Acessibilidade / Reportar erro

Covid-19, a diáspora chinesa e o legado duradouro do racismo no Peru

Resumo

A pandemia do coronavírus expôs uma tendência mundial ao longo da história de culpar imigrantes pela propagação de epidemias. No Peru, os chineses sofreram preconceito racial durante crises de saúde pública anteriores. Surpreendentemente, a ideia de que os descendentes de chineses são “agentes de contágio” diminuiu significativamente durante a atual pandemia. Examinaremos aqui três grandes epidemias (febre amarela, peste bubônica e covid-19), a fim de demonstrar a atual mudança nas atitudes negativas em relação à comunidade chinesa. A recusa dos peruanos de adotar termos depreciativos (o “vírus chinês”) ou visar indivíduos de ascendência asiática é algo intrigante em tempos de completa disseminação de discurso xenofóbico no hemisfério ocidental.

racismo; preconceito; epidemia; infecções por coronavírus; Peru

Abstract

The coronavirus pandemic has exposed a global tendency throughout history to blame immigrants for propagating epidemics. Chinese individuals were thus targeted during past public health crises in Peru, but during the current coronavirus pandemic racist notions painting people of Chinese descent as “agents of contagion” diminished significantly. Here we examine three major epidemics (yellow fever, the bubonic plague, and covid-19) to demonstrate the current and somewhat surprising shift in negative attitudes toward the Chinese community. Peruvians’ refusal to embrace derogatory terms (the “Chinese virus”) or target individuals of Asian descent constitutes an intriguing case at a moment when xenophobic discourse is rampant in the Western hemisphere.

racism; prejudice; epidemics; coronavirus infections; Peru

À medida que outras variantes do novo coronavírus, conhecido como SARS-CoV-2, se expandiam e ultrapassavam fronteiras no mundo inteiro, as autoridades e a população tomaram diversas decisões voltadas para proteção contra a disseminação do vírus. Logo no início, quando Itália, Brasil e EUA se tornaram epicentros da pandemia, ficou claro que uma resposta rápida e decisiva das autoridades, somada a investimentos significativos em saúde pública, seria fundamental para ajudar a conter o vírus. Contudo, além do próprio vírus, outro problema começou a ressurgir mundialmente: a transformação de imigrantes em bodes expiatórios, sobretudo os de ascendência asiática, como espalhadores do vírus (Hsu, 28 Feb. 2021HSU, Hua. The muddled history of anti-Asian violence. The New Yorker, 28 Feb. 2021. Available at: https://www.newyorker.com/culture/cultural-comment/the-muddled-history-of-anti-asian-violence. Access on: 17 Mar. 2021.
https://www.newyorker.com/culture/cultur...
; Chang, Lee, Ohtagaki, 12 Mar. 2021CHANG, Caroline; LEE, Anka; OHTAGAKI, Johna. Anti-Asian attacks are blighting the United States. Foreign Policy, 12 Mar. 2021. Available at: https://foreignpolicy.com/2021/03/12/anti-asian-attacks-united-states-covid. Access on: 17 Mar. 2021.
https://foreignpolicy.com/2021/03/12/ant...
).

Para quem conhece a história das pandemias no século passado, notícias sobre esse tipo de ataque contra pessoas de ascendência chinesa revelam dolorosos paralelos com atitudes locais tendo essa comunidade como alvo em décadas anteriores. Historicamente, os imigrantes chineses foram vítimas de preconceito durante crises sanitárias; onde quer que tal comunidade tivesse marcado presença significativa, como no caso do continente americano, ela foi alvo de intimidação (Montt Strabucchi, Chan, 2020MONTT STRABUCCHI, María; CHAN, Carol. Many-faced Orientalism: racism and Xenophobia in a time of the Novel Coronavirus in Chile. Asian Ethnicity, p.1-22, 2020.). No caso do Peru, onde se abrigou a maior comunidade diaspórica chinesa da América Latina do Pacífico, esse grupo foi submetido a diversas transgressões, de ofensas verbais até repatriação compulsória, quando acusado pela disseminação de doenças (Palma, 2018PALMA, Patricia. Unexpected healers: Chinese medicine in the age of global migration (Lima and California, 1850-1930). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.25, n.1, p.13-31, 2018.; Palma, Ragas, 2018PALMA, Patricia; RAGAS, José. Enclaves sanitarios: higiene, epidemias y salud en el barrio chino de Lima, 1880-1910. Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, v.45, n.1, p.159-190, 2018.).

A partir das primeiras notícias sobre a covid-19, alguns peruanos temiam que cidadãos de origem chinesa fossem alvo de racismo, haja vista a longa história de xenofobia contra essa comunidade no passado, mas não foi o que aconteceu. Embora houvesse relatos de proliferação de ataques notadamente xenofóbicos em diversas regiões, não foi o que aconteceu no Peru (exceção a incidentes isolados). Como uma das comunidades asiáticas mais importantes das Américas evitam tensões raciais no bojo de um desastre global? O que explica a mudança de postura da população local durante esta pandemia? Se os descendentes chineses não tiveram de enfrentar o escrutínio público como potenciais disseminadores de covid-19, outros grupos foram culpados? O exemplo do Peru poderia ser reproduzido futuramente ou em outros países onde ocorrem episódios semelhantes de xenofobia?

Este artigo procura explicar por que um país como o Peru, que um século atrás vivenciou uma das ondas de xenofobia mais agressivas do mundo ocidental contra imigrantes asiáticos, conseguiu evitar a atual tendência de culpar os chineses pela disseminação da covid-19. Argumentamos que a proeminência da China como potência global (reforçada durante a crise sanitária em curso) e um conjunto de ações empregadas pelo governo peruano ajudaram a evitar e conter a animosidade racial contra a população chinesa presente no Peru.

A retórica de culpar grupos específicos por epidemias no Peru tem continuado durante a atual pandemia de covid-19. No passado, grupos específicos foram culpabilizados por outras epidemias no Peru. Por exemplo, durante a epidemia de influenza, em 1918, que atingiu a região costeira do país, a revista Variedades publicou uma charge ilustrando uma mulher em vestes indígenas; intitulada “Grippe Boliviana” (a Gripe Boliviana), a tirinha associava o preconceito racial contra os bolivianos e povos originários à pandemia (Sarrín, 9 Aug. 1919SARRÍN, Marcos. La grippe boliviana en Moquegua. Variedades, n.597, p.20, 9 Aug. 1919.). Mais tarde, na segunda metade do século XX, o país foi marcado por drásticas transformações sociais e urbanas. A migração maciça dos Andes para as grandes cidades – Lima, em especial – revelou a precariedade dos sistemas de saúde e habitação. Assim como os imigrantes chineses algumas décadas antes, os novos migrantes andinos viviam em condições precárias em favelas (barriadas); famílias vivendo nesses bairros amontoavam-se em casebres construídos com materiais frágeis e sofriam a escassez de serviços essenciais como água potável e energia elétrica (Lobo, 1984LOBO, Susan. Tengo casa propia: organización social en las barriadas de Lima. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 1984.). Ainda assim, segundo o discurso público, era a população indígena a culpada por disseminar doenças.1 1 Sobre medicina e etnicidade, ver: Zulawski (2007). Sobre a tendência de culpar vítimas com base em raça ou orientação sexual, ver Cueto, Palmer (2015, p.262-263).

Outro exemplo de tendência a culpabilizar grupos marginalizados por crises sanitárias públicas no país foi a epidemia de cólera de 1991, que revelou a precariedade das condições de vida de milhões de peruanos. Como ressalta Marcos Cueto (1997CUETO, Marcos. El regreso de las epidemias: salud y sociedad en el Peru del siglo XX. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 1997., p.180-181), quando a epidemia chegou no país, 40% da população de Callao consumia água com coliformes fecais, uma vez que o esgoto era usado para irrigação agrícola. Entretanto, apesar dessa situação, o governo, a mídia e a população de diversos estratos socioeconômicos culpavam a falta de higiene de migrantes andinos como a principal responsável pela propagação da doença: a precária infraestrutura sanitária pública seria apenas secundária. A opinião pública e o discurso oficial do governo culpavam as vítimas, chamando-os de “sujos”. A epidemia ocorreu em um período delicado, quando o novo governo de Alberto Fujimori (1990-2000) enfrentava dificuldades evidentes na transição para uma sociedade neoliberal. Por esse motivo, o governo deliberadamente descartou as causas estruturais da epidemia que estavam ligadas à desigualdade e ao progressivo desmonte dos serviços públicos e sanitários (Valdivia, 2017VALDIVIA, Milagros. Acciones estatales antes y durante la epidemia de cólera de 1991. In: Lossio, Jorge; Barriga, Eduardo (ed.). Salud pública en el Perú del siglo XX: paradigmas, discursos y políticas. Lima: Instituto Riva-Agüero, 2017. p.111-122.).

Em vez de traçar um paralelo entre as conjunturas do passado e do presente, consideramos importante estudar a linha de raciocínio que enxergava os imigrantes chineses como agentes da doença, além das consequências dessa associação. Para tanto, usamos fontes como artigos de jornal, boletins médicos e charges, a fim de analisar três pontos críticos quando a diáspora chinesa e as epidemias influenciaram a saúde pública peruana: a epidemia de febre amarela de 1868, a peste de 1903 e a atual pandemia de covid-19.

Nosso objetivo é pontuar a diáspora chinesa como um importante componente a ser considerado no estudo das pandemias, tanto do passado quanto do presente. Isso envolve decifrar a complexa dinâmica entre racismo, migração e crises sanitárias que motivaram a xenofobia no passado, juntamente com reflexos para legisladores, médicos, população local e imigrantes. Nós nos concentramos, portanto, no caso da comunidade chinesa no Peru e duas estratégias centrais empregadas por governos locais e nacionais: (a) confinamento seletivo ou deslocamento, e (b) restrições em viagens internacionais, incluindo repatriação de cidadãos chineses. Dividimos este artigo em quatro partes. A primeira está centrada na origem do discurso antichinês no Peru durante o surto de febre amarela em 1868 e a peste bubônica em 1903-1904. Em seguida, analisamos as medidas antichinesas implementadas pelas autoridades políticas para controlar os espaços públicos e privados usados por imigrantes chineses, como teatros, mercados e residências, sobretudo a Calle Capón e a Callejón Otaiza. Além de controlar os espaços urbanos chineses, as autoridades políticas e sanitárias buscaram evitar que a população chinesa adentrasse o país, criando leis imigratórias restritivas e repatriando imigrantes chineses. Por fim, analisamos os dias de hoje, demonstrando como a atual pandemia ensejou uma nova postura em relação aos imigrantes chineses, rompendo com o legado histórico de atitudes racistas contra a população de ascendência asiática, e sugerimos algumas explicações para essa mudança.

