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30 anos de direitos da criança e do adolescente: uma análise da trajetória da política pública no Brasil

30 years of children and adolescents’ rights: an analysis of the trajectory of public policy in Brazil

30 años de derechos del niño y del adolescente: un análisis de la trayectoria de la política pública en Brasil

30 ans de droits de l’enfant et de l’adolescent : une analyse de la trajectoire de la politique publique au Brésil

O Brasil é reconhecido por possuir um marco regulatório avançado em termos de defesa dos direitos da criança e do adolescente, porém os desafios cotidianos para colocá-lo em prática ainda são imensos. Diante disso, como compreender esse gap entre regulação e prática? Este artigo propõe responder essa questão ancorando-se numa perspectiva pragmatista de análise, com a utilização do método da cartografia das controvérsias para o exame dessa política pública. Trata-se de retraçar a trajetória do debate nas arenas públicas que a compõem historicamente, buscando analisá-lo a partir dos principais porta-vozes, argumentos, controvérsias e visões de mundo presentes no debate público. Os resultados evidenciam como a ação pública nesse campo se (re) configura, a partir de processos de disputa e de estabilização, nesses 30 anos, identificando seus avanços e limites. As conclusões do estudo contribuem para identificar os desafios dessa política pública e demonstram que esta ocorre na interconexão de níveis, de formas de regulação e de redes de atores, o que implica uma revisão dos métodos tradicionais adotados na análise de políticas públicas.

análise de políticas públicas; arena pública; cartografia de controvérsias; direitos da criança e do adolescente; Brasil


Abstract

Brazil is recognized for having an advanced regulatory framework in terms of guarantees of rights of children and adolescents. However, the daily challenges to put this framework into practice are still immense. How do we explain this gap between regulation and practice? To answer this question, this article proposes an analytical and theoretical approach anchored in a pragmatist perspective, using the method of cartography of controversies in the analysis of this public policy. This entails retracing the trajectory of the debate in the public arenas that compose this policy historically, seeking to analyze it from the main spokespersons, arguments, controversies, and worldviews present in the public debate. The results allow us to understand how public action in this field has been (re-)configured in the past 30 years, by dispute and stabilization processes, identifying its advances and limits. The conclusions of the study contribute to an understanding of the challenges of this policy, showing that these emerge in the interconnection of levels, forms of regulation, and networks of actors; this requires a review of the traditional conceptions adopted in the analysis of public policies.

public policy analysis; public arena; cartography of controversies; rights of children and adolescents; Brazil

Resumen

Brasil es reconocido por tener un marco regulatorio avanzado en términos de defensa de los derechos de niños y adolescentes, pero los desafíos diarios para ponerlo en práctica aún son inmensos. Ante esto, ¿cómo explicar esta brecha entre la regulación y la práctica? Para responder esta pregunta, este estudio está anclando en una perspectiva pragmatista de análisis, utilizando el método de cartografía de controversias para examinar esta política pública. Se trata de (re) trazar la trayectoria del debate en las arenas públicas históricamente, buscando analizarla desde los principales portavoces, argumentos, controversias y visiones del mundo presentes en el debate público. Los resultados permiten comprender cómo la "acción pública" en este campo está (re) configurada en estos 30 años, a partir de procesos de disputa y de estabilización, identificando sus avances y límites. Las conclusiones contribuyen para comprender los retos de esta política pública y muestran que lo mismo ocurre en la interconexión de niveles, formas de regulación y redes de actores, lo que implica una revisión de los métodos tradicionales usados en análisis de políticas públicas.

análisis de políticas públicas; arena pública; cartografia de controversias; derechos de niños y adolescentes; Brasil

Resumé

Le Brésil est reconnu pour avoir un cadre légal avancé en termes de défense des droits des enfants et des adolescents, mais les défis quotidiens pour le mettre en pratique sont encore immenses. Dans ce contexte, comment expliquer cet écart entre régulation et pratique ? Pour répondre à cette question cette étude est ancrée dans une perspective pragmatiste d´analyse, en utilisant la méthode de cartographie des controverses pour examiner cette politique publique. Il s'agit de retracer historiquement la trajectoire du débat dans les arènes publiques qui la composent en cherchant à l’analyser à partir des principaux porte-paroles, arguments, controverses et visions de monde présents dans le débat public. Les résultats permettent de comprendre comment l'action publique dans ce domaine est (re)configurée au cours de ces 30 années, par le biais de processus de dispute et de stabilisation, en identifiant ses avancées et ses limites. Les conclusions contribuent à comprendre les enjeux de cette politique publique et montrent qu'elle est performée dans l'interconnexion des niveaux, des formes de régulation et des réseaux d'acteurs, ce qui implique une révision des méthodes traditionnelles adoptées dans l'analyse des politiques publiques.

analyse des politiques publiques; arène publique; cartographie des controversies; droits des enfants et des adolescents; Brésil

