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A emergência da dengue como desafio virológico: de doença-fantasma à endemia “de estimação”, 1986-1987

Resumo

O artigo analisa como a dengue se apresentou como desafio virológico na década de 1980. O objetivo é entender o papel dos estudos virológicos na compreensão da doença e a construção de uma expertise em arboviroses. Embora surtos da doença já tivessem sido relatados ao longo do século XX, a dengue era pouco conhecida nas Américas até a epidemia de dengue hemorrágica em Cuba, em 1981. Quando em 1986 a doença atingiu a cidade de Nova Iguaçu (RJ), a equipe de virologistas liderada por Hermann Schatzmayr tomaria a doença como objeto, mobilizando esforços a partir da criação do Laboratório de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz.

dengue; virologia; Instituto Oswaldo Cruz; epidemia; história

Abstract

This article analyzes how dengue presented a virological challenge during the 1980s in order to explore the role of virological studies in understanding this disease and constructing expertise in arboviral diseases. Although outbreaks were reported throughout the twentieth century, dengue was barely known in the Americas until the epidemic of dengue fever in Cuba in 1981. When the disease reached the Brazilian city of Nova Iguaçu (RJ) in 1986, it became the focus of attention for a team of virologists led by Hermann Schatzmayr, who mobilized efforts after the creation of the Flavivirus Laboratory at the Oswaldo Cruz Institute.

dengue; virology; Instituto Oswaldo Cruz; epidemic; history

Um dos grandes obstáculos da luta contra o Aedes, no Brasil, é por ele ser o transmissor de duas doenças consideradas fantasmas: a febre amarela urbana, que não existe no Brasil desde 42, e a Dengue, que era uma abstração, apesar de já ter ocorrido uma epidemia em Roraima, que o dr. Osanai vai relatar. A repercussão que houve nos grandes centros foi mínima, e nós, lamentavelmente, mesmo com a Dengue em Roraima, na ocasião, não conseguimos levantar os recursos necessários, junto aos órgãos de decisão do governo, para uma campanha de erradicação do Aedes no Brasil (Leal, 1987LEAL, Maria do Carmo. Debate sobre dengue promovido pelo Ceensp em 30.04.1986. Cadernos de Saúde Pública, v.2, n.3, p.181-212, 1987., p.186).

Em 1981, casos febris foram notificados em Boa Vista, Roraima, e posteriormente confirmados como dengue pelos virologistas do Instituto Evandro Chagas (IEC). De julho de 1981 a agosto de 1982, 11 mil pessoas foram infectadas pelos sorotipos 1 e 4 do vírus da dengue, que, provavelmente, adentrou o território por via terrestre, tendo origem no Caribe e no norte da América do Sul. A principal interpretação de todo o evento foi de que a expansão do vírus não aconteceu pelo fato de o Aedes aegypti não se encontrar, naquele contexto, disperso no país e o combate ao vetor ter sido eficaz para a sua eliminação e contenção do surto (Barreto, Teixeira, 2008BARRETO, Maurício L.; TEIXEIRA, Maria Glória. Dengue no Brasil: situação epidemiológica e contribuições para uma agenda de pesquisa. Estudos Avançados, v.22, n.64, p.53-72, 2008., p.59).

Alguns anos depois, em 30 de abril de 1986, após os primeiros casos de dengue serem registrados em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, o Centro de Estudos da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz) promoveu um debate sobre a doença, posteriormente transcrito e publicado num dossiê da revista Cadernos de Saúde Pública (1987). A citação que abre este artigo se refere à fala do segundo convidado, Pedro Luís Tauil, na época assessor parlamentar do Senado Federal e ex-diretor-geral do Departamento de Erradicação e Controle de Endemias da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), órgão que tinha como finalidade o controle ou a erradicação das principais endemias do Brasil, e revela o estatuto da doença quando da sua reaparição em 1986: uma abstração, uma “doença-fantasma”.

Tratando-se de uma doença causada por arbovírus, vírus em geral com ciclos mais complexos que outros vírus, a dengue se apresentou, nesse momento, como um importante desafio. Se, como expressado por Tauil, o mosquito Aedes aegypti era transmissor de doenças-fantasmas, sendo uma delas um problema novo que se configurava, qual foi a importância da pesquisa virológica para a evidenciação da dengue, a partir do estudo do vírus?

Como afirmado pelo presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, o virologista Pedro Fernando da Costa Vasconcelos, em um pequeno texto em que reflete sobre os arbovírus, os coronavírus e a emergência do Sars-COV-2 em dezembro de 2019, é somente com dados científicos, produzidos na interação entre diferentes disciplinas (ciências médicas e veterinárias, ecologia e epidemiologia), que será possível construir mecanismos para prevenir e controlar as viroses, desenvolver métodos de diagnóstico, terapias, vacinas e compreender o funcionamento da doença (SBMT, 11 abr. 2020SBMT, Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Arbovírus e coronavírus: tragédias anunciadas na saúde brasileira. Portal SBMT, 11 abr. 2020. Disponível em: https://www.sbmt.org.br/portal/arbovirus-and-coronavirus-announced-tragedies-in-brazilian-health/?locale=pt-BR. Acesso em: 21 abr. 2020.
https://www.sbmt.org.br/portal/arbovirus...
). De acordo com o texto, uma vez que os humanos não deixarão de adentrar os “ecossistemas naturais”, não existe outra opção a não ser investir na compreensão científica da ecoepidemiologia das arboviroses e das viroses zoonóticas, que no século XXI se tornaram muito frequentes. Mas, como também afirma o virologista, é preciso que as autoridades nacionais e internacionais de saúde e os políticos aprendam a confiar na ciência.

Se hoje, como comenta Vasconcelos, “o mundo inteiro pergunta qual será a próxima epidemia causada por arbovírus” (SBMT, 11 abr. 2020SBMT, Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Arbovírus e coronavírus: tragédias anunciadas na saúde brasileira. Portal SBMT, 11 abr. 2020. Disponível em: https://www.sbmt.org.br/portal/arbovirus-and-coronavirus-announced-tragedies-in-brazilian-health/?locale=pt-BR. Acesso em: 21 abr. 2020.
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), ao mesmo tempo que desconhece os rumos que a pandemia de covid-19 irá tomar, na década de 1980 era a dengue que gerava incertezas. Em 1982, após a epidemia de febre hemorrágica de dengue (FHD) em Cuba, um grupo técnico da Organização Pan-americana da Saúde (Opas) estimou ser necessário de cinco a oito anos para o desenvolvimento de vacinas eficazes contra a dengue (Martinez et al., 1987MARTINEZ, Carlos Dotres et al. Dengue hemorrágico en el niño. Cadernos de Saúde Pública, v.2, n.3, p.158-180, 1987.), o que não aconteceu.

De acordo com Dilene Nascimento, a inexistência de uma vacina contra a dengue faz com que só exista uma estratégia de combate à doença: a eliminação dos seus vetores. Para a autora, isso faz com que a “história da dengue seja estreitamente vinculada à história do mosquito e seu combate, com o objetivo de interromper a transmissão da doença” (Nascimento et al., 2010NASCIMENTO, Dilene R. et al. Dengue: uma sucessão de epidemias esperadas. In: Nascimento, Dilene R.; Carvalho, Diana M. (org.). Uma história brasileira das doenças. v.2. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2010. p.211-232., p.212). Embora o mosquito seja considerado o vilão epidêmico por excelência, como trabalhos recentes da historiografia sobre os mosquitos argumentam (Lopes, Silva, 2019LOPES, Gabriel; SILVA, André Felipe Cândido da. O Aedes aegypti e os mosquitos na historiografia: reflexões e controvérsias. Tempo e Argumento, v.11, n.26, p.67-113, 2019.), sendo situado por contextos políticos e sociais, os vírus compõem e marcam a sua identidade (Lopes, Reis-Castro, 2019LOPES, Gabriel; REIS-CASTRO, Luísa. A vector in the (re)making: a history of Aedes aegypti as mosquitoes that transmit diseases in Brazil. In: Lynteris, Christos (ed.). Framing animals as epidemic villains: histories of non-human disease vectors. Cham, Switzerland: Palgrave Macmillan, 2019.). E para que essa identidade possa ser consolidada é fundamental que se considere a capacidade de visualizar, rastrear e identificar os vírus, tanto em organismos humanos quanto nos mosquitos. O vírus não só cria uma nova identidade para o mosquito, como faz a conexão com os humanos, identificada a partir de sua forma patológica. Desse modo, o mosquito, que antes era “da febre amarela”, passa a ser o “mosquito da dengue”. Assim, o avanço das pesquisas virológicas e a capacidade da virologia de traçar o movimento dos vírus faz com que a redução da história da dengue à história do mosquito precise ser reavaliada. Um caminho possível para repensar esses objetos é a chamada “etnografia dos vírus”. Recentemente, trabalhos vinculados à abordagem dos “estudos multiespécies” vêm propondo uma análise centrada nos vírus (por exemplo, Lowe, 2010LOWE, Celia. Viral clouds: becoming H5N1 in Indonesia. Cultural Anthropology, v.25, n.4, p.625-649, 2010., 2017LOWE, Celia. Viral ethnography: metaphors for writinglife. RCC Perspectives: Transformations in Environmentand Society, v.1, n.1, p.91-96, 2017.; Lowe, Münster, 2016LOWE, Celia; MÜNSTER, Ursula. The viral creep: elephants and herpes in times of extinction. Environmental Humanities, v.8, n.1, p.118-142, 2016.). Celia Lowe (2017LOWE, Celia. Viral ethnography: metaphors for writinglife. RCC Perspectives: Transformations in Environmentand Society, v.1, n.1, p.91-96, 2017., p.92) aponta uma especificidade sobre os estudos virais ou microbianos dentro da própria etnografia das multiespécies: a invisibilidade. Os vírus só podem ser inferidos pelos sintomas que causam, ou reconhecidos por meio da ciência. Embora o presente trabalho não seja um estudo de etnografia das multiespécies, as reflexões desse campo podem contribuir para apontar as especificidades entre vírus e mosquitos na história, sobretudo em relação à discussão proposta acima, sobre como os vírus marcam a identidade dos mosquitos. Assim, este artigo buscará demarcar a importância do estudo dos vírus, como objetos científicos, no caso da dengue, e como essa doença apareceu como desafio para a virologia brasileira.

