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Comunicação oral de laringectomizados com prótese traqueoesofágica: análise comparativa pré e pós-treino

Resumos

TEMA: treinamento fonoaudiológico para pacientes laringectomizados totais com prótese traqueoesofágica. OBJETIVO: comparar a qualidade da comunicação oral de pacientes laringectomizados, com prótese traqueoesofágica antes e depois de treinamento fonoaudiológico. MÉTODO: foram analisadas amostras de voz e fala de 17 pacientes laringectomizados, antes e depois de treinamento de voz e fala. As amostras pré e pós-treino foram misturadas ao acaso e apresentadas a fonoaudiólogos para avaliação. RESULTADOS: observada melhora significativa (Teste da Binomial) no conjunto dos aspectos avaliados. CONCLUSÃO: pode-se considerar que o treino proposto melhorou os padrões de fala inclusive a melodia e do canto.

Inteligibidade de Fala; Laringectomia; Neoplasias de Cabeça e Pescoço


BACKGROUND: speech and voice training for laryngectomized patients with tracheoesophageal prosthesis. AIM: to compare the quality of oral communication of a group of laryngectomized patients with tracheoesophageal prostheses, pre and post speech and voice training. METHOD: voice and speech samples of 17 laryngectomized patients were analyzed before and after receiving speech and voice training. The voice and speech samples were mixed and presented to speech-language pathologists for assessment. RESULTS: statistically significant (Binomial Test) improvement was observed. CONCLUSION: it can be concluded that the proposed training improved the speech patterns, including melody and singing.

Speech Intelligibility; Laryngectomy; Head and Neck Neoplasms


ARTIGOS DE PESQUISA

Comunicação oral de laringectomizados com prótese traqueoesofágica: análise comparativa pré e pós-treino* * Trabalho Realizado no Hospital e Maternidade Celso Pierro da PUC - Campinas.

Iára Bittante de OliveiraI,1 1 ( ibittante@uol.com.br) ; Claudiney Candido CostaII; José Francisco Salles ChagasIII; Elaine Cristina Gonçalves RochettiIV; Luciane Otranto de OliveiraV

IFonoaudióloga. Doutora em Psicologia como Ciência e Profissão pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) - Campinas. Professora Pesquisadora da Faculdade de Fonoaudiologia da PUC - Campinas

IIMédico. Mestre em Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Complexo Hospitalar Heliópolis de São Paulo. Médico do Ambulatório de Cabeça e Pescoço do Hospital e Maternidade Celso Pierro da PUC - Campinas

IIIMédico. Doutor em Cirurgia de Cabeça e Pescoço pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Professor da Faculdade de Medicina da PUC - Campinas

IVFonoaudiólga. Mestre em Ciência da Informação pela PUC - Campinas. Aprimoranda no Ambulatório de Cabeça e Pescoço da PUC - Campinas

VFonoaudióloga. Especializanda em Motricidade Oral pelo Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica pela PUC - Campinas. Aprimoranda no Ambulatório de Cabeça e Pescoço da PUC - Campinas

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Iára Bittante de Oliveira R. Sacramento, 126, conj. 63/64 - Centro Campinas - SP CEP: 13010-911.

RESUMO

TEMA: treinamento fonoaudiológico para pacientes laringectomizados totais com prótese traqueoesofágica.

OBJETIVO: comparar a qualidade da comunicação oral de pacientes laringectomizados, com prótese traqueoesofágica antes e depois de treinamento fonoaudiológico.

MÉTODO: foram analisadas amostras de voz e fala de 17 pacientes laringectomizados, antes e depois de treinamento de voz e fala. As amostras pré e pós-treino foram misturadas ao acaso e apresentadas a fonoaudiólogos para avaliação.

RESULTADOS: observada melhora significativa (Teste da Binomial) no conjunto dos aspectos avaliados.

CONCLUSÃO: pode-se considerar que o treino proposto melhorou os padrões de fala inclusive a melodia e do canto.

Palavras-Chave: Inteligibidade de Fala; Laringectomia; Neoplasias de Cabeça e Pescoço.

Introdução

Sendo o ser humano vocal em sua essência e apresentando, desde o nascimento, manifestações vocais intencionais de comunicação, parece-nos inconcebível que, após boa parte de sua vida contando com sua voz para se comunicar, passe o homem a ter que conviver com a realidade de não mais possuí-la e então iniciar uma vida de silêncio, muitas vezes de isolamento social. Essa é a situação vivenciada por muitos pacientes que tiveram câncer de laringe e necessitaram realizar laringectomia total.