Introdução

Em novembro de 2019, completaram-se 30 anos da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), ocasião em que se aprovou a Convenção dos Direitos da Criança (CDC), a qual serviu de base para que diversos países estruturassem os dispositivos legais e as políticas públicas para defesa dos direitos da criança e do adolescente ( Lieffard; Nielsen, 2017Lieffard, T.; Nielsen, J. The United Nations Convention on the rights of the child: taking stock after 25 years and looking ahead. Boston: Brill/Nijhoff, 2017. ). Como discute Muntarbhorn (2017)Muntarbhorn, V. The convention on the rights of the child: 25 years and beyond. In: Lieffard, T.; Nielsen, J. The United Nations Convention on the Rights of the Child: taking stock after 25 years and looking ahead. Boston: Brill/Nijhoff, 2017. , o CDC causou um impacto significativo desde a sua implementação, gerando reformas nas legislações nacionais, nas jurisprudências nacional e regional e influenciando na implementação de políticas públicas, bem como na agenda de desenvolvimento internacional, notadamente, por meio dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Porém, apesar desses avanços, também há um consenso na literatura quanto às inúmeras barreiras para a efetiva implementação dessas diretrizes.

No contexto da América do Sul, os desafios são enormes já que a região apresenta altos índices de desigualdade social. Dos 20 países socialmente mais desiguais do mundo, cinco estão na América do Sul, dentre os quais se destaca o Brasil, em 12º lugar. Na América Latina (AL), 40,5% das crianças e adolescentes vivem na pobreza (70,5 milhões de pessoas). Desse total, 16,3% (28,3 milhões) enfrentam extrema pobreza. Em outras palavras, uma em cada seis crianças e adolescentes é extremamente pobre na região, acarretando uma série de violações dos seus direitos básicos (Kamimura; Santos; Ballesteros, 2017). Analisando a realidade da AL, Bácares Jara (2019Bácares Jara, C. B. “Los derechos de los niños, niñas e adolescents: une reflexión sobre las resistencias, fenómenos y atores que los modulan, determinas e aplazan en America Latina”. Infâncias. Imagenes, n° 1 p. 51-67, ene.-jun., 2019. , p. 52) afirma que a aplicação da CDC nessa região foi “parcial, truncada e com avanços muito pouco expressivos”. Isso se evidencia nas recomendações do comitê dos direitos da criança (ONU, 2019), nos informes apresentados pelos países latino-americanos ( UNICEF, 2006Unicef. Compilacion des observaciones finales del Comitê de los Derechos del Niño sobre países em America Latina y el Caribe (1993-2006). Santiago de Chile: Unicef, 2006. ), bem como nos estudos produzidos pela própria UNICEF (2006Unicef. Compilacion des observaciones finales del Comitê de los Derechos del Niño sobre países em America Latina y el Caribe (1993-2006). Santiago de Chile: Unicef, 2006. ; 2016), que trazem dados demonstrando que a efetivação dos direitos das crianças e adolescentes, em muitos casos, não avançaram e resultaram insuficientes para melhorar suas condições de vida.

Inserido nesse cenário, o Brasil aderiu às diretrizes da CDC ainda no ano de 1990, sendo considerado mundialmente como um dos países que possui um marco regulatório sintonizado com essas diretrizes, implementado principalmente por meio do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Segundo Kamimura, Santos e Ballesteros (2017), o ECA é o marco mais avançado na América do Sul no que se refere à garantia dos direitos da criança e do adolescente e o Brasil se destaca por possuir o maior número de leis para promoção dos direitos do público infanto-juvenil.

A política pública do Brasil nessa área também se sobressai. Por meio da resolução 113 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), a política de proteção integral a crianças e adolescentes no Brasil foi institucionalizada, propondo a articulação de uma rede de organizações governamentais e não governamentais que devem atuar de forma colaborativa para fazer funcionar o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA). Compete aos atores que formam a rede do SGDCA promover, defender e controlar a efetivação dos direitos da criança e do adolescente em sua integralidade. De acordo com a referida resolução, as organizações do poder público e da sociedade civil devem atuar de forma colaborativa, a partir de três eixos estratégicos de ação: i) promoção; ii) defesa; e iii) controle da efetivação dos direitos.

Em 2020, o ECA completou 30 anos de sua promulgação. Mesmo sendo considerado um dispositivo legal avançado e tendo sido implementado por uma política pública inovadora, a partir de um modelo de governança em rede, na prática, a sua operacionalização encontra diversos obstáculos para a efetiva garantia dos direitos da criança e do adolescente. A desigualdade social é apontada pela Fundação Abrinq (2019)Fundação Abrinq. Cenário da Infância e da adolescência no Brasil 2019. São Paulo: Fundação Abrinq, 2019. como um dos principais fatores que levam à violação dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil, com uma grande disparidade na situação dessa população entre as diversas regiões do país.