Na primeira parte, vou apresentar um retrospecto da doença e apontar o momento no qual a dengue emergiu globalmente como arbovirose, passando a ser objeto dos primeiros estudos virológicos. Na segunda, abordarei a formação do Departamento de Virologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC). Grande parte da documentação consultada para esta pesquisa se encontra no Fundo Hermann Schatzmayr, alocado no Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz. Por último, vou defender a ideia do surgimento da dengue como desafio virológico, quando a doença foi encarada como um novo problema. Assim, o objetivo deste artigo é entender o papel da virologia na transição da dengue de uma doença-fantasma à “mais nova endemia de estimação”.

Entre as décadas de 1970 e 1980, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou alguns “manuais técnicos” sobre a dengue, seu vírus e seus vetores, endereçados a diferentes especialistas. As publicações deveriam servir como guia para o diagnóstico, tratamento e combate à dengue, sobretudo àqueles “clínicos e outras autoridades de saúde pública que foram confrontados pela primeira vez com uma epidemia desta doença” (Dengue..., 1987DENGUE hemorrágico: diagnóstico, tratamento y lucha. Ginebra: Organizacion Mundial de la Salud, 1987., p.7). O primeiro, publicado em 1975, foi impulsionado pelas severas epidemias da doença em sua forma hemorrágica, que, a partir de 1972, foram registradas com mais intensidade em Birmânia, Indonésia, Tailândia e em outros países da Ásia e do Pacífico Ocidental. O segundo manual, com revisões, foi publicado em 1980, e teve por objetivo expor o tema da dengue de forma clara para que as informações pudessem ser usadas por profissionais dos serviços de atenção primária à saúde. Em 1987, uma terceira versão do manual de dengue da OMS foi publicada. Dessa vez, muito impactada pela epidemia de dengue hemorrágica de Cuba, em 1981, a edição buscava fazer uma atualização geral dos conhecimentos sobre dengue até aquele momento.

Outros informes, manuais e guias técnicos ligados à OMS, publicados no mesmo período, buscavam sintetizar, em poucas páginas, o problema do controle do Aedes aegypti nas Américas (Uribe, 1983URIBE, Luis Jorge. El problema del control de Aedes aegypti en America. Boletín de la Oficina Sanitaria Panamericana, v.94, n.5, 1983.), ou então o problema da emergência das febres hemorrágicas causadas por vírus (Fiebres..., 1985FIEBRES hemorrágicas víricas. Ginebra: Organización Mundial de la Salud, 1985.), como a febre hemorrágica de dengue. Os textos abordavam desde o impacto socioeconômico provocado pelas epidemias de dengue na América Latina e no Caribe, relacionado à impossibilidade de o enfermo trabalhar ou estudar, como também apontavam a gravidade das epidemias hemorrágicas e a ineficácia dos programas de erradicação ou controle do mosquito vetor. Apresentavam, também, dados retrospectivos sobre a ocorrência da dengue no mundo, o isolamento de seus sorotipos, as características e as classificações dos vírus, o problema da imunidade induzida a um único sorotipo, além da epidemiologia, tratamento e diagnóstico. Buscando dar uma expressão geral de todas as características importantes da dengue, os textos apontavam, em tom propositivo, a necessidade de se investigar e elaborar novos métodos para detectar e determinar a sequência da infecção, “em particular, a identificação do primeiro e do segundo vírus quando apenas o material obtido durante a segunda infecção estiver disponível (sangue, soro, plasma, leucócitos)” (Fiebres..., 1985FIEBRES hemorrágicas víricas. Ginebra: Organización Mundial de la Salud, 1985., p.25), visando à prevenção de formas graves da doença.

Em meados da década de 1980, técnicas apuradas, como o ensaio imunoenzimático MAC-Elisa,1 1 O teste sorológico MAC-Elisa (enzyme-linkedimmunosorbent assay) é um ensaio imunoenzimático, desenvolvido pelo CDC de Porto Rico e que passou a ser utilizado a partir de 1986, sendo considerado o exame mais útil, simples e rápido para a vigilância e diagnóstico, pois requer, em geral, somente uma amostra de soro. O exame utiliza antígenos específicos dos quatro sorotipos do vírus da dengue para capturar o anticorpo IgM nas amostras de soro. A resposta imune numa infecção por dengue produz anticorpos IgG e IgM, que são dirigidos contra as proteínas do envelope do vírus. O IgM se desenvolve a partir do quinto dia do início da doença, então o trabalho com esses testes leva em consideração o estágio da infecção. O teste em questão tornou-se, ao longo dos anos, uma importante ferramenta diagnóstica para a dengue, pois possui sensibilidade e especificidade de 90% a 98%, ainda que tenha que aguardar os primeiros cinco ou mais dias após o início da febre para ser utilizado (Teste..., 2010). passariam a ser de uso comum nos laboratórios de virologia que mantinham contato com os CDC (Centers for Disease Control and Prevention), responsáveis pela distribuição inicial dos testes. Com a disponibilidade de um grande leque de testes sorológicos e a construção gradativa do conhecimento acerca da resposta imune ao vírus da dengue, laboratórios como o de Flavivírus, do Departamento de Virologia do IOC, “molecularizaram” (Chadarevian, Kamminga, 2005CHADAREVIAN, Soraya de; KAMMINGA, Harmke. Molecularizing biology and medicine: new practices and alliances, 1910-1970s. Amsterdam: Harwood, 2005.) os estudos sobre a doença, que se tornariam cada vez mais sofisticados.2 2 O termo molecularização está ligado à emergência de uma “visão molecular” da vida, da saúde e da doença, que se relaciona com os avanços da biologia molecular no estudo de ácidos nucleicos, proteínas, DNA e genes, entre as décadas de 1950 e 1970, e do projeto Genoma Humano, na década de 1990 (Chadarevian, Kamminga, 2005). Há, desde a década de 1990, uma extensa literatura sobre o tema (Kay, 1993; Rheinberger, 1995), sendo o livro de Chadarevian e Kamminga, de 2005, um excelente esforço de sistematização dessa discussão. Na esfera dos estudos epidemiológicos, da clínica e da entomologia, entretanto, inúmeros debates e tensões surgiriam a cada nova epidemia da doença.

Em 1987, a infectologista Keyla Marzochi, responsável por manejo clínico, tratamento e estudo dos pacientes com dengue do Hospital Evandro Chagas, da Fiocruz, publicou um texto intitulado “Dengue: a mais nova endemia ‘de estimação’?”, no qual comentava as discussões mais recentes de diferentes grupos técnicos e da coordenação das campanhas “antidengue”. Segundo a médica, a imprensa contribuía, razoavelmente, para alertar a população, enquanto associações de bairro convidavam agentes de saúde para palestras. Na Fiocruz, ocorriam reuniões e debates acompanhados pelo Ministério da Saúde com a participação de autoridades nacionais. Num desses debates, o mesmo no qual a dengue foi retratada como doença-fantasma, a dificuldade de se estabelecerem consensos, devido ao contraste de diferentes opiniões, era nítida. Enquanto alguns especialistas apontavam a gravidade da situação e defendiam uma ação rápida das autoridades, outros acreditavam, com base em estudos que indicavam uma baixa taxa de infecção predial pelo Aedes aegypti, que a capital do Rio de Janeiro sequer seria atingida. Em poucos dias, entretanto, os primeiros casos de dengue na Zona Sul começaram a aparecer (Marzochi, 1987MARZOCHI, Keyla Belizia Feldman. Dengue: a mais nova endemia “de estimação”? Cadernos de Saúde Pública, v.2, n.3, p.133-141, 1987., p.138).

Ainda em 1986, a dengue passaria a ser vista pelos especialistas que participavam dos debates como uma nova endemia brasileira. Em paralelo, medidas criadas pela Coordenação Estadual de Controle da Dengue do Estado do Rio de Janeiro, como a transformação da dengue em doença de notificação compulsória, ou a determinação de envio de formulários específicos de dengue para os hospitais do estado, não resolviam o problema, devido às falhas do processo. O Hospital Evandro Chagas, na Fiocruz, que possuía desde o início da epidemia um ambulatório específico para a doença, ainda não havia recebido nenhum formulário ou informação formal sobre a doença. O descompasso, assim, entre as medidas e ações das autoridades públicas e as atividades realizadas no intercâmbio entre especialistas de diferentes áreas é evidente e indica como o problema foi se desenvolvendo de modo particular, por um lado, recebendo pouca atenção do Estado, e, por outro, tornando-se uma agenda interdisciplinar de pesquisa (Marzochi, 1987MARZOCHI, Keyla Belizia Feldman. Dengue: a mais nova endemia “de estimação”? Cadernos de Saúde Pública, v.2, n.3, p.133-141, 1987.).

Um retrospecto da doença: entre mosquitos e vírus

Embora os vírus da zika e da chikungunya já fossem conhecidos desde a década de 1950, próximo também da identificação do vírus da dengue (Denv), ficaram restritos, agora diferentemente da dengue, a alguns territórios africanos, até pelo menos 2013-2014. A dengue ganhou terreno nas Américas ao longo de todo o século XX, ou até mesmo anteriormente a esse, a considerar relatos mais antigos, e foi se tornando um problema sanitário cada vez maior. A doença se estabilizou na clínica juntamente com a virologia (Packard, 2016PACKARD, Randall M. “Break-bone” fever in Philadelphia, 1780: reflections on the history of disease. Bulletin of the History of Medicine, v.90, n.2, p.193-221, 2016.). Comumente mais relacionada com a zika e a chikungunya, durante a década de 1980 a dengue esteve muito mais ligada à febre amarela, tanto nos projetos de pesquisa quanto nas comparações feitas na esfera da saúde pública. Todas essas arboviroses, hoje com fronteiras mais bem delimitadas, por identificação laboratorial do vírus, são transmitidas pelo mesmo mosquito vetor, o Aedes aegypti, e, numa análise histórica de longa duração, muitas vezes são difíceis de diferenciar. A dengue é atualmente uma das principais arboviroses do mundo. Cerca de 2,5 bilhões de pessoas estão expostas ao risco de infecção, principalmente em países tropicais e subtropicais, nos quais as condições climáticas juntam-se a problemas de ordem política, social e econômica, impossibilitando o controle efetivo dos vetores da doença (Valle, 2015VALLE, Denise (org.). Dengue: teorias e práticas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2015.).

