dominados a visão de mundo dos dominantes (BOURDIEU, 1997, p. 19-24)5 5 Como qualquer violência simbólica, esta que se vale da televisão não é apenas imposta coercitivamente pelos dominantes aos dominados, comportando uma parcela importante de aceitação tácita e inconsciente por parte dos subjugados. Da mesma forma, não se deve esquecer que grande parte dos subjugantes não sabe que age dominando e manipulando, já que muitas vezes são, eles também, manipulados – como no caso dos jornalistas televisivos. Bourdieu afirma que a televisão pode, porém, ser instrumentalizada pelos dominados em sua luta político-social, trazendo à esfera de disputa política temas e elementos antes tidos por naturais e inquestionáveis (BOURDIEU, 1997, p. 22-30). Nesse sentido, tanto ele como Patrick Champagne notaram a dependência dos movimentos e grupos marginalizados em relação à televisão, no sentido de que passam a ser praticamente inexistentes se não usam a tela como locus principal de suas ações reivindicatórias (CHAMPAGNE, 1996, Introdução). .

Com a construção da realidade contemporânea resultando basicamente de experiências televividas pontuadas por experiências vividas, o meio televisivo aparece como configurante da sociedade, um espaço por onde necessariamente passa a sociabilidade da maioria dos indivíduos (ALMEIDA, 2002). O ter, que substituíra o ser como valor supremo ocidental desde a explosão da sociedade de consumo de massa, no reino imagético-televisivo só vale se parecer, ou seja, se conferir prestígio e reconhecimento instantâneos, independentemente da veracidade da posse (DEBORD, 1997, p. 18).

Essas sociedades "midiocentradas" exercem seu jugo também, como não poderia deixar de ser, sobre a esfera política, afetando tanto representantes quanto representados da democracia de público.

II.1. A videopolítica

A videopolítica sartoriana refere-se ao papel fulcral exercido pela televisão na esfera política contemporânea, cujo centro de gravidade deslocou-se gradativamente da praça pública e das assembléias para a tela6 6 Sartori utiliza "vídeo" – como derivação do latim videre, que significa "ver", "observar" – no sentido da superfície da televisão em que as imagens podem ser vistas, que em português costumou-se chamar de "tela". É um sentido distinto do atribuído pelos anglo-saxões, para quem "vídeo" significa o filme ou a fita onde as imagens são gravadas. Conquanto o mais correto em português fosse o termo "telepolítica", preservamos "videopolítica" para manter o original sartoriano. Mas vale destacar que há vários termos para descrever basicamente os mesmos fenômenos: "videocracia", "teledemocracia", "midiapolítica" etc. . Essa centralidade televisiva – inserida, obviamente, no processo maior de "midiatização" da sociedade – alterou o fazer político, já que seus agentes tiveram que se amoldar à linguagem televisiva e ao uso de técnicas cada vez mais sofisticadas, sob pena de situarem-se em posição marginalizada no jogo político (SARTORI, 1989).

Com o declínio da imprensa partidário-opinativa e o crescimento das redes privadas de televisão em detrimento das emissoras públicas, já em meados do século XX os media de massa conformavam um centro autônomo de poder que, operando consoante suas lógicas específicas, ora competia, ora cooperava com a esfera política. Porém, devido à existência de uma certa interdependência em alguns momentos, pode-se afirmar que as esferas política e comunicacional misturaram-se, sem o predomínio, entretanto, de uma sobre a outra. Dessa maneira, os media operam hoje de acordo com suas próprias lógicas econômica, tecnológica e simbólica, deixando os ônus de adaptação a essas lógicas aos agentes políticos que disputam o espaço midiático como arena principal de inserção pública em sociedades "midiocentradas" (SARTORI, 2001; ALMEIDA, 2002).

Em que pese o fato de este artigo não ter como escopo um debate densamente crítico a respeito da videopolítica e de seus efeitos à democracia representativa, vale aqui comentar sucintamente três conseqüências nocivas do fenômeno que consideramos as mais pertinentes.

A posição dos meios de massa como esfera autônoma de poder traz riscos à democracia como resultado de sua natureza intrinsecamente ambígua. Por um lado, os media constituem-se em empresas com fins lucrativos que possuem, conseqüentemente, interesses políticos, econômicos e sociais voltados à busca de resultados financeiros, o que as torna agentes políticos e econômicos relevantes da sociedade. Sob outro prisma, a televisão constitui-se em espaço público em que grande parte do jogo político desenvolve-se, principalmente nos períodos eleitorais – mas não só nesses, já que os atores políticos disputam espaço entre si mesmo em épocas intereleitorais. Sendo concomitantemente atores político-econômicos da sociedade e ambientes para as disputas políticas, os media acumulam grandes possibilidades de ingerência sobre governos e processos políticos, em nome de interesses que caminham, na maioria das vezes, na contramão dos da maioria da população que só possui o voto como arma influenciadora da e interventora na esfera política.

Um segundo ponto a destacar é que a imagem, supostamente e autodenominada neutra, ao configurar-se com enorme autoridade do real no mundus sensibilis do homo videns, conforma-se em poderoso instrumento modelador da opinião pública, substituindo a palavra escrita ou falada cujos autores e intenções eram mais facilmente identificáveis pelo receptor; o confronto entre diferentes posicionamentos mantinha a tomada final de decisão nas mãos do receptor, que acabava, ao fim e ao cabo, por escolher os veículos de imprensa que mais condissessem com suas convicções (SARTORI, 2001, p. 53-55).

A autoridade imagética elimina a multiplicidade de autoridades cognitivas que concorriam para um certo equilíbrio no primado da comunicação lingüística que, per si, mantém margens mais largas de subjetividade aos receptores em virtude da necessidade de abstração; no reino da palavra, preservava-se uma certa dose de equilíbrio entre opinião autônoma e opinião heterônima – que é heterodirigida, ou seja: dirigida por outro que não o próprio indivíduo (idem, p. 54).

Com o efeito de real imagético, grande parte da opinião pública passa a ser moldada por aqueles que comandam as imagens, ou seja, os media. É por isso que Sartori afirma que a opinião pública de quem a televisão apresenta-se como porta-voz é, na verdade, apenas o eco de sua própria voz (idem, p. 56)7 7 Há alguns estudos no campo da recepção da comunicação política que indicam que a televisão não apenas contribui para a construção de atitudes políticas como também, e principalmente, serve de fonte fornecedora de exemplos a serem selecionados pelos cidadãos para justificar suas convicções e atitudes políticas pré-formadas. Para estudos desse tipo, ver Aldé (2001a; 2001b). . Essa opinião pública fortemente heterodirigida constitui um risco à saúde política de uma sociedade quando consideramos a democracia representativa como o governo da opinião, já que baseada em um sentimento coletivo a respeito da realidade pública – sentire de re publica (idem, p. 53-54); além disso, políticos e partidos dentro ou fora dos governos guiam-se cada vez mais pelas pesquisas que supostamente detectam essa opinião pública.

Um outro problema apontado por Sartori diz respeito à "emotização" que a videopolítica traz aos processos políticos, já que a televisão, unindo oralidade e, predominantemente, imagem, leva o cidadão-espectador de volta ao mundus sensibilis pré-Gutenberg, em que suas emoções e sentimentos são despertos por gestos, rostos, expressões fisionômicas, vozes etc.; o convencimento, antes racional-argumentativo, agora se torna emotivo-sedutor – conforme Habermas identificara há bastante tempo (HABERMAS, 2003). O problema básico aí reside no fato de que a política deve ser, acima de tudo, eminentemente racional nas suas funções de geração e manutenção de governos, governantes e políticas públicas, e não emocional (SARTORI, 2001).

Logicamente, os problemas que a videopolítica traz à democracia não se resumem a estes três aspectos apresentados muito celeremente8 8 Champagne é crítico ferrenho da videopolítica, afirmando que ela foi forjada conscientemente pelos especialistas que dela mais tiram proveito, quais sejam, jornalistas, cientistas políticos com presença assídua nos media, publicitários, relações públicas, assessores de imprensa, institutos e especialistas em pesquisas eleitorais e de opinião e todos aqueles que fazem parte do que denominamos neste trabalho de "profissionalização da política", alcunhada por Habermas de "cientifização" (CHAMPAGNE, 1996, p. 30-34; HABERMAS, 2003, p. 252-273). Em nosso entender, essa é uma visão equivocada, na medida em que a proliferação e a valorização desses profissionais são conseqüências da "midiatização" do subsistema político, que adquiriu tais feições por inserir-se não em um vácuo, mas em um sistema societário de que os media constituíram-se em centro poderoso e autônomo; colocar os profissionais como causadores de um processo tão amplo é argumento sobremaneira simplista. ; porém, não sendo essa discussão um dos objetivos do artigo, as últimas linhas foram apenas propedêuticas para um debate mais voltado às metas deste trabalho: quais são os efeitos da videopolítica sobre os partidos?