Culpando o imigrante

Até a recente chegada de cerca de um milhão de venezuelanos ao Peru, a comunidade estrangeira moderna de presença mais relevante naquele país havia sido a chinesa. As rápidas mudanças desencadeadas no mundo na primeira metade do século XIX serviram como pano de fundo para a chegada dos primeiros imigrantes em 1849, de Cantão a Callao, principal porto peruano (Stewart, 1951STEWART, Watt. Chinese bondage in Peru: a history of the Chinese coolie in Peru, 1849-1874. Durham: Duke University Press. 1951.). Alguns escaparam das Guerras do Ópio de 1842 e 1856, desembarcando como coolies para substituir escravizados africanos nas lavouras litorâneas (Ching-Hwang, 2013CHING-HWANG, Yen. Chinese coolie emigration, 1845-74. In: Chee-Beng, Tan (ed.). Routledge handbook of the Chinese diaspora. New York: Routledge, 2013. p.73-88.). A escravização africana aos poucos perdia força, porém só foi completamente abolida em 1855, pelo presidente Ramón Castilla.

Os proprietários de terras viam nos coolies chineses uma substituição “natural” aos escravizados africanos, que abandonavam as propriedades rurais rumo às áreas urbanas. Os recém-chegados forneciam a força de trabalho necessária para transportar a produção dos campos para as cidades e os portos e, infelizmente, sofriam maus-tratos tal qual seus antecessores. Eclodiram revoltas e outras formas de resistência sutil individual e coletiva à medida que os chineses lutavam para se adaptar ao novo ambiente e à cultura local. Uma vez cumpridos seus contratos nas propriedades rurais, muitos dos coolies se mudaram para a cidade em busca de melhores condições de vida; sua presença em uma metrópole em desenvolvimento como a capital, Lima, não passou despercebida (Rodríguez Pastor, 1989RODRÍGUEZ PASTOR, Humberto. Hijos del celeste imperio en el Perú, 1850-1900. Lima: Sur Casa de Estudios del Socialismo, 1989.).

Um repentino surto epidêmico de febre amarela atingiu Lima e o porto adjacente de Callao no verão de 1868, o que chamou atenção inesperada para os novos residentes. Em meados do século XIX, o país rapidamente se reconfigurava de antiga colônia do Império espanhol em uma nação vibrante com conexões globais graças à exportação de guano, um fertilizante natural rico em nitrato extraído do excremento de pássaros, abundante nas ilhas costeiras (Cushman, 2018CUSHMAN, Gregory T. Los señores del guano: una historia ecológica global del Pacífico. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 2018.). O comércio intenso no Pacífico e a posição estratégica de Callao como porto expôs o país a novas epidemias como a de febre amarela, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti (Lossio, 2003LOSSIO, Jorge. Acequias y gallinazos: salud ambiental en Lima del siglo XIX. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 2003., p.69). Supostamente advinda do Panamá e de Guayaquil (Equador), a epidemia encontrou um incubador ideal em uma sociedade cujo sistema de saúde pública era praticamente inexistente, incapaz de impedir sua disseminação. A doença assolou o país nos meses subsequentes, enquanto as autoridades tentavam contê-la desesperadamente e novos pacientes e vítimas lotavam os hospitais. Ao final do ano, havia infectado um em cada dez limeños. À medida que a febre amarela vitimava mais pessoas, as autoridades implementavam medidas drásticas com total conivência dos habitantes de áreas urbanas, sobretudo em Lima e Callao. Policiais e médicos tentavam reduzir o número de infecções monitorando hábitos de higiene dentro dos lares. Infectada ou não, a população tentava aliviar o sofrimento por métodos tradicionais e buscava alguém para culpar.

Figurando como a comunidade mais nova do país, os imigrantes chineses se tornaram bodes expiatórios. Pela primeira vez no país as autoridades e a imprensa visavam os imigrantes chineses, culpando-os pela disseminação da doença, com base em preconceitos ligados aos hábitos culturais e às preferências alimentares dessa população. Um grupo de passageiros chineses foi o único a ser barrado no desembarque em Callao, apesar de já ter passado pelos rígidos controles sanitários do porto; o capitão do navio em que viajavam os obrigou a ficar em quarentena na próxima ilha de San Lorenzo, para evitar a entrada da epidemia no continente (Inga, Carcelén, 2019INGA, Sally; CARCELÉN, Carlos. La epidemia de fiebre amarilla en el puerto del Callao durante 1868. Espiral, v.1, n.2, p.192-193, 2019., p.193). Infelizmente, esse capitão não foi o único fomentador de discriminação contra grupos específicos de passageiros com base em seus países de origem; jornais como o El Comercio faziam coro a esses preconceitos e difundiam a ideia de que o povo chinês seria o único agente infeccioso do país. “Os mercados asiáticos sempre foram um perigo repugnante, mas nunca como agora, sobretudo quando se sabe que podem vir a sofrer e se infectar com doenças como essa (febre amarela), devido à péssima higiene e à má qualidade dos alimentos que consomem” (Asiáticos, 23 Mar. 1868ASIÁTICOS. El Comercio, p.2, 23 Mar. 1868., p.2).2 2 Como a maioria de imigrantes asiáticos no Peru era composta por chineses, os termos “asiático” e “chinês” passaram a ser usados de modo intercambiável pelas autoridades e pela mídia local. Somente ao final do século XIX uma incipiente diáspora japonesa viria a quebrar esse monopólio. Até mesmo em termos numéricos, nunca ultrapassou o de descendentes chineses. Esse pequeno número de imigrantes japoneses e sua falta de envolvimento no setor médico talvez expliquem por que a comunidade japonesa no Peru não foi submetida a ataques perversos como os sofridos pelos chineses.

A epidemia de peste bubônica, presente a partir de maio de 1903, sedimentou a ideia de que os imigrantes chineses eram um grupo enfermo infiltrando-se na sociedade peruana nas últimas quatro décadas. Apesar dos esforços das autoridades para conter a doença antes que ela chegasse ao Peru, continuavam culpando a comunidade imigrante chinesa pela erupção da peste bubônica, exatamente como fizeram quanto à febre amarela. Ao tomar conhecimento de que a peste havia alcançado outros portos nas Américas, como São Francisco, Los Angeles e Mazatlán (México), começaram a monitorar a comunidade chinesa e inspecionar suas cercanias. No início de maio, a prefeitura de Lima começou a preparar a cidade para a epidemia. Uma das primeiras medidas tomadas foi a desinfecção da área do mercado central de Lima, coincidentemente localizada ao lado do Bairro Chinês (Crónica, 11 Feb. 1903CRÓNICA. Mueran las ratas. El Comercio, p.2, 11 Feb. 1903., p.2). O prefeito de Lima foi ainda mais longe, solicitando ao Ministro da Defesa que traçasse um plano de demolição e transferência do “bairro asiático” para a periferia da capital (Barrio Chino, 1903BARRIO CHINO. Boletín Municipal de Lima, v.3, n.125, p.1003, 1903., p.1003). O preconceito é disseminado tão rapidamente quanto a epidemia, principalmente por meio de mídia impressa e outras publicações. Um mês depois de a epidemia chegar a Callao, a La Crónica Médica (revista da associação de medicina) publicou um artigo de autoria do médico Edmond Souchon (1900SOUCHON, Edmond. La peste bubónica: puntos de especial interés para los cuerpos sanitarios. La Crónica Médica, v.17, n.227, p.94, 1900., p.94) afirmando que a peste “ataca todas as raças, sobretudo a amarela … porque eles se alimentam muito mal”.

A epidemia revelou a enorme extensão do racismo contra os chineses entre a população local. De modo muito parecido com a designação da covid-19 por parte de algumas lideranças como o “vírus chinês”, as autoridades sanitárias peruanas começaram a se referir à peste bubônica de 1903 como “o flagelo asiático” pouco depois de vir a público a notícia dos primeiros infectados. A imprensa e alguns médicos foram responsáveis por incutir a ideia de que um trabalhador chinês chamado Manuel Hubí foi o “paciente zero” daquela epidemia, o que se repetiu de maneira recorrente nos meses seguintes (Palma, Ragas, 2018PALMA, Patricia; RAGAS, José. Enclaves sanitarios: higiene, epidemias y salud en el barrio chino de Lima, 1880-1910. Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, v.45, n.1, p.159-190, 2018.). Ainda que a Faculdade de Medicina de Lima tenha apresentado evidências contrárias, a desinformação envolvendo Hubí fora espalhada e aceita como válida por uma população e uma classe profissional expostas a décadas de preconceito contra a comunidade asiática. Em um relatório encomendado pela Academia Nacional de Medicina, três médicos rastrearam a peste até Pedro Figueroa, trabalhador de um moinho em Callao. Hubí foi o sexto a ser infectado, porém culpabilizado por ter ascendência asiática. A revista Actualidades informou os leitores sobre essa descoberta, porém convenientemente omitiu os nomes das outras vítimas, afirmando que “o primeiro caso a alertar a cidade foi a morte do asiático Hubí” (La plaga, 1903LA PLAGA bubónica. Actualidades, v.1, n.18, p.266-267, 1903., p.266-267). Juan B. Agnoli, inspetor higienista, transformou essa desinformação em verdade oficial ao declarar Manuel Hubí a fonte da epidemia.

As autoridades sanitárias perseguiram e invadiram a privacidade dos imigrantes chineses ostensivamente. No mesmo ano de chegada da peste bubônica, o governo criou a Dirección de Salubridad Pública (Diretoria de Saúde Pública) em associação com uma força-tarefa especial que exercia um papel ativo no monitoramento das condições de saúde pública na capital. No pico da epidemia, autoridades dessa força-tarefa foram de porta em porta, cadastrando cada residência, desinfectando as casas e procurando ratos para exterminar (Cueto, 1997CUETO, Marcos. El regreso de las epidemias: salud y sociedad en el Peru del siglo XX. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 1997., p.37; Parker, 1998PARKER, David. Civilizing the City of Kings: hygiene and housing in Lima, Peru. In: Pineo, Ronn; Baer, James (ed.). Cities of hope: people, protest and progress in urbanizing Latin America, 1870-1930. Boulder: Westview Press, 1998. p.153-178., p.159). Conforme explicaremos na próxima seção, os moradores do Bairro Chinês foram particularmente visados. Medidas semelhantes foram tomadas em outras regiões, mesmo em cidades pequenas com números significativos de chineses. Por exemplo, a comunidade chinesa em Pacasmayo, cidade no litoral norte, ficou em quarentena como precaução. Os médicos se recusavam a realizar autópsias nos chineses que faleciam na cidade, o que resultou em um grande número de mortes não atestadas e, por sua vez, fazendo com que as autoridades isolassem a comunidade inteira (Crónica, 15 Aug. 1903CRÓNICA. La peste bubónica en Pacasmayo. El Comercio, p.3, 15 Aug. 1903., p.3). Na costa sul, o prefeito de Tacna tomou as próprias medidas preventivas, passando a “desinfetar todos os fondas [restaurantes] asiáticos existentes na cidade, como havia sido feito em Callao … Esta medida é urgente porque verifica-se que quase todos os estabelecimentos, como vimos anteriormente, são imundos, verdadeiros criadouros de ratos, camundongos e insetos repulsivos” (Perú…, 9 May 1903PERÚ: la peste bubónica declarada. La Voz del Sur, p.2, 9 May 1903., p.2).