É sabido que o câncer de laringe, quando requer remoção total desse órgão, ameaça intensamente a qualidade de vida dos pacientes, uma vez que as funções de fonação, respiração e deglutição tornam-se comprometidas de forma acentuada (Blom et al., 1986). A falta de comunicação oral resultante dessa condição pode ser vista como a principal seqüela, lembrando que, no Brasil, há um número expressivo de adultos analfabetos e, nesse caso, não seria possível o uso da comunicação escrita como substitutiva.

A laringectomia total resulta em profundo impacto na vida dos pacientes, levando a uma ruptura abrupta da comunicação oral, o que compromete de forma importante o relacionamento social e familiar (Costa et al., 2001). A reabilitação fonoaudiológica tem por finalidade recuperar a fonação do paciente, o que implicará também em sua reintegração social e do próprio corpo, após "A frustração com a mutilação física e a perda da voz" (Greco et al., 2003).

Desde o advento da técnica cirúrgica de laringectomia total atribuída a Billroth (apud Nascimento, 1999), tornou-se claro o desafio decorrente deste ato, ou seja, instaurar um meio de comunicação oral efetivo, que substituísse a produção vocal laríngea.

Nesse sentido, a produção da voz esofágica, como substitutiva da voz laríngea, teve o início de sua história anterior à laringectomia total de Billroth e data de 1851, quando Reinaud (apud Behlau et al., 1988) relatou o caso de um indivíduo que apresentava boa voz esofágica, desenvolvida devida a uma estenose de laringe. Em nosso meio um dos recursos de maior utilização é o desenvolvimento da voz esofágica (Greco et al., 2003).

No entanto, Bloom et al. (1986) afirmam que é reduzida a porcentagem de pacientes que consegue desenvolver uma voz esofágica de padrão satisfatório, considerada eficaz às suas necessidades de comunicação. O índice de falha para o desenvolvimento da voz esofágica atinge o percentual de até 45% dos casos segundo os autores.

Para Choy et al. (2001) a grande vantagem do desenvolvimento da voz esofágica é a de se evitar cirurgias adicionais ou uso de aparelhos, porém uma voz considerada satisfatória é obtida por 50% a 60% dos laringectomizados. Os autores chamam atenção ainda para o fato de a voz esofágica não possuir uma intensidade satisfatória em uma conversação realizada em ambiente ruidoso.

Jorge et al. (2004) estudaram dois laringectomizados totais, sendo um com fonação esofágica e outro com prótese traqueoesofágica, comparando-os a um indivíduo referência. Os autores verificaram que a prótese traqueoesofágica propiciou resultados mais próximos ao indivíduo referência, em termos de intensidade, freqüência fundamental e tempo máximo de fonação.

Finizia et al. (1998) afirmam que os pacientes com prótese traqueoesofágica de seu estudo, demonstravam um sentimento de realização e prazer após treinamento com sucesso na obtenção de uma voz socialmente aceita. Eles acrescentam como conclusão que estes achados são importantes de serem considerados na escolha do tratamento de um paciente com câncer de laringe.

Dessa forma, outros meios de produção de voz em substituição à laringe têm sido desenvolvidos e a prótese traqueoesofágica vem sendo apontada como um recurso viável e eficaz para se prover um meio de comunicação oral ao laringectomizado total (Blom et al., 1986; Van As et al., 1998), sendo até considerada como o "maior avanço técnico para restauração da voz de laringectomizados totais" (Labruna e Huo, 1995).

Este estudo teve como objetivo avaliar a comunicação oral, pré e pós-treinamento fonoaudiológico, de pacientes que receberam prótese traqueoesofágica de Blom-Singer, quanto à melodia frasal, inteligibilidade de fala em sentenças e conversação espontânea e melodia da voz cantada.

Método

Sujeito

Foram estudados dezessete pacientes laringectomizados totais, que por opção própria, se submeteram à colocação de prótese traqueoesofágica "Blom-Singer", após o conhecimento do funcionamento desta e com consentimento por escrito de acordo com o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina - Hospital São Paulo - E.P. número 1290-01. O grupo foi composto por dezesseis pacientes do sexo masculino e um do sexo feminino. Optou-se por ser mantida no grupo a única paciente do sexo feminino, pois a proporção refletida neste estudo vai ao encontro da literatura em que há predomínio do câncer de laringe em homens. As estatísticas mundiais revelam a proporção de dez homens para uma mulher (Noronha e Dias, 1997).