Dentre os desafios nacionais, de acordo com o relatório da UNICEF Brasil (2018)Unicef Brasil. Pobreza na infância e na adolescência. São Paulo: Unicef Brasil, 2018. , 6 em cada 10 crianças no país vivem em situação de pobreza; 3,8 milhões de crianças e adolescentes, de 4 a 17 anos, estão fora da escola ( IBGE, 2010Ibge. Censo Demográfico – 2010: Características da população e dos domicílios. Resultados do universo. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. ). Além disso, 14 casos de violência contra essa parcela da população são registrados a cada hora por meio do Disque 100 (canal de comunicação de denúncias do governo federal). Os homicídios são a principal causa de morte entre adolescentes. Segundo relatório do Ministério de Direitos Humanos, 3.749 adolescentes entre 16 e 17 anos foram vítimas de homicídios no país em 2013, o que implica uma média de 10,3 adolescentes mortos por dia ( Passos, 2018Passos, T. C. A. Letalidade infanto-juvenil: dados da violência e políticas públicas existentes – Documento eletrônico – Brasília: Ministério dos Direitos Humanos, 2018, 110 p. Disponível em: <https://www.gov.br/mdh/pt-br/centrais-de-conteudo/consultorias/conada/letalidade-infanto-juvenil-dados-da-violencia-e-politicas-publicas-existentes>. Acesso em: 11 maio 2021.
https://www.gov.br/mdh/pt-br/centrais-de...
). Essa violência atinge, sobretudo, meninos e meninas negros, cuja taxa de homicídio chega a ser quase quatro vezes maior do que entre os adolescentes brancos ( UNICEF, 2016Unicef. The State of the World's Children 2016: a fair chance for every child. New York: Unicef, 2016. ). Toda essa situação de vulnerabilidade se agrava ainda mais atualmente com a pandemia de COVID-19 e se considerarmos que muitos desses crimes nunca chegam a ser denunciados.

Diante desse quadro de descompasso entre o avanço em termos de regulação e a situação cotidiana vivida por crianças e adolescentes no Brasil, este artigo tem como objetivo fazer um balanço dos 30 anos de implementação do ECA, buscando reconstituir a trajetória da política pública de garantia de direitos da criança e do adolescente no Brasil nesse período, analisando seus avanços e limites. Para tanto, o enfoque teórico-analítico adotado baseia-se em uma lente pragmatista ( Ansell, 2011Ansell, C. Pragmatist democracy: evolutionary learning as public philosophy. Oxford: Oxford Scholarship Online, 2011. ; Cefaï; Terzi, 2012Cefaï, D.; Terzi, C. L’expérience des problèmes publics. Paris: Perspectives Pragmatistes, 2012. ) e utiliza-se o método denominado de cartografia das controvérsias ( Lemieux, 2017Lemieux, C. “Para que serve a análise de controvérsias?”. Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – UFJF, vol. 11, n° 3, 2017. ; Chateauraynaud, 2009Chateauraynaud, F. Public controversies and the pragmatics of protest. Towards a ballistic of collective action. Paris: EHESS, 2009. , 2011Chateauraynaud, F. Argumenter dans un champ de forces. Essai de balistique sociologique. Paris: Pietra, 2011. , 2017Chateauraynaud, F. “A captura como experiência. Investigações pragmáticas e teorias do poder”. RBCS. vol. 32, n° 95, 2017. ; Venturini, 2010Venturini, T. “Diving in magma: how to explore controversies with actor-network theory”. Public understanding of science, vol. 19, n° 3, p. 258-273, 2010. , 2012Venturini, T. “Building on faults: how to represent controversies with digital methods”. Public Understanding of Science, vol. 21, n° 7, p. 796-812, 2012. ; Latour, 2012Latour, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA, 2012. , 2014Latour, B. Course: scientific humanities. Paris: Sciences Po, 2014. ; Venturini; Munk, 2021Venturini, T.; Munk, A. K. Controversy mapping. A field guide. Cambridge: Polity Press, 2021. ) aplicado para análise da trajetória dessa política pública, com ênfase no debate público sobre ela, considerando o período de 1985, após a abertura democrática no Brasil, até 2020, quando o ECA completou três décadas de sua aplicação.

Para tanto, o artigo se estrutura em quatro seções além dessa introdução. Na próxima, adentra-se brevemente nas tradições analíticas no campo de estudos das políticas públicas, de modo a evidenciar as contribuições e particularidades da leitura pragmatista aqui adotada. Em seguida, discute-se o método da cartografia das controvérsias e como ele foi aplicado neste artigo. Então, na seção quatro, os resultados são apresentados e discutidos, buscando evidenciar a trajetória (não linear) dessa política pública, a partir de uma análise que relaciona o debate público com o debate científico e os marcos legais implementados no campo. Tudo isso permite discutir, nas considerações finais, os avanços e os limites dessa política nesses 30 anos, lançando pistas para novos estudos, para reflexão e ação daqueles que atuam na promoção dos direitos das crianças e adolescentes no Brasil e para pensar novas agendas de pesquisa na área.

Interrogando as tradições epistêmicas na análise das políticas públicas: por uma leitura pragmatista