A visão reducionista e depreciativa dos chineses como agentes de contágio estava tão incorporada ao pensamento das autoridades políticas e sanitárias que elas chegavam inclusive a se recusar a reconhecer ou admitir as contribuições cruciais à saúde pública por parte dos herbalistas chineses durante a epidemia. Muitos imigrantes chineses que trabalhavam na agricultura local conservaram o conhecimento da medicina e das ervas medicinais de seu país nativo; ao encerrar seus contratos no campo, mudaram-se para as zonas urbanas e abriram herbanários. O conhecimento médico deles foi crucial durante o surto de febre amarela de 1868, pois prestavam um serviço alternativo àqueles que não podiam pagar uma consulta médica, fosse o paciente chinês ou não (Palma, 2018PALMA, Patricia. Unexpected healers: Chinese medicine in the age of global migration (Lima and California, 1850-1930). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.25, n.1, p.13-31, 2018.). Angustiados pelas recorrentes ondas da epidemia, serviços de saúde insuficientes e pela carência de médicos que atendessem a preços acessíveis no Peru, os peruanos contaram fortemente com os imigrantes chineses recém-chegados para acesso a tratamentos e medicamentos. Em 1879, o governo peruano declarou que os curandeiros chineses tinham autorização para a prática médica e para a venda de “ervas asiáticas” por meio de seus herbanários (Palma, 2018PALMA, Patricia. Unexpected healers: Chinese medicine in the age of global migration (Lima and California, 1850-1930). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.25, n.1, p.13-31, 2018., p.25); porém, os médicos locais tentaram coibir as práticas médicas de seus colegas asiáticos e não se deram por vencidos enquanto a medicina chinesa não fosse finalmente declarada ilegal, em 1931.

A narrativa que associava a população chinesa à epidemia não só interferiu na alternativa médica real às classes baixa e média durante os surtos, mas provocou graves consequências para a vida das pessoas. Como explicaremos na próxima seção, a narrativa que transformou a comunidade chinesa em bode expiatório afetou seu direito de mobilidade dentro e fora do país.

Controlando os espaços públicos

Nas áreas urbanas, os imigrantes chineses conseguiram vivenciar seus costumes e estilos de vida. Como afirma Clarence Glick (1989GLICK, Clarence. Sojourners and settlers: Chinese migrants in Hawaii. Honolulu: The University Press of Hawaii, 1989., p.141-142), os bairros chineses se tornaram locais para os imigrantes chineses relaxarem e manterem contatos no continente. Acima de tudo, esses bairros eram lugares onde os imigrantes chineses podiam encontrar apoio em épocas de crise, aos moldes do que receberiam no país natal da própria família, clã ou templo do vilarejo. Assim como nos EUA, políticos e autoridades de saúde no Peru consideravam os bairros chineses pontos que se distinguiam por enfermidade, pobreza e degradação urbanas (Shah, 2001SHAH, Nayan. Contagious divides: epidemics and race in San Francisco’s Chinatown. Berkeley: University of California Press, 2001.; Risse, 2012RISSE, Guenter. Plague, fear, and politics in San Francisco’s Chinatown. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2012.). A partir de 1855, muitos imigrantes chineses livres se instalaram nas proximidades do novo mercado La Concepción, localizado no distrito central perto de Lima, o que futuramente viria a ficar conhecido como Bairro Chinês (Rodríguez Pastor, 1999RODRÍGUEZ PASTOR, Humberto. La calle Capón, el callejón Otaiza y el barrio chino. In: Panfichi, Aldo; Portocarrero, Felipe (ed.). Mundos interiores: Lima, 1850-1950. Lima: Universidad del Pacífico, 1999. p.397-430.; Lausent-Herrera, 2011LAUSENT-HERRERA, Isabelle. The Chinatown in Peru and the changing Peruvian Chinese community(ies). Journal of Chinese Overseas, v.7, n.1, p.69-113, 2011.). O Bairro Chinês de Lima é o terceiro mais antigo das Américas, depois dos de São Francisco (EUA) e Havana (Cuba). Atualmente um popular ponto turístico, que inclui a calle Capón, a calle Paruro e o entorno das ruas mais antigas de Lima (Lopez-Calvo, 2014LÓPEZ-CALVO, Ignacio. Dragons in the land of the Condor: writing tusán in Peru. Tucson: University of Arizona Press, 2014., p.129). Apesar de sua conturbada origem, o Bairro Chinês de Lima contava com espaços para moradia, comércio, associações profissionais e lazer. Nas últimas décadas do século XIX, essa região foi submetida ao escrutínio de autoridades municipais e sanitárias que defendiam o controle, a realocação ou até mesmo a destruição do bairro. Durante a epidemia de peste bubônica de 1903, os jornais debatiam seriamente a transferência imediata do bairro para uma área do outro lado do rio Rímac. Segundo David Parker (1998PARKER, David. Civilizing the City of Kings: hygiene and housing in Lima, Peru. In: Pineo, Ronn; Baer, James (ed.). Cities of hope: people, protest and progress in urbanizing Latin America, 1870-1930. Boulder: Westview Press, 1998. p.153-178., p.159), aparentemente, algumas autoridades públicas só se preocupavam em erradicar as favelas quando tais cortiços se instalavam desconfortavelmente perto das casas de “pessoas respeitáveis”.

De todos os lugares, os mais questionados pelas autoridades eram as residências e os locais de entretenimento, ressaltando o quanto as condições supostamente insalubres ameaçavam a saúde da população local. Em 1869, foi inaugurado o primeiro teatro chinês, tornando-se rapidamente o principal espaço destinado ao lazer da comunidade chinesa, porém por pouco tempo. Alguns anos depois, membros da comunidade chinesa abriram dois novos teatros, o Teatro Rastro de la Huaquilla e o Teatro Odeón, no Bairro Chinês. O Teatro Odeón funcionou entre 1872 e 1878; apresentava o entretenimento típico para as classes média e alta, como peças, óperas italianas e bailes de máscaras (Valladares, 2012VALLADARES, Odalis. Inmigrantes chinos en Lima: teatro, identidad e inserción social, 1870-1930. Lima: Universidad Nacional Mayor de San Marcos, 2012., p.127-131). Contudo, não caiu no gosto do público local e ofereceu poucas atrações. Por outro lado, o Rastro de la Huaquilla foi um dos teatros mais frequentados até seu fechamento pela prefeitura, em 1892. Embora fosse um local destinado à comunidade chinesa, não tardou a atrair a população local e, não raro, apresentava espetáculos com “cenas eróticas, indecentes e escandalosas” (Muñoz, 2001MUÑOZ, Fanni. Diversiones públicas en Lima, 1890-1920: la experiencia de la modernidad. Lima: PUCP; IEP; Universidad del Pacífico, 2001., p.140). Embora as apresentações fossem populares, as autoridades e a imprensa as criticavam como imorais e degradantes.

O teatro foi finalmente fechado devido a questões sanitárias. Em 1886, um grupo de vizinhos escreveu para o jornal El Comercio exigindo que as autoridades destruíssem o que restara do Teatro Odeón, pois ele atrairia uma enorme quantidade de imigrantes chineses e ratos. Também pediam o fechamento do Teatro Rastro de la Huaquilla por motivos sanitários (Teatro Principal, 19 Nov. 1896TEATRO PRINCIPAL. El Comercio, p.1, 19 Nov. 1896., p.1). Em dezembro de 1889, o superintendente de higiene municipal de Lima relatou sua vistoria do teatro para o prefeito; suas palavras eram carregadas de preconceito, descrevendo o teatro como um local de condições sanitárias precárias devido ao seu uso frequente e à localização “no bairro menos limpo que temos” (Teatro Chino, 1889TEATRO CHINO. Boletín Municipal de Lima, v.5, n.465, p.620, 1889., p.620). Ele alertou que um incêndio poderia facilmente destruir o local e os prédios vizinhos (o que acabou acontecendo em 1912) e recomendou demolir o prédio, desinfetá-lo e proceder à secagem do terreno. A partir daquele ano, o teatro foi submetido a diversas vistorias sanitárias e ameaças de fechamento. Finalmente, fechou as portas em 7 de dezembro de 1892 diante da incapacidade do proprietário para realizar as reformas necessárias para um funcionamento higiênico e seguro (Muñoz, 2001MUÑOZ, Fanni. Diversiones públicas en Lima, 1890-1920: la experiencia de la modernidad. Lima: PUCP; IEP; Universidad del Pacífico, 2001., p.144).

Embora fechados ao público em geral, a comunidade chinesa continuou usando esses locais como cassinos e casas de ópio. Os teatros também eram utilizados como residências improvisadas para centenas de habitantes pobres, em maioria de ascendência chinesa. Em junho de 1904, em pleno período da peste bubônica que assolou Lima, três moradores do antigo Teatro Odeón manifestaram sintomas da doença, alarmando as autoridades (La situación…, 17 June 1904LA SITUACIÓN sanitaria. El Comercio, p.3, 17 June 1904., p.3). Autoridades municipais e sanitárias evacuaram o antigo teatro para desinfecção, na esperança de que pudesse voltar a ser habitado. No entanto, a imprensa fez campanha contra a ideia, ressaltando que seria “difícil realocar os moradores, em maioria chineses, [devido aos seus] hábitos de higiene e asseio” (p.3). Para conter a disseminação da peste, as autoridades decidiram fechá-lo, desalojando 205 inquilinos. Mas muitos retornaram nas semanas seguintes; os teatros Odeón e Huaquilla continuaram atraindo pessoas até 1909, quando enfim as autoridades ordenaram a demolição de ambos.