A faixa etária do grupo apresentou-se entre 40 e 81 anos, com nível de escolaridade variando de analfabetismo a terceiro grau completo, sendo que a maioria apresentou escolaridade de ensino fundamental incompleto.

Procedimento

O estudo compreendeu quatro etapas, a saber:

1. Entrevista e coleta de amostra de fala pré-treino.

Essa etapa constou de uma entrevista com os pacientes cujo roteiro utilizado encontra-se no Apêndice A Apêndice A . Teve como objetivo levantar dados considerados relevantes ao plano do treino fonoaudiológico posterior.

Para a coleta da amostra de voz e fala, os pacientes foram encaminhados a uma sala acusticamente tratada, visando-se melhor controle de ruídos externos. Para audiogravação, foi utilizado gravador marca Sanyo, com microfone interno e fita cassete Basf CE II, 60 minutos, estando o gravador na altura da boca do sujeito à distância aproximada de 30cm e realizada a coleta em câmara acusticamente tratada.

O roteiro, explicitando o protocolo utilizado nesta etapa, encontra-se no Apêndice B Apêndice B 1. Manuseio da prótese vocal: ( ) Bom ( ) Regular ( ) Insuficiente 4. Frases para leitura, afirmativas e interrogativas (para avaliação da prosódia): . Posso comer pipoca? . Posso comer pipoca; . José pintou a porta de branco? . José pintou a porta de branco; . Fernando viajou para Natal? . Fernando viajou para Natal. 2. Coordenação pneumofônica digital (respiração coordenada ao ato de ocluir digitalmente a prótese e iniciar a fonoarticulação): ( ) Boa ( ) Regular ( ) Insuficiente 5. Melodia: . Cantar "Parabéns a Você" 3. Emissão de vogal sustentada (segundos): /a/: ____" /i/: ____" /u/: ____" e constou basicamente das seguintes solicitações:

. emissão sustentada das vogais /a/, /i/ e /u/;

. ler ou falar três frases contidas em um pequeno cartaz de duas formas melódicas distintas, (afirmativa e interrogativa). No caso de pacientes analfabetos ou com baixo nível de escolaridade, o conteúdo escrito foi apresentado a ele anteriormente, seguido da solicitação de reproduzir as frases nas duas diferentes situações (afirmando e perguntando);

. cantar a canção "Parabéns a Você";

. responder questões genéricas, visando-se colher amostra de fala espontânea. Por exemplo: O que você gosta de fazer em casa? O que você gosta de comer?

2. Treinamento fonoaudiológico.

A partir da coleta das amostras de fala, foi iniciada a fase de treinamento fonoaudiológico que abrangeu quatro sessões, com duração de 30 minutos, realizadas individualmente. Quando necessária uma quinta sessão foi agendada com o paciente, visando-se ao cumprimento de todo o conteúdo proposto.

O treino foi realizado por duas fonoaudiólogas previamente instruídas, que obedeceram ao mesmo roteiro. O conteúdo abordado nas sessões encontra-se descrito no Apêndice C Apêndice C e, de forma geral abrangeu os seguintes tópicos:

. coordenação da respiração, principalmente expiração com oclusão digital da prótese;

. treino da produção articulatória, para aprimoramento desta e um melhor aproveitamento da fonte vibratória (som produzido a partir da prótese);

. treino articulatório associado a exercícios para aprimoramento da prosódia da fala em frases, canto e fala distensa;

. fixação dos aspectos trabalhados;

3. Coleta de amostra de fala pós-treino.

Após as sessões de treino, foi realizada uma avaliação pós-teste com nova coleta de amostra de fala. O protocolo de avaliação inicial foi utilizado também nessa etapa, seguindo-se então o mesmo roteiro e o mesmo procedimento de audiogravação, para serem comparadas as amostras pré-treino e pós-treino.

4. Análise perceptivo - auditiva da voz e da fala.

Procedimento para organização das amostras e análises dos juízes

Considerando-se que para cada sujeito foram coletadas duas amostras de voz e fala (pré-treino e pós-treino), foram obtidas 34 amostras no total. Tais amostras foram enumeradas e por meio de sorteio, misturadas e reproduzidas em uma fita cassete, recebendo um código numérico para controle.