II.2. Partidos e televisão: um círculo vicioso

A televisão é tanto mais influente nos processos políticos contemporâneos quanto menores forem a institucionalização do sistema partidário nacional e o desempenho das agremiações na canalização e expressão de anseios, reivindicações e reclamações do eleitorado. Tal afirmação remete à problemática da substituição dos partidos políticos pela televisão, aventada por alguns autores como consumada total e irremediavelmente e descartada por outros como infundada e despropositada.

Para situarmo-nos de maneira ponderada nessa acesa discussão, urge percorrermos um caminho que começa por algumas considerações a respeito de aspectos que contribuíram para o enfraquecimento dos partidos políticos nas últimas décadas do século XX; posteriormente, pode-se partir para a análise da relação partido versus televisão no que tange a algumas das funções do primeiro.

Desafios gerados por profundas transformações sócio-econômicas e tecnológicas foram postados diante dos partidos políticos ocidentais no quarto final do século XX, abalando suas estruturas; vejamos quais foram tais desafios.

Primeiramente – e esse é o desafio mais relevante –, constata-se que o substancial aumento da complexidade social nas sociedades ocidentais acarretou problemas diversos aos partidos, no que diz respeito a duas dimensões distintas. Em sua dimensão estrutural, a complexificação social significou uma crescente diferenciação funcional societária, multiplicando os interesses – cada vez mais conflitantes e complexos – presentes no seio da sociedade. Tal sociedade altamente segmentada por meio de linhas demarcatórias entrecruzadas, sobrepostas e não ajustáveis a estratificações classistas tradicionais passou a organizar-se em subsistemas específicos, em micro-agregações de pessoas voltadas à consecução de objetivos particularistas; ao invés de inclusão e aglutinação de interesses em estruturas tradicionais, desenvolvendo visões totalizantes da sociedade, ganharam espaço a exclusão e a fragmentação por meio de agrupamentos especializados, fluidos e necessariamente parciais (MANIN, 1995; 1996; MANCINI & SWANSON, 1996).

Tal fragmentação desfavoreceu sobremaneira os partidos políticos, especialmente aqueles com fortes liames societários, como os de massa9 9 Nesse sentido, os partidos do tipo catch-all ("pega tudo") perderam menos, já que sua amorfa constituição mostrou-se bem mais flexível e maleável para abrigar diferentes subsistemas ideologicamente conflitantes. , cujas bases operário-sindicais fragmentaram-se gradativamente em vários subsistemas especializados com interesses específicos e, por vezes, conflitantes.

As dificuldades de posicionamento partidário em relação a um eleitorado altamente fragmentado constituíram-se em um grande problema aos partidos, não só porque dificultaram o uso dos cortes classistas tradicionais, mas também porque abriram a possibilidade de que os candidatos passassem a propor políticas cada vez mais específicas, visando a atingir determinados nichos eleitorais, solapando as plataformas totalizantes antes comuns às agremiações (MANIN, 1995, p. 27-28).

O aparecimento de inúmeros subsistemas especializados – grupos de minorias étnicas, feministas, ecologistas, organizações não-governamentais diversas, entre muitos outros – aumentou a concorrência que os partidos já enfrentavam no tocante a aspectos relativos principalmente à disputa por espaço público, à obtenção de recursos financeiros e à conquista de novos militantes e simpatizantes, impelindo as agremiações a modernizarem-se sob pena de perderem grande parte dos recursos necessários à sua sobrevivência (MANCINI & SWANSON, 1996, p. 7-9).

Em sua dimensão simbólica, a crescente complexidade social significou a ruptura das identidades tradicionais mantidas com estruturas agregadoras e includentes, como igrejas e partidos. Antes espaços privilegiados de formação, agregação e manutenção de identidades e lealdades, tais organizações mitigaram-se frente a novos subsistemas especializados que formam identidades muito mais fluidas e efêmeras, na medida em que estão em permanente rearranjo com outras micro-estruturas com o fito de melhor defender seus interesses particularistas. Nessa competição-cooperação entre subsistemas, o indivíduo vê-se às voltas com dessemelhantes, sobrepostas e, muitas vezes, conflitantes realidades simbólicas. É em tal emaranhado de interesses, subsistemas, realidades simbólicas e identidades que o indivíduo deve, não sem grande dificuldade, navegar (idem, p. 6-8).

Assim, a maior complexidade social tornou extremamente difícil a manutenção e/ou a construção de laços duradouros de identidade e fidelidade partidárias.

A evolução tecnológica e a difusão maciça dos meios de massa, especialmente da televisão, abriu as portas a uma relação imediata10 10 O termo "imediato" é usado neste artigo para designar a falta de mediação, ou seja: é o contrário de "mediato" ou "mediado". entre políticos e eleitores, prescindindo da mediação partidária e tornando viável o sucesso de políticos sem nenhum respaldo partidário, mas com forte presença nos meios de massa (MANIN, 1996, p. 281). Paralelamente ao avanço dos meios de massa houve, por questões econômicas e tecnológicas, o retrocesso da imprensa opinativa e partidária em prol de um modelo de jornalismo comercial, apartidário, neutro e informativo, fazendo que as agremiações perdessem importância como agentes formadores da opinião pública.

Todos esses media comerciais – não só os televisivos – tendem a conferir maior destaque às pessoas, privilegiando a construção de celebridades altamente rentáveis em termos de audiência-vendagem em detrimento da exploração de conceitos abstratos como "organizações" ou "partidos", apreendidos com dificuldade pelo homo videns sartoriano (SARTORI, 2001).

A proliferação de publicitários originários do campo comercial no campo da política acarretou um aumento ainda maior da já intrinsecamente presente personalização televisiva, na medida em que esses profissionais importaram do marketing comercial técnicas que privilegiam apelos emocionais e pessoais, relegando a segundo plano propostas, plataformas e as próprias organizações partidárias (HABERMAS, 2003, p. 252-255).

Assim como a imprensa, os modos de expressão da opinião pública não-eleitoral igualmente se despartidarizaram, na medida em que os institutos de pesquisa, supostamente neutros e objetivos, passaram a ser os atores principais de identificação e divulgação do posicionamento da população a respeito de questões políticas ou não (MANIN, 1996, p. 293).

Há também que se considerar dois óbices colocados à construção de plataformas partidárias densas e complexas. De um lado, a instabilidade política e econômica das últimas décadas imprimiu um ritmo acelerado às mudanças, trazendo como conseqüência a percepção, por parte do eleitorado, da necessidade de manutenção de certa dose de poder arbitrário nas mãos do governante, o que ao fim e ao cabo solapou a importância da confecção de detalhados programas político-partidários, que poderiam engessar a atuação do líder escolhido pelo sufrágio. Sob outro prisma, o aumento das atribuições governativas tornou mais difícil a elaboração de plataformas partidárias, que precisariam ser extremamente extensas e complexas para abarcar todas as funções exercidas pelos governos (idem, p. 281-283).

A queda dos regimes do Leste europeu foi outro fator que afetou seriamente muitas agremiações de massa das democracias ocidentais – principalmente partidos socialistas e social-democratas, que perderam grande parte de seus referenciais ideológicos.

No nível do indivíduo, pode-se dizer que um ritmo mais acelerado de vida diminuiu as horas livres que poderiam ser destinadas à vida pública e partidária; o tempo que não se consome com o trabalho passou a ser cada vez mais ocupado com atividades de lazer e entretenimento, comercializadas por uma indústria agressiva e diversificada. Assim, a política perdeu centralidade para uma grande massa de cidadãos.

Por fim, sistemas eleitorais nacionais centrados no candidato e não nos partidos também deram sua contribuição ao enfraquecimento de muitos sistemas partidários antes solidamente estruturados11 11 Sobre esse ponto, ver Mainwaring (2001). .

Todos esses desafios geraram questionamentos fulcrais à existência dos partidos políticos enquanto atores relevantes da arena institucional democrática. Esses questionamentos mostraram-se tanto mais dramáticos quanto mais se percebia que à perda de efetividade dos partidos no desempenho de algumas de suas funções clássicas equivalia um aumento correspondente da participação de um outro ator: a televisão. Funções antes desempenhadas principal ou exclusivamente pelas legendas passaram, a partir do último quarto do século XX, a ter nesse poderoso meio de difusão um agente concorrente. Discute-se a partir de agora essas funções – a partir das elaborações apresentadas nos trabalhos de Paolo Mancini e David Swanson (1996) e de Eduardo Suárez (1998):

1. articulação e expressão de interesses: se antes os partidos possuíam papel fundamental na agregação, articulação, canalização e expressão de interesses e demandas societários, tal preponderância nunca significara exclusividade, na medida em que as agremiações competiam e cooperavam – com sucesso – com outras instituições, tais como sindicatos e grupos de interesses. Porém, hoje a televisão assumiu parte dessas prerrogativas, no sentido de que seus agentes colocam-se como identificadores e divulgadores das demandas citadinas ao poder público, servindo inclusive – e talvez principalmente – como instrumento de pressão sobre as autoridades governamentais, papel em que os partidos perderam grande parte de sua eficácia. Além da concorrência da televisão, os partidos também passaram a ter que conviver com os novos subsistemas especializados que despontaram como veículos de expressão de demandas. No entanto, os partidos permanecem ainda como atores privilegiados no que tange à agregação e à organização das demandas societárias – papéis que a televisão absteve-se de desempenhar.