Adotando uma perspectiva pragmatista de análise de políticas públicas, busca-se neste artigo recuperar a trajetória da política de garantia de direitos da criança e do adolescente no país. Trata-se de produzir uma compreensão dos argumentos e dos sentidos ( Chateauraynaud, 2011Chateauraynaud, F. Argumenter dans un champ de forces. Essai de balistique sociologique. Paris: Pietra, 2011. ; Fischer, 2013Fischer, F. “L’expertise politique et le tournant argumentatif. Vers um approche deliberative de l´analyse des politiques publiques”. Revue Française ds Sciences Politiques, vol. 36, p. 579-601, 2013. ), de forma articulada, com a análise das experiências, dos dispositivos e das práticas executadas pelos atores e porta-vozes que se mobilizam nas arenas públicas que performam essa política ( Cefaï, 2002Cefaï, D. Qu’est-ce qu’une arène publique? Quelques pistes pour une approche pragmatiste. In: Cefaï, D.; Joseph, I. (eds.). L’Héritage du pragmatisme. Conflits d’urbanité et épreuves de civisme. La Tour d’Aigues: Éditions de l’Aube, p. 15-47, 2002. ; Cefaï; Terzi, 2012Cefaï, D.; Terzi, C. L’expérience des problèmes publics. Paris: Perspectives Pragmatistes, 2012. ). Em outras palavras, busca-se reconstituir a “balística” do problema público4 4 A balística dos problemas públicos é aqui analisada a partir da noção desenvolvida por Chateauraynaud (2011) . O autor propõe um método de análise das ações coletivas que permite uma certa modelização, deixando abertas as trajetórias possíveis desses problemas. A balística, como no caso de um projétil, refere-se às direções que assumem a trajetória dos problemas públicos, considerando a realidade socio-histórica das disputas e a maneira como os atores orientam e reorientam as causas nessa realidade. Segundo o autor, um dos principais recursos capazes de dar uma nova direção às trajetórias refere-se à capacidade argumentativa dos protagonistas ou porta-vozes, capacidade que não é dada a priori, mas que se desenvolve em contextos institucionais, mais ou menos favoráveis a essas argumentações. , bem como da política pública, considerando a sua historicidade.

Para explicitar essa lente pragmatista, faz-se necessário brevemente localizá-la frente às perspectivas teóricas tradicionalmente adotadas na análise das políticas públicas. Como discutem, entre outros, Ansell (2011Ansell, C. Pragmatist democracy: evolutionary learning as public philosophy. Oxford: Oxford Scholarship Online, 2011. , 2012Ansell, C. “What is a democratic experiment”. Contemporary Pragmatism, vol. 9, n° 2, p. 159-180, December, 2012. ), Howlett, Ramesh e Perl (2013) e Howlett (2019)Howlett, M. “Moving policy implementation theory foward. A multiple streams/critical juncture approach”. Public policy and administration, vol. 34, n° 4, p. 405-430, 2019. , em âmbito internacional, e Souza (2007)Souza, C. Estado da arte da pesquisa em políticas públicas. In: Hochman, G.; Arretche, M.; Marques, E. (orgs.). Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, p. 65-86, 2007. , Farah (2016)Farah, M. F. “Análise de políticas públicas no Brasil: de uma prática não nomeada à institucionalização do ‘campo de públicas’”. RAP – Revista de Administração Pública, vol. 50, n° 6, p. 959-979, 2016. e Almeida e Gomes (2019)Almeida, L. A.; Gomes, R. C. “Perspectivas teóricas para análise de políticas públicas: como lidam com a complexidade?”. Administração Pública e Gestão Social, vol. 11, n° 1, p. 16-27, jan.-mar., 2019. , no Brasil, o campo de estudos na análise de políticas públicas se estrutura historicamente em torno de diferentes perspectivas epistemológicas. Num primeiro momento, observa-se quase exclusivamente o predomínio da “análise racional de políticas públicas”, sob um viés positivista.

Nessa perspectiva, bastante utilizada até os anos 1980, a política pública coloca-se essencialmente como resultante de uma intervenção governamental planejada em resposta a um problema público definido a priori, sendo acompanhada, sobretudo, por meio de dados estatísticos oficiais. Como afirma Howlett (2019Howlett, M. “Moving policy implementation theory foward. A multiple streams/critical juncture approach”. Public policy and administration, vol. 34, n° 4, p. 405-430, 2019. , p. 407), presume-se neste caso que a política pública seria gerida por “servidores públicos técnicos e neutros, de forma efetiva e eficiente, e que esses mobilizariam todos os recursos e conhecimentos para realizá-la a partir do próprio governo”. Aqui importa analisar o ciclo evolutivo ou os estágios da política ( Laswell, 1951Laswell, H. D. “The immediate future of research policy and method in Political Science”. American Political Science Review, vol. 45, n° 1, p. 133-142, 1951. ) e explicar, por meio dessa análise, a coerência ou os gaps entre o planejado e o implementado, com ênfase na mensuração dos resultados e do impacto das políticas. No caso da implementação, ou do que realmente acontece no exercício da política pública, essa é muitas vezes interpretada, de forma residual, como uma “barreira” para a efetiva execução das decisões governamentais, já que está sempre sendo avaliada em relação ao que foi planejado e não se leva em conta muitas vezes a riqueza e os aprendizados dessa experiência na análise ( Arretche, 2001Arretche, M. T. S. Uma contribuição para fazermos avaliações menos ingênuas. In: Barreira, M. C. R. N.; Carvalho, M. C. B. Tendências e perspectivas na avaliação de políticas e programas sociais. São Paulo: IEE/PUC, 2001. ).