Para avaliação das amostras foi utilizada análise perceptivo - auditiva feita por três juízes (fonoaudiólogas especialistas em voz). Os juízes não souberam antes da análise, quando se tratava de uma amostra de pré ou pós-treino e todos receberam a fita cassete, com as 34 amostras de voz e fala, juntamente com 34 protocolos enumerados de acordo com o número anunciado na gravação, param serem preenchidos (Apêndice 4).

Os conceitos atribuídos pelos juízes foram transformados em valores numéricos e somados, para obtermos uma nota final, para cada item analisado. Em caso de não concordância conceitual entre os juízes, considerando-se três possibilidades de respostas, um quarto juiz foi solicitado a dar seu parecer somente para o item em questão, em que seguimos o mesmo procedimento realizado com os demais juízes.

Critérios para análise

A seguir são apresentados os itens considerados para avaliação das amostras e os conceitos atribuídos.

Melodia frasal - para as duas formas de emissão de frases (afirmativa e interrogativa), estabeleceram-se os seguintes conceitos: bom - quando considerou-se distinção consistente entre a afirmação e a interrogação; regular - quando considerou-se distinção inconsistente entre a afirmação e a interrogação e ruim - quando não foi possível perceber distinção entre as curvas melódicas de afirmação e interrogação.

Inteligibilidade na produção de frases - os conceitos determinados foram: bom - quando o sujeito apresentou inteligibilidade de fala suficiente; regular - quando considerada inteligibilidade de fala razoável e ruim - quando esta se mostrou bastante comprometida.

Inteligibilidade para fala espontânea - para este item também foram atribuídos os conceitos: bom - quando houve inteligibilidade da fala na maioria das vezes; regular - se houve compreensão de parte das emissões, não comprometendo o sentido da comunicação e ruim - houve comprometimento na grande maioria das emissões.

Melodia de voz cantada - foram estabelecidos - bom - ao se julgar que o sujeito cantou com melodia e ritmo próximos da normalidade do canto de pessoas comuns; regular - no caso de o sujeito cantar com certas variações de melodia e ritmo com proximidade ao canto de pessoas comuns, e ruim - quando não foi possível perceber variações de melodia e ritmo.

Pitch - foram estabelecidos grave, médio, agudo, podendo haver a quarta opção, de sem possibilidade de definição, quando assim julgado.

Qualidade vocal - apresentadas possibilidades de qualidade vocal rouca, soprosa, áspera, em níveis leve, moderado e severo. Foi solicitado, ainda que se utilizasse qualquer outra designação, julgada necessária à análise da qualidade vocal.

Cada item analisado obteve uma nota final que reuniu os conceitos dos juízes. Desta forma, para cada um dos itens acima descritos, os sujeitos obtiveram duas notas, uma logicamente referente ao pré - treino e outra ao pós-treino. Os conceitos atribuídos como bom, regular e ruim foram respectivamente quantificados em valores três, dois e um. Sendo assim os pacientes obtiveram uma nota final para a soma dos quatro itens: Melodia Frasal, Inteligibilidade de Fala para Produção de Frases, Inteligibilidade de Fala Espontânea e Melodia de Voz Cantada. Desta forma, as notas finais para cada sujeito variaram entre o mínimo de quatro e o máximo de doze pontos.

Para a análise estatística dos resultados obtidos na avaliação pós-treino fonoaudiológico, foi utilizado o teste da Binomial, com o qual procuramos verificar significância estatística para as melhoras do grupo.

Resultados

Os pacientes apresentaram a média de idade de 56 anos, com predomínio na faixa etária entre 40 e 50 anos (41,2%). Somente dois pacientes encontraram-se entre 51 e 60 anos, sendo que os demais sujeitos (sete) apresentaram idade acima de 61 anos. Quanto ao nível de escolaridade a maioria (64,7%) referiu possuir ensino fundamental incompleto, dois sujeitos disseram ser analfabetos e um afirmou ter nível universitário.

Quanto ao tabagismo, hábito apontado na literatura como fator associado ao câncer de laringe, temos que somente um sujeito negou ser ou ter sido tabagista. O grupo de fumantes (16 sujeitos) apresentou um tempo médio de tabagismo de 34,8 anos, sendo que 73,3% disseram ter fumado por mais de 30 anos.

Quanto ao hábito de ingestão de álcool de forma freqüente, somente um único sujeito, o do sexo feminino, referiu não ter hábito de ingerir bebidas alcoólicas. Para os sujeitos que disseram ingerir álcool freqüentemente foi encontrada a média de 30,2 anos da prática deste hábito.