2. Socialização política: os primeiros contatos que os cidadãos comuns – ainda crianças ou adolescentes – estabelecem com a política são, hoje, mediados pela televisão e/ou pela imprensa escrita, não se dando mais por meio das redes de comunicação pessoal dentro das agremiações.

3. Fonte de informação política: principalmente em períodos intereleitorais, o eleitorado posta-se como consumidor de notícias políticas televisivas, relegando a imprensa partidária ao círculo restrito de militantes; em períodos eleitorais, essa imprensa partidária tende a expandir um pouco mais seu alcance como fornecedora de informações políticas a não-militantes. Nesse sentido, a televisão substituiu o partido em dois aspectos absolutamente relevantes: por um lado, como atalho para a obtenção de informação política necessária às simplificações cognitivas operadas pelo cidadão comum, em períodos eleitorais ou não; por outro, como principal agente formador e influenciador da opinião pública.

4. Mobilização popular: a capacidade da televisão em chamar os cidadãos às ruas é cada vez maior, na medida justamente em que ela converte-se em fonte principal de informação política. Nessa função, os partidos, que enfrentam ainda a concorrência de subsistemas com elevado poder mobilizador, perderam grande parte de sua competência; as mobilizações partidárias, quando acontecem, seguem elas mesmas critérios jornalísticos de "noticiabilidade" para que recebam ampla cobertura dos meios de massa, obtendo assim maior repercussão.

5. Recrutamento político: os partidos, conquanto ainda permaneçam em posição francamente privilegiada neste aspecto, deixaram de ser o seio exclusivo de onde saem os líderes políticos. A relação direta candidato-eleitor via televisão tornou possível o sucesso de políticos outsiders, que não possuem retaguardas partidárias sólidas ou nem mesmo são filiados a qualquer partido. Além disso, a própria televisão constituiu-se, em muitos países, em fonte expressiva de recrutamento de líderes, já que apresentadores de programas populares que se reivindicam como "representantes do povo" são muitas vezes levados a incursões no campo político, em carreiras independentes ou sob legendas ávidas por aproveitar o cacife eleitoral obtido por eles na tela.

6. Legitimação: se a televisão avança em detrimento dos partidos no tocante à comunicação política, a função legitimadora passa a ter outros protagonistas. A tarefa de articular e conquistar apoio e confiança populares em relação à credibilidade e legitimidade das regras do jogo democrático passa a ser atributo, cada vez mais, dos meios de comunicação de massa, que legitimam e deslegitimam governantes, governos e sistemas políticos perante os olhos dos cidadãos. Os partidos, não constituindo fonte de informação política para a maior parte da população, vêem diminuído seu papel nesta função tão importante à vida democrática.

É inegável que, em relação a essas seis funções, a televisão ganhou terreno frente aos partidos políticos; porém, há duas funções nas quais as agremiações continuam sendo imprescindíveis e insubstituíveis – ao menos em relação à televisão:

- traduzir interesses e demandas societários em políticas públicas exeqüíveis e

- implementar o governo representativo, ou seja, representar o cidadão nas arenas institucionais e exercer as funções legislativas e governativas.

Vale ressaltar que, se em relação a essas duas funções partidárias clássicas não há uma substituição parcial dos partidos pela televisão, não deixa de existir em sua execução uma sua interferência direta. As demandas traduzidas em políticas públicas por partidos ou governantes são, muitas vezes, formatadas, incentivadas, distorcidas ou até mesmo forjadas artificialmente pela televisão, que se advoga o direito de expressão da vox populi. O grande poder desse meio na configuração da agenda-setting12 12 A agenda-setting é a soma da agenda dos media, que se refere aos temas mais destacados por eles, com a agenda do público, que diz respeito aos temas mais discutidos e considerados mais importantes pelos indivíduos. Os estudos mais recentes indicam que os meios de massa possuem enorme influência sobre a agenda do público, formatando principalmente sobre o que os indivíduos devem pensar, mais do que como o devem fazer. É nesse sentido que se afirma o grande poder da televisão em determinar a agenda-setting (AZEVEDO, 2002). faz que entrem no debate público apenas temas e questões pré-selecionados por seus agentes. Por outro lado, algumas formulações de políticas públicas visam, mais do que a traduzir em ações concretas demandas societárias reais, apenas a produzir efeitos positivos de "noticiabilidade", de modo a colocar em evidência partidos, representantes ou governos que se propõem a levá-las a cabo.

Com essa discussão, torna-se evidente que é preciso evitar os maniqueísmos que muitas vezes permeiam o debate a respeito da influência da televisão sobre os partidos; boas doses de ponderação e honestidade intelectual são necessárias para fugir tanto dos catastrofismos da substituição total das agremiações pela televisão quanto da cegueira em relação a efeitos importantes demais para serem ignorados. Os partidos não são, nem serão, substituídos pela televisão e seus agentes; porém, algumas funções tipicamente partidárias enfrentam uma concorrência que, em alguns casos, chega quase à substituição completa – como no que tange às funções de socialização e de fornecimento de informações políticas.

A problemática maior nesse sentido reside no estabelecimento de um perigoso círculo vicioso: quanto menores a institucionalização e o enraizamento societário do sistema partidário, maiores são as chances de avanço televisivo sobre as funções das agremiações (SARTORI, 2001, p. 91-95). Tal avanço faz, por seu turno, diminuírem as possibilidades de institucionalização e enraizamento dos partidos nas sociedades onde os sistemas partidários ainda buscam se consolidar. É sobre essa intrincada interação que a Ciência Política pode – e deve – contribuir com suas reflexões.

III. A DEMOCRACIA DE PÚBLICO

Visando a descrever as peculiares condições atuais da democracia representativa nos países ocidentais, Bernard Manin realizou uma bem fundamentada retrospectiva histórica da representação, da qual emergem três tipos ideais de governos representativos: a democracia parlamentar, a democracia de partido e a democracia de público – sendo a última vigente nos dias de hoje13 13 Como qualquer construção de tipos ideais, esta não esgota as diferentes possibilidades de manifestação do fenômeno em estudo, qual seja, o governo representativo. Manin deixou isso claro, afirmando que em determinada época de determinado país, dois tipos de governo representativo poderiam combinar-se e até mesmo fundir-se; porém, sempre é possível determinar o predomínio de um tipo sobre o outro (MANIN, 1995, p. 7). .

Na democracia parlamentar – que vigorou do século XVIII até fins do século XIX – os representantes comumente eleitos eram "notáveis", escolhidos por um eleitorado extremamente reduzido – devido a restritivos requisitos censitários e/ou culturais – com base em laços pessoais de confiança derivados de relações locais. Devido a seu caráter de proeminência política, econômica e social, constituindo-se em homem de confiança de seus eleitores, o eleito dispunha de total liberdade de atuação política, não recebendo instruções ou restrições de qualquer ordem; seguindo unicamente as próprias consciências, os representantes faziam do Parlamento uma casa de profícuos debates, sem sofrerem maiores influências externas. A expressão não-eleitoral da opinião não coincidia com aquela manifesta nas urnas – chegando até a serem conflitantes e opostas –, fato que se devia, de um lado, ao reduzido tamanho do eleitorado e, de outro lado, à necessidade de recorrer a canais distintos de expressão quando a escolha de representantes baseava-se em relações pessoais de confiança de cunho eminentemente locais. Esses canais faziam muitas vezes com que o povo chegasse "às portas do Parlamento" por meio de manifestações, protestos, petições, campanhas de imprensa, constituição de associações etc., que serviam de contrapeso à liberdade de atuação dos governantes (MANIN, 1995, p. 17-19; 1996, p. 259-264).

No final do século XIX, a extensão do direito de voto rumo ao sufrágio universal incorporou ao eleitorado significativas parcelas da população, tornando premente a partidos e candidatos a necessidade de atrair grandes massas populares a suas fileiras. Não sendo mais possível conquistar eleitores valendo-se apenas dos laços pessoais de confiança, criaram-se partidos de massa e elaboraram-se completas plataformas político-partidárias com o fito de mobilizar a população que se inseria gradualmente no jogo político. Surgia, assim, a democracia de partido (MANIN, 1995, p. 19; 1996, p. 264-265).

A fidelidade partidária em seguidos pleitos despontou então como uma novidade, fazendo muitos críticos enxergarem nela uma crise de representação, devido à perda da confiança pessoal nos representantes. Mais do que programas partidários, era um poderoso sentimento de pertencimento de classe que fazia que o eleitorado se mantivesse por gerações fiel a um mesmo partido, tornando a representação da democracia de partido um espelho fiel da estruturação societária, refletindo uma realidade muito anterior à política e trazendo para a arena eleitoral os conflitos patentes na arena social; esses conflitos eram principalmente de classe, engendrados pela explosão industrial do século XIX e pela ascensão do socialismo e do comunismo, que delimitavam com nitidez os campos conflitantes da sociedade. De certo modo, o voto de confiança mantinha-se, mas com outro objeto: saíam os "notáveis", entravam os partidos (MANIN, 1995, p. 20-21; 1996, p. 267-270).