De acordo com Halstead (1992)HALSTEAD, Scott B. The XXth century dengue pandemic: need for surveillance and research. Rapport Trimestriel de Statistiques Sanitaires Mondiales, v.45, p.292-298, 1992., a existência de um ciclozoonótico no qual primatas não humanos do Sudeste Asiático suportam todos os quatro sorotipos do vírus da dengue leva à visão de que essa região geográfica é o “marco zero” dos Denv. Entretanto, a história da dengue nos séculos XVIII e XIX, antes da década de 1940, período no qual foram isolados dois dos sorotipos do vírus em camundongos, só pode ser inferida por relatos e estudos que se debruçaram sobre caracteres clínicos e epidemiológicos da enfermidade. A dengue se misturava à questão das febres (Packard, 2016PACKARD, Randall M. “Break-bone” fever in Philadelphia, 1780: reflections on the history of disease. Bulletin of the History of Medicine, v.90, n.2, p.193-221, 2016.), e, atrelada à fragilidade da documentação sobre o tema, torna-se difícil qualquer consideração categórica sobre o movimento dos vírus e da doença antes disso. Considerando a plausibilidade de se utilizarem pistas da clínica e da observação epidemiológica é possível perceber, entretanto, um caráter “pandêmico” da doença já ao longo dos séculos XVIII e XIX. Mas, como pode-se evidenciar pelos relatos históricos de Albert Sabin e Susumu Hotta, que trabalharam com o Denv nos anos 1950, e de autores que estudaram o assunto (Halstead, 1992HALSTEAD, Scott B. The XXth century dengue pandemic: need for surveillance and research. Rapport Trimestriel de Statistiques Sanitaires Mondiales, v.45, p.292-298, 1992.; Kuno, 2007KUNO, Gono. Research on dengue and dengue-like illness in East Asia and the Western Pacific during the first half of the 20th century. Reviews in Medical Virology, v.17, n.5, p.327-341, 2007.; McSherry, 2008MCSHERRY, James. Dengue. In: Kiple, Kenneth E. The Cambridge world history of human disease. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.), a Segunda Guerra Mundial foi uma baliza importante não só para as pesquisas com o vírus da dengue, mas para a expansão da doença pelo mundo.

Em geral, a historiografia sobre a doença compartilha a ideia de que o primeiro registro de uma epidemia de dengue é de autoria do médico norte-americano Benjamin Rush, que a batizou de breakbone fever (febre quebra-ossos), na Filadélfia da década de 1780 (McSherry, 1982MCSHERRY, James. Some medical aspects of the Darien Scheme: was it dengue? Scottish Medical Journal, v.27, p.183-184, 1982., 2008MCSHERRY, James. Dengue. In: Kiple, Kenneth E. The Cambridge world history of human disease. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.; Rigau-Pérez, 1998RIGAU-PÉREZ, Jose G. The early use of break-bone fever (Quebrantahuesos, 1771) and dengue (1801) in Spanish. The American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, v.59, n.2, p.272-274, 1998.; Halstead, 1992HALSTEAD, Scott B. The XXth century dengue pandemic: need for surveillance and research. Rapport Trimestriel de Statistiques Sanitaires Mondiales, v.45, p.292-298, 1992.; Dick et al., 2012DICK, Olivia Brathwaite et al. Review: The history of dengue outbreaks in the Americas. American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, v.87, n.4, p.584-593, 2012.; Packard, 2016PACKARD, Randall M. “Break-bone” fever in Philadelphia, 1780: reflections on the history of disease. Bulletin of the History of Medicine, v.90, n.2, p.193-221, 2016.; Chandra, 2018CHANDRA, Rupa. A brief scenario on the emergence and occurrence of dengue fever in the slum dwelling areas of Kolkata, West Bengal. International Journal of Science and Research, v.7, n.2, p.208-212, 2018.). No século XVII, entretanto, supostas epidemias de dengue foram relatadas: em 1635, em Martinica, no Caribe, e em Guadalupe (Dick et al., 2012DICK, Olivia Brathwaite et al. Review: The history of dengue outbreaks in the Americas. American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, v.87, n.4, p.584-593, 2012.). Num estudo de 1982, James McSherry buscou estabelecer um diagnóstico retrospectivo da dengue, relacionando as doenças que acometeram uma colônia escocesa (Darien Scheme) no istmo do Panamá, em 1699, com a referida enfermidade, baseado no relato de Patrick MacDowall.

Em 1779, a knuckle fever na Batávia foi descrita pelo cirurgião holandês David Bylon, assim como a knee trouble, no Cairo. Embora essas duas “doenças” tenham sido associadas posteriormente à dengue, pelo seu início repentino com febre alta, dor musculoesquelética grave, erupção cutânea e desfecho benigno, poderiam também se tratar de febre chikungunya, sobretudo pela característica das dores articulares graves. A dificuldade em estabelecer uma distinção histórica entre a dengue e a chikungunya foi analisada por Donald Carey (1971)CAREY, Donald E. Chikungunya and dengue: a case of mistaken identity? Journal of the History of Medicine, v.26, n.3, p.243-262, 1971., em “Chikungunya and dengue: a case of mistaken identity?”. Carey apontou as principais diferenças entre as duas doenças, e afirmou serem a knuckle fever e a knee trouble a atual chikungunya, enquanto a breakbone fever, descrita por Benjamin Rush em 1780, seria de fato o primeiro registro histórico detalhado da dengue.

Ao longo do século XIX, casos suspeitos de dengue foram registrados em vários países como Peru, EUA, Cuba, Brasil, Chile, Argentina, entre outras regiões do continente americano (Dick et al., 2012DICK, Olivia Brathwaite et al. Review: The history of dengue outbreaks in the Americas. American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, v.87, n.4, p.584-593, 2012.). Os registros oitocentistas apresentavam, exclusivamente, aspectos sintomatológicos e epidemiológicos da doença e raramente alguma especulação a respeito de sua etiologia. Termos variados, ligados às localidades onde a doença irrompia, eram bastante utilizados em substituição ou em coexistência com o termo dengue (Lara, 2019LARA, Jorge Tibilletti de. A febre dengue em Curitiba, de Trajano Joaquim dos Reis. Temporalidades, v.11, n.2, p.853-864, 2019.).

Em um texto publicado em 1952 no The American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, Albert Bruce Sabin (1906-1993), mais conhecido por seu trabalho com a vacina contra a poliomielite, apresenta detalhadamente as principais contribuições feitas no âmbito da pesquisa em dengue antes e durante a Segunda Guerra Mundial, pelo departamento médico do Exército dos EUA.

Nas Filipinas, Percy Ashburn e Charles Franklin Craig obtiveram as evidências que comprovariam a etiologia viral da dengue, que já vinha sendo pesquisada desde 1906 na região, após uma epidemia ter atingido Manila. Siler, juntamente com os oficiais Hall e Hitchens, demonstrou qual seria o período necessário para o desenvolvimento do vírus nos mosquitos observados antes que o pudessem transmitir. No mesmo contexto, ainda antes da década de 1930, pesquisas com macacos foram feitas, sugerindo a existência de um tipo silvestre de dengue. Em 1931, James S. Simmons, St. John e Reynolds estabeleceram o papel do Aedes albopictus na transmissão da dengue. O papel do Aedes aegypti na transmissão da doença já era conhecido desde o início do século XX; primeiro pela hipótese de Thomas Lane Bancroft, na Austrália, em 1905 e 1906, e depois pela confirmação de Aristides Agramonte y Simoni, em Cuba, em 1908 (Lara, 2020LARA, Jorge Tibilletti de. A virologia no Instituto Oswaldo Cruz e a emergência da dengue como problema científico. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2020.). Já com relação ao vírus, em 1934, Snijders, Postmus e Schüffner fizeram experimentos com seres humanos na Holanda, identificando duas cepas diferentes do vírus, e, em 1936, Shortt, Rao e Swaminath conseguiram cultivar o vírus da dengue na membrana corioalantoica de embriões de galinha (Sabin, 1952SABIN, Albert. Research on Dengue during World War II. The American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, v.1, n.1, p.30-50, 1952., p.30). Sabin argumenta que muitas pesquisas foram feitas antes do estabelecimento da maioria de técnicas virológicas e procedimentos mais modernos.

As pesquisas norte-americanas durante a Segunda Guerra Mundial forneceram provas da existência de múltiplos tipos imunológicos de dengue. Concluíram também que, em regiões como Nova Guiné, febres de origem desconhecida eram causadas por tipos de vírus da dengue e, sobretudo, “que a imunidade específica ao dengue está associada a anticorpos neutralizantes para o vírus, que podem ser usados para diagnóstico e levantamento epidemiológico” (Sabin, 1952SABIN, Albert. Research on Dengue during World War II. The American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, v.1, n.1, p.30-50, 1952., p.49).3 3 Nessa e nas demais citações em outras línguas a tradução é livre. Além dessas pesquisas, que nesse período começariam a se tornar mais especializadas, impulsionadas, em parte, pelas demandas da guerra, como por exemplo a necessidade de um agente imunizante para a dengue análogo ao da febre amarela, pesquisas feitas por pesquisadores do Japão relataram muitas cepas do vírus da dengue. Em laboratório, essas cepas foram adaptadas a uma variedade de animais de pesquisa, sendo três delas confirmadas como dengue, e duas como febre do vale Rift e raiva (Sabin, 1952SABIN, Albert. Research on Dengue during World War II. The American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, v.1, n.1, p.30-50, 1952.).