A análise racional de políticas públicas se modernizou e se diversificou muito a partir dos anos 1980, surgindo novas abordagens que trouxeram à tona novas vias teóricas e analíticas, inspiradas nas discussões mais atuais da economia neoclássica. Destaca-se, por exemplo, a aplicação da teoria dos jogos para compreensão da implementação das políticas públicas, com vistas a prever e determinar o bom comportamento administrativo em termos de regulação e compliance política ( Scholz, 1991Scholz, J. T. “Cooperative regulatory enforcement and the politics of administrative effectiviness”. American Political Science Review, vol. 85, n° 1, p. 115-136, 1991. ) bem como a aplicação da teoria do agente e do principal ( Jensen; Meckling, 1976Jensen, M. C.; Meckling, W. H. “Theory of the firm: managerial behavior, agency costs and ownership structure”. Journal of Financial Economics, vol. 3, n° 4, 1976. ; Francis, 1993Francis J. G. The politics of regulation: a comparative perspective. Oxford: Wiley-Blackwell, 1993. ; Banks, 1995Banks, J. S. The design of institutions. In: Weimer, D. L. (ed.) Institutional Design. Boston: Kluwer, p. 17-36, 1995. ) e da teoria da escolha pública ( Buchanan, 1980Buchanan, J. Rent seeking and profit seeking. In: Buchanan, J., et al (eds.). The economics of politics. London: Instittute of Economic Affairs, 1980. ; Self, 1985Self, P. Political theories of modern government. Its role and reform. London: Allenm and Unwin, 1985. ) para a análise da gestão de políticas públicas em diferentes campos.

Nesse processo de desenvolvimento teórico do campo, uma segunda perspectiva epistemológica emerge a partir dos anos 1980 e 1990, em contraponto a essa primeira, relacionada a “estudos interpretativos de políticas públicas” que assumem um viés antipositivista de análise (Howlett; Ramesh; Perl, 2013), amparando-se em métodos qualitativos. Nesse conjunto, também se inserem múltiplas correntes teóricas bastante distintas. Em comum, essa perspectiva concebe a política pública enquanto processo político e simbólico, colocado em prática por diferentes atores e permeada por subjetividades, conflitos e jogos de interesse. Tais abordagens fazem um diálogo com a ciência política e com as demais ciências socias, focalizando nos problemas públicos e nos processos do “fazer política”, levando em conta outras variáveis nessa análise como os valores, a influência da mídia, as coalizões políticas e a opinião pública ( Almeida; Gomes, 2019Almeida, L. A.; Gomes, R. C. “Perspectivas teóricas para análise de políticas públicas: como lidam com a complexidade?”. Administração Pública e Gestão Social, vol. 11, n° 1, p. 16-27, jan.-mar., 2019. ). Nesse conjunto de estudos, destacam-se como exemplos a teoria dos múltiplos fluxos ( Kingdon, 1984Kingdon, J. W. Agendas, alternatives and public policies. Boston: Little, Brown, 1984. ), a teoria de coalizões de advocacy ( Sabatier; Jenkins-Smith, 1993Sabatier, P. A.; Jenkins-Smith, H. C. (org.). Policy change and learning: an advocacy coalition approach. Bouder, Colo: Westview Press, 1993. ; Sabatier, 1988Sabatier, P. A. “An advocacy coalition framework of policy change and the role of policy-oriented learning”. Policy Sciences, vol. 21, n° 2, p. 129-168, 1988. ), bem com a “virada argumentativa” capitaneada por Fischer (2013)Fischer, F. “L’expertise politique et le tournant argumentatif. Vers um approche deliberative de l´analyse des politiques publiques”. Revue Française ds Sciences Politiques, vol. 36, p. 579-601, 2013. , na qual se valoriza a análise discursiva das políticas públicas para produzir evidências e identificar narrativas que influenciam o debate público. Nessas análises busca-se considerar a importância dos fatores sociopolíticos para as políticas públicas e sua relação com os sistemas políticos mais amplos (Howlett; Ramesh; Perl, 2013).

Levando em conta o amplo avanço no debate e as contribuições de cada uma dessas perspectivas epistêmicas - que não teríamos como explorar exaustivamente aqui – a perspectiva pragmatista de análise das políticas públicas propõe-se transcender as dicotomias tradicionais nesse debate (e nas ciências sociais) - entre positivismo e antipositivismo, objetividade e subjetividade, estrutura e agência, quantitativo e qualitativo, top-down e bottom-up , contexto e situação, macro e micro – assumindo uma posição não normativa e não privilegiando modelos a priori de análise ( Ansell, 2011Ansell, C. Pragmatist democracy: evolutionary learning as public philosophy. Oxford: Oxford Scholarship Online, 2011. , 2012Ansell, C. “What is a democratic experiment”. Contemporary Pragmatism, vol. 9, n° 2, p. 159-180, December, 2012. ; Chateauraynaud, 2017Chateauraynaud, F. “A captura como experiência. Investigações pragmáticas e teorias do poder”. RBCS. vol. 32, n° 95, 2017. ; Zittoun, 2021Zittoun, P. A abordagem pragmática das políticas públicas. In: Porto de Oliveira, O.; Hassenteufel, P. Sociologia política da ação pública: teorias, abordagens e conceitos. Brasília: Escola Nacional de Administração Pública (Enap), 2021. ; Zittoun, Fisher; Zahariadis, 2021). No Quadro 1 , a seguir, cotejamos essas três perspectivas tomando por base publicação prévia de Andion e Magalhães (2021)Andion, C.; Magalhães, T. “(Re)aproximando os pragmatismos da análise das políticas públicas. Experimentação e investigação pública em um cenário de crise democrática”. Sociedade e Estado, vol. 36, n° 2, p. 513-543, 2021.:

Quadro 1
: Diferentes perspectivas na análise das políticas públicas

Os autores que se inspiram nessa tradição pragmatista5 5 Consideramos que os autores aqui citados no campo da administração pública e da análise de políticas públicas situam-se num movimento mais amplo de renovação que ocorre nas ciências sociais contemporâneas, discutido por autores como Cefaï (2009) , Chateauraynaud (2017) e Corrêa (2014 , 2019 ). Esse movimento não é homogêneo e é composto por diferentes tradições teóricas, como a teoria da capacidade crítica ( Boltanski; Thévenot 1991 ), a teoria da rede do ator ( Latour, 2012 ), a teoria da ação situada ( Quéré, 2002 ), apenas para citar alguns. Esse movimento tem sido caracterizado por alguns autores como uma “virada pragmática” nas ciências sociais ou como um movimento plural que estabelece novas epistemologias, posturas e caminhos metodológicos para os cientistas sociais (Frega, 2016; Corrêa, 2019 ). têm construído perspectivas de análise empíricas e menos interessadas em teorias explicativas prévias, focalizando os processos reais de experimentação na resolução de problemas públicos, buscando lidar com a indeterminação, a fluidez e a instabilidade dos processos políticos. A noção de “experimentação democrática” ( Ansell, 2011Ansell, C. Pragmatist democracy: evolutionary learning as public philosophy. Oxford: Oxford Scholarship Online, 2011. , 2012Ansell, C. “What is a democratic experiment”. Contemporary Pragmatism, vol. 9, n° 2, p. 159-180, December, 2012. ; Frega, 2019Frega, R. Pragmatism and the wide view of Democracy. Gewerbestrasse: Palgrave Macmillan, 2019. ) se inspira numa perspectiva de “investigação social” ou pública proposta por John Dewey (1950)Dewey, J. Logica. Teoría de la investigación. Mexico-Buenos Aires: Fondo de Cultura Economica, 1950. e se caracteriza pelo compartilhamento de informação recíproca e pelo monitoramento para reduzir o erro e ampliar o aprendizado, envolvendo diversas organizações, coletivos e atores governamentais e não governamentais. Tal aprendizagem não se produz em ambientes formais ou laboratórios, mas na vida real, a partir do enfrentamento de “situações problemáticas” em arenas públicas (Cefaï, 2017a, 2017b).

A política pública nessa perspectiva de análise é vista como uma hipótese de trabalho para enfrentar os problemas públicos, no quadro das democracias, tomando as teorias e os modelos analíticos como uma inspiração, mas não como “camisa de força”. Como discutem Lascoumes e Le Galès (2007Lascoumes, P.; Le Galès, P. Sociologie de l´action publique. Maceió: EDUFA, 2007. , p. 12), a política pública deixa de ser percebida “como um programa estrito e racional” e passa a ser interpretada enquanto “experimentação a ser observada, quando é colocada em prática”. As políticas públicas são quebra-cabeças a serem resolvidos, levando em conta a incerteza dos fins e do jogo de atores que as colocam em prática”. Essa experimentação, segundo Anderies e Janssen (2013)Anderies, J. M.; Janssen, M. A. “Robustness of socio-ecological systems. Implications for public policy”. Policy Studies Journal, vol. 41, n° 3, p. 513-536, 2013. , deve orientar os processos políticos, no sentido de ampliar sua robustez e resiliência, estimulando a adaptação e o aprendizado. Focalizam-se aqui os processos de governança em curso, as interações, os conflitos e a trajetória longa das políticas públicas ( Almeida; Gomes, 2019Almeida, L. A.; Gomes, R. C. “Perspectivas teóricas para análise de políticas públicas: como lidam com a complexidade?”. Administração Pública e Gestão Social, vol. 11, n° 1, p. 16-27, jan.-mar., 2019. ).

Diante do exposto, para compreender essa “ecologia política” do campo da promoção dos direitos das crianças e adolescentes no Brasil - a partir de uma perspectiva pragmatista de análise - utilizamos como método a “cartografia das controvérsias” ( Venturini, 2010Venturini, T. “Diving in magma: how to explore controversies with actor-network theory”. Public understanding of science, vol. 19, n° 3, p. 258-273, 2010. , 2012Venturini, T. “Building on faults: how to represent controversies with digital methods”. Public Understanding of Science, vol. 21, n° 7, p. 796-812, 2012. ; Chateauraynaud, 2009Chateauraynaud, F. Public controversies and the pragmatics of protest. Towards a ballistic of collective action. Paris: EHESS, 2009. , 2011Chateauraynaud, F. Argumenter dans un champ de forces. Essai de balistique sociologique. Paris: Pietra, 2011. , 2017Chateauraynaud, F. “A captura como experiência. Investigações pragmáticas e teorias do poder”. RBCS. vol. 32, n° 95, 2017. ; Latour, 2012Latour, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA, 2012. , 2014Latour, B. Course: scientific humanities. Paris: Sciences Po, 2014. ) para evidenciar os processos de engajamento dos diversos atores-rede frente às situações percebidas como problemáticas nessas “arenas públicas” (Cefai, 2017). Como salienta Chateauraynaud (2011)Chateauraynaud, F. Argumenter dans un champ de forces. Essai de balistique sociologique. Paris: Pietra, 2011. , nessa análise é importante identificar o que leva as “convergências (consensos) ou divergências (dissensos)” e isso implica reunir múltiplas reconstituições observadas em um período suficientemente longo. Na próxima seção, são explorados, mais detalhadamente, o método e o modo como ele foi utilizado neste artigo.