Segundo as autoridades e a opinião pública, o paradigma de imundície do Bairro Chinês era a callejón Otaiza (beco de Otaiza), uma antiga propriedade aristocrática (Ramón, 1999RAMÓN, Gabriel. La muralla y los callejones: intervención urbana y proyecto político en Lima durante la segunda mitad del siglo XIX. Lima: Promperu; Sidea, 1999., p.200). Ficava perto do mercado La Concepción, e a partir dos anos 1880, tornou-se a área com maior concentração de moradores chineses do país. À medida que o número de moradores rapidamente se multiplicava, suas dependências eram divididas em pequenos espaços para abrigar os recém-chegados. Esses quartos careciam de ventilação adequada, e o edifício se deteriorava diante de constantes modificações estruturais demandadas para a criação de mais quartos (Rodríguez Pastor, 1999RODRÍGUEZ PASTOR, Humberto. La calle Capón, el callejón Otaiza y el barrio chino. In: Panfichi, Aldo; Portocarrero, Felipe (ed.). Mundos interiores: Lima, 1850-1950. Lima: Universidad del Pacífico, 1999. p.397-430., p.416). O Otaiza se tornou um dos lugares onde moradores mais pobres e antigos coolies conseguiam pagar por moradia em Lima; era também considerado anti-higiênico, superlotado e foco de doenças e imoralidades (Candela, 2013CANDELA, Ana María. Nation, migration and governance: Cantonese migrants to Peru and the making of overseas Chinese nationalism, 1849-2013. Dissertation (PhD in History) – University of California, Santa Cruz, 2013., p.156).

Em 1877, o estudante de medicina César Borja apresentou uma tese intitulada La imigração chinesa es um mal necessário de evitar (A imigração chinesa é um mal necessário a ser evitado), dedicando uma seção a condições sanitárias, alimentação, hábitos e habitação desses imigrantes. A descrição de Borja (1877BORJA, César. La inmigración china es un mal necesario de evitar. Lima: Universidad Nacional Mayor de San Marcos, 1877., p.31-34) das grandes casas em calle Capón e, sobretudo, em callejón Otaiza cita a superpopulação e a pobreza: “Entrei em todos os quartos e outros estabelecimentos chineses que ocupam a Calle Capón… e fiquei impressionado quando cheguei à incrível soma de 220 residentes chineses, todos naquele pequeno quarteirão. Em cada loja, quarto ou hospedaria, habitam, em média, seis indivíduos... Dentro do antigo Callejón Otaiza, contei 650 asiáticos distribuídos em oitenta quartos”.

Nas quatro décadas seguintes, os habitantes de Otaiza ficaram constantemente sujeitos à invasiva presença de autoridades sanitárias que questionavam seus estilos de vida. Em 1883, fiscais sanitários examinavam as casas e as descreviam como um “labirinto projetado para inúmeros moradores, cujos proprietários visam ao lucro em detrimento da higiene” (Candela, 2013CANDELA, Ana María. Nation, migration and governance: Cantonese migrants to Peru and the making of overseas Chinese nationalism, 1849-2013. Dissertation (PhD in History) – University of California, Santa Cruz, 2013., p.157). Três anos depois, o mesmo fiscal reportou precárias condições sanitárias no local para o prefeito de Lima, sobretudo a existência das casas de ópio e a ausência de ar puro. Assim como muitos outros médicos, o fiscal se valeu do temor da epidemia como ferramenta retórica para forçar o fechamento do local. Afirmou em sua conclusão que “se a necessidade de destruição do local em circunstâncias normais já era urgente, o que dirá hoje em dia, quando é prudente se precaver diante da possibilidade de uma invasão epidêmica” (Visita higiénica, 1887VISITA HIGIÉNICA en el callejón Otaiza. Boletín Municipal de Lima, v.3, n.127, p.23, 1887., p.23). Esses relatórios transparecem um ameaçador discurso racista ligado às mais básicas noções de higiene e modernidade; os médicos exigiram reformas urbanas urgentes com a ideia de “civilizar” a cidade, como sugeria David Parker (1998PARKER, David. Civilizing the City of Kings: hygiene and housing in Lima, Peru. In: Pineo, Ronn; Baer, James (ed.). Cities of hope: people, protest and progress in urbanizing Latin America, 1870-1930. Boulder: Westview Press, 1998. p.153-178., p.158).

O surto de peste bubônica em 1903 e a criação de uma frente de saúde pública com poder de polícia permitiu que as autoridades implementassem medidas sanitárias radicais no callejón Otaiza. Em maio, quando havia somente uma dúzia de pessoas infectadas na cidade, o conselho municipal discutiu a opção de confiscar o callejón com seu proprietário (Crónica, 23 May 1903CRÓNICA. Callejón de Otayza. El Comercio, p.2, 23 May 1903., p.2). Se o plano funcionasse, os moradores seriam transferidos para o Cuartel de Barbones, na periferia da cidade. Entretanto, a falta de recursos financeiros da cidade limitou o então ambicioso plano de promover uma limpeza total do lugar. A polícia demoliu os tapumes que subdividiam o prédio, destruiu objetos pessoais, restringiu o número de inquilinos a trezentos e contratou um vigia para controlar a entrada e saída de pessoas (Parker, 1998PARKER, David. Civilizing the City of Kings: hygiene and housing in Lima, Peru. In: Pineo, Ronn; Baer, James (ed.). Cities of hope: people, protest and progress in urbanizing Latin America, 1870-1930. Boulder: Westview Press, 1998. p.153-178., p.165). Em maio de 1909, em meio às piores revoltas antiasiáticos de Lima, o prefeito Guillermo Billinghurst ordenou a destruição de callejón. Em 12 de maio, 140 agentes da polícia e do Exército cercaram o callejón e despejaram os moradores (Figura 1). A Variedades (revista altamente crítica da imigração asiática que, no passado, havia impresso reiteradamente estereótipos de imigrantes) reportou o fechamento de callejón, declarando que o local “foi invadido e iniciou-se um verdadeiro êxodo de chinas caminhando como formigas enfileiradas, deixando o local como coelhos assustados, partindo com medo, em uma fila única, rente à parede, lotando a rua como uma toca de ratos antes de uma enchente” (El Callejón, 1909EL CALLEJÓN de Otaiza. Variedades, v.4, n.63, p.254-256, 1909., p.254-256). Após a demolição, o prefeito começou a buscar um local adequado para onde transferir os antigos moradores do Otaiza (McKeown, 2001MCKEOWN, Adam. Chinese migrant networks and cultural change: Peru, Chicago, Hawaii, 1900-1936. Chicago: University of Chicago Press, 2001., p.153).

Figura 1
: A destruição de callejón Otaiza (Variedades, v.4, n.63, p.254-256, 1909)

Com a destruição de callejón Otaiza e a retirada de seus moradores, as autoridades e a população local atravessavam o nefasto caminho do preconceito à elaboração de políticas. Com base nas justificativas de segurança pública e condições sanitárias, a demolição de callejón Otaiza foi um momento decisivo para as intervenções urbanas na capital. Contudo, à medida que a epidemia continuava afetando as pessoas e as áreas urbanas, o governo peruano, a partir da contenção da comunidade chinesa, seguiu fechando os espaços de convívio dessa população partindo para iniciativas mais ambiciosas, como a interrupção do fluxo entre China e Peru com o objetivo de incentivar os imigrantes chineses a voltar ao país de origem.

Fechando as portas

Enquanto as autoridades e os fiscais sanitários estavam determinados a controlar os espaços urbanos chineses, outros dirigentes se concentravam em repatriar chineses enfermos e traçar políticas específicas visando à restrição da chegada de imigrantes da China como a melhor estratégia de proteção da cidade. Ao final do século XIX, muitos imigrantes chineses que haviam entrado no país como coolies estavam idosos e desprovidos de uma rede de apoio apropriada; eram frequentes as publicações na imprensa relatando a presença de mendigos asiáticos nas ruas. Por isso, em 1884, a Sociedade Filantrópica Chinesa solicitou ao prefeito de Callao a transferência dos mendigos para o Sanatório de Bellavista, onde poderiam receber algum tipo de assistência temporária (Mendigos, 28 Oct. 1884MENDIGOS asiáticos. El País, p.2, 28 Oct. 1884., p.2). Durante quase duas décadas, esse sanatório (originalmente, um leprosário) abrigou um número significativo de chineses sem teto e pacientes com tuberculose e lepra. A vizinhança não tardou a enviar queixas às autoridades locais sob a alegação de que aquelas instalações certamente representavam grave ameaça à saúde pública. Em 1902, as autoridades de saúde pediram ao prefeito que evacuasse o local a fim de “eliminar o foco de infecção que tão proximamente ameaçava o bairro de Bellavista” (Correspondence, 1902CORRESPONDENCE to the director of the Public Charitable Society. Sociedad de Beneficencia Pública del Callao, box 2, folder 74 (Archivo General de la Nación, Lima). 1902.). Segundo as autoridades, era preciso recuperar a finalidade original do sanatório.

A peste bubônica de 1903 reavivou as queixas de autoridades e vizinhos, que exigiam o fechamento do sanatório. Finalmente, em setembro daquele ano, a prefeitura concordou com a Associação Beneficente em evacuar e aprimorar a instituição. Enquanto isso, a comunidade chinesa negociava com Domingo Loerno, imigrante italiano e comerciante marítimo, a saída de seus compatriotas que lá viviam. Com o apoio da prefeitura de Lima e da Associação Beneficente, 204 residentes chineses do sanatório embarcaram no Lothair retornando à China em 31 de outubro de 1904. Já na chegada, 192 desses passageiros foram diretamente admitidos em um sanatório privado financiado pela colônia chinesa no Peru. A imprensa local deu conta de que aqueles que haviam deixado o país jovens e cheios de vida, voltaram “velhos, pobres e cegos” (De regreso…, 1 Nov. 1903DE REGRESO a la patria: viaje de la Lothair. El Comercio, p.2, 1 Nov. 1903., p.2). Nos dias que se seguiram, equipes especializadas desinfetaram o antigo sanatório chinês.

Cinco anos depois, o Lothair também transportou as pessoas impactadas pela destruição do callejón Otaiza de volta à China. Após terem as casas destruídas, não receberam nenhuma indenização ou assistência do governo peruano, e a Associação Beneficente não tinha espaço suficiente para acolher os quinhentos imigrantes chineses desalojados. Como explica Ana María Candela (2013CANDELA, Ana María. Nation, migration and governance: Cantonese migrants to Peru and the making of overseas Chinese nationalism, 1849-2013. Dissertation (PhD in History) – University of California, Santa Cruz, 2013., p.166), a associação fez acordos para a abertura de uma sociedade filantrópica que sustentaria seus compatriotas, desta vez em Guangzhou, oferecendo um lugar onde os coolies em situação de indigência pudessem gozar o restante da vida. Com a iniciativa do cônsul chinês Way Lang e o apoio da Associação Beneficente Chinesa, 676 imigrantes chineses embarcaram no Lothianin em junho de 1909 para repatriação.