As equipes lideradas por Sabin e por Hotta e Kimura foram os dois grupos responsáveis pelos primeiros e originais isolamentos dos sorotipos Denv-1 e Denv-2 do vírus da dengue, sendo Kimura em 1943, Hotta em 1944 e Sabin e Schlesinger em 1945. Nos anos 1950, os outros dois sorotipos do vírus foram isolados (Gubler, 2006GUBLER, Duane J. Dengue/dengue haemorrhagic fever: history and current status. New treatment strategies for dengue and others flaviviral diseases: Novartis Foundation Symposium, v.277, p.3-22, 2006.; Kuno, 2007KUNO, Gono. Research on dengue and dengue-like illness in East Asia and the Western Pacific during the first half of the 20th century. Reviews in Medical Virology, v.17, n.5, p.327-341, 2007.). Embora já houvesse desde o início do século XX alguma suspeição a respeito da etiologia viral da doença, até 1943 o vírus ainda não havia sido isolado. Em estudos japoneses, nenhuma das vinte espécies de animais de laboratório foi considerada útil como modelo animal devido à ausência dos sintomas da dengue, problema científico ainda discutido na contemporaneidade (Vieira, Schatzmayr, Schatzmayr, 2010VIEIRA, Débora Ferreira Barreto; SCHATZMAYR, Ortrud Monika Barth; SCHATZMAYR, Hermann Gonçalves. Modelo animal experimental para o estudo da patogênese dos vírus dengue sorotipos 1 e 2: manual de técnicas. Rio de Janeiro: Interciência, 2010.). A dificuldade levou os cientistas japoneses a isolar o vírus pela inoculação do sangue de voluntários em fase aguda da doença em voluntários saudáveis (Gubler, 2006GUBLER, Duane J. Dengue/dengue haemorrhagic fever: history and current status. New treatment strategies for dengue and others flaviviral diseases: Novartis Foundation Symposium, v.277, p.3-22, 2006.; Kuno, 2007KUNO, Gono. Research on dengue and dengue-like illness in East Asia and the Western Pacific during the first half of the 20th century. Reviews in Medical Virology, v.17, n.5, p.327-341, 2007.).

Entre as décadas de 1960 e 1970, o vírus da dengue seria classificado como parte do grupo dos Flavivírus, tal como a encefalite japonesa e a febre amarela, e, juntamente com o vírus da chikungunya, classificado como um Alphavírus, passaria a pertencer à família Togaviridae (Hotta, 1978HOTTA, Susumu. Dengue and related tropical viruses. Kobe: Yukosha, 1978.). A classificação moderna4 4 Há uma interessante discussão sobre o tema da classificação moderna dos vírus e suas implicações epistemológicas. De acordo com Gregory Morgan (2016), as primeiras tentativas de construir um esquema de classificação viral, na década de 1960, focaram as propriedades estruturais do virion. Com o tempo, o Comitê Internacional sobre Taxonomia de Vírus (ICTV) passou a incluir a história evolutiva como fator importante. A definição de espécie viral construída pelo ICTV foi baseada em termos de monofilia, mas, de acordo com Morgan (2016), a existência de transferência genética horizontal em vários grupos de vírus levanta um desafio a essa definição. O autor defende a ideia do pluralismo radical nos sistemas de classificação dos vírus, devido ao fato de que alguns vírus facilmente podem ser membros de mais de uma espécie, sendo o próprio conceito de espécie bastante problemática no caso dos vírus. do vírus da dengue foi um fator importante para a aparição de novos estudos laboratoriais que resultaram no aprimoramento da vigilância virológica e epidemiológica da doença, possibilitando gerar uma grande quantidade de dados acerca da disseminação global do vírus (Messina et al., 2014MESSINA, Jane P. et al. Global spread of dengue virus types: mapping the 70 year history. Trends in Microbiology, v.22, n.3, p.138-146, 2014.).

Sabin (1952)SABIN, Albert. Research on Dengue during World War II. The American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, v.1, n.1, p.30-50, 1952. e Hotta (1978)HOTTA, Susumu. Dengue and related tropical viruses. Kobe: Yukosha, 1978. foram atores importantes nesse processo, tanto por fazerem parte das decisões na esfera da saúde pública como por participarem do processo global de evidenciação da doença a partir dos estudos virológicos. Ao mesmo tempo que o vírus da dengue era classificado, seu mecanismo de transmissão era descrito e a relação com os sintomas era estabelecida. Esses cientistas, nos EUA e no Japão, assim como Hermann Schatzmayr na Fiocruz, tiveram atuação importante no período em que a virologia se instituía como ciência.

Para Halstead (1992)HALSTEAD, Scott B. The XXth century dengue pandemic: need for surveillance and research. Rapport Trimestriel de Statistiques Sanitaires Mondiales, v.45, p.292-298, 1992., a “pandemia” de dengue do século XX surgiu do choque entre forças ecológicas que entraram em ação no contexto da Segunda Guerra Mundial e que, a partir daí, continuariam sem precedentes. Os vírus circulavam com os combatentes asiáticos e americanos, e, junto a isso, a destruição do abastecimento de água das cidades, as moradias temporárias e precárias dos refugiados da guerra, o crescimento da população devido à alta fertilidade e a migração entre espaços rurais e urbanos propiciaram um grande crescimento da área e da população de Aedes aegypti. Como afirma Dilene Nascimento, no Brasil há um movimento de contenção e reinfestação do mosquito desde 1958, quando houve uma redução drástica, voltando a crescer em 1967 devido ao lixo produzido pela indústria automobilística; em 1973, nova redução ocorreu, interrompida logo três anos depois, dando lugar a uma reinfestação (Nascimento et al., 2010NASCIMENTO, Dilene R. et al. Dengue: uma sucessão de epidemias esperadas. In: Nascimento, Dilene R.; Carvalho, Diana M. (org.). Uma história brasileira das doenças. v.2. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2010. p.211-232., p.212).

Sem programas efetivos de contenção dos vetores, as infecções por dengue aumentaram gradativamente desde o pós-guerra. O que havia sido alcançado com as campanhas para a erradicação do Aedes aegypti nas Américas (Magalhães, 2016MAGALHÃES, Rodrigo César da Silva. A erradicação do Aedes aegypti: febre amarela, Fred Soper e saúde pública nas Américas, 1918-1968. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2016.) foi revertido com a sua interrupção, e a introdução do vírus da dengue no continente a partir da década de 1960 alcançaria, em pouco tempo, Cuba, ilhas do Caribe, México, EUA, grande parte da América Central, Colômbia, Equador, Peru, Paraguai, Argentina e Brasil (Halstead, 1992HALSTEAD, Scott B. The XXth century dengue pandemic: need for surveillance and research. Rapport Trimestriel de Statistiques Sanitaires Mondiales, v.45, p.292-298, 1992., p.292). Assim, a hiperendemicidade da doença e a cocirculação de diferentes cepas e sorotipos do vírus resultaram numa nova forma da doença, a febre hemorrágica da dengue (FHD). Tendo ocorrido primeiramente em Manila, nas Filipinas, em 1953 e 1954, a FHD seria registrada nas décadas seguintes por praticamente todo o Sudeste Asiático, tornando-se, na década de 1970, uma das principais causas de hospitalização e óbito de crianças nessa região (Gubler, 2006GUBLER, Duane J. Dengue/dengue haemorrhagic fever: history and current status. New treatment strategies for dengue and others flaviviral diseases: Novartis Foundation Symposium, v.277, p.3-22, 2006.). Nas Américas, a primeira epidemia de FHD ocorreu em Cuba, em 1981, levando 158 indivíduos a óbito (cem crianças e 58 adultos), e registrando ao todo 344.203 casos da doença. No mesmo ano, uma epidemia de dengue também foi registrada no Brasil, na cidade de Boa Vista, Roraima, mas foi logo contida, gerando pouca repercussão em âmbito nacional.

Com base nesse retrospecto, é possível apontar algumas continuidades na história da dengue. Elas se encontram dispostas tanto nas semelhanças das descrições sintomatológicas quanto na consideração acerca do papel importante do meio ambiente na proliferação da doença. Os lugares de emanação miasmática, ou seja, o que antes a teoria dos miasmas apontava como foco da doença devido à emanação de substâncias de animais e vegetais em decomposição, quase sempre coincidem com lugares de reprodução de mosquitos e circulação de vírus (Packard, 2016PACKARD, Randall M. “Break-bone” fever in Philadelphia, 1780: reflections on the history of disease. Bulletin of the History of Medicine, v.90, n.2, p.193-221, 2016.). O que muda, assim, do ponto de vista histórico, é a percepção, que passa de uma forte preponderância do olfato com o objetivo de apreender e detectar os miasmas (Anaya, 2011ANAYA, Gabriel Lopes. Maus ares e malária: entre os pântanos de Natal e o feroz mosquito africano, 1892-1932. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2011.), para uma interpretação microbiológica, entomológica e virológica do fenômeno patológico.

A partir de 1981, a dengue passaria a receber atenção de alguns cientistas brasileiros, como os virologistas do Instituto Evandro Chagas (IEC), de Belém, no Pará. No IEC, já existia uma tradição de pesquisas em arbovirologia desde os anos 1950, com a criação do Belém Virus Laboratory, pela Fundação Rockefeller (Andrade, 2019ANDRADE, Rômulo de Paula. “Uma floresta cheia de vírus!”. Ciência e desenvolvimento nas fronteiras amazônicas. Revista Brasileira de História, v.39, n.82, p.19-42, 2019.). Assim, durante décadas, construíram-se uma infraestrutura e a expertise que possibilitou o desenvolvimento dos primeiros estudos virológicos sobre dengue no Brasil, a partir do surto de Roraima. Entretanto, apenas com a epidemia de 1986, no Rio de Janeiro, é que a doença seria objeto de projetos de pesquisa maiores, debates científicos e ações políticas.