Três sujeitos realizaram colocação primária da prótese, ou seja, no momento da laringectomia total foi feito o implante da prótese. A maioria realizou colocação secundária da prótese por meio de endoscopia digestiva alta. Nesse caso o paciente não necessitou anestesia geral e nem tampouco internação, para colocação da prótese.

Quanto ao tempo de cirurgia, para 14 pacientes (82,0%) a média de tempo entre a laringectomia total e a colocação da prótese traqueoesofágica foi de 17,5 meses.

Com relação aos resultados pré-treino e pós-treino fonoaudiológico, pudemos observar que 11 sujeitos (64,7%) apresentaram melhora, dois sujeitos tiveram suas avaliações inalteradas e quatro apresentaram notas piores no período de pós-treinamento.

Para melhor acompanhamento dos resultados do treinamento fonoaudiológico, apresentamos o Apêndice E Apêndice E , o qual relaciona os resultados das avaliações dos sujeitos no pré-treino e no pós-treino, sendo que na última coluna, a título de ilustração, são apontadas as situações finais de melhora, piora ou mesmo se o resultado manteve-se inalterado.

A Tabela 1, a seguir, apresenta-nos os resultados pós-treinamento fonoaudiológico do grupo, em que se pode observar que o número de melhora em relação ao número de piora apresentou-se com diferença estatisticamente significante. Aqui foi considerado o conjunto dos itens avaliados no grupo, os quais foram: melodia frasal, inteligibilidade de fala em frases, inteligibilidade em fala espontânea e melodia na voz cantada. Alguns sujeitos obtiveram a nota máxima (conceito bom) em alguns itens já na avaliação pré-treino, o que reduziu o número de itens possíveis de obtenção de melhora. Observamos dessa forma que houve um total de 18 itens apresentando melhor avaliação no pós-treino.

A seguir, a Tabela 2 nos apresenta a elevação das notas no pós-teste nos quatro aspectos estudados. Para cada aspecto avaliado apresentamos, na terceira coluna, o número de pacientes que obtiveram melhora na avaliação. Os itens melodia frasal e canto apresentam o maior número de sujeitos com melhora.

Importante ressaltar que, nos aspectos de inteligibilidade de fala em frases e em conversa espontânea, obtivemos a menor variação, e em contrapartida, o maior número de notas máximas (nota três) já desde o pré-teste. No caso da inteligibilidade na emissão de frases, tivemos oito sujeitos com nota três e, para inteligibilidade em fala espontânea, verificamos cinco sujeitos com nota máxima. Quanto à melodia frasal e o canto obtivemos doze sujeitos que conseguiram melhores avaliações no pós-teste. Ressaltamos que no canto, somente um sujeito foi avaliado no pré-teste com nota máxima, o que significou, na opinião dos juizes, apresentar ritmo e melodia próximos aos do canto de pessoas comuns.

O mesmo praticamente aconteceu com a melodia frasal falada em que somente dois sujeitos foram apontados com a nota máxima já no pré-teste. Ressalta-se a elevação da nota para o canto e o número de sujeitos que obtiveram melhora de sua avaliação nesse aspecto.

Quanto ao aspecto melodia frasal, a Tabela 3 revela que o número de melhora, ocorridas no pós-teste, não se mostrou estatisticamente significante. Considerando-se que dois sujeitos já possuíam a nota três neste item, ressalta-se que 33,3% dos pacientes melhoraram sua avaliação no momento do pós-treino. Cinco apresentaram conceito ruim para esse aspecto que se manteve inalterado no pós-teste.

A seguir, a Tabela 4 apresenta-nos uma análise estatística das mudanças entre pré-treino e pós-treino do item inteligibilidade em produção de frases e em conversa espontânea. O número de melhora para esse item é aparentemente baixo, porém é relevante destacar que, no caso da inteligibilidade na emissão de frases nove sujeitos (52,9%) apresentaram conceito "Bom" (nota três) já na avaliação inicial. Dos oito sujeitos restantes quatro possuíam nota mínima, e destes, dois conseguiram melhora no pós-teste e os outros dois mantiveram-se com as notas inalteradas. O único caso que teve decréscimo no conceito possuía, de início, uma avaliação máxima tendo sido sua articulação considerada como regular no pós-teste. Em termos percentuais, podemos dizer que 37,5% do grupo apresentaram melhora no pós-teste, não havendo, porém, significância estatística.