Entre os passageiros, 271 estavam doentes, em maioria idosos. Embarcaram com eles 12 mulheres peruanas, duas mulheres chinesas e 31 crianças (El viaje…, 6 July 1909EL VIAJE del Lothian. El Comercio, p.3, 6 July 1909., p.3). A Variedades fez uma reportagem sobre a destruição de callejón Otaiza, bem como a repatriação, incluindo fotografias de passageiros embarcando no navio. Segundo a descrição da revista, tratava-se de pessoas em situação de rua que vagavam pela região mendigando. Alguns comerciantes que fecharam seus negócios e temiam novas ondas de protestos violentos acrescentaram: “Fazem bem em se mudar para um lugar seguro” (Regreso…, 1909REGRESO de chinos a su país. Variedades, v.5, n.71, p.456-457, 1909., p.456-457). Nos anos seguintes, houve uma terceira leva de repatriações chinesas, novamente com o apoio da Associação Beneficente.

Para a opinião pública, acabar com a imigração asiática seria a melhor forma de evitar a disseminação da doença. No entanto, também se achava que o fim da imigração chinesa seria necessário para evitar a degeneração racial e proteger os empregos e a saúde dos trabalhadores peruanos nativos (Blanchard, 1979BLANCHARD, Peter. Asian immigrants in Perú, 1899-1923. NorthSouth: Canadian Journal of Latin American Studies, v.4, n.7, p.60-75, 1979., p.67; Drinot, 2011DRINOT, Paulo. The allure of labor: race, and the making of the Peruvian State. Durham: Duke University Press, 2011., p.167). Em 1904, houve uma retomada da imigração chinesa, devido à necessidade de mão de obra barata por parte de proprietários de terras litorâneas. A chegada do Kensington provocou críticas implacáveis da imprensa pelo transporte de imigrantes chineses e ancoragem em Callao, em outubro de 1904, em plena epidemia de peste bubônica (McKeown, 2001MCKEOWN, Adam. Chinese migrant networks and cultural change: Peru, Chicago, Hawaii, 1900-1936. Chicago: University of Chicago Press, 2001., p.85). Apesar dos esforços médicos para desinfetar o navio e colocar seus passageiros em quarentena, os moradores de Callao agiram com hostilidade contra os chineses e protestaram contra o fluxo contínuo de imigrantes (Crónica, 19 Oct. 1904CRÓNICA. Llegada de chinos. El Comercio, p.1, 19 Oct. 1904., p.1). O Congresso propôs leis a favor da proibição da imigração asiática coletiva, porém o deputado Cavero e o senador La Torre Bueno salientaram que o Peru havia assinado um tratado em 1874 assegurando a liberdade de trânsito para os chineses e somente o presidente teria poderes para revogar esse acordo (Intereses generales, 27 Oct. 1904INTERESES GENERALES. Inmigración. El Comercio, p.3, 27 Oct. 1904., p.3).

Os jornais estavam repletos de artigos antiasiáticos relatando a “ameaça amarela”. Um deles era o Fray K-Bezón, publicação satírica que dedicava a maior parte do conteúdo a ataques contra a comunidade chinesa. Higiene e a suposta transmissão da doença pelos imigrantes chineses eram temas recorrentes (Figura 2). Isabelle Lausent-Herrera (2011LAUSENT-HERRERA, Isabelle. The Chinatown in Peru and the changing Peruvian Chinese community(ies). Journal of Chinese Overseas, v.7, n.1, p.69-113, 2011., p.74-75) explicou que a origem dessas edições estava na incapacidade das autoridades peruanas para controlar o crescente número de imigrantes chineses, que por sua vez gerava animosidade em relação aos chineses entre os peruanos da classe trabalhadora. O clima antichinês chegou ao ápice em maio de 1909, em uma trágica conjuntura que coincidiu com a destruição de callejón Otaiza e mudanças nas políticas imigratórias. Com o intuito de tranquilizar a população, o governo peruano decretou que os trabalhadores chineses seriam barrados em 14 de maio de 1909; nos anos seguintes, um número menor de imigrantes chineses ingressou no país por intermédio de falsificação de passaportes e corrupção por parte de cônsules e fiscais portuários (McKeown, 1996MCKEOWN, Adam. Inmigración china al Perú: exclusión y negociación. Histórica, v.20, n.1, p.59-91, 1996., p.85).

Figura 2
: A peste amarela (Fray K-Bezón, n.91, p.5, Oct. 1908)

Houve uma diminuição significativa no número de imigrantes chineses ao longo das décadas seguintes. A partir dos anos 1920, a comunidade chinesa iniciou uma campanha para unir a população local, principalmente por meio de doações de caridade. Ao sul do país, as colônias chinesas assumiram um papel ativo no financiamento de educação e saúde pública construindo escolas e contribuindo com equipamentos médicos. Como ressalta Adam McKeown (1996MCKEOWN, Adam. Inmigración china al Perú: exclusión y negociación. Histórica, v.20, n.1, p.59-91, 1996., p.85), os efeitos da propaganda antichinesa perduraram. Atualmente, restam pouquíssimos dos sentimentos antichineses presentes um século atrás nas comunidades peruanas e chinesas; o que prevalece no discurso público é a aliança entre ambos os países e a influência decisiva da cultura chinesa no Peru.

Nova epidemia, novas atitudes

Durante a atual pandemia de covid-19, as medidas oficiais e a opinião pública demonstraram semelhanças importantes relacionadas aos “responsáveis” pela disseminação da doença no país. Em âmbito internacional, as comunidades chinesa e asiática foram culpabilizadas pelo espalhamento do vírus e transformadas em alvos de ataques racistas e xenofóbicos. A situação foi exacerbada por declarações do ex-presidente Donald Trump, em março de 2020, associando o coronavírus à China, parte da contínua rixa entre as duas potências mundiais. Trump empregou deliberadamente a expressão “vírus chinês” em uma coletiva de imprensa, citando como justificativa a “gripe espanhola” em referência à Espanha (Vazquez, Klein, 19 Mar. 2020VAZQUEZ, Maegan; KLEIN, Betsy. Trump again defends use of the term “China virus”. CNN, 19 Mar. 2020. Available at: https://edition.cnn.com/2020/03/17/politics/trump-china-coronavirus/index.html. Access on: 15 Apr. 2020.
https://edition.cnn.com/2020/03/17/polit...
).

Apesar da longa tradição de culpabilizar alguns grupos originários, minorias sexuais ou estrangeiros pela disseminação de epidemias, a chegada da covid-19 no Peru não coincidiu com grandes incidentes contra a comunidade chinesa ou qualquer outro grupo imigrante. Uma análise de dois dos jornais mais importantes em circulação no Peru (El Comercio e La República) e do site Tusanaje entre janeiro de 2020 e abril de 2021 não localizou relatos de ataques físicos ou verbais contra peruanos de origem asiática, ao contrário do que acontecia nos EUA. O jornal El Comercio publicou dezenas de artigos narrando crimes de ódio contra a comunidade norte-americana asiática, porém nada parecido ocorrera no Peru. Da mesma maneira, o La República citou ataques antiasiáticos ocorrendo nos EUA, em um artigo sobre o racismo diário enfrentado pelos tusanes (descendentes de chineses) no Peru, mas tais agressões não incluíam violência física (Miranda, 23 Aug. 2020MIRANDA, Oscar. Los tusanes también viven el racismo. La República, 23 Aug. 2020. Available at: https://larepublica.pe/domingo/2020/08/23/los-tusanes-tambien-viven-el-racismo/?ref=lre. Access on: 21 June 2021.
https://larepublica.pe/domingo/2020/08/2...
). O site Tusanaje sempre tomou a frente ao condenar e narrar ataques contra as comunidades asiáticas no Peru e no mundo; durante nosso período de estudo, o site publicou diversas matérias denunciando o racismo contra asiáticos nas Américas e na Espanha, mas não relatou ataques físicos ou verbais contra pessoas de origem chinesa no Peru.

Por que esse tipo de violência não se manifestou em um país com uma das maiores diásporas chinesas nas Américas? Gostaríamos de sugerir três fatores principais (internos e externos) a ser considerados ao analisar a grande mudança de postura em relação à China e à população chinesa no século passado. Primeiramente, os poucos ataques contra a população chinesa durante a atual pandemia foram perpetrados por um pequeno grupo de pessoas pertencentes a organizações políticas desmoralizadas, e portanto esses comentários não tiveram o impacto gerado no passado. Apenas pequenos grupos locais de extrema direita e grupos locais conservadores adotaram a expressão “vírus chinês” nas mídias sociais; a principal meta desses grupos era atacar partidos peruanos progressistas e de esquerda culpando sua gestão da pandemia, incluindo a administração do ex-presidente Martín Vizcarra. Os esforços de incutir essa expressão no linguajar local relacionado à pandemia foram infrutíferos (sobretudo considerando-se a má reputação pública e política atribuída a esses grupos).

Um segundo fator foram as medidas rápidas e decisivas do governo peruano que impediram a proliferação dos boatos. Cem anos atrás, a ausência de uma resposta eficaz por parte do governo central suscitou o surgimento de boatos e desinformação. Ao contrário dos EUA ou do Reino Unido, onde o ex-presidente Trump e o primeiro-ministro Boris Johnson hesitaram em implementar políticas de contenção do vírus, o governo peruano impôs uma quarentena nacional compulsória desde o início, a partir de 16 de março de 2020. Além disso, o governo não fez distinção entre grupos sociais, nem culpou minorias pela chegada e disseminação do vírus. Nem mesmo os venezuelanos, a maior comunidade de imigrantes do Peru, sofreram ataques significativos por causa de sua origem. Ao contrário, a pandemia de coronavírus fez com que fosse possível que muitos profissionais de saúde estrangeiros vivendo no Peru exercendo trabalhos sem qualificação fossem empregados nos centros de saúde. Por exemplo, o governo contratou imigrantes venezuelanos que eram médicos em seu país natal para suprir a escassez de profissionais de saúde durante a crise (Perú..., 12 Apr. 2020PERÚ abre la puerta a contratar médicos extranjeros para enfrentar covid-19. El Día, 12 Abr. 2020. Available at: http://www.diarioeldia.cl/mundo/peru-abre-puerta-contratar-medicos-extranjeros-para-enfrentar-covid-19. Access on: 15 Apr. 2020.
http://www.diarioeldia.cl/mundo/peru-abr...
).