Embora, como já apontado, o mosquito esteja em evidência nessa história, por ser vilão (Lopes, Reis-Castro, 2019), por ser a única via de pesquisa (Nascimento et al., 2010NASCIMENTO, Dilene R. et al. Dengue: uma sucessão de epidemias esperadas. In: Nascimento, Dilene R.; Carvalho, Diana M. (org.). Uma história brasileira das doenças. v.2. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2010. p.211-232.) ou por ser foco das campanhas de erradicação do Aedes aegypti (Magalhães, 2016MAGALHÃES, Rodrigo César da Silva. A erradicação do Aedes aegypti: febre amarela, Fred Soper e saúde pública nas Américas, 1918-1968. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2016.), é possível argumentar como a virologia, desde os anos 1950, mas sobretudo na década de 1980 (Rosa, 2016ROSA, Amelia Paes de Andrade Travassos da. The history of Arbovirology at Instituto Evandro Chagas, Belém, Pará, Brazil, from 1954 to 1998. Revista Pan-amazônica de Saúde, n.7, p.61-70, 2016.), foi importante para o estudo das arboviroses e, em especial, da dengue.

Os virologistas do Instituto Oswaldo Cruz

A construção do Departamento de Virologia do IOC, na Fiocruz, foi resultado das lutas do virologista Hermann Schatzmayr por um espaço capacitado e dedicado exclusivamente ao estudo dos vírus, além da demanda social e política que passaria a existir a partir da década de 1960 por laboratórios de virologia no mundo todo (Gazêta et al., 2005GAZÊTA, Arlene Audi Brasil et al. A campanha de erradicação da varíola no Brasil e a instituição do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica. Cadernos de Saúde Coletiva, v.13, n.2, p.323-338, 2005.). A Fundação Oswaldo Cruz passava por um período conhecido como “recuperação da Fiocruz” (Azevedo, 2007AZEVEDO, Nara. Bio-Manguinhos na origem: um capítulo da história da auto-suficiência tecnológica em saúde no Brasil. In: Azevedo, Nara et al. Inovação em saúde: dilemas e desafios de uma instituição pública. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007. p.53-82.). Presidida de 1975 a 1979 pelo economista Vinícius da Fonseca, projetos como o da construção de Bio-Manguinhos em 1976, em meio à epidemia de meningite, e a campanha mundial de erradicação da varíola foram importantes para a construção de um Centro de Virologia Médica no IOC, em 1977, que passaria a ser um departamento em 1980. Na década de 1970, “a bacteriologia e a virologia – reconhecidas como essenciais à saúde pública por lidarem com doenças infecciosas – eram pouco desenvolvidas em meio ao espectro disciplinar que caracterizava a pesquisa” (Azevedo, 2007AZEVEDO, Nara. Bio-Manguinhos na origem: um capítulo da história da auto-suficiência tecnológica em saúde no Brasil. In: Azevedo, Nara et al. Inovação em saúde: dilemas e desafios de uma instituição pública. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007. p.53-82., p.66) na Fiocruz. Nesse sentido, Fonseca, com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), elaborou uma avaliação das condições técnico-científicas da instituição, visando à construção de um plano de trabalho.

Em 1977, foi criado o Centro de Virologia Médica (CVM), ligado ao IOC. Dirigido por Hermann Schatzmayr, ali desenvolveram-se pesquisas e diagnósticos para doenças virais. O CVM também deveria servir como suporte para um curso de pós-graduação em Virologia Médica e, além disso, desenvolver expertise em imunizantes. Conveniado com a Fundação Mérieux, da França, o centro recebeu como oferta “estágios em outros países, duzentos mil dólares para a aquisição de equipamentos e o pagamento de salário a um especialista contratado no exterior. Com esses recursos, Schatzmayr … trouxe um virologista brasileiro que há muito tempo trabalhava em Londres, Gelli Pereira, e a mulher [Peggy], virologista também” (Benchimol, 2001BENCHIMOL, Jaime Larry (coord.) Febre amarela: a doença e a vacina, uma história inacabada. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2001., p.340-341).

Parte do grupo de cientistas que se vincularia ao CVM atuava em pesquisas com vírus desde pelo menos a década de 1960, porém, de forma menos organizada. A trajetória científica de Hermann Schatzmayr, diretor do centro e depois do Departamento de Virologia, confunde-se com a formação, ao longo das décadas de 1960 e 1970, não só de um novo núcleo de pesquisas com vírus na instituição, mas também do grupo de virologistas que enfrentaria a dengue em 1986.

Hermann Gonçalves Schatzmayr (1936-2010) foi um dos expoentes brasileiros da ciência dos vírus. Na década de 1950, formou-se médico veterinário pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, e, posteriormente, fez o curso de microbiologia na Universidade do Brasil, ministrado pelo professor Paulo de Góes, o que lhe propiciou uma bolsa no laboratório de virologia da universidade, chefiado pelo professor Joaquim Travassos da Rosa – mais tarde diretor do IOC –, e seus primeiros trabalhos com amostras da grande epidemia de influenza que ocorreu em 1957 e 1958 no Rio de Janeiro. Antes de ingressar no IOC, em 1961, onde passou a colaborar com os trabalhos de um laboratório de poliomielite montado com o apoio financeiro da Opas, Schatzmayr passou pela Universidade de Viena, na Áustria. Em 1966, doutorou-se nas universidades de Giessen e Freiburg, na Alemanha. Foi também nomeado para a chefia da unidade de Bio-Manguinhos, em 1976, e para a presidência da Fiocruz entre 1990 e 1992, durante o governo Collor. No IOC, além de criar o Centro de Virologia Médica e o Departamento de Virologia, ocupou o cargo da coordenação durante 30 anos, atuando contra a poliomielite, a hepatite, a rubéola e outras doenças de etiologia viral. A partir da década de 1980, foi responsável, juntamente com sua equipe, pelo isolamento dos sorotipos 1, 2 e 3 do vírus da dengue, o qual passou a ser sistematicamente estudado pelo Laboratório de Flavivírus do IOC, criado em meio à epidemia de 1986. No mesmo ano, Schatzmayr fundou, juntamente com outros virologistas, a Sociedade Brasileira de Virologia (SBV), com o objetivo de agregar os pesquisadores brasileiros. Já no final da década de 1990 conciliou trabalhos sobre dengue com estudos de poxvírus em animais e humanos. Até 1964, ano do golpe militar, o laboratório da Opas desenvolveu métodos de diagnóstico e estudos comparativos de replicação de vírus do grupo Coxsackie e Echo em camundongos, que permitiram investigar o papel desses vírus na etiologia da poliomielite (Schatzmayr, Filippis, Friedrich, 2002, p.16). É interessante perceber, nos depoimentos de Schatzmayr dados posteriormente às pesquisadoras Anna Almeida e Marli Albuquerque para o Projeto Memória da Biossegurança no Brasil, da Casa de Oswaldo Cruz, não só as mudanças que a partir de então aconteceriam no laboratório, mas as disputas políticas internas e mesmo geracionais entre os grupos de cientistas do IOC.

Naquele tempo começou a despontar a estrela do Lagoa, era figura extremamente incompetente, não fazia nada aqui dentro, dirigia um laboratório de tumores virais, que não fazia coisa nenhuma. Ele não aparecia, era só no papel, era no prédio de Cardoso Fontes, onde é a virologia agora, na parte de cima. Aí a turma da direita ficou forte, então Armando assumiu o instituto e a primeira coisa que fizeram foi nomear Estácio Monteiro, uma pessoa ligada a Dr. Lacorte, muito ligado ao Dr. Rocha Lagoa, para chefiar o laboratório que eu trabalhava. Eu rejeitei o cidadão, porque ele não sabia nada daquilo, colocou três ou quatro pessoas extremamente incompetentes, eu me revoltei cientificamente (Schatzmayr, 23 abr. 1999SCHATZMAYR, Hermann G. [Depoimento concedido ao Projeto Memória da Biossegurança no Brasil]. Entrevistadoras: Anna Beatriz Almeida e Marli Albuquerque. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 23 abr. 1999. 2 fitas cassete.).

José Guilherme Lacorte, Estácio Monteiro e Joaquim Carvalho Loures compunham o principal grupo de pesquisa com vírus no IOC até a chegada de Schatzmayr. Nas décadas de 1940 e 1950, esses cientistas estudaram, predominantemente, os vírus da gripe e da poliomielite e desenvolveram outras agendas de pesquisa na excitação da ciência do pós-guerra, como os estudos da relação entre vírus e radioatividade, na antiga Seção e Divisão de Vírus.5 5 Em 1942, um novo regimento promulgado pelo governo Vargas reorganizou os serviços técnicos e administrativos do IOC, criando oito divisões: Microbiologia e Imunologia, Vírus, Zoologia Médica, Fisiologia, Química e Farmacologia, Patologia, Estudos de Endemias, Higiene, e duas seções (Auxiliar e de Administração). A partir de 1944, a Divisão de Vírus passou a ser chefiada pelo bacteriologista Cássio Miranda, diretor do IOC entre 1953 e 1954, enquanto a Seção de Vírus, vinculada à divisão, ficou a cargo de José Guilherme Lacorte, que já vinha ocupando o cargo. Antes disso o estudo dos vírus no IOC era comandado por José de Castro Teixeira (1906-1944) (Lara, 2020). Até o início dos anos 1970, esse grupo ainda publicava artigos, em periódicos como o Memórias do Instituto Oswaldo Cruz (Lacorte, Monteiro, Loures, 1971LACORTE, José Guilherme; MONTEIRO, Estácio; LOURES, J. Carvalho. Comportamento do vírus da poliomielite após irradiação ionizante. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.69, n.3, p.501-521, 1971.). Desse modo, é possível perceber a existência de grupos distintos de estudos com vírus, sendo um deles representativo do antigo IOC, e o outro ainda na sua fase embrionária. Mas a “revolta científica” do relato de Schatzmayr expressa, assim, não apenas um simples conflito geracional ou de agendas de pesquisa, mas as dificuldades enfrentadas pelo cientista no período no qual o IOC foi dirigido pela figura controvertida de Rocha Lagoa.