Cartografia de controvérsias para análise da trajetória de políticas públicas: enfoque analítico e percurso metodológico

A cartografia das controvérsias começou a ser aplicada como método no âmbito dos science studies , nos anos 1990, para capturar o caráter processual das inovações (científicas, técnicas e/ou tecnológicas) por autores como Latour (2012Latour, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA, 2012. , 2014Latour, B. Course: scientific humanities. Paris: Sciences Po, 2014. ), Venturini (2010Venturini, T. “Diving in magma: how to explore controversies with actor-network theory”. Public understanding of science, vol. 19, n° 3, p. 258-273, 2010. ; 2012) e Venturini, Ricci, Mauri et al. (2015), tomando por base os fundamentos da Teoria Ator-Rede (TAR). Nas últimas décadas, a aplicação do método vem se expandindo, sendo utilizado em outros domínios nas ciências sociais ( Chateauraynaud, 2011Chateauraynaud, F. Argumenter dans un champ de forces. Essai de balistique sociologique. Paris: Pietra, 2011. , 2017Chateauraynaud, F. “A captura como experiência. Investigações pragmáticas e teorias do poder”. RBCS. vol. 32, n° 95, 2017. ; Lemieux, 2017Lemieux, C. “Para que serve a análise de controvérsias?”. Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – UFJF, vol. 11, n° 3, 2017. e Venturini; Munk, 2021Venturini, T.; Munk, A. K. Controversy mapping. A field guide. Cambridge: Polity Press, 2021. ). Postulamos neste artigo que a “cartografia das controvérsias” pode ser usada como um recurso analítico e metodológico para análise pragmatista de políticas públicas. Tal análise pode ajudar na compreensão da configuração da ação pública (em diferentes escalas) e seus cursos ao longo do tempo, ou seja, pode ajudar a observar e a descrever as dinâmicas de disputa e de estabilizações e seus desdobramentos na configuração da trajetória das políticas públicas.

Numa leitura pragmatista, as controvérsias referem-se a situações polêmicas consideradas como “momentos efervescentes” ( Lemieux, 2017Lemieux, C. “Para que serve a análise de controvérsias?”. Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – UFJF, vol. 11, n° 3, 2017. ) na trajetória de um problema público que não estão estabilizadas e que levam a um determinado grau de incerteza quanto a seus desdobramentos. Por suas características, elas permitem o pesquisador acessar as “situações de prova” que os atores envolvidos com a questão ( issue ) enfrentam publicamente quando expressam e discutem suas opiniões, localizam problemas, fazem denúncias, lançam sinais de alerta, entram em disputas e configuram temas de conflito (Cefaï, 2017; Chateauraynaud, 2017Chateauraynaud, F. “A captura como experiência. Investigações pragmáticas e teorias do poder”. RBCS. vol. 32, n° 95, 2017. ). Conforme abordam Lascoumes e Le Galès (2007)Lascoumes, P.; Le Galès, P. Sociologie de l´action publique. Maceió: EDUFA, 2007. , na análise das políticas públicas, o estudo das controvérsias pode contribuir para compreender o processo de construção dos problemas públicos e da ação pública, a partir dos processos de disputas e concertação de interesses essenciais para celebração de acordos ou ratificação de compromissos.

Porém, como discutem Latour (2014)Latour, B. Course: scientific humanities. Paris: Sciences Po, 2014. e Venturini (2010Venturini, T. “Diving in magma: how to explore controversies with actor-network theory”. Public understanding of science, vol. 19, n° 3, p. 258-273, 2010. e 2012), nem todo “desacordo” sobre determinada questão pode ser considerado uma controvérsia e nem toda controvérsia remete a situações de prova. Nesse sentido, os autores definem alguns cuidados metodológicos que devem ser tomados, os quais foram sintetizados por Moraes e Andion (2018)Moraes, R. L., Andion, C. “Civil Society and Social Innovation in Public Arenas in Brazil: trajectory and experience of the Movement Against Electoral Corruption (MCCE)”. Voluntas, vol. 29, p. 801-818, 2018. e considerados na análise aqui empreendida6 6 Ver Quadro 1 no Apêndice do artigo, disponível no site do Cesop, na seção “Revista Opinião Pública”, na página deste artigo: <https://www.cesop.unicamp.br/por/opiniao_publica>. .