Um terceiro aspecto (e talvez o fator mais importante para compreendermos a suspensão dos ataques racistas contra a comunidade chinesa durante a pandemia de covid-19) é o atual papel da China como ator global no combate à pandemia. O país forneceu auxílio sanitário e acesso privilegiado à sua nova vacina. Desde o início da atual crise sanitária, os presidentes do Peru e da China mantiveram comunicação; durante um de seus boletins diários à sociedade, o presidente do Peru, Vizcarra declarou: “Também precisamos pedir ajuda dos países experientes [na gestão da crise]. E desde o começo da covid-19 na China, é o país com mais experiência nessa doença em particular” (Martín Vizcarra…, 31 Mar. 2020MARTÍN VIZCARRA revela que presidente de China está dispuesto a apoyar al Perú. ATV Notícias, 31 Mar. 2020. Available at: https://www.youtube.com/watch?v=5fjO_CNdcFc. Access on: 15 Apr. 2020.
https://www.youtube.com/watch?v=5fjO_CNd...
). Ao final de março de 2020, Vizcarra enviou ao presidente chinês, Xi Jinping, uma carta pedindo cooperação. A resposta de Xi reconhecia os esforços do Peru para conter o vírus, bem como sua intenção de ajudar a fortalecer esses esforços. O embaixador do Peru na China, Luis Quesada Incháustegui, confirmou a doação de equipamento e materiais do governo chinês, empresas privadas como Ali Baba e Huawei e ONGs, além de sociedades filantrópicas (China…, 1 Apr. 2020CHINA ofrecerá ayuda al Perú para combatir e l Coronavirus. El Comercio, 1 Apr. 2020. Available at: https://elcomercio.pe/videos/pais/china-ofrecera-ayuda-al-peru-para-combatir-el-coronavirus-video-noticia/. Access on: 15 Apr. 2020.
https://elcomercio.pe/videos/pais/china-...
).

A assistência médica fornecida pela China para a América Latina, e sobretudo para o Peru, cobriu desde exames médicos até ventiladores e outros equipamentos médicos, como parte de uma estratégia conhecida como diplomacia da máscara (Koop et al., 6 Apr. 2020KOOP, Fermín at al. América Latina pide ayuda médica a China para combatir el coronavirus. Diálogo Chino, 6 Apr. 2020. Disponível em: https://dialogochino.net/es/comercio-y-inversiones-es/34665-america-latina-pide-ayuda-medica-a-china-para-combatir-el-coronavirus/. Acesso em: 3 Feb. 2021.
https://dialogochino.net/es/comercio-y-i...
). A estratégia da China era dual. De um lado, buscava mudar a narrativa que enquadrava Wuhan e o país como focos do vírus, oferecendo ajuda no combate à pandemia e desenvolvendo métodos de ponta para conter a disseminação. Por outro lado, fazia parte de um novo “poder de persuasão” para substituir a influência dos EUA e da Europa na região (China…, 2 May 2020CHINA ofrece a Perú apoyo científico para enfrentar el coronavirus. Andina: Agencia Peruana de Notícias, 2 May 2020. Available at: https://andina.pe/agencia/noticia-china-ofrece-a-peru-apoyo-cientifico-para-enfrentar-coronavirus-795574.aspx%20l. Access on: 3 Jan. 2021.
https://andina.pe/agencia/noticia-china-...
).

A subsequente corrida para testar e obter aprovação de uma vacina resultou em um realinhamento geopolítico entre as potências globais detentoras dos laboratórios onde se desenvolviam as vacinas e outros países desprovidos da tecnologia ou dos meios de produzi-las. A Organização Mundial da Saúde (OMS) monitorou de perto as fases posteriores do processo de produção de vacinas e o modo como os laboratórios avançavam para testar as primeiras versões, primeiramente em animais e, em seguida, em seres humanos. A “corrida das vacinas”, liderada pela China, pavimentou o caminho ao “nacionalismo da vacina”, em que saúde pública e prestígio nacional entraram em uma acirrada competição com ecos de Guerra Fria.

Os governos latino-americanos seguiram rigorosamente o progresso das vacinas desenvolvidas sob a vigilância da OMS; a ameaça de novas ondas e variantes do vírus capazes de arruinar economias já estranguladas convenceu os governos a começar a negociar vacinas antes da aprovação oficial. Essas negociações refletiam tanto a capacidade do governo de garantir doses suficientes para imunizar suas populações como suas preferências geopolíticas e alinhamentos ideológicos. No período do Natal, as primeiras remessas de vacinas da Pfizer chegaram em Santiago, Chile, enquanto outro avião de Moscou chegava em Buenos Aires com uma carga da vacina Sputnik. O Brasil preferiu comprar vacinas de outro país com governo de direita, a Índia: em meados de janeiro, o governo brasileiro despachou uma aeronave para garantir as vacinas AstraZeneca do Serum Institute, em Pune, Índia (Mohan,16 Jan. 2021MOHAN, Geeta. Brazil to send plane to get 2 million doses of AstraZeneca vaccine from Serum Institute of India. India Today, 16 Jan. 2021. Available at: https://www.indiatoday.in/coronavirus-outbreak/vaccine-updates/story/brazil-sends-plane-to-get-vaccines-from-india-1759664-2021-01-16. Access on: 3 Feb. 2021.
https://www.indiatoday.in/coronavirus-ou...
). Cuba, dando continuidade à longa tradição de autonomia em excelência científica, anunciou o desenvolvimento de uma vacina nacional chamada Soberana.

A estreita relação entre China e Peru facilitou os testes médicos peruanos da vacina Sinopharm em uma polêmica apelidada de Vacunagate,3 3 Vacunagate foi um escândalo político envolvendo o ex-presidente Martín Vizcarra e outras autoridades do primeiro escalão. Um jornalista revelou que ainda durante seu mandato, o presidente Vizcarra pediu para ser vacinado, junto com sua esposa. Mais tarde, veio à tona uma lista de cerca de quinhentas pessoas que haviam recebido a vacina da Sinopharm por vias irregulares. além de conceder privilégios ao governo peruano na aquisição de vacinas, caso lograssem êxito. A chegada da delegação chinesa marcou o início dos testes de vacinas no Peru, patrocinados pela Universidad Peruana Cayetano Heredia. Pilar Mazzetti (5 Sep. 2020)PILAR MAZZETTI recibió a científicos de Sinopharm de China para iniciar ensayos clínicos de la vacuna contra la covid-19 en Cayetano. UPCH Notícias, 5 Sep. 2020.Disponível em: https://investigacion.cayetano.edu.pe/prensa/291-pilar-mazzetti-recibio-a-cientificos-de-sinopharm-de-china-para-iniciar-ensayos-clinicos-de-la-vacuna-contra-la-covid-19-en-cayetano. Access on: 3 Jan. 2021.
https://investigacion.cayetano.edu.pe/pr...
, ex-ministra da Saúde, declarou que os testes faziam “parte da cooperação com a República Popular da China, que concedera financiamento de seis milhões de dólares. A população chinesa e seu embaixador acompanharam o Peru desde o início”. Em meados de dezembro, 11 mil voluntários locais aguardavam para serem inoculados com a vacina ou o placebo sob a supervisão do Instituto Nacional de Salud and Universidad Peruana Cayetano Heredia (Perú..., 16 Dec. 2020PERU autoriza la reanudación de los ensayos de la vacuna de Sinopharm. El Comercio, 16 Dec. 2020. Available at: https://www.elcomercio.com/actualidad/peru-autoriza-reanudacion-ensayos-vacuna.html. Access on: 3 Jan. 2021.
https://www.elcomercio.com/actualidad/pe...
).

O auxílio médico oferecido pelo governo chinês foi crucial para atenuar a crise no Peru (Gianella, Gideon, Romero, 7 Dec. 2020GIANELLA, Camila; GIDEON, Jasmine; ROMERO, María José. What does covid-19 tell us about the Peruvian health system? Canadian Journal of Development Studies/Revue Canadienne d’Étudesdu Développement, 7 Dec. 2020. Available at: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/02255189.2020.1843009. Access on: 3 Jan. 2021.
https://www.tandfonline.com/doi/full/10....
), um dos países mais afetados pela pandemia: em meados de janeiro de 2021, o site de notícias Ojo Público reportava a taxa de mortalidade do país em 38 mil, com mais de um milhão de casos positivos (Huamán, 17 Mar. 2020HUAMÁN, Gianfranco. Cifras de la pandemia: covid-19 se extiende por Sudamérica. Ojo Público, 17 Mar. 2020. Available at: https://ojo-publico.com/1670/cifras-de-la-pandemia-covid-19-se-extiende-por-sudamerica. Access on: 17 Mar. 2021.
https://ojo-publico.com/1670/cifras-de-l...
). Registrava também a taxa mais alta de vítimas por habitante, seguido por Argentina, Brasil, Colômbia e Chile. Embora medidas drásticas tenham sido implementadas em todo o país (inclusive um dos mais rígidos lockdowns do hemisfério), o vírus foi contido por apenas mais algumas semanas ao final de novembro. Houve uma queda abrupta no número de casos, porém uma segunda onda atingiu o país em dezembro de 2020 (Vergara, 2020VERGARA, Alberto. La crisis de la covid-19 como Aleph peruano. In: Pettinà, Vanni; Rojas, Rafael (ed.). América Latina: del estallido social a la implosión del económica y sanitaria post-covid-19. Lima: Planeta, 2020. p.27-42.). Enquanto os peruanos lutavam para se manter saudáveis e economicamente ativos, as notícias de possíveis vacinas para refrear a pandemia criavam novas possibilidades.

No início de janeiro, Francisco Sagasti, presidente do Peru, finalmente anunciou que o primeiro lote de 38 milhões de vacinas chegaria ao final do mês, originado da empresa chinesa Sinopharm e do Beijing Institute of Biological Products (Chávez, 7 Jan. 2021CHÁVEZ, Claudia. Covid-19: vacuna que llegará en enero mostró eficacia superior al 79% en ensayos clínicos de fase 3. Ojo Público, 7 Jan. 2021. Available at: https://ojo-publico.com/2389/covid-19-vacuna-que-llegara-en-enero-mostro-eficacia-superior-al-79. Access on: 3 Feb. 2021.
https://ojo-publico.com/2389/covid-19-va...
). Com esse anúncio, o Peru se tornou o primeiro país na região a adquirir a vacina da Sinopharm, que havia sido aprovada em dezembro de 2020 pelas autoridades chinesas (Covid-19…, 13 Jan. 2021COVID-19: ¿Por qué el Perú es el único país en Latinoamérica que ha adquirido la vacuna de Sinopharm? El Comercio, 13 Jan. 2021. Available at: https://elcomercio.pe/lima/sucesos/covid-19-por-que-peru-es-el-unico-pais-de-latinoamerica-que-ha-adquirido-las-vacunas-de-la-china-sinopharm-noticia/. Access on: 3 Feb. 2021.
https://elcomercio.pe/lima/sucesos/covid...
). Não causa surpresa se considerarmos a progressiva relação entre China e Peru nas últimas décadas e a guinada na direção da Ásia desde a década de 1990. Atualmente, a China é o principal parceiro comercial do Peru, e cerca de 1/4 do total de exportações do Peru se destina à China. O intercâmbio financeiro entre Peru e China foi estimado em 23 bilhões de dólares, e a China é o investidor mais importante do Peru.