Em 1966, Schatzmayr foi convidado para trabalhar num laboratório de virologia que estava sendo montado na Ensp (instituição que só a partir de 1970, com a criação da Fiocruz, seria vinculada ao IOC). Nesse novo laboratório, juntamente com Akira Homma, o virologista montou linhas de pesquisa em enterovírus, aprimorando os estudos com o vírus da poliomielite, e iniciou pesquisas com vírus em água e em esgotos, desenvolvendo tecnologias ambientais que foram repassadas para outros laboratórios e empresas como a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) (Schatzmayr, Filippis, Friedrich, 2002SCHATZMAYR, Hermann G.; FILIPPIS, Ana Maria Bispo de; FRIEDRICH, Fabian. Erradicação da poliomielite no Brasil: a contribuição da Fundação Oswaldo Cruz. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.9, n.1, p.11-24, 2002.). Esse mesmo núcleo também montou laboratórios de rubéola, hepatites virais e atuou como Laboratório Nacional de Referência para diagnóstico de casos suspeitos de varíola, entre 1968 e 1975.

No final da década de 1970, com escassez de recursos e um deslocamento do interesse da Ensp para outras áreas, esses virologistas passaram a integrar outro núcleo de pesquisa no IOC/Fiocruz, com propostas por parte de Vinícius da Fonseca de aumento de salário e da construção de um programa prioritário de vírus. A criação do Centro de Virologia Médica alavancou as atividades de pesquisa, ensino, convênios com universidades, comissões julgadoras de credenciamento dos primeiros cursos ligados à área da virologia no Brasil e a cooperação científica internacional com diferentes centros de pesquisa em vírus no mundo. Em 1980, o Centro de Virologia Médica tornou-se Departamento de Virologia. Em 1981, os principais laboratórios e centros do departamento ligavam-se ao estudo dos vírus da influenza, da raiva, das enteroviroses e das hepatites virais. Nesse mesmo ano, seria feito o primeiro contato com a dengue: Schatzmayr indicava, por correspondência oficial, a pesquisadora Rita Maria Ribeiro Nogueira para participar do “Curso de laboratório para diagnóstico de dengue”, que seria realizado entre 26 de outubro e 13 de novembro daquele ano, em Porto Rico.

O curso havia sido comunicado ao departamento pela Divisão de Laboratório de Saúde Pública do Ministério da Saúde, de Brasília, sob recomendação da Repartição Sanitária Pan-americana. Formada em medicina pela Universidade Federal da Bahia em 1972, Nogueira iniciou suas atividades no IOC logo após completar sua formação médica, tendo feito especialização em Iniciação à Pesquisa em Biologia, em 1974. Desde seu início na instituição, a cientista trabalhou sob orientação de Schatzmayr, e havia sido aluna da primeira turma do curso de mestrado em Virologia Médica, em 1977. Pela análise das fontes, não foi possível atestar se a pesquisadora realmente fez o curso. Em relatório de atividades referente ao ano de 1981, nenhuma viagem dessa natureza é citada por Rita Nogueira (20 nov. 1981). Entretanto, a solicitação de Schatzmayr, em meio à primeira epidemia de dengue hemorrágica das Américas e à primeira epidemia de dengue do Brasil, em Boa Vista, marca o início, ainda incipiente, de um olhar mais atento do Departamento de Virologia à “nova doença”, que a partir de 1986 reconfiguraria algumas das prioridades daquele núcleo de pesquisas.

A documentação referente às atividades do Departamento de Virologia entre 1982 e 1985 indica que, durante esse período, os projetos de pesquisa mantiveram o mesmo escopo temático inicial. Chamam a atenção ao longo desses anos a colaboração interestadual entre laboratórios, como o programa de capacitação em laboratórios de virologia no estado da Bahia (Schatzmayr, 5 ago. 1985SCHATZMAYR, Hermann G. Correspondência, Fundo Presidência, BR RJCOC 01-05-1263 (Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro). 5 ago. 1985.), a participação do setor da virologia do IOC em um acordo científico franco-brasileiro, os dois primeiros encontros nacionais de virologia (1982 e 1984), com grande participação do departamento, cursos de diagnósticos laboratoriais e viagens internacionais. Os relatórios anuais mencionavam, no tópico “Perspectivas futuras”, estudos de biologia molecular, novas técnicas de diagnóstico e estudos com rotavírus, anticorpos monoclonais e adenovírus. Assim, apesar da importância histórica dos eventos de 1981, nenhuma menção à dengue era feita nos relatórios do departamento até 1986.

A emergência da dengue como desafio virológico (1986-1987)

Mesmo tendo ocorrido quase em sincronia com a epidemia de FHD em Cuba, o episódio de Boa Vista parece não ter sensibilizado as autoridades públicas naquele contexto, tendo sido encarado como um surto isolado, enquanto o mosquito vetor continuava se espalhando pelo território brasileiro. No âmbito da pesquisa científica, a investigação sorológica do IEC começou em março de 1982, com dois pacientes que apresentavam sintomas parecidos. Os testes sorológicos revelaram uma resposta secundária a flavivírus e deram negativo para 13 outros tipos de arbovírus usados no mesmo teste de inibição por hemaglutinação (HI). Dias depois, os resultados de outras amostras de sangue e soro enviadas apontaram tratar-se de flavivírus diferente dos conhecidos até então no Brasil. O vírus reagiu aos testes HI e FC (fixação de complemento) com soros imunes à dengue 1, 2, 3 e 4, fornecidos pelo National Institute of Health dos EUA. “No entanto, não foi possível tipificar o vírus. Posteriormente, anticorpos monoclonais foram utilizados ... e o agente foi identificado como dengue 4” (Rosa, Vasconcelos, Rosa, 1998ROSA, Amélia P.A.T da; VASCONCELOS, Pedro F.C.; ROSA, Jorge F.S.T da. An overview of arbovirology in Brazil and neighbouring countries. Belém: Instituto Evandro Chagas, 1998., p.165).

Tratava-se da primeira articulação de virologistas brasileiros frente ao problema da dengue, ainda situado em Belém, bem como o início do uso de uma série de testes sorológicos modernos para isolamento, identificação e tipificação do vírus. Esses diferentes testes estavam sendo introduzidos aos poucos no Brasil. Alguns deles já eram de uso comum na equipe do Departamento de Virologia do IOC desde o final da década de 1970, como os testes de imunofluorescência. Mas é possível evidenciar, já em 1981, como a utilização, pela equipe do IEC, por exemplo, dos anticorpos monoclonais, foi fundamental para a resolução do estudo com o vírus da dengue. Na década de 1960, pesquisas demonstraram que linfócitos celulares secretores de anticorpos do sistema imunológico eram “monoespecíficos”, pois secretavam apenas um tipo de anticorpo, geralmente associado a um antígeno específico. Mas a produção de anticorpos monoclonais foi relatada pela primeira vez apenas em 1975, quando os bioquímicos César Milstein e Georges Köhler conseguiram fundir células de mieloma (linfócitos cancerígenos) com células retiradas do baço de camundongos imunizados para gerar uma “linha celular imortal” (hibridoma), capaz de secretar anticorpos monoclonais contra um antígeno conhecido (Marks, 2015MARKS, Lara V. The lock and key of medicine: monoclonal antibodies and the transformation of healthcare. New Haven: Yale University Press, 2015.). Assim, em pouco tempo, pesquisadores do mundo todo começaram a explorar as possibilidades desses anticorpos, fosse na purificação de produtos biológicos, na identificação de novos marcadores tumorais ou, como no caso dos virologistas, na sorotipagem de vírus. Essas técnicas também seriam replicadas na epidemia de dengue de 1986, no Rio de Janeiro, quando os virologistas, dessa vez do Instituto Oswaldo Cruz, seriam responsáveis pelo isolamento do vírus.

Uma nota de pesquisa, enviada para publicação em 9 de maio de 1986, no periódico Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, anunciava o isolamento do vírus da dengue de tipo 1, proveniente do soro de pacientes oriundos do município de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro (Schatzmayr, Nogueira, Rosa, 1986SCHATZMAYR, Hermann G.; NOGUEIRA, Rita Maria; ROSA, Amélia Travassos da. An outbreak of dengue virus at Rio de Janeiro: 1986. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.81, n.2, p.245-246, 1986.). O vírus, que havia sido isolado em linhagem de células (C6/36) do mosquito Aedes albopictus, confirmava que o quadro clínico de febre, cefaleia e prostração que estava atingindo a população da Baixada Fluminense era resultado de infecção por Denv-1.

No breve texto, assinado por Hermann Schatzmayr e Rita Maria Ribeiro Nogueira, do Departamento de Virologia do IOC, em colaboração com Amélia Travassos da Rosa, pesquisadora do laboratório de vírus do Instituto Evandro Chagas, eram mencionadas as técnicas de imunofluorescência e a utilização de anticorpos monoclonais, necessários para o trabalho de isolamento do vírus no soro humano. O isolamento do vírus foi depois confirmado pelo laboratório de dengue do CDC de San Juan, em Porto Rico. Os casos de dengue foram, ainda, relacionados não só com os primeiros casos brasileiros notificados, no ano de 1981, na cidade de Boa Vista, mas também com um artigo do médico Antonio Pedro, de 1923, publicado no periódico O Brasil Médico, sobre uma suposta epidemia de dengue ocorrida em Niterói, Rio de Janeiro, buscando estabelecer uma ligação entre as descrições sintomatológicas do início do século com os postulados da virologia contemporânea, balizados por aparatos tecnológicos, epistemológicos, institucionais específicos e por um sistema oficial de notificação.

