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Apresentação

DOSSIÊ "ARGENTINA E BRASIL : PARALELOS E DIVERGÊNCIAS"

Apresentação

Maria Antonieta Parahyba Leopoldi

O conjunto dos artigos deste número da Revista de Sociologia Política é revelador da maior aproximação que vem acontecendo entre Brasil e Argentina na última década. No meio acadêmico, tal aproximação torna-se clara pelo grande número de estudos que aqui se realizam sobre o Cone Sul, sob a forma de publicações, cursos de pósgraduação, pesquisas e teses acadêmicas. É inegável que existe entre os brasileiros um novo interesse pelo estudo da América Latina na última década - em especial pela Argentina.

Se os brasileiros avançam nos estudos do país vizinho, o movimento parece ser o mesmo da Argentina para o Brasil. Jovens argentinos procuram os programas de pós-graduação brasileiros para formarem-se mestres e doutores. Alguns se fixam no país, ensinando em universidades brasileiras ou fazendo investigações em centros de pesquisa. Agências de fomento estão abrindo-se para os esforços de cooperação entre universidades brasileiras e argentinas1 1 É o caso deste dossiê, que se insere no Convênio Capes-Secyt de apoio a projetos conjuntos de pesquisa e cooperação acadêmica entre instituições de ensino superior do Brasil e da Argentina. Neste caso, o convênio Capes-Secyt fez-se entre o Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal Fluminense e a Universidade de Buenos Aires (2008-2009). .

O presente volume é constituído, em sua maioria, pelos trabalhos de jovens pesquisadores que, em dissertações de mestrado ou doutorado, elegeram a Argentina e sua relação com o Brasil como objeto de análise. Com exceção do ensaio do cientista político argentino Vicente Palermo, os demais trabalhos são provenientes de jovens acadêmicos que aqui revelam os resultados de suas pesquisas acadêmicas.

Em vários artigos a Argentina é o tema principal. Outros tratam da Argentina, mas lançam um olhar comparativo para outros paises da região. Há uma séria reflexão sobre a virada neoliberal representada pelo governo Carlos Menem (1989-1999), bem como sobre a reviravolta dentro do próprio Partido Justicialista, em meio à grave crise argentina de 2001, a partir da qual tem lugar uma seqüência de rupturas. Dentre elas estão a moratória da dívida externa, declarada por Adolfo Rodriguez Sáa, Presidente da Argentina por uma semana apenas, e o fim da conversibilidade, estabelecida pelo Presidente justicialista Eduardo Duhalde, indicado pelo Congresso em meio à crise, em janeiro de 2002. Néstor Kirchner, escolhido nas eleições presidenciais de maio de 2003, dá continuidade às políticas de seus antecessores imediatos, acirrando as relações do país com o FMI e com o governo dos Estados Unidos.

Em todos os trabalhos aparecem as políticas de reformas dos anos 1990, na Argentina, e suas conseqüências na década seguinte. São analisadas as reformas rápidas e profundas realizadas por Menem, cumprindo uma agenda feita em cooperação com o Banco Mundial, financiador de vários projetos de reforma, e com o FMI, gestor da dívida argentina. Os artigos de Roberta Marques da Silva e de Javier Vadell analisam a grande virada do Justicialismo argentino, que com o Presidente Kirchner passa a reavaliar as reformas menemistas, a redefinir a relação da Argentina com os Estados Unidos e a estabelecer outro patamar na relação do governo argentino com o FMI; mudanças que trazem impacto para os movimentos de integração do Mercosul. Vadell compara os governos Kirschner (Néstor e Cristina) com o governo Lula, ao longo dos anos 2000, mostrando as respostas convergentes que eles trazem para a crise do neoliberalismo bem como as suas novas perspectivas de desenvolvimento, com presença forte do Estado e visão de mais longo prazo. Muda também a perspectiva de integração regional, a partir da valorização da região latinoamericana na política externa: diversamente da idéia de integração dos anos 1990, que visava melhorar a competitividade internacional, a integração para os governos Kirchner e Lula, segundo Vadell, envolveria o aumento do poder de barganha da região nas negociações internacionais. Os governos brasileiro e argentino dos anos 2000 estariam, assim, construindo um novo modelo de desenvolvimento que resgataria alguns dos princípios cepalinos, agregando valores da economia neoclássica de estabilidade monetária, disciplina fiscal e importância da iniciativa privada.