Considerações finais

Este artigo analisou as reações de autoridades e cidadãos peruanos à comunidade chinesa durante as crises sanitárias do passado e do presente. Enfatizamos o modo como a opinião pública moldou as políticas que exigiam o deslocamento forçado e a expulsão de imigrantes chineses entre 1860 e 1910. É importante salientar os fatores de longo prazo que ajudaram a cessar as atitudes hostis dirigidas às comunidades estrangeiras e grupos minoritários. Em tempos como os de hoje, quando o nativismo e o populismo nacionalista crescem em popularidade, a imigração é um fator crucial no repertório de políticas destinadas à contenção e à compreensão de uma pandemia como a de covid-19. Os imigrantes foram reiteradamente, ao longo da história, apontados como bodes expiatórios dos problemas das sociedades. Contudo, as forças geopolíticas e sociais que determinam essa postura não são imutáveis e estão em constante transformação, como confirma a experiência imigratória dos chineses peruanos.

Como oportunamente ressalta Marcos Cueto, o antigo recurso de culpar a vítima pelos males sociais permanece uma constante na epidemia peruana. Em vez de culpar os imigrantes chineses, a atual epidemia posicionou os trabalhadores informais, nacionais e estrangeiros no centro do debate público: eles foram acusados de burlar a quarentena imposta pelo governo. Conforme afirmação do sociólogo Omar Manky (2020MANKY, Omar. Los trabajadores informales. In: Burga, Manuel; Portocarrero, Felipe; Panfichi, Aldo (coord.). Por una nueva convivencia: la sociedad peruana en tiempos del covid-19: escenarios, propuestas de política y acción pública. Lima: Fondo Editorial PUCP, 2020. p.23-39., p.32), a porcentagem de trabalhadores informais no país antes da crise chegava perto de 72%, número que chegou a 91% em algumas regiões como Huancavelica. A incapacidade do Estado peruano de oferecer auxílio financeiro às famílias necessitadas (locais e estrangeiras) levou milhares de pessoas a vencer o desemprego vendendo mercadorias nas ruas. Como ocorrera no passado, muitos conglomerados da mídia não tardaram a culpar os trabalhadores informais pelo descumprimento da quarentena. Ao final de maio, por exemplo, diversos veículos midiáticos reportaram que motociclistas de uma empresa local de entregas não estavam cumprindo o distanciamento social, na verdade, transferindo a responsabilidade pela implementação de medidas adequadas de saúde pública da empresa e das autoridades para os trabalhadores (Surco..., 15 Apr. 2020SURCO: motociclistas de app por delivery no respetaron distanciamiento social dentro de local de revisiones técnicas. El Comercio, 15 Abr. 2020. Available at: https://elcomercio.pe/lima/sucesos/surco-motociclistas-de-app-por-delivery-no-respetaron-distanciamiento-social-dentro-de-local-de-revisiones-tecnicas-l-video-nndc-noticia/. Access on: 27 May 2020.
https://elcomercio.pe/lima/sucesos/surco...
).

A mudança de atitude em relação à comunidade chinesa no Peru durante a crise atual foi parte de uma grande transformação geopolítica no papel da República Popular da China e uma visão mais positiva dos chineses. A ausência de episódios comparativamente violentos contra esse grupo em contraste com episódios semelhantes do passado é um fenômeno extraordinário de como a sociedade peruana está administrando a quarentena e a atual pandemia. Ao contrário de epidemias anteriores como a de febre amarela e peste bubônica, a comunidade chinesa deixou de ser alvo da mídia e da população local, e a China passou a figurar como aliada global em matéria de saúde pública. Uma análise de longo prazo sobre as pandemias revela padrões recorrentes de atitudes sociais que deveriam ser consideradas quando os legisladores criam os protocolos. Ao tratar as pandemias como eventos isolados e inesperados, as autoridades e os especialistas descartam características fundamentais desses fenômenos que podem ser relevantes no combate de seus efeitos generalizados na sociedade.

AGRADECIMENTOS

Patricia Palma agradece o apoio do Fondecyt por meio do subsídio n.3190403.