Nesse contexto de fidelidade partidária, os representantes perderam muito da liberdade de que gozavam na democracia parlamentar; era a cúpula partidária quem decidia, cabendo aos governantes seguir à risca as determinações da agremiação que os elegeu. Dessa forma, o debate que geraria as decisões políticas foi transportado para dentro dos partidos, cabendo ao Parlamento o papel de fórum de negociação entre as cúpulas partidárias, que conservavam um certo grau de liberdade de atuação, na medida em que eram elas as intérpretes das diretrizes traçadas no programa político-partidário14 14 Outro tipo de debate muito comum na democracia de partido é o que se dava entre partido e grupos de interesse diversos, como sindicatos, associações profissionais etc., em uma relação que Manin alcunhou de "neocorporativismo" (MANIN, 1995, p. 24-25). . Com os principais órgãos de imprensa – jornais, semanários, revistas etc. – controlados pelos partidos, os eleitores buscavam informações nos veículos que condissessem com suas preferências partidário-eleitorais, o que ao fim e ao cabo acabava gerando um reforço circular de tais preferências. Dessa forma, a opinião pública relativa a questões não-eleitorais foi traspassada pelas mesmas linhas divisórias que demarcam as preferências partidárias, fazendo que opinião eleitoral e não-eleitoral coincidissem perfeitamente. A expressão dessa opinião deu-se por meio de mecanismos controlados pelo partido – manifestações, petições, passeatas e a própria imprensa partidária –, transformando a liberdade de expressão de opinião em liberdade de oposição política (MANIN, 1996, p. 270-278).

A partir de meados dos anos 1970, emergiu na maior parte das democracias ocidentais uma nova forma de governo representativo: a democracia de público. Esse novo modelo não marcou uma ruptura com as formas anteriores de representação, mas sim um rearranjo dos princípios básicos do governo representativo, vigentes desde fins do século XVIII15 15 Quais sejam: a) os representantes são eleitos pelos governados; b) os representantes têm independência parcial de atuação; c) liberdade de opinião pública e d) as decisões políticas são tomadas após debates (MANIN, 1995, p. 8-17). . Tal rearranjo deu-se, principalmente, pelo declínio das organizações partidárias, causado por fatores já apontados neste artigo.

O retorno ao voto de confiança pessoal emergiu como uma das características principais da democracia de público, em decorrência, por um lado, da transformação da televisão em locus privilegiado da esfera pública, que favoreceu o contato direto entre candidato-comunicador e eleitor-espectador – prescindindo da intermediação partidária – e que se acentuou ainda mais com as intrínsecas características jornalístico-televisivas que tendem a realçar a personalidade e a imagem do político em detrimento de suas propostas ou organizações; por outro lado, a percepção do eleitorado a respeito da necessidade de manutenção de um certo poder discricionário nas mãos dos governantes faz que os políticos privilegiem o enaltecimento de seus atributos e qualidades pessoais, apresentando-se como homens preparados para enfrentar problemas novos e que se alteram celeremente (MANIN, 1995, p. 25-26).

Além disso, a queda dos regimes do Leste europeu enfraqueceu os alicerces ideológicos de muitos partidos socialistas e social-democratas, contribuindo para solapar o controle das agremiações sobre representantes que, ao elegerem-se por meio de imagens vagas e imprecisas que visam a conquistar a confiança dos eleitores a partir de seus currículos pessoais, têm ampla liberdade para atuar conforme as circunstâncias e as próprias consciências, sem constrangimentos partidários16 16 Essa liberdade de atuação dos parlamentares parece-nos bem adequada à situação brasileira, em contraposição à visão oposta sartoriana, segundo a qual o representante tornou-se, nos últimos tempos, extremamente dependente da pauta televisiva, das pesquisas de opinião e dos eleitores locais que o elegeram (SARTORI, 2001, p. 96-99). Em nossa opinião, essa dependência em relação aos eleitores locais revela-se apenas nos sistemas eleitorais distritais puros, que aumentam sobremaneira o contato entre representante e representados, reforçando a dependência daquele em relação a estes. . A democracia de público é o governo do comunicador17 17 Champagne é um dos autores que compartilham dessa opinião, afirmando que a sedução midiática da massa heterogênea pelos comunicadores substituiu o convencimento construído gradualmente por ativistas e líderes partidários por meio de mobilizações, comícios e interações face-a-face (CHAMPAGNE, 1996, p. 143). Debord afirmou que aqueles que possuem status midiático podem extrapolar seus campos específicos de atuação para impunemente atuar na esfera política ou em outra qualquer (DEBORD, 1997, p. 174). , substituindo tanto o ativista ou líder partidário quanto o notável de outros tempos (idem, p. 26).

Além de a escolha eleitoral tornar-se majoritariamente personalista, ela passa também a ser completamente reativa, já que os eleitores tendem a responder, nas urnas, a questões apresentadas pelos candidatos durante as campanhas. Com uma complexidade social em que inúmeras linhas demarcatórias entrecruzam-se, os políticos passam a propor clivagens sócio-culturais que eles julgam poder trazer-lhes maiores benefícios sufragistas, a partir de pesquisas de opinião que indicam essas possíveis fronteiras discriminatórias. Desse modo, "Os eleitores parecem responder (aos termos específicos que os políticos propõem em cada eleição), mais do que expressar (suas identidades sociais ou culturais)" (idem, p. 27; grifos no original). Reagindo a temas que lhe são propostos a cada eleição pelos candidatos18 18 Schumpeter foi um dos primeiros autores a ressaltar a postura reativa e passiva do eleitorado, muito antes do surgimento dos fatores apontados por Manin como causadores da democracia de público; ele afirmava que as volições dos eleitores eram, antes de tudo, fabricadas pelos políticos, não sendo, portanto, espontâneas (SCHUMPETER, 1961, p. 320). Essa postura reativa do eleitorado acentua-se ainda mais com a impossibilidade de interferência na escolha dos candidatos a serem lançados pelas legendas, ao contrário do que acontecia na democracia de partido. , "[...] o eleitorado apresenta-se, antes de tudo, como um público que reage aos termos propostos no palco da política. Por essa razão, denominamos essa forma de governo representativo de 'democracia do público'" (idem, p. 28; grifos no original)19 19 Schwartzenberg também fez uma analogia entre teatro e política, afirmando que o representante eleito assume completamente os dois sentidos da palavra "representar": como mandatário que representa os mandantes e como ator que representa o papel mais apropriado à sua realidade e ao momento, conforme detectados pelas pesquisas (SCHWARTZENBERG, 1978, p. 292). .

Se a escolha eleitoral é personalista e reativa à agenda de cada eleição – o que faz que os resultados eleitorais tornem-se voláteis a cada pleito, mitigando a estabilidade eleitoral e uma previsibilidade que se dava por meio da análise de fatores sócio-econômicos do eleitorado, típicas da democracia de partido –, a não-coincidência entre expressões eleitorais e não-eleitorais da opinião volta a ser uma constante20 20 Em muitos aspectos, a democracia de público assemelha-se à democracia parlamentar, o que se explica basicamente pelo fato de que o desaparecimento de fatores que trouxeram o declínio da democracia dos notáveis seja justamente o motor do surgimento do modelo de democracia de público. . Isso é conseqüência, de um lado, do declínio da imprensa opinativa e partidária em prol da imprensa comercial, neutra e apartidária, que leva a todos os eleitores, independentemente de suas colorações ideológicas e preferências eleitorais, as mesmas informações, fazendo que as opiniões formadas sejam dessemelhantes e independentes daquelas expressas em períodos eleitorais. Complementarmente, a despartidarização dos canais de expressão da opinião não-eleitoral, agora representados pelos institutos de pesquisa, também contribuiu sobremaneira para a abertura dessa lacuna que não existia na democracia de partido (MANIN, 1995, p. 30-32; 1996, p. 293-297).

Em relação ao debate, a democracia de público caracteriza-se pelo enfraquecimento do Parlamento como locus privilegiado de negociação e conflito, em parte devido aos cada vez mais intensos e decisivos processos de discussão e consulta entre governos e grupos de interesse altamente organizados e poderosos, como associações industriais, agrícolas, não-governamentais etc. Por outro lado, o eleitorado, flutuante e exposto a opiniões conflitantes advindas dos media, é chamado a participar de um debate que tem como fórum a televisão, fazendo que a tela substitua a praça como locus principal de atuação política da população – em seu caráter denunciador, reivindicatório ou de exercício de pressão pública (MANIN, 1995, p. 32-33).