A publicação científica em questão, que confirmava tratar-se de dengue a epidemia em curso, ao mesmo tempo que inaugura as publicações do Departamento de Virologia sobre a temática da dengue, era resultado de um trabalho prévio que uniu uma espécie de “sondagem epidemiológica”, articulações entre diferentes centros de pesquisa e a colaboração estreita com as secretarias de saúde. A cooperação entre IEC e IOC pode ser evidenciada pelo compartilhamento de técnicas, dados sobre a epidemia de 1981-1982 e pelos trabalhos publicados em conjunto. Quando a Opas anunciou, para março de 1986, um curso de diagnóstico laboratorial de dengue, na Venezuela, Schatzmayr buscou apoio do diretor do IOC, Carlos Morel, e do presidente da Fiocruz, Sérgio Arouca, para que fosse financiada a participação, assim como em 1981, de Rita Nogueira, com o objetivo de trazer para o Brasil as técnicas e os insumos necessários para o diagnóstico laboratorial da doença (Schatzmayr, Cabral, 2009SCHATZMAYR, Hermann G.; CABRAL, Maulori C. A virologia no estado do Rio de Janeiro: uma visão global. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009., p.47). Segundo Schatzmayr, o diagnóstico de dengue no Brasil foi criado pelo seu grupo. “Ninguém tinha experiência em dengue aqui, ninguém tinha soro, não tinha nada”. Quando Nogueira retornou do curso, testou os materiais trazidos da Venezuela diretamente com os soros colhidos dos casos suspeitos de Nova Iguaçu, logo no início da epidemia. “Os nove, tudo positivo. Tudo tipo 1” (Schatzmayr, 14 mar. 2002SCHATZMAYR, Hermann G. [Depoimento concedido ao Projeto A História da Poliomielite no Brasil/Acervo de Depoimentos Orais Memória da Poliomielite]. Entrevistadoras: Anna Beatriz de Sá Almeida e Dilene Raimundo do Nascimento. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 14 mar. 2002. 2 fitas cassete.).

A epidemia de dengue de 1986, diferentemente da epidemia de 1981-1982 em Boa Vista, chamou mais atenção dos jornais e das autoridades públicas não só por se tratar de evento de maior magnitude, ocorrendo num importante polo urbano do Brasil e depois disseminando-se, mas também pelo próprio contexto brasileiro de redemocratização. Eventos importantes nesse momento, como a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), estavam em curso. O ano de 1986 foi marcado pela realização da oitava Conferência Nacional de Saúde, evento responsável pelo lançamento das diretrizes do que viria a ser o Sistema Único de Saúde no Brasil, bem como por colocar em pauta a discussão sobre o direito à saúde como dever do Estado. Nos jornais, a dengue, que havia primeiramente sido confundida com uma intoxicação ligada a uma fábrica de Nova Iguaçu, era novidade. Em matéria intitulada “Dengue já fez mais de 10 mil vítimas no RJ”, o jornal O Fluminense relacionava erroneamente a epidemia em curso com a que havia sido “registrada em 1926”, e errava o nome do mosquito transmissor, o “Aedes aegybti, que se acreditava erradicado desde 1965” (Dengue..., 25 abr. 1986DENGUE já fez mais de 10 mil vítimas no RJ. O Fluminense, 25 abr. 1986.).

O caráter benigno da doença era muitas vezes ressaltado. No Jornal do Brasil, manchetes como “A dengue dá febre mas não mata” eram comuns nos primeiros dias do surto (A dengue..., 25 abr. 1986A DENGUE dá febre, mas não mata. Jornal do Brasil, 25 abr. 1986.). Do mesmo modo, entretanto, o mesmo jornal expunha as falas do ministro da Saúde, na época Roberto Santos, e do ex-secretário e assessor de saúde do estado do Rio de Janeiro, Eduardo Costa, que apontavam a dificuldade de contenção do surto, pois segundo esses, a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam) não possuía as condições necessárias para o combate à doença. Nas linhas do jornal, a estrutura precária do principal órgão era fortemente denunciada: “A Sucam em Nova Iguaçu só tem 80 fiscais para cobrir uma área de 764 quilômetros quadrados e uma população de 2 milhões de habitantes, a maioria vivendo em locais insalubres, propícios à contaminação pelo mosquito aedes aegypt [sic]” (Ministro..., 27 abr. 1986MINISTRO acha difícil conter dengue no Rio. Jornal do Brasil, p.20, 27 abr. 1986., p.20).

A forma como a dengue foi inicialmente tratada pelos jornais e por parte das autoridades, seja como uma doença nova, benigna ou passageira, tem relação com uma comparação, comum à época, diante do medo do retorno da febre amarela urbana. Por outro lado, contrasta com os esforços, a partir desse período, de construção de um centro de referência no estudo da doença e de seu vírus causador. O Laboratório de Flavivírus, do Departamento de Virologia do IOC, foi criado como resposta direta à epidemia de dengue, no mesmo período de emergência da doença no Rio de Janeiro. Os objetivos de criação do laboratório, que seria chefiado pela pesquisadora Rita Nogueira, eram os estudos dos aspectos clínicos, epidemiológicos e moleculares dos flavivírus, em particular da dengue e da febre amarela. Após irromper a epidemia de 1986 e em seguida aos trabalhos iniciais de identificação, isolamento e tipificação do vírus, o laboratório passou a estudar a biologia molecular dos vírus isolados em todo o Brasil, tanto a partir dos casos humanos quanto dos vetores, bem como a analisar a evolução molecular das amostras. Em pouco tempo, tornar-se-ia Centro de Referência no esclarecimento de casos suspeitos de dengue e de febre amarela, passando a apoiar os serviços de vigilância epidemiológica em diferentes estados do país, como Rio de Janeiro, Bahia, Espírito Santo e Minas Gerais (Schatzmayr, Cabral, 2009SCHATZMAYR, Hermann G.; CABRAL, Maulori C. A virologia no estado do Rio de Janeiro: uma visão global. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009., p.60).

O desafio ocasionado pela emergência da dengue em 1986 teve principalmente dois resultados observáveis: reorientou profundamente a trajetória científica de pesquisadores do Departamento de Virologia, como Hermann Schatzmayr, Rita Nogueira e a pesquisadora Monika Barth; ampliou o entendimento sobre a dengue, contribuindo para a sua passagem de “doença-fantasma” à “mais nova endemia de estimação”, e construindo expertise no estudo das arboviroses e em técnicas laboratoriais moleculares como os exames de proteína C-reativa (PCR).

Embora Schatzmayr tivesse participação em vários outros estudos virológicos, por ser chefe do Departamento de Virologia, a dengue passaria a ser um dos seus principais objetos de pesquisa a partir de 1986 até a sua morte, em 2010. No Fundo Hermann Schatzmayr é possível verificar grande quantidade de documentação sobre dengue entre os documentos pessoais e profissionais de Schatzmayr, como entrevistas, certificados de eventos, relatórios oficiais, registros sorológicos e artigos científicos. Rita Nogueira, que até ser enviada ao curso internacional de dengue pesquisava enterovírus, passou a chefiar o Laboratório de Flavivírus e fez sua tese de doutoramento sobre o perfil laboratorial das epidemias de dengue causadas pelos sorotipos 1 e 2 do vírus, estabelecendo, ao longo das décadas de 1990 e 2000, inúmeros projetos de pesquisa sobre a arbovirose. Outro exemplo de uma trajetória afetada pela dengue é a da pesquisadora Monika Barth, filha do zoólogo alemão Rudolph Barth (1913-1978) e esposa de Schatzmayr. Ela, que estudava morfologia de pólens, foi peça importante para o desenvolvimento da virologia no IOC, pesquisando a morfologia de vários vírus pelo microscópio eletrônico. A partir de 1986, Barth passou a estudar de modo sistemático o vírus da dengue, também a partir da microscopia eletrônica. A grande problemática da cientista era entender como o vírus se formava dentro da célula, ou seja, a sua morfogênese. Seus trabalhos, feitos em conjunto com o Laboratório de Flavivírus, conectando os dados morfológicos com os exames de PCR e outras técnicas, foram contínuos durante as décadas de 1990 e 2000 e elucidaram pontos importantes do ciclo do vírus da dengue (Barth, 6 nov. 2019BARTH, Ortrud Monika. [Depoimento concedido ao projeto de pesquisa “Virologistas defronte à doença: a emergência da dengue como problema para o campo científico (1986-2002)”]. Entrevistador: Jorge Tibilletti de Lara. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 6 nov. 2019. 1 áudio (1h16min).).

De 1986 a 1993, período atravessado por duas grandes epidemias de dengue no Rio de Janeiro, o Laboratório de Flavivírus isolou os sorotipos 1 e 2 do vírus pela primeira vez no Brasil e buscou estabelecer metodologias para a construção de um diagnóstico da dengue, em parceria com os infectologistas da Fiocruz. Em meados da década de 1990, os projetos de pesquisa passaram a ter como objetivo estudos gerais sobre o vírus, além da avaliação da resposta imunológica à doença, implementação de técnicas de sequenciamento viral para genotipagem dos vírus da dengue circulantes no território brasileiro e o estudo de técnicas de imuno-histoquímica para diagnóstico de casos fatais da doença. Do final dos anos 1990 até 2010, além do isolamento e sequenciamento genético dos outros sorotipos do vírus (3 e 4) nas epidemias seguintes de dengue, a experimentação de inúmeras técnicas moleculares e testes diagnósticos constituíram as principais atividades daqueles pesquisadores. A avaliação de diferentes métodos, na busca de uma opção diagnóstica mais eficaz, foi o grande vetor dos projetos de pesquisa do laboratório.

A agenda de pesquisa, com estudos sobre a patogenia, a biologia molecular, a caracterização viral e a constante avaliação e aplicação de novas técnicas visando ao aperfeiçoamento do diagnóstico laboratorial, foi marcada por uma solidez dos estudos e pelo trabalho contínuo. Na época da emergência da doença, em 1986, a febre amarela era um importante modelo biomédico para o trabalho com a dengue. Entretanto, a partir da consolidação dos estudos em dengue, ao longo desses anos, foram percebidas inúmeras diferenças entre os dois vírus e as doenças. Mais recentemente, com a emergência da chikungunya e da zika, a dengue, por sua vez, passou a ser o principal modelo biomédico para os estudos dessas outras arboviroses, embora o CHIKV (vírus chikungunya) não seja um flavivírus. O grupo de virologistas do IOC fez as suas primeiras publicações científicas sobre o tema a partir de 1986.