Ruth Felder e Roberta Marques da Silva, analisando os governos Menem e Kirchner, tratam das relações de quase subserviência entre Menem e as agências multilaterais Banco Mundial e FMI. No trabalho de Roberta Marques da Silva fica claro o papel do FMI como interlocutor entre o governo argentino e a comunidade financeira internacional, formada pelos investidores estrangeiros nos empreendimentos privatizados neste país e pelos investidores/especuladores que entravam e saíam da Argentina conforme as oscilações do risco-país, fornecido pelas agências de rating. Importante também, no trabalho de Roberta Marques da Silva, é a análise da mudança na coalizão de forças de apoio a Menem e a Kirchner, que a autora delineia de forma bem clara.

Christiane Sauerbron dos Santos fala da grande mudança do governo Menem na política externa argentina, quando se estabelecem relações profundas com os Estados Unidos, deixando de lado a histórica tensão entre os dois países. A autora revela também o papel do think tank Consejo Argentino de Relaciones Internacionales, o CARI, na formação de uma coalizão de apoio às políticas do governo Menem. Sua análise leva à conclusão de que, por não ter um Ministério das Relações Exteriores forte, a Argentina depende de instituições da sociedade (como o CARI) para ajudar a Presidência a formular a política externa e intermediar a relação entre governo e elites econômicas e políticas.

A questão das reformas no setor de petróleo nos dois países é tratada de forma comparativa no artigo de Pablo Ferreira, que contrasta as privatizações de empresas de petróleo na Argentina com o processo de quebra do monopólio do governo sobre a exploração e refino do petróleo no Brasil durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Enquanto, na Argentina, os empreendimentos ligados ao petróleo são vendidos para empresas estrangeiras, inclusive para a Petrobrás, no Brasil, a despeito da entrada de novas empresas na exploração do petróleo e gás, a grande estatal brasileira do petróleo continua a investir maciçamente na exploração de campos de petróleo e gás no país, ao mesmo tempo em que realiza investimentos significativos na Argentina, reforçando a sua posição de multinacional do setor.

O setor de eletricidade passou por muitas reformas nos anos 1990, como parte das medidas neoliberais implementadas na Argentina, no Brasil e no México. Alessandro André Leme compara as reformas no setor elétrico nos três países, trazendo evidências de que, em cada país, as reformas tiveram uma sincronia e um nível de aprofundamento diverso, dependendo da interação do país com o contexto internacional, com as agências multilaterais, do grau da presença do Estado no setor e do embate entre as forças neoliberais e estatistas-desenvolvimentistas. Sua análise dá conta de que as grandes fontes de energia elétrica no México e na Argentina são térmicas, movidas a gás e petróleo, enquanto que, no Brasil, a riqueza energética vem dos rios e bacias fluviais, fontes da energia hidrelétrica. Os três países variaram também nos níveis de privatização do setor elétrico e na força do Estado como produtor de energia e coordenador da política energética. Pode-se pensar num contínuo forma-do pelos três países que vai de reformas menos profundas, que mantêm a forte presença do Estado no setor elétrico (caso do México), até o extremo de reformas abrangentes que transferem as empresas de energia para o setor privado (caso da Argentina). As reformas no setor elétrico brasileiro situar-se-iam no meio desse contínuo.

O esforço comparativo realizado por esses artigos que compõem este número da RSP sobre a Argentina fazem-nos refletir sobre os fatores que levam os países a fazerem opções pelo neoliberalismo ou pelo pós-neoliberalismo, este último entendido como política de reavaliação do legado das reformas e de reformulação da inserção internacional do país e de sua política externa. Essa reavaliação é fundamental para a construção de um novo modelo de desenvolvimento, emergente, segundo mostra-nos Vadell em alguns países da América Latina.

Deixamos para o final da coletânea o instigante ensaio de Vicente Palermo, que compara os diversos estilos políticos, formas de participação e o imaginário dos dois países, mostrando como brasileiros e argentinos são tão diferentes. Seguindo a linhagem de reflexão multidisciplinar de Roberto Da Matta e Guillermo O'Donnell, Palermo revisita de forma crítica seu país e traz um olhar estrangeiro e inovador para a análise da política brasileira.

Recebido em 18 de outubro de 2008.

Aprovado em 12 de janeiro de 2009.

Maria Antonieta Parahyba Leopoldi (leopoldi@uninet.com.br) é Doutora em Ciência Política pela Universidade de Oxford e professora de Ciência Política na Universidade Federal Fluminense (UFF).

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    É o caso deste dossiê, que se insere no Convênio Capes-Secyt de apoio a projetos conjuntos de pesquisa e cooperação acadêmica entre instituições de ensino superior do Brasil e da Argentina. Neste caso, o convênio Capes-Secyt fez-se entre o Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal Fluminense e a Universidade de Buenos Aires (2008-2009).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009
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