É evidente a validade desse conceito de democracia de público para descrever a situação brasileira contemporânea. O fato de a democracia brasileira adequar-se a esse conceito de governo representativo não quer dizer, entretanto, que as duas etapas anteriores tenham sido cumpridas. Certamente, os interregnos autoritários impediram o desenvolvimento de uma democracia de partido no país, o que faz que a situação brasileira seja sui generis quando comparada à das democracias ocidentais mais tradicionais.

A passagem pelos três modelos de governo representativo deu-se em alguns poucos países da Europa ocidental, como Inglaterra, França e Alemanha – alguns dos países em que Bernard Manin busca casos que fundamentam a construção de seus tipos ideais. A evolução tardia do governo representativo no Brasil torna-se clara quando se observa que o primeiro partido de massa brasileiro – o Partido dos Trabalhadores (PT) – surgiu com quase um século de atraso em relação aos seus congêneres europeus. Mesmo com essa lacuna de desenvolvimento, pode-se afirmar com segurança que a democracia brasileira situa-se hoje em lugar muito próximo do esboçado por Manin em sua descrição arquetípica da democracia de público – opinião compartilhada por grande parte dos autores pertinentes da área (cf. ALDÉ, 2001a; AZEVEDO, 2001).

IV. A MODERNIZAÇÃO DAS CAMPANHAS ELEITORAIS: EXPANSÃO, CONCEITUALIZAÇÃO E FATORES CAUSAIS

Paolo Mancini e David Swanson levaram a cabo uma detalhada análise comparativa entre campanhas eleitorais recentes de onze diferentes países21 21 Foram estes os países: Alemanha, Suécia, Reino Unido, Estados Unidos, Polônia, Rússia, Espanha, Israel, Itália, Argentina e Venezuela. . Apesar das enormes dessemelhanças históricas, culturais e políticas, os autores identificaram nessas nações várias coincidências no que diz respeito aos modos de fazer-se uma campanha eleitoral competitiva. Assim, partindo de um confronto que detectou similitudes e diferenças, chegaram a um constructo teórico-abstrato, em forma de tipo ideal weberiano, alcunhado de "campanha modernizada". É sobre esse modelo arquetípico que o artigo debruça-se a partir de agora.

As técnicas da campanha modernizada surgiram nos Estados Unidos ainda na primeira metade do século XX, difundindo-se posteriormente para sistemas democráticos de vários países; primeiramente, atingiram aqueles países em que tais sistemas eram consolidados e bem desenvolvidos, como Reino Unido e Suécia, para ulteriormente chegar às nações recém-democratizadas ou com sistemas políticos instáveis.

Tal expansão do modo americano de se fazer campanhas se deu por vários motivos, entre os quais se destacam (MANCINI & SWANSON, 1996, p. 6):

- a importância geopolítica e econômica assumida pelos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial transformou suas eleições presidenciais em motivo de grande atenção para países do mundo todo, gerando cada vez maior cobertura jornalística sobre tais acontecimentos;

- produtos culturais de massa exportados pela indústria norte-americana, principalmente filmes, geraram interesse em suas campanhas, tanto por parte de espectadores comuns quanto por parte de políticos de diferentes localidades;

- ávidos por utilizar tais técnicas em seus próprios países, profissionais e políticos do mundo todo foram aos Estados Unidos para apreendê-las;

- especialistas norte-americanos publicaram guias, manuais e livros sobre os novos modos de fazer campanhas, que rapidamente foram aplicados em eleições do mundo todo;

- agências publicitárias – que se expandiram internacionalmente – e consultores individuais norte-americanos passaram a ser, cada vez com maior freqüência, contratados para prestar assessoria política a candidatos em diferentes países e

- a expansão internacional dos media norte-americanos – como CNN, Fox etc. – não só aumentou o destaque jornalístico conferido às campanhas eleitorais de seu país como também impôs um padrão de cobertura jornalística de eleições que, ao ser copiado pelos media de outros países, contribuiu para tornar similares às norte-americanas as campanhas eleitorais de várias democracias, na medida em que elas passaram a ter que se adequar a esse novo padrão de cobertura.

Quais são as características dessa campanha eleitoral modernizada, exportada pelos Estados Unidos para o mundo, que chegou inclusive às eleições brasileiras? A conceituação desse tipo ideal, bem como a discussão a respeito dos principais fatores causais envolvidos no desenvolvimento dessas novas técnicas, passa por cinco pontos principais, explorados a partir de agora.

IV.1. Marketing e pesquisas de opinião

Tradicionalmente, os argumentos presentes na propaganda político-eleitoral e as propostas e projetos apresentados na plataforma eleitoral e no programa de governo dos candidatos eram construídos a partir de contatos eminentemente pessoais, ou seja: discussões intrapartidárias calcadas no programa político-ideológico da agremiação, contatos do candidato com as bases sociais de apoio, principalmente aquelas ligadas ao partido, e contatos com grupos organizados de interesse. O aumento da complexidade social trouxe, entretanto, dificuldades de identificação do posicionamento de um eleitorado que não mais se dividia com base nas estratificações classistas tradicionais, já que traspassado por linhas demarcatórias entrecruzadas e diversas. Tais linhas de clivagens ofereceram a candidatos e partidos a oportunidade de abordagem de fragmentos específicos do eleitorado – como aqueles ligados aos subsistemas particularistas a que nos referimos anteriormente (MANIN, 1995, p. 27; MANCINI & SWANSON, 1996, p. 9).

A despartidarização e a neutralização dos media, que possuem papel fulcral na formação da opinião pública, fizeram que opinião eleitoral – manifesta nas urnas – e opinião não-eleitoral deixassem de coincidir, tornando ainda mais nebulosa a identificação dos anseios, demandas, medos e preocupações de cidadãos que deixaram de expressar suas opiniões por meio de canais partidários – como a própria imprensa controlada pelas agremiações (MANIN, 1995, p. 30-32).

Esses fatores desencadearam uma explosão no uso das sondagens de opinião pública nos últimos anos, como instrumentos para partidos e candidatos detectarem e compreenderem o que pensam os cidadãos da democracia de público; posteriormente, essas informações são utilizadas na confecção das plataformas eleitorais e na construção do discurso político. Esse processo, que vai das pesquisas de opinião à propaganda, é o marketing político-eleitoral22 22 O marketing é, portanto, a obtenção de informações por meio de pesquisas para posteriormente as utilizar na construção de plataformas e discursos, de modo que os candidatos obtenham o maior sucesso possível na disputa pelos votos. Essa noção vem do marketing comercial, que identifica os anseios dos consumidores, por meio de pesquisas, para então elaborar produtos que vão ao encontro de tais demandas. Muitos autores ainda confundem marketing eleitoral com propaganda eleitoral; são conceitos distintos, com a propaganda inserindo-se no marketing como sua fase derradeira; enquanto o marketing é algo relativamente novo, a propaganda política existe desde a Antigüidade. .

Por outro lado, o padrão de cobertura das eleições adotado pelos media baseia-se na visão da disputa eleitoral como horse race23 23 "Corrida de cavalo", em inglês (nota do revisor). , fazendo que proliferem pesquisas de intenção de voto encomendadas aos institutos de pesquisas e divulgadas pelos próprios media; as campanhas eleitorais seguiram estes passos, passando a encomendar, elas próprias, sondagens de intenção de voto.

A centralidade assumida pelos meios eletrônicos de massa – principalmente a televisão, mas também o rádio – em sociedades midiáticas fez dos programas eleitorais televisivos o centro referencial das campanhas. Deste modo, os candidatos passaram a valer-se cada vez mais de pesquisas de opinião que avaliam a qualidade e a eficácia das emissões, antes – os pré-testes – ou depois de suas transmissões. Com tais sondagens, geralmente qualitativas, os publicitários buscam não só corrigir pontos estéticos e substantivos das emissões televisivas e radiofônicas, como também procuram alterar aspectos da aparência e do comportamento do postulante, quando são mal avaliados pelos telespectadores consultados24 24 Não é objetivo deste trabalho a realização de uma análise crítica sobre a validade sociológica das pesquisas enquanto identificadoras – ou forjadoras – da opinião pública – sobre a qual, inclusive, não deixam de haver dúvidas a respeito de sua existência. Para tomar contato com este debate crítico deveras interessante, ver: Arendt (1972), Sartori (1989; 2001), Champagne (1996), Bourdieu (1997) e Habermas (2003). .

IV.2. Centralidade dos meios eletrônicos

As campanhas eleitorais tradicionalmente eram feitas, de um lado, por meio de contatos imediatos entre candidato e eleitor, em um corpo-a-corpo eleitoral que se materializava em atividades como comícios, carreatas, caminhadas, confraternizações, reuniões, panfletagens etc.; por vezes, tais contatos assumiam caráter de mobilizações de massa, como no caso de grandes comícios. Por outro lado, encontros promovidos pelo partido, por associações diversas, grupos de interesse, sindicatos e outras instituições assumiam a forma de contatos mediados entre candidato e eleitor, já que uma organização interpunha-se entre eles.