Para a inteligibilidade em fala espontânea também observa-se número semelhante de sujeitos (oito) com conceito máximo já no pré-teste e assim não foi encontrada significância estatística (vide Tabela 4). Dos nove sujeitos com possibilidade de apresentar melhora nas avaliações pós-teste, três o fizeram (33,3%). O mesmo sujeito que apresentou piora no item anterior o faz aqui também.

Com referência à avaliação da melodia no canto verifica-se, na Tabela 5, que sete sujeitos (43,7%) conseguiram mostrar melhora no pós-treino. Para esse aspecto, somente um sujeito teve avaliação com conceito "Bom" no pré-treino.

Quanto ao pitch, a totalidade dos sujeitos foi classificada pelos juízes como grave tanto no pré como pós-teste e a qualidade vocal foi considerada como rouca em 100% dos casos, havendo indicação de rouco - áspera para sete (41,1%). A variação na classificação destes dois aspectos mostrou-se sem alterações relevantes nos dois momentos.

Discussão

Com relação aos resultados do treinamento fonoaudiológico, ao compararmos as notas obtidas pelo grupo nas situações de pré e pós-treino pudemos observar que 11 dos 17 pacientes apresentaram melhora, em pelo menos um dos quatro itens avaliados, dois tiveram suas avaliações inalteradas e quatro apresentaram notas piores no período de pós-treinamento. Foi verificado que estes quatro sujeitos tiveram complicações pós-colocação da prótese do tipo deslocamento da mesma, aparecimento de granulomas ou mesmo problemas de saúde geral.

Pudemos verificar que apenas para o total dos aspectos avaliados foi significante a incidência de melhora em relação ao de piora. Os casos que não poderiam apresentar melhora no pós-treino, em um ou outro aspecto, visto que já eram bons na avaliação pré-treino, influíram na análise de forma a não permitir avaliar a efetividade do tratamento, quando pensamos isoladamente cada aspecto avaliado. Isto ocorreu principalmente em relação aos itens inteligibilidade de fala na emissão de frases e fala espontânea, em que houve tendência a considerar os pacientes, já na avaliação pré-treino como regulares ou bons, o que pode justificar os resultados de pouca variação de nota entre o pré e pós-treino, o que não aconteceu nos itens de melodia frasal e canto.

A melodia frasal e o canto foram os aspectos que receberam maior incidência de melhora nos conceitos, o que pode sugerir que a terapia fonoaudiológica com ênfase em variação melódica para sujeitos laringectomizados com prótese traqueoesofágica, pode melhorar a qualidade da comunicação destes, que é considerada, segundo a literatura, com tendência à voz monótona. Pode-se dizer que esta é a maior crítica apontada pela literatura. Desta forma, os exercícios melódicos utilizados no treino parecem ter influído positivamente nos resultados e acreditamos que o treino tenha ajudado aos sujeitos a aproveitarem melhor a fonte sonora obtida por intermédio da prótese traqueoesofágica.

Embora o desempenho na voz cantada seja, ao nosso ver, bastante dependente de espontaneidade ou desinibição por parte da pessoa que canta, podemos considerar como relevante o número de avaliações apontando melhora.

Conclusão

De forma geral, podemos dizer que o treinamento fonoaudiológico proposto para aperfeiçoamento da comunicação oral de laringectomizados que optaram pelo uso da prótese traqueoesofágica, revelou-se com resultados positivos.

Mesmo considerando-se que o treinamento proposto foi de curto prazo (quatro sessões), podemos concluir sobre a importância de se orientar o usuário da prótese traqueoesofágica a tirar o máximo proveito desse recurso, uma vez que encontramos um número relevante de melhora no grupo, na avaliação pós-treino. O teste da Binomial mostrou-se com resultado estatisticamente significante quando foram considerados, para análise, os quatro itens avaliados em seu conjunto, a saber: melodia frasal, inteligibilidade de fala em frases, em fala espontânea e melodia na voz cantada.

Podemos concluir sobre a importância do tratamento fonoaudiológico nos casos de pacientes com prótese traqueoesofágica, para um melhor aproveitamento desta, com conseqüente melhora da comunicação e, portanto, da qualidade de vida destas pessoas.

Bibliografia Consultada

Recebido em 31.01.2003.

Revisado em 3.04.2003; 15.09.2004; 4.02.2005; 22.04.2005.

Aceito para Publicação em 5.07.2005.