Em 1988, um estudo mais detalhado sobre o Denv-1 foi publicado. Os virologistas apresentaram em detalhes como isolaram, de um caso humano fatal e de fêmeas adultas de Aedes aegypti, o vírus dengue tipo 1. O efeito citopático gerado na célula pelo vírus foi estudado em microscopia eletrônica, e os dados expostos no texto. Mas a principal ênfase do artigo foi a “defesa” do diagnóstico laboratorial dos casos suspeitos de dengue em todas as regiões do país e onde se encontravam os vetores. Para tanto, apresentaram a demonstração e avaliação do uso do teste sorológico (ensaio imunoenzimático) para captura do anticorpo IgM, o MAC-Elisa. O teste foi utilizado tanto para o diagnóstico quanto para avaliar a circulação do vírus, e seus resultados foram considerados “claros e reprodutíveis” (Schatzmayr et al., 1988SCHATZMAYR, Hermann G. et al. Virological study of a dengue type 1 epidemic at Rio de Janeiro. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.83, n.2, p.219-225, 1988.).

Antes do MAC-Elisa, o principal teste sorológico para dengue no Brasil, utilizado pelo grupo de virologistas do Instituto Evandro Chagas em 1981-1982, era o teste de inibição da hemaglutinação. O teste em questão era de alta sensibilidade e baixo custo, mas problemas com as reações cruzadas entre os quatro sorotipos do vírus da dengue aumentaram, ainda no início dos anos 1980, as dificuldades de sua utilização para o diagnóstico sorológico da doença (Figueiredo, 1998FIGUEIREDO, Luiz Tadeu Moraes. History, present and future of Dengue fever in Brazil. In: Rosa, Amélia P.A.T. da; Vasconcelos, Pedro F.C.; Rosa, Jorge F.S.T. da (ed.). An overview of arbovirology in Brazil and neighbouring countries. Belém: Instituto Evandro Chagas, 1998. p.154-163., p.159). A partir de 1986, com a introdução do MAC-Elisa, muitos laboratórios brasileiros aderiram à técnica.

O trabalho do Laboratório de Flavivírus, desde antes de sua criação, mostrou-se consistente ao longo do tempo. Tanto Hermann Schatzmayr quanto Rita Maria Ribeiro Nogueira não só construíram uma nova agenda, aprendendo, aplicando e aprimorando técnicas modernas, mas também se tornaram um polo incontornável desses estudos. O aporte já muito bem arranjado do Departamento de Virologia, grande parte pelo seu próprio chefe, ao longo dos anos 1970 e 1980, foi fundamental para que, quando da chegada da dengue, em 1986, rapidamente se estabelecesse um núcleo de investigação articulado com outros laboratórios de virologia nacionais e internacionais, especialistas de outras áreas, agências internacionais, ministério e secretarias de saúde, que soube aproveitar o momento certo para investirem um novo tema de pesquisa, pelas evidências e mesmo pela intuição de que a dengue se estabeleceria como problema crônico.

Considerações finais

Este artigo tentou demonstrar como a dengue se apresentou como desafio virológico, mobilizando esforços por parte dos virologistas e cientistas ligados ao Departamento de Virologia do IOC. Buscou-se analisar quais foram os principais impactos da doença naquele núcleo de pesquisa, na carreira de cientistas, na incorporação de novas técnicas laboratoriais para o estudo dos vírus e, em especial, das arboviroses, e no modo como a virologia se inseria em relação aos novos problemas da esfera da saúde pública. Essa pesquisa buscou trazer novas fontes à historiografia, apresentando também algumas novidades e possibilidades analíticas, sobretudo buscando enfatizar o papel dos vírus e da virologia nas discussões sobre doença e saúde pública. O processo aqui analisado pode explicar a rápida e consistente resposta dos virologistas da Fiocruz às crises de saúde pública mais recentes, como no caso da zika, da chikungunya e da covid-19. A transição da ideia de dengue, de doença-fantasma à doença de estimação, é um bom exemplo disso devido ao importante papel da ciência dos vírus nesse processo. Os arbovírus circulam entre diferentes espécies, incluindo mosquitos e humanos, e possuem um ciclo complexo que, como se tentou argumentar, foi elucidado pelos virologistas, num esforço de compreensão da dengue, resultando no esclarecimento da doença que naquele momento emergia, bem como na incorporação de novos testes e métodos laboratoriais, gerando uma expertise para a virologia brasileira que se reflete hoje, por exemplo, na predominância de estudos arbovirológicos nos congressos de virologia. Atualmente, a FHD ainda é um grande desafio, com novos surtos a cada ano, devido à cocirculação dos quatro sorotipos do vírus.

AGRADECIMENTOS

Este artigo faz parte da dissertação de mestrado A virologia no Instituto Oswaldo Cruz e a emergência da dengue como problema científico, defendida no Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde, da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, e financiada com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Agradeço ao colega Gabriel Lopes as contribuições e a ajuda com o texto final.

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  • URIBE, Luis Jorge. El problema del control de Aedes aegypti en America. Boletín de la Oficina Sanitaria Panamericana, v.94, n.5, 1983.
  • VALLE, Denise (org.). Dengue: teorias e práticas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2015.
  • VIEIRA, Débora Ferreira Barreto; SCHATZMAYR, Ortrud Monika Barth; SCHATZMAYR, Hermann Gonçalves. Modelo animal experimental para o estudo da patogênese dos vírus dengue sorotipos 1 e 2: manual de técnicas. Rio de Janeiro: Interciência, 2010.

NOTAS

  • 1
    O teste sorológico MAC-Elisa (enzyme-linkedimmunosorbent assay) é um ensaio imunoenzimático, desenvolvido pelo CDC de Porto Rico e que passou a ser utilizado a partir de 1986, sendo considerado o exame mais útil, simples e rápido para a vigilância e diagnóstico, pois requer, em geral, somente uma amostra de soro. O exame utiliza antígenos específicos dos quatro sorotipos do vírus da dengue para capturar o anticorpo IgM nas amostras de soro. A resposta imune numa infecção por dengue produz anticorpos IgG e IgM, que são dirigidos contra as proteínas do envelope do vírus. O IgM se desenvolve a partir do quinto dia do início da doença, então o trabalho com esses testes leva em consideração o estágio da infecção. O teste em questão tornou-se, ao longo dos anos, uma importante ferramenta diagnóstica para a dengue, pois possui sensibilidade e especificidade de 90% a 98%, ainda que tenha que aguardar os primeiros cinco ou mais dias após o início da febre para ser utilizado (Teste..., 2010TESTE MAC-Elisa para dengue. Blog Aedes aegypti o livro definitivo, 2010. Disponível em: http://aedesaegyptiolivro.blogspot.com/2010/02/teste-mac-elisa-para-dengue.html. Acesso em: 7 jul. 2020.
    http://aedesaegyptiolivro.blogspot.com/2...
    ).
  • 2
    O termo molecularização está ligado à emergência de uma “visão molecular” da vida, da saúde e da doença, que se relaciona com os avanços da biologia molecular no estudo de ácidos nucleicos, proteínas, DNA e genes, entre as décadas de 1950 e 1970, e do projeto Genoma Humano, na década de 1990 (Chadarevian, Kamminga, 2005CHADAREVIAN, Soraya de; KAMMINGA, Harmke. Molecularizing biology and medicine: new practices and alliances, 1910-1970s. Amsterdam: Harwood, 2005.). Há, desde a década de 1990, uma extensa literatura sobre o tema (Kay, 1993KAY, Lily E. The molecular vision of life: Caltech, The Rockefeller Foundation, and the rise of the new biology. New York: Oxford University Press, 1993.; Rheinberger, 1995RHEINBERGER, Hans-Jörg. Beyond nature and culture: a note on medicine in the age of molecular biology. Science in Context, v.8, n.1, p.249-263, 1995.), sendo o livro de Chadarevian e Kamminga, de 2005, um excelente esforço de sistematização dessa discussão.
  • 3
    Nessa e nas demais citações em outras línguas a tradução é livre.
  • 4
    Há uma interessante discussão sobre o tema da classificação moderna dos vírus e suas implicações epistemológicas. De acordo com Gregory Morgan (2016)MORGAN, Gregory J. What is a virus species? Radical pluralism in viral taxonomy. Studies in History and Philosophy of Biological and Biomedical Sciences, v.59, n.1, p.64-70, 2016., as primeiras tentativas de construir um esquema de classificação viral, na década de 1960, focaram as propriedades estruturais do virion. Com o tempo, o Comitê Internacional sobre Taxonomia de Vírus (ICTV) passou a incluir a história evolutiva como fator importante. A definição de espécie viral construída pelo ICTV foi baseada em termos de monofilia, mas, de acordo com Morgan (2016)MORGAN, Gregory J. What is a virus species? Radical pluralism in viral taxonomy. Studies in History and Philosophy of Biological and Biomedical Sciences, v.59, n.1, p.64-70, 2016., a existência de transferência genética horizontal em vários grupos de vírus levanta um desafio a essa definição. O autor defende a ideia do pluralismo radical nos sistemas de classificação dos vírus, devido ao fato de que alguns vírus facilmente podem ser membros de mais de uma espécie, sendo o próprio conceito de espécie bastante problemática no caso dos vírus.
  • 5
    Em 1942, um novo regimento promulgado pelo governo Vargas reorganizou os serviços técnicos e administrativos do IOC, criando oito divisões: Microbiologia e Imunologia, Vírus, Zoologia Médica, Fisiologia, Química e Farmacologia, Patologia, Estudos de Endemias, Higiene, e duas seções (Auxiliar e de Administração). A partir de 1944, a Divisão de Vírus passou a ser chefiada pelo bacteriologista Cássio Miranda, diretor do IOC entre 1953 e 1954, enquanto a Seção de Vírus, vinculada à divisão, ficou a cargo de José Guilherme Lacorte, que já vinha ocupando o cargo. Antes disso o estudo dos vírus no IOC era comandado por José de Castro Teixeira (1906-1944) (Lara, 2020LARA, Jorge Tibilletti de. A virologia no Instituto Oswaldo Cruz e a emergência da dengue como problema científico. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2020.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    11 Jul 2020
  • Aceito
    2 Set 2020
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