Tais formas tradicionais prestavam-se também, principalmente para os partidos de massa, à conscientização, mobilização e organização do eleitorado e não apenas à persuasão propriamente dita. No que tange a essa persuasão, a propaganda política assumia ainda as formas de jornais, panfletos, cartazes, inscrições em muros etc.

Porém, na medida em que as sociedades ocidentais converteram-se em sociedades midiáticas, em que a televisão representa a arena mais importante de disputa política e os media constituem um centro autônomo de poder, as campanhas eleitorais também experimentaram um processo de "midiatização". Comícios e outras formas de mobilizações de massa perderam importância e eficácia frente à propaganda veiculada no rádio e, principalmente, na televisão; ao invés de panfletagem na porta das fábricas, há programas televisivos exibidos aos operários em suas casas, produzidos de acordo com pesquisas que identificam suas demandas e preocupações específicas (MANCINI & SWANSON, 1996, p. 12-13). Nas sociedades midiáticas, constata-se que, aos poucos, a praça pública sucumbe frente à tela como locus privilegiado de atuação política em épocas eleitorais (MANIN, 1996, p. 279-281).

Dessa forma, as campanhas eleitorais passaram a estruturar-se ao redor da televisão. Técnicas trazidas ao campo da política pelos publicitários incentivaram essa tendência, já que esses profissionais importaram da área comercial o conceito de que a propaganda televisiva é tanto mais efetiva quanto mais reforçada em outros meios. Assim, o discurso televisivo assumiu o papel de referência modeladora de todo o discurso político da campanha, agindo como força estruturante das propagandas via rádio, cartazes, jornais, panfletos e, até mesmo, comícios e demais mobilizações de massa.

Tais mobilizações, por sua vez, transfiguraram-se em meros eventos midiáticos, acontecimentos voltados não mais à conscientização, organização e mobilização populares, mas sim à geração, por um lado, de belas e empolgantes imagens a serem exibidas no programa televisivo e, por outro lado, de fatos noticiáveis positivamente pelos media que cobrem os movimentos eleitorais (MANCINI & SWANSON, 1996, p. 11-13; AZEVEDO, 2001, p. 9).

A centralidade da televisão na campanha não se resume, assim, ao caráter referencial assumido pelos programas do horário gratuito de propaganda eleitoral em relação aos demais formatos de comunicação política. O papel central desempenhado pelos media na sociedade acaba, ao fim e ao cabo, por fazer que toda a campanha estruture-se ao redor dessa arena midiática central, com a participação dos candidatos em debates, programas populares e de entrevistas, com a influência da agenda temática dos media sobre a agenda temática de candidatos e partidos e com a necessidade de fabricação de fatos que sejam positivamente noticiáveis pela cobertura dos meios de massa.

IV.3. Personalização

A centralidade da televisão nas campanhas eleitorais favorece o contato direto entre o candidato e milhões de eleitores, dispensando a intermediação partidária. Como já foi explicado, esse meio de massa é, de per si, essencialmente personalista e emotivo, pouco afeito a abstrações e mentalizações; nesse sentido, a imagem do político converte-se na própria mensagem, independentemente do discurso proferido. A lógica econômica dos media despartidarizados acentua esta tendência intrínseca ao meio, na medida em que preza por fabricar celebridades com grande teor apelativo, facilmente vendáveis, em detrimento de uma abordagem que privilegie idéias, projetos ou organizações (MANIN, 1995, p. 25-26; SARTORI, 2001, p. 92).

Características intrínsecas à democracia de público aumentam esse potencial televisivo de personalização das campanhas eleitorais: a maior quantidade de atribuições governativas solapou a construção de plataformas partidárias detalhadas; a instabilidade sócio-econômica e política do fim do século aumentou a percepção da necessidade de manutenção de um certo poder discricionário nas mãos dos governantes, fazendo que os candidatos passassem a propagar suas qualidades pessoais em detrimento dos programas e projetos partidários; o fim dos regimes do Leste mitigou as bases ideológicas de muitos partidos ocidentais, que passaram, então, a apostar no carisma de seus líderes como forma de manutenção da força eleitoral (MANIN, 1995, p. 25-29).

Por fim, pode-se afirmar que a entrada dos publicitários no mundo da política forneceu mais combustível à personalização das campanhas, já que, mestres nos artifícios persuasivos televisivos, tais profissionais esmeram-se em "emocionalizar" e ultrapersonalizar as atividades de convencimento dos eleitores. Porém, eles não foram os únicos especialistas que se incorporaram às campanhas eleitorais modernizadas.

IV.4. Profissionalização dos participantes

Se antes as agremiações, notadamente as de massa, contavam com militantes, quadros partidários e voluntários como força de trabalho para as atividades de campanha, hoje o cenário é outro. As campanhas modernizadas contratam um batalhão de profissionais, muito além dos publicitários: relações públicas, "preparadores de terreno"25 25 São os advance men dos norte-americanos: profissionais que chegam antes do candidato aos locais de visita para organizar a imprensa, verificar a segurança, contatar os líderes locais, preparar a estrutura física etc. , coletores de fundos, especialistas em pesquisas de opinião, demógrafos, estatísticos, cientistas políticos, sociólogos, especialistas em informática e banco de dados, redatores de discursos, produtores de rádio e televisão, jornalistas, designers, modistas, atores, entre outros. A contratação desses profissionais – fenômeno alcunhado por Habermas (2003, p. 252-254) de "cientifização" – relegou a segundo plano os militantes, voluntários e quadros partidários, excluídos principalmente dos cargos-chave da campanha, ou seja, dos cargos executivos e diretivos.

E por quais motivos tal substituição ocorreu? Em primeiro lugar, o enfraquecimento dos partidos no tocante ao desempenho de várias de suas funções desestimulou antigos e novos militantes, diminuindo o potencial de militância antes decisivo para muitas agremiações, principalmente as de massa (SUÁREZ, 1998, p. 29-32).

Sob outro prisma, a utilização intensa da televisão e das pesquisas de opinião e de intenção de voto tornou premente a contratação de técnicos para lidar com tais instrumentos, já que os partidos não podiam prover essas necessidades específicas de recursos humanos em quantidade e/ou qualidade suficientes. Ao mesmo tempo, os altos custos da realização de pesquisas e da produção da propaganda eleitoral para meios eletrônicos tornaram as campanhas eleitorais modernizadas extremamente dispendiosas, fato que aumentou a necessidade da contratação de arrecadadores de fundos que se dedicassem em tempo integral à obtenção de recursos para as campanhas.

No Brasil, a redemocratização sob um formato multipartidário acentuou a profissionalização das campanhas: tornando a competição eleitoral acirrada e fragmentada, fez que partidos e candidatos se empenhassem em manter a competitividade por meio do uso de técnicas de campanha cada vez mais sofisticadas.

IV.5. Apelo sedutor-emotivo

As técnicas levadas por publicitários e suas agências – com atribuições e poderes crescentes nas estruturas das campanhas – da propaganda comercial à esfera política tornaram a comunicação das campanhas altamente emotiva, relegando a segundo plano a argumentação crítico-racional como forma de convencimento dos eleitores.

A centralidade cada vez maior da televisão também contribuiu para "emocionalizar" a retórica usada na comunicação política, na medida em que esse meio favorece a sedução pessoal-emotiva que se dá por meio de imagens, em detrimento da exposição de argumentos que exigem abstrações e mentalizações por parte dos espectadores. Quando a imagem do político na tela passa a ser a própria mensagem, a sedução toma o lugar da persuasão argumentativa.

Jürgen Habermas foi um dos primeiros a identificar essa transformação, ainda na década de 1960. Para ele, a substituição da discussão racional-argumentativa – exigência normativa para a formação da verdadeira opinião pública burguesa – pelo convencimento via técnicas sedutor-emotivas, importadas da propaganda comercial, traria efeitos desastrosos à vida democrática; segundo o filósofo alemão, esses publicitários "[...] são contratados para vender política apoliticamente" (HABERMAS, 2003, p. 252), despolitizando a discussão. Essa publicidade manipulativa usada pelo marketing político – substituindo o que ele chama de publicidade crítica – serve somente à formação de uma opinião não-pública, na medida em que não é formada por meio da discussão racional de argumentos (idem, p. 270-273).

V. CONCLUSÃO

A transformação das campanhas eleitorais em direção ao modelo de campanha modernizada não ocorreu pari passu em todos os países analisados por Mancini e Swanson, nem, muito menos, em todas as democracias ocidentais em que se pode vislumbrar traços desse novo modo de fazer campanhas. Como sói ocorrer com qualquer tipo ideal, aspectos desse modelo são encontrados em graus variados em diferentes países, tendo a construção arquetípica salientado os pontos comuns presentes nos fenômenos empiricamente analisados. Nesse sentido, as campanhas presidenciais norte-americanas são as que mais se aproximam do tipo ideal acima esboçado; as dos demais países, incluindo o Brasil, possuem ao menos um aspecto em que as tintas da modernização devem ser matizadas.