Artigo de Pesquisa

Artigo Submetido a Avaliação por Pares

Conflito de Interesse: não

Roteiro para entrevista inicial

Data: Fonoaudióloga responsável:

1. Identificação

Nome do paciente:

Sexo: M ( ) F ( )

Data de nascimento: Idade:

Endereço:

Telefone:

Nível de instrução: Estado civil:

Profissão:

Nome do cônjuge:

Data da cirurgia:

Data da colocação da prótese:

3. Recuperação pós-cirúrgica:

Complicações pós-operatórias?

Sim ( ) Não ( )

Quais?

Quando passou a alimentar-se por via oral?

Apresenta disfagia? Sim ( ) Não ( )

Há quanto tempo?

2. Hábitos (atuais/anteriores à cirurgia):

Tabagismo: Sim ( ) Não ( )

Há quanto tempo?

Etilismo: Sim ( ) Não ( )

Há quanto tempo?

Parou de fumar? Sim ( ) Não ( )

Há quanto tempo?

Parou de ingerir bebidas alcoólicas?

Sim ( ) Não ( ) Há quanto tempo:

4. Queixas atuais:

Dificuldades de alimentação? Sim ( ) Não ( )

Odinofagia? Sim ( ) Não ( )

Cialorréia? Sim ( ) Não ( )

Dificuldades para dormir?

Sim ( ) Não ( )

Dificuldade na higienização da prótese? Sim ( ) Não ( ) Observação:

5. Relacionamento sócio - familiar:

Apresenta dificuldade de relacionamento com a família?

Sim ( ) Não ( )

Quais?

Apresenta dificuldade de comunicação? Sim ( ) Não ( )

Quais?

Protocolo para avaliação (Pré e Pós-Treino Fonoaudiológico)

Apêndice C

Roteiro proposto para o treinamento fonoaudiológico (Tópicos desenvolvidos nas quatro sessões semanais de 30 minutos)

Primeira sessão de treinamento -

treino de manuseio da prótese:

Terceira sessão de treinamento - treino articulatório e da prosódia em fala distensa:

. Orientação quanto à coordenação

pneumofônica e digital da prótese,

durante a fala. Exercícios de controle

respiratório, com ênfase em região

costodiafragmática.

. Treino da fala envolvendo demais fonemas do português;

. Treino da prosódia: curvas de afirmação e interrogação;

. Treino da melodia na voz cantada.

Segunda sessão de treinamento -

treino articulatório e da qualidade vocal:

. Treino da fala com sons plosivos

iniciais (/p/; /t/; /k/; /b/; /d/; /g/);

. Treino com a técnica de mascado

vocal (fröeschls);

. Orientação para postura facilitadora

da melhor articulação e produção vocal.

Quarta sessão de treinamento:

. Treino articulatório e revisão do conteúdo das sessões anteriores;

. Coleta da voz do paciente seguindo a mesma metodologia da fase inicial.

Observação: quando necessária foi realizada uma sessão adicional para os pacientes que apresentaram dificuldade em manusear a prótese e coordenar a produção sonora desta.

Análise perceptivo-auditiva de amostras de voz e fala (Roteiro utilizado pelos juízes para a análise)

Amostra número:

Relação de notas pré e pós-treino fonoaudiológico

Lembramos que as notas para cada item avaliado variaram de "um" quando o conceito foi considerado ruim a "três" para o conceito bom. Desta forma, a nota mínima obtida na avaliação foi quatro (por serem quatro aspectos analisados) e doze, no caso de o sujeito conseguir conceito máximo nos quatro itens avaliados.

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  • JORGE, M. S.; GREGIO, F. N.; CAMARGO, Z. Qualidade vocal ed indivíduos submetidos a laringectomia total: aspectos acústicos de curto e de longo termo em modalidades de fonação esofágica e traqueoesofágica. Rev. CEFAC Atualização Científica em Fonoaudiologia, São Paulo, v. 6, n. 3, p. 319-328, jul.-set., 2004.
  • LABRUNA, A.; HUO, J. Tracheoesophageal puncture in irradiated patients. Ann. Otol. Rhinol. Laringol., v. 104, n. 2, p. 279-281, 1995.
  • NASCIMENTO, L. A.; Análises perceptiva - auditiva, temporal e acústica computadorizada da voz em pacientes submetidos à laringectomia parcial supracrióidea com cricohiodopexia ou criohiodoepiglotopexia. 1999. 87 f. Dissertação (Mestrado em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço) - Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina, São Paulo.
  • NORONHA, M. J. R.; DIAS, F. L. Epidemiologia - etiologia e fatores etiológicos do câncer de laringe - potencial para a quimioprevenção. In: NORONHA, M. J. R.; DIAS, F. L. Câncer da laringe: uma abordagem multidisciplinar. Rio de Janeiro: Revinter, 1997. cap. 2, p. 4-7.
  • VAN AS, C. J.; HILGERS, F. J. M.; DE LEEUW, I. M. V. BEINUM, F. J. K. Acoustical Analysis and Perceptual Evaluation of Tracheoesophageal Prosthetic Voice; Journal of Voice, v. 12, n. 2, p. 239-248, 1998.
  • SIEGEL, S. Estatística não paramétrica - para as ciências do comportamento. São Paulo: McGraw-Hill, 1975. 350 p.