REFERENCES

  • ASIÁTICOS. El Comercio, p.2, 23 Mar. 1868.
  • BARRIO CHINO. Boletín Municipal de Lima, v.3, n.125, p.1003, 1903.
  • BLANCHARD, Peter. Asian immigrants in Perú, 1899-1923. NorthSouth: Canadian Journal of Latin American Studies, v.4, n.7, p.60-75, 1979.
  • BORJA, César. La inmigración china es un mal necesario de evitar. Lima: Universidad Nacional Mayor de San Marcos, 1877.
  • CANDELA, Ana María. Nation, migration and governance: Cantonese migrants to Peru and the making of overseas Chinese nationalism, 1849-2013. Dissertation (PhD in History) – University of California, Santa Cruz, 2013.
  • CHANG, Caroline; LEE, Anka; OHTAGAKI, Johna. Anti-Asian attacks are blighting the United States. Foreign Policy, 12 Mar. 2021. Available at: https://foreignpolicy.com/2021/03/12/anti-asian-attacks-united-states-covid Access on: 17 Mar. 2021.
    » https://foreignpolicy.com/2021/03/12/anti-asian-attacks-united-states-covid
  • CHÁVEZ, Claudia. Covid-19: vacuna que llegará en enero mostró eficacia superior al 79% en ensayos clínicos de fase 3. Ojo Público, 7 Jan. 2021. Available at: https://ojo-publico.com/2389/covid-19-vacuna-que-llegara-en-enero-mostro-eficacia-superior-al-79 Access on: 3 Feb. 2021.
    » https://ojo-publico.com/2389/covid-19-vacuna-que-llegara-en-enero-mostro-eficacia-superior-al-79
  • CHINA ofrece a Perú apoyo científico para enfrentar el coronavirus. Andina: Agencia Peruana de Notícias, 2 May 2020. Available at: https://andina.pe/agencia/noticia-china-ofrece-a-peru-apoyo-cientifico-para-enfrentar-coronavirus-795574.aspx%20l Access on: 3 Jan. 2021.
    » https://andina.pe/agencia/noticia-china-ofrece-a-peru-apoyo-cientifico-para-enfrentar-coronavirus-795574.aspx%20l
  • CHINA ofrecerá ayuda al Perú para combatir e l Coronavirus. El Comercio, 1 Apr. 2020. Available at: https://elcomercio.pe/videos/pais/china-ofrecera-ayuda-al-peru-para-combatir-el-coronavirus-video-noticia/ Access on: 15 Apr. 2020.
    » https://elcomercio.pe/videos/pais/china-ofrecera-ayuda-al-peru-para-combatir-el-coronavirus-video-noticia/
  • CHING-HWANG, Yen. Chinese coolie emigration, 1845-74. In: Chee-Beng, Tan (ed.). Routledge handbook of the Chinese diaspora. New York: Routledge, 2013. p.73-88.
  • CORRESPONDENCE to the director of the Public Charitable Society. Sociedad de Beneficencia Pública del Callao, box 2, folder 74 (Archivo General de la Nación, Lima). 1902.
  • COVID-19: ¿Por qué el Perú es el único país en Latinoamérica que ha adquirido la vacuna de Sinopharm? El Comercio, 13 Jan. 2021. Available at: https://elcomercio.pe/lima/sucesos/covid-19-por-que-peru-es-el-unico-pais-de-latinoamerica-que-ha-adquirido-las-vacunas-de-la-china-sinopharm-noticia/ Access on: 3 Feb. 2021.
    » https://elcomercio.pe/lima/sucesos/covid-19-por-que-peru-es-el-unico-pais-de-latinoamerica-que-ha-adquirido-las-vacunas-de-la-china-sinopharm-noticia/
  • CRÓNICA. Llegada de chinos. El Comercio, p.1, 19 Oct. 1904.
  • CRÓNICA. La peste bubónica en Pacasmayo. El Comercio, p.3, 15 Aug. 1903.
  • CRÓNICA. Callejón de Otayza. El Comercio, p.2, 23 May 1903.
  • CRÓNICA. Mueran las ratas. El Comercio, p.2, 11 Feb. 1903.
  • CUETO, Marcos. El regreso de las epidemias: salud y sociedad en el Peru del siglo XX. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 1997.
  • CUETO, Marcos; PALMER, Steven. Medicine and public health in Latin America: a history. New York: Cambridge University Press, 2015.
  • CUSHMAN, Gregory T. Los señores del guano: una historia ecológica global del Pacífico. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 2018.
  • DE REGRESO a la patria: viaje de la Lothair. El Comercio, p.2, 1 Nov. 1903.
  • DRINOT, Paulo. The allure of labor: race, and the making of the Peruvian State. Durham: Duke University Press, 2011.
  • EL CALLEJÓN de Otaiza. Variedades, v.4, n.63, p.254-256, 1909.
  • EL VIAJE del Lothian. El Comercio, p.3, 6 July 1909.
  • GIANELLA, Camila; GIDEON, Jasmine; ROMERO, María José. What does covid-19 tell us about the Peruvian health system? Canadian Journal of Development Studies/Revue Canadienne d’Étudesdu Développement, 7 Dec. 2020. Available at: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/02255189.2020.1843009 Access on: 3 Jan. 2021.
    » https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/02255189.2020.1843009
  • GLICK, Clarence. Sojourners and settlers: Chinese migrants in Hawaii. Honolulu: The University Press of Hawaii, 1989.
  • HSU, Hua. The muddled history of anti-Asian violence. The New Yorker, 28 Feb. 2021. Available at: https://www.newyorker.com/culture/cultural-comment/the-muddled-history-of-anti-asian-violence Access on: 17 Mar. 2021.
    » https://www.newyorker.com/culture/cultural-comment/the-muddled-history-of-anti-asian-violence
  • HUAMÁN, Gianfranco. Cifras de la pandemia: covid-19 se extiende por Sudamérica. Ojo Público, 17 Mar. 2020. Available at: https://ojo-publico.com/1670/cifras-de-la-pandemia-covid-19-se-extiende-por-sudamerica Access on: 17 Mar. 2021.
    » https://ojo-publico.com/1670/cifras-de-la-pandemia-covid-19-se-extiende-por-sudamerica
  • INGA, Sally; CARCELÉN, Carlos. La epidemia de fiebre amarilla en el puerto del Callao durante 1868. Espiral, v.1, n.2, p.192-193, 2019.
  • INTERESES GENERALES. Inmigración. El Comercio, p.3, 27 Oct. 1904.
  • KOOP, Fermín at al. América Latina pide ayuda médica a China para combatir el coronavirus. Diálogo Chino, 6 Apr. 2020. Disponível em: https://dialogochino.net/es/comercio-y-inversiones-es/34665-america-latina-pide-ayuda-medica-a-china-para-combatir-el-coronavirus/ Acesso em: 3 Feb. 2021.
    » https://dialogochino.net/es/comercio-y-inversiones-es/34665-america-latina-pide-ayuda-medica-a-china-para-combatir-el-coronavirus/
  • LA PLAGA bubónica. Actualidades, v.1, n.18, p.266-267, 1903.
  • LA SITUACIÓN sanitaria. El Comercio, p.3, 17 June 1904.
  • LAUSENT-HERRERA, Isabelle. The Chinatown in Peru and the changing Peruvian Chinese community(ies). Journal of Chinese Overseas, v.7, n.1, p.69-113, 2011.
  • LOBO, Susan. Tengo casa propia: organización social en las barriadas de Lima. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 1984.
  • LÓPEZ-CALVO, Ignacio. Dragons in the land of the Condor: writing tusán in Peru. Tucson: University of Arizona Press, 2014.
  • LOSSIO, Jorge. Acequias y gallinazos: salud ambiental en Lima del siglo XIX. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 2003.
  • MANKY, Omar. Los trabajadores informales. In: Burga, Manuel; Portocarrero, Felipe; Panfichi, Aldo (coord.). Por una nueva convivencia: la sociedad peruana en tiempos del covid-19: escenarios, propuestas de política y acción pública. Lima: Fondo Editorial PUCP, 2020. p.23-39.
  • MARTÍN VIZCARRA revela que presidente de China está dispuesto a apoyar al Perú. ATV Notícias, 31 Mar. 2020. Available at: https://www.youtube.com/watch?v=5fjO_CNdcFc Access on: 15 Apr. 2020.
    » https://www.youtube.com/watch?v=5fjO_CNdcFc
  • MCKEOWN, Adam. Chinese migrant networks and cultural change: Peru, Chicago, Hawaii, 1900-1936. Chicago: University of Chicago Press, 2001.
  • MCKEOWN, Adam. Inmigración china al Perú: exclusión y negociación. Histórica, v.20, n.1, p.59-91, 1996.
  • MENDIGOS asiáticos. El País, p.2, 28 Oct. 1884.
  • MIRANDA, Oscar. Los tusanes también viven el racismo. La República, 23 Aug. 2020. Available at: https://larepublica.pe/domingo/2020/08/23/los-tusanes-tambien-viven-el-racismo/?ref=lre Access on: 21 June 2021.
    » https://larepublica.pe/domingo/2020/08/23/los-tusanes-tambien-viven-el-racismo/?ref=lre
  • MOHAN, Geeta. Brazil to send plane to get 2 million doses of AstraZeneca vaccine from Serum Institute of India. India Today, 16 Jan. 2021. Available at: https://www.indiatoday.in/coronavirus-outbreak/vaccine-updates/story/brazil-sends-plane-to-get-vaccines-from-india-1759664-2021-01-16 Access on: 3 Feb. 2021.
    » https://www.indiatoday.in/coronavirus-outbreak/vaccine-updates/story/brazil-sends-plane-to-get-vaccines-from-india-1759664-2021-01-16
  • MONTT STRABUCCHI, María; CHAN, Carol. Many-faced Orientalism: racism and Xenophobia in a time of the Novel Coronavirus in Chile. Asian Ethnicity, p.1-22, 2020.
  • MUÑOZ, Fanni. Diversiones públicas en Lima, 1890-1920: la experiencia de la modernidad. Lima: PUCP; IEP; Universidad del Pacífico, 2001.
  • PALMA, Patricia. Unexpected healers: Chinese medicine in the age of global migration (Lima and California, 1850-1930). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.25, n.1, p.13-31, 2018.
  • PALMA, Patricia; RAGAS, José. Enclaves sanitarios: higiene, epidemias y salud en el barrio chino de Lima, 1880-1910. Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, v.45, n.1, p.159-190, 2018.
  • PARKER, David. Civilizing the City of Kings: hygiene and housing in Lima, Peru. In: Pineo, Ronn; Baer, James (ed.). Cities of hope: people, protest and progress in urbanizing Latin America, 1870-1930. Boulder: Westview Press, 1998. p.153-178.
  • PERÚ abre la puerta a contratar médicos extranjeros para enfrentar covid-19. El Día, 12 Abr. 2020. Available at: http://www.diarioeldia.cl/mundo/peru-abre-puerta-contratar-medicos-extranjeros-para-enfrentar-covid-19 Access on: 15 Apr. 2020.
    » http://www.diarioeldia.cl/mundo/peru-abre-puerta-contratar-medicos-extranjeros-para-enfrentar-covid-19
  • PERU autoriza la reanudación de los ensayos de la vacuna de Sinopharm. El Comercio, 16 Dec. 2020. Available at: https://www.elcomercio.com/actualidad/peru-autoriza-reanudacion-ensayos-vacuna.html Access on: 3 Jan. 2021.
    » https://www.elcomercio.com/actualidad/peru-autoriza-reanudacion-ensayos-vacuna.html
  • PERÚ: la peste bubónica declarada. La Voz del Sur, p.2, 9 May 1903.
  • PILAR MAZZETTI recibió a científicos de Sinopharm de China para iniciar ensayos clínicos de la vacuna contra la covid-19 en Cayetano. UPCH Notícias, 5 Sep. 2020.Disponível em: https://investigacion.cayetano.edu.pe/prensa/291-pilar-mazzetti-recibio-a-cientificos-de-sinopharm-de-china-para-iniciar-ensayos-clinicos-de-la-vacuna-contra-la-covid-19-en-cayetano Access on: 3 Jan. 2021.
    » https://investigacion.cayetano.edu.pe/prensa/291-pilar-mazzetti-recibio-a-cientificos-de-sinopharm-de-china-para-iniciar-ensayos-clinicos-de-la-vacuna-contra-la-covid-19-en-cayetano
  • RAMÓN, Gabriel. La muralla y los callejones: intervención urbana y proyecto político en Lima durante la segunda mitad del siglo XIX. Lima: Promperu; Sidea, 1999.
  • REGRESO de chinos a su país. Variedades, v.5, n.71, p.456-457, 1909.
  • RISSE, Guenter. Plague, fear, and politics in San Francisco’s Chinatown. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2012.
  • RODRÍGUEZ PASTOR, Humberto. La calle Capón, el callejón Otaiza y el barrio chino. In: Panfichi, Aldo; Portocarrero, Felipe (ed.). Mundos interiores: Lima, 1850-1950. Lima: Universidad del Pacífico, 1999. p.397-430.
  • RODRÍGUEZ PASTOR, Humberto. Hijos del celeste imperio en el Perú, 1850-1900. Lima: Sur Casa de Estudios del Socialismo, 1989.
  • SARRÍN, Marcos. La grippe boliviana en Moquegua. Variedades, n.597, p.20, 9 Aug. 1919.
  • SHAH, Nayan. Contagious divides: epidemics and race in San Francisco’s Chinatown. Berkeley: University of California Press, 2001.
  • SOUCHON, Edmond. La peste bubónica: puntos de especial interés para los cuerpos sanitarios. La Crónica Médica, v.17, n.227, p.94, 1900.
  • STEWART, Watt. Chinese bondage in Peru: a history of the Chinese coolie in Peru, 1849-1874. Durham: Duke University Press. 1951.
  • SURCO: motociclistas de app por delivery no respetaron distanciamiento social dentro de local de revisiones técnicas. El Comercio, 15 Abr. 2020. Available at: https://elcomercio.pe/lima/sucesos/surco-motociclistas-de-app-por-delivery-no-respetaron-distanciamiento-social-dentro-de-local-de-revisiones-tecnicas-l-video-nndc-noticia/ Access on: 27 May 2020.
    » https://elcomercio.pe/lima/sucesos/surco-motociclistas-de-app-por-delivery-no-respetaron-distanciamiento-social-dentro-de-local-de-revisiones-tecnicas-l-video-nndc-noticia/
  • TEATRO CHINO. Boletín Municipal de Lima, v.5, n.465, p.620, 1889.
  • TEATRO PRINCIPAL. El Comercio, p.1, 19 Nov. 1896.
  • VALDIVIA, Milagros. Acciones estatales antes y durante la epidemia de cólera de 1991. In: Lossio, Jorge; Barriga, Eduardo (ed.). Salud pública en el Perú del siglo XX: paradigmas, discursos y políticas. Lima: Instituto Riva-Agüero, 2017. p.111-122.
  • VALLADARES, Odalis. Inmigrantes chinos en Lima: teatro, identidad e inserción social, 1870-1930. Lima: Universidad Nacional Mayor de San Marcos, 2012.
  • VAZQUEZ, Maegan; KLEIN, Betsy. Trump again defends use of the term “China virus”. CNN, 19 Mar. 2020. Available at: https://edition.cnn.com/2020/03/17/politics/trump-china-coronavirus/index.html Access on: 15 Apr. 2020.
    » https://edition.cnn.com/2020/03/17/politics/trump-china-coronavirus/index.html
  • VERGARA, Alberto. La crisis de la covid-19 como Aleph peruano. In: Pettinà, Vanni; Rojas, Rafael (ed.). América Latina: del estallido social a la implosión del económica y sanitaria post-covid-19. Lima: Planeta, 2020. p.27-42.
  • VISITA HIGIÉNICA en el callejón Otaiza. Boletín Municipal de Lima, v.3, n.127, p.23, 1887.
  • ZULAWSKI, Ann. Unequal cures: public health and political change in Bolivia, 1900-1950. Durham, NC: Duke University Press, 2007.

NOTAS

  • Translated by Claudia Freire.
  • 1
    Sobre medicina e etnicidade, ver: Zulawski (2007)ZULAWSKI, Ann. Unequal cures: public health and political change in Bolivia, 1900-1950. Durham, NC: Duke University Press, 2007.. Sobre a tendência de culpar vítimas com base em raça ou orientação sexual, ver Cueto, Palmer (2015CUETO, Marcos; PALMER, Steven. Medicine and public health in Latin America: a history. New York: Cambridge University Press, 2015., p.262-263).
  • 2
    Como a maioria de imigrantes asiáticos no Peru era composta por chineses, os termos “asiático” e “chinês” passaram a ser usados de modo intercambiável pelas autoridades e pela mídia local. Somente ao final do século XIX uma incipiente diáspora japonesa viria a quebrar esse monopólio. Até mesmo em termos numéricos, nunca ultrapassou o de descendentes chineses. Esse pequeno número de imigrantes japoneses e sua falta de envolvimento no setor médico talvez expliquem por que a comunidade japonesa no Peru não foi submetida a ataques perversos como os sofridos pelos chineses.
  • 3
    Vacunagate foi um escândalo político envolvendo o ex-presidente Martín Vizcarra e outras autoridades do primeiro escalão. Um jornalista revelou que ainda durante seu mandato, o presidente Vizcarra pediu para ser vacinado, junto com sua esposa. Mais tarde, veio à tona uma lista de cerca de quinhentas pessoas que haviam recebido a vacina da Sinopharm por vias irregulares.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2020
  • Aceito
    1 Ago 2021
Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz Av. Brasil, 4365, 21040-900 , Tel: +55 (21) 3865-2208/2195/2196 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: hscience@fiocruz.br