Nesse sentido, à guisa de conclusão, vale passar celeremente pelos fatores contextuais nacionais que são determinantes da maior ou menor propensão de modernização das campanhas eleitorais mais competitivas (MANCINI & SWANSON, 1996, p. 20-24); faremos, outrossim, algumas considerações relativas à situação brasileira.

1. Sistema eleitoral: o sistema majoritário é deveras mais favorável à personalização das campanhas do que o sistema proporcional com lista fechada, que confere maior força aos partidos. O sistema proporcional com lista aberta, que vigora no Brasil, incentiva a personalização e o individualismo, ainda mais porque se combina com a candidatura nata e a impunidade pela infidelidade partidária. A coincidência dos pleitos legislativos proporcionais com as escolhas majoritárias para o poder Executivo acentua ainda mais a tendência à personalização no Brasil, na medida em que a disputa legislativa passa a estruturar-se em torno da disputa pelo Executivo; essa disputa, absolutamente personalista, atua portanto como força estruturante sobre aquela, nas esferas municipais, estaduais e federal.

2. Sistema partidário: embora a modernização chegue igualmente a sistemas bi e multipartidários, ela dá-se com rapidez maior nos primeiros, pois contam geralmente com uma competição entre grandes e amorfos partidos catch all, que utilizam estratégias de comunicação para agregar volátil e temporariamente interesses distintos de uma sociedade altamente fragmentada26 26 Nesse sentido, o sistema norte-americano, com suas máquinas eleitorais democrata e republicana, é paradigmático. . No Brasil, o sistema multipartidário consolidado em 1985 incentivou o surgimento e o fortalecimento de agremiações de fortes alicerces ideológicos, como PT, Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU); isso fez que a modernização chegasse mais lentamente ao sistema partidário nacional, na medida em que estas siglas mantiveram-se, durante um bom tempo, reticentes ao uso de algumas ferramentas de campanha já bem difundidas entre os demais partidos do espectro político nacional.

3. Regulamentação: quanto mais rígida a regulamentação das campanhas, mais restritas mostram-se as possibilidades de adequação local do modelo modernizado; neste sentido, adquirem maior importância as leis que versam sobre o uso dos meios eletrônicos e o financiamento das campanhas. Quanto à legislação brasileira, pode-se afirmar que ela, por um lado, constituiu-se em catalisador da modernização, no que concerne tanto à gratuidade de acesso aos meios de massa, tornando-os locus preferenciais de atuação a todas as legendas, quanto à não-restrição do financiamento privado, que fez que os candidatos e suas siglas dispusessem de recursos suficientes para a implantação de ferramentas modernizantes. Por outro lado, o fato de que a distribuição do tempo gratuito de rádio e televisão dê-se entre partidos e não entre candidatos – que tampouco podem comprá-lo –, refreia as tendências à personalização excessiva que se observa nos EUA, por exemplo, onde candidatos com ou sem partido podem comprar tempo nos meios de massa.

4. Cultura política: obviamente, as práticas de campanha adaptam-se a cada cultura política nacional, principalmente no que toca a aspectos como socialização política, participação cívica, estruturas de agregação social, efetividade dos canais de comunicação interpessoais e importância dos grupos societais primários e secundários. As sociedades tradicionais – entendidas aqui como aquelas em que as interações face-a-face constituem-se ainda em meios predominantes de informação e socialização políticas, quer nos bairros, locais de trabalho e igrejas, quer no seio das famílias tradicionais – mostram-se bem menos receptivas ao modelo modernizado do que as sociedades em que a fragmentação enfraqueceu as estruturas tradicionais de socialização, informação e participação políticas –alcunhadas por Mancini e Swanson (idem, p. 23-24) de sociedades "modernas". Nessas sociedades, candidatos e partidos apelam a canais comunicacionais externos aos grupos básicos, valendo-se do uso intensivo dos meios de massa para agregar inúmeros subsistemas de eleitores. No Brasil, a fragmentação societária parece-nos um fenômeno evidente; além disso, o longo interregno militar contribuiu enormemente para desmobilizar o eleitorado, afastando o cidadão comum da participação política.

5. Sistema dos meios de massa: os sistemas midiáticos nacionais avançados tecnologicamente, em que a televisão atinge quase a totalidade da população como fonte – por vezes única – de entretenimento e informação, favorecem sobremaneira a modernização das campanhas eleitorais; ao contrário, os sistemas em que grande parte da população não tem acesso aos aparelhos e/ou as transmissões não cobrem parcelas significativas do território, constituem-se em um óbice à modernização. No Brasil, o amplo acesso da população aos aparelhos de recepção e a cobertura efetivamente nacional dos media privados – por meio de transmissoras próprias ou retransmissoras que atingem os mais longínquos rincões do país – conformam um solo fértil para a implantação de ferramentas de comunicação política que possuem na televisão e no rádio seu centro referencial.

Esperamos que este artigo tenha deixado claro que, mais do que uma invenção de políticos oportunistas, publicitários – os tão denunciados e autopromovidos "marqueteiros" – ou especialistas em pesquisas, as novas feições das campanhas eleitorais inserem-se em uma estrutura que constrange, limita e incentiva: a "sociedade midiática".

Aqui, cabe a pergunta que mais incomoda: em uma sociedade desse tipo, com uma democracia de massas, haveria modos mais eficientes de se fazer campanhas eleitorais?

Não se trata de indultar supostos culpados, mas sim de, em uma análise mais aprofundada, fazer ver que a sociedade em que vivemos não é a mesma de algumas décadas atrás, o que acarreta, obviamente, formas dessemelhantes de comunicação política qua instrumento de convencimento de eleitores em contextos democráticos. Assim, este artigo buscou, acima de tudo, confrontar algumas interpretações que exigem um mea culpa de atores que, mais do que propriamente culpados, representam efeitos de fenômenos anteriores e muito mais profundos do que eles.

Essa constatação, no entanto, não impede que teçamos algumas críticas contundentes a certas práticas adotadas por campanhas eleitorais nacionais. A "emocionalização" da comunicação política televisiva, que se dá por meio do uso de técnicas advindas da propaganda comercial, constitui sério risco ao sistema democrático em que, normativamente, os atores deveriam se pautar por critérios eminentemente racionais na escolha, sustentação e implantação de governos, governantes e políticas públicas. Conferindo tons ainda mais emotivos à comunicação que se dá por um meio que, de per si, já é movido a emoções, publicitários e outros profissionais – atendendo a partidos e candidatos – prestam um desserviço à consolidação da democracia nacional.

Sob prisma distinto, constata-se que a necessidade de construção de estruturas profissionais centralizadas, ágeis e eficientes fez que as campanhas eleitorais mais competitivas se tornassem altamente dispendiosas para candidatos e partidos. A busca de vultosos recursos e a frouxidão da legislação eleitoral no tocante a doadores jurídicos constituem sérios óbices à autonomia do campo da política frente aos interesses econômicos das corporações industriais, comerciais e financeiras27 27 Essa questão, ainda não muito debatida no Brasil, é especialmente crítica e problemática nos EUA, onde a discussão a respeito de soluções a serem implementadas é sobremaneira mais avançada. . A limitação dessas doações ou, ainda melhor, a adoção de um modelo misto ou puro de financiamento público das campanhas podem ser soluções parciais – porém importantes – para evitar que a democracia torne-se refém de interesses econômicos que caminham, no mais das vezes, na contramão dos anseios da maioria da população.