Apêndice A 

Apêndice B 

1. Manuseio da prótese vocal:

( ) Bom ( ) Regular ( ) Insuficiente

4. Frases para leitura, afirmativas e interrogativas (para avaliação da prosódia):

. Posso comer pipoca?

. Posso comer pipoca;

. José pintou a porta de branco?

. José pintou a porta de branco;

. Fernando viajou para Natal?

. Fernando viajou para Natal.

2. Coordenação pneumofônica digital (respiração coordenada ao ato de ocluir digitalmente a prótese e iniciar a fonoarticulação):

( ) Boa ( ) Regular ( ) Insuficiente

5. Melodia:

. Cantar "Parabéns a Você"

3. Emissão de vogal sustentada (segundos):

/a/: ____" /i/: ____" /u/: ____"

Apêndice C

1. Análise da melodia frasal (prosódia)

Comparando-se a prosódia ou curva melódica entre as duas frases ouvidas,

esta prosódia, em sua opinião, é:

Boa ( ) - demonstra distinção

consistente (perceptível) entre

a afirmação e a interrogação.

Regular ( ) - demonstra distinção inconsistente (não claramente

perceptível) entre a afirmação e a interrogação

Ruim ( ) - não é possível perceber

distinção entre as curvas melódicas

de afirmação e interrogação.

4. Análise do pitch

O pitch desta amostra de voz mostra-se:

Grave ( ) Médio ( )

Agudo ( ) Não há possibilidade de definição ( )

Outros ( ) Especifique:

2. Análise da produção articulatória

das amostras - Considerar para

análise as frases e a fala espontânea.

Quanto às frases, a inteligibilidade é:

Boa ( ) - apresenta inteligibilidade

de fala suficiente nas produção

das frases.

Regular ( ) - apresenta inteligibilidade razoável na emissão das frases.

Ruim ( ) - inteligibilidade bastante comprometida.

Quanto à fala espontânea em geral, a inteligibilidade é:

Boa ( ) - inteligibilidade de fala

suficientena maioria das vezes.

Regular ( ) - inteligibilidade de fala em

parte das emissões não comprometendo

o sentido geral da comunicação.

Ruim ( ) - inteligibilidade de fala comprometida na grande maioria das emissões comprometendo a comunicação.

5. Análise da qualidade vocal da amostra:

Esta voz mostra-se:

Levemente Moderadamente Severamente

Soprosa - ( ) ( ) ( )

Rouca - ( ) ( ) ( )

Áspera - ( ) ( ) ( )

Favor especificar outras qualidades, conforme julgar necessário (será de grande ajuda):

Observações: (reservamos este espaço para quaisquer comentários com relação à amostra ouvida)

3. A melodia e o ritmo da voz cantada

desta amostra é:

Boa ( ) - o sujeito canta com melodia

e ritmo próximos da normalidade do

canto de pessoas comuns.

Regular ( ) - o sujeito canta com certas variações de melodia e ritmo com proximidade ao canto de pessoas comuns.

Ruim ( ) - não é possível perceber

variações de melodia e ritmo no canto do sujeito.

Apêndice E 

  • Endereço para correspondência:
    Iára Bittante de Oliveira
    R. Sacramento, 126, conj. 63/64 - Centro
    Campinas - SP CEP: 13010-911.
  • *
    Trabalho Realizado no Hospital e Maternidade Celso Pierro da PUC - Campinas.
  • 1
    (
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2005

    Histórico

    • Aceito
      05 Jul 2005
    • Revisado
      22 Abr 2005
    • Recebido
      31 Jan 2003
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