Recebido em 31 de outubro de 2003

Aprovado em 8 de maio de 2004

Pedro José Floriano Ribeiro (pedrorib@hotmail.com) é Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), doutorando em Ciências Sociais na mesma instituição, Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Comunicação Política da UFSCar e bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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  • 1
    Este artigo é parte da pesquisa de mestrado que desenvolvi sob orientação do Prof. Dr. Fernando Antônio Azevedo, no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos. Essa investigação, que contou com financiamento da CAPES – por meio de Bolsa de Demanda Social –, inseriu-se no âmbito do Grupo de Pesquisa em Comunicação Política da mesma instituição. Agradeço os comentários tecidos pelo Prof. Fernando e pelos pareceristas anônimos da
    Revista de Sociologia e Política, que contribuíram para algumas importantes correções e aprimoramentos do texto; as incorreções existentes são, entretanto, de exclusiva responsabilidade do autor.
  • 2
    Quando nos referimos aos
    media, queremos dar a entender os órgãos e agentes dos meios de comunicação de massa, ou seja: empresas de rádio e televisão, seus controladores e principais profissionais. Assim,
    media e meios de massa não se confundem: os primeiros são os agentes, enquanto os últimos representam os meios de difusão.
  • 3
    Bourdieu denomina essa autoridade imagética de "efeito de real" (BOURDIEU, 1997, p. 28).
  • 4
    "[...] O visível nos aprisiona no visível. Para o homem diante da televisão é suficiente o que vê, e aquilo que não é visto não existe" (SARTORI, 2001, p. 71).
  • 5
    Como qualquer violência simbólica, esta que se vale da televisão não é apenas imposta coercitivamente pelos dominantes aos dominados, comportando uma parcela importante de aceitação tácita e inconsciente por parte dos subjugados. Da mesma forma, não se deve esquecer que grande parte dos subjugantes não sabe que age dominando e manipulando, já que muitas vezes são, eles também, manipulados – como no caso dos jornalistas televisivos. Bourdieu afirma que a televisão pode, porém, ser instrumentalizada pelos dominados em sua luta político-social, trazendo à esfera de disputa política temas e elementos antes tidos por naturais e inquestionáveis (BOURDIEU, 1997, p. 22-30). Nesse sentido, tanto ele como Patrick Champagne notaram a dependência dos movimentos e grupos marginalizados em relação à televisão, no sentido de que passam a ser praticamente inexistentes se não usam a tela como
    locus principal de suas ações reivindicatórias (CHAMPAGNE, 1996, Introdução).
  • 6
    Sartori utiliza "vídeo" – como derivação do latim
    videre, que significa "ver", "observar" – no sentido da superfície da televisão em que as imagens podem ser vistas, que em português costumou-se chamar de "tela". É um sentido distinto do atribuído pelos anglo-saxões, para quem "vídeo" significa o filme ou a fita onde as imagens são gravadas. Conquanto o mais correto em português fosse o termo "telepolítica", preservamos "videopolítica" para manter o original sartoriano. Mas vale destacar que há vários termos para descrever basicamente os mesmos fenômenos: "videocracia", "teledemocracia", "midiapolítica" etc.
  • 7
    Há alguns estudos no campo da recepção da comunicação política que indicam que a televisão não apenas contribui para a construção de atitudes políticas como também, e principalmente, serve de fonte fornecedora de exemplos a serem selecionados pelos cidadãos para justificar suas convicções e atitudes políticas pré-formadas. Para estudos desse tipo, ver Aldé (2001a; 2001b).
  • 8
    Champagne é crítico ferrenho da videopolítica, afirmando que ela foi forjada conscientemente pelos especialistas que dela mais tiram proveito, quais sejam, jornalistas, cientistas políticos com presença assídua nos
    media, publicitários, relações públicas, assessores de imprensa, institutos e especialistas em pesquisas eleitorais e de opinião e todos aqueles que fazem parte do que denominamos neste trabalho de "profissionalização da política", alcunhada por Habermas de "cientifização" (CHAMPAGNE, 1996, p. 30-34; HABERMAS, 2003, p. 252-273). Em nosso entender, essa é uma visão equivocada, na medida em que a proliferação e a valorização desses profissionais são
    conseqüências da "midiatização" do subsistema político, que adquiriu tais feições por inserir-se não em um vácuo, mas em um sistema societário de que os
    media constituíram-se em centro poderoso e autônomo; colocar os profissionais como causadores de um processo tão amplo é argumento sobremaneira simplista.
  • 9
    Nesse sentido, os partidos do tipo
    catch-all ("pega tudo") perderam menos, já que sua amorfa constituição mostrou-se bem mais flexível e maleável para abrigar diferentes subsistemas ideologicamente conflitantes.
  • 10
    O termo "imediato" é usado neste artigo para designar a falta de mediação, ou seja: é o contrário de "mediato" ou "mediado".
  • 11
    Sobre esse ponto, ver Mainwaring (2001).
  • 12
    A
    agenda-setting é a soma da agenda dos
    media, que se refere aos temas mais destacados por eles, com a agenda do público, que diz respeito aos temas mais discutidos e considerados mais importantes pelos indivíduos. Os estudos mais recentes indicam que os meios de massa possuem enorme influência sobre a agenda do público, formatando principalmente
    sobre o que os indivíduos devem pensar, mais do que
    como o devem fazer. É nesse sentido que se afirma o grande poder da televisão em determinar a
    agenda-setting (AZEVEDO, 2002).
  • 13
    Como qualquer construção de tipos ideais, esta não esgota as diferentes possibilidades de manifestação do fenômeno em estudo, qual seja, o governo representativo. Manin deixou isso claro, afirmando que em determinada época de determinado país, dois tipos de governo representativo poderiam combinar-se e até mesmo fundir-se; porém, sempre é possível determinar o predomínio de um tipo sobre o outro (MANIN, 1995, p. 7).
  • 14
    Outro tipo de debate muito comum na democracia de partido é o que se dava entre partido e grupos de interesse diversos, como sindicatos, associações profissionais etc., em uma relação que Manin alcunhou de "neocorporativismo" (MANIN, 1995, p. 24-25).
  • 15
    Quais sejam: a) os representantes são eleitos pelos governados; b) os representantes têm independência parcial de atuação; c) liberdade de opinião pública e d) as decisões políticas são tomadas após debates (MANIN, 1995, p. 8-17).
  • 16
    Essa liberdade de atuação dos parlamentares parece-nos bem adequada à situação brasileira, em contraposição à visão oposta sartoriana, segundo a qual o representante tornou-se, nos últimos tempos, extremamente dependente da pauta televisiva, das pesquisas de opinião e dos eleitores locais que o elegeram (SARTORI, 2001, p. 96-99). Em nossa opinião, essa dependência em relação aos eleitores locais revela-se apenas nos sistemas eleitorais distritais puros, que aumentam sobremaneira o contato entre representante e representados, reforçando a dependência daquele em relação a estes.
  • 17
    Champagne é um dos autores que compartilham dessa opinião, afirmando que a
    sedução midiática da massa heterogênea pelos comunicadores substituiu o convencimento construído gradualmente por ativistas e líderes partidários por meio de mobilizações, comícios e interações face-a-face (CHAMPAGNE, 1996, p. 143). Debord afirmou que aqueles que possuem
    status midiático podem extrapolar seus campos específicos de atuação para impunemente atuar na esfera política ou em outra qualquer (DEBORD, 1997, p. 174).
  • 18
    Schumpeter foi um dos primeiros autores a ressaltar a postura reativa e passiva do eleitorado, muito antes do surgimento dos fatores apontados por Manin como causadores da democracia de público; ele afirmava que as volições dos eleitores eram, antes de tudo,
    fabricadas pelos políticos, não sendo, portanto, espontâneas (SCHUMPETER, 1961, p. 320). Essa postura reativa do eleitorado acentua-se ainda mais com a impossibilidade de interferência na escolha dos candidatos a serem lançados pelas legendas, ao contrário do que acontecia na democracia de partido.
  • 19
    Schwartzenberg também fez uma analogia entre teatro e política, afirmando que o representante eleito assume completamente os dois sentidos da palavra "representar": como mandatário que representa os mandantes e como ator que representa o papel mais apropriado à sua realidade e ao momento, conforme detectados pelas pesquisas (SCHWARTZENBERG, 1978, p. 292).
  • 20
    Em muitos aspectos, a democracia de público assemelha-se à democracia parlamentar, o que se explica basicamente pelo fato de que o desaparecimento de fatores que trouxeram o declínio da democracia dos
    notáveis seja justamente o motor do surgimento do modelo de democracia de público.
  • 21
    Foram estes os países: Alemanha, Suécia, Reino Unido, Estados Unidos, Polônia, Rússia, Espanha, Israel, Itália, Argentina e Venezuela.
  • 22
    O
    marketing é, portanto, a obtenção de informações por meio de pesquisas para posteriormente as utilizar na construção de plataformas e discursos, de modo que os candidatos obtenham o maior sucesso possível na disputa pelos votos. Essa noção vem do
    marketing comercial, que identifica os anseios dos consumidores, por meio de pesquisas, para então elaborar produtos que vão ao encontro de tais demandas. Muitos autores ainda confundem
    marketing eleitoral com propaganda eleitoral; são conceitos distintos, com a propaganda inserindo-se no
    marketing como sua fase derradeira; enquanto o
    marketing é algo relativamente novo, a propaganda política existe desde a Antigüidade.
  • 23
    "Corrida de cavalo", em inglês (nota do revisor).
  • 24
    Não é objetivo deste trabalho a realização de uma análise crítica sobre a validade sociológica das pesquisas enquanto identificadoras – ou forjadoras – da opinião pública – sobre a qual, inclusive, não deixam de haver dúvidas a respeito de sua existência. Para tomar contato com este debate crítico deveras interessante, ver: Arendt (1972), Sartori (1989; 2001), Champagne (1996), Bourdieu (1997) e Habermas (2003).
  • 25
    São os
    advance men dos norte-americanos: profissionais que chegam antes do candidato aos locais de visita para organizar a imprensa, verificar a segurança, contatar os líderes locais, preparar a estrutura física etc.
  • 26
    Nesse sentido, o sistema norte-americano, com suas máquinas eleitorais democrata e republicana, é paradigmático.
  • 27
    Essa questão, ainda não muito debatida no Brasil, é especialmente crítica e problemática nos EUA, onde a discussão a respeito de soluções a serem implementadas é sobremaneira mais avançada.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Set 2004
    • Data do Fascículo
      Jun 2004

    Histórico

    • Recebido
      31 Out 2003
    • Aceito
      08 Maio 2004
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