Inspirados nos fundamentos epistemo-metodológicos e nas noções-chave explicitadas, empreendemos neste artigo a cartografia das controvérsias nas arenas públicas da garantia de direitos da criança e adolescente entre os anos de 1985 a junho de 2019, descrevendo e interpretando as disputas públicas ocorridas nos debates nessas arenas no período analisado. Para tanto, foi realizada uma ampla análise documental7 7 A lista de todos os documentos analisados separados por campo pode ser acessada no Apêndice a este artigo (Quadros 3, 4 e 5). . Com base nos autores citados e, em especial, em Latour (2014)Latour, B. Course: scientific humanities. Paris: Sciences Po, 2014. , dividimos a análise documental em três campos: (i) político, cujos documentos utilizados foram notícias veiculadas na seção “O País”8 8 Privilegiamos a seção “O País” por esta veicular notícias nacionais, porém, temos consciência que nesse debate nem todas as regiões podem estar igualmente representadas. do jornal impresso “O Globo”9 9 A escolha dessa mídia foi realizada porque o Jornal O Globo, juntamente com os jornais Folha de São Paulo, Correio Brasiliense e O Estado de São Paulo, é um dos jornais impressos com maior influência, tiragens e circulação no Brasil. Além disso, o Jornal O Globo possui uma plataforma online de busca estruturada e com diversas opções de filtrar as pesquisas realizadas. O Acervo online permite o acesso à versão digital de todas as páginas e matérias do jornal publicadas desde a sua primeira edição, em 29 de julho de 1925, disponível em: < http://acervo.oglobo.globo.com> . A escolha de um veículo de imprensa contém sempre em si limitações que podem influenciar nos resultados da pesquisa, porém uma análise de diversas mídias implicaria também uma amplitude que tornaria a pesquisa inviável. Para evitar vieses, partimos de um amplo espectro de 320 notícias e cruzamos os achados com o debate científico e técnico legal, como descrito. ; (ii) científico, composto por artigos acadêmicos encontrados nas bases de dados Ebsco®, Scielo® e Web of Science®; e (iii) técnico-legal, constituído a partir da análise da legislação produzida sobre o tema no país. Esse mapeamento teve como marco inicial o ano de 1985 (que caracteriza o final da ditadura militar e o início da reabertura democrática no Brasil) e como marco final o mês de junho de 2019. O mapeamento foi realizado, de 1985 a junho de 2015, por um dos autores deste artigo, no quadro da sua dissertação de mestrado ( Gonsalves, 2015Gonsalves, A. K. R. Sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente como ação pública: uma análise multiescalar no município de Florianópolis. Dissertação de Mestrado em Administração Pública e Sociedade. Universidade do Estado de Santa Catarina. Florianópolis (SC), 2015. ), e de 2015 a junho de 2019 por outro dos autores ( Magalhães, 2021Magalhães, T. G. Garantir direitos não é brincadeira! Investigação, experimentação e inovação social na política pública de proteção integral de crianças e adolescentes em Florianópolis. Tese de Doutorado em Administração Pública e Sociedade. Universidade do Estado de Santa Catarina. Florianópolis (SC), 2021. ), em sua tese de doutorado.

No campo político , para a coleta dos dados, foi realizado um recenseamento das notícias veiculadas no jornal impresso “O Globo”, acessadas por meio de sua base digital denominada “Acervo O Globo”. A pesquisa foi realizada duas vezes com as expressões “direitos da criança” e “direitos da criança e do adolescente”. Para filtrar os resultados encontrados foram considerados: (i) o período de 1985 a junho de 2019 e (ii) as notícias veiculadas na seção “O país”, a qual se destina à circulação de notícias de relevância nacional relacionadas à política e a questões institucionais do país. Excluindo-se os resultados repetidos, a busca totalizou 328 notícias.

A seleção das notícias para análise foi iniciada a partir da identificação das controvérsias, as quais não foram definidas a priori, mas surgiram a partir da leitura cuidadosa e análise das 328 notícias mapeadas, considerando os critérios metodológicos e os elementos de análise definidos anteriormente e resumidos nos Quadros 1 e 2 do Apêndice. Com isso, foram selecionadas para análise 120 notícias que remetiam a controvérsias públicas relacionadas aos direitos das crianças e adolescentes . Seguindo a proposta de Latour (2014)Latour, B. Course: scientific humanities. Paris: Sciences Po, 2014. , as 120 notícias analisadas permitiram identificar: lugares, porta-vozes do debate, sentenças dos porta-vozes relacionadas às controvérsias e instrumentos ou dispositivos sociotécnicos (caixas-pretas). A partir da análise das notícias em cada década e das sentenças, as controvérsias foram sendo agrupadas em “ temas de controvérsias ” e “ visões de mundo ” que emergiam do debate.

No campo legal, a coleta de dados foi realizada a partir de um levantamento das principais leis que regem a matéria sobre os direitos da criança e do adolescente no Brasil, efetuado no Portal da Legislação do Governo Federal, com o termo “criança OR adolescente”, no período de 1985 a junho 2019, totalizando 296 resultados , dentre eles: 01 Constituição Federal, 01 Estatuto da Criança e do Adolescente, 195 decretos, 16 medidas provisórias, 02 emendas constitucionais e 81 leis ordinárias. Foram priorizadas para o mapeamento: a Constituição Federal, o ECA, as emendas constitucionais, as leis e dois decretos, totalizando 80 documentos legais. Para sistematização, análise e interpretação da legislação foi utilizado o software Excel®, a partir de uma planilha contendo os seguintes campos: identificação da legislação, tipo do documento legal, presidente que a sancionou, situação atual (em vigor ou revogada) e ementa (resumo do conteúdo da lei), para posteriormente, relacioná-las com os temas de controvérsias encontrados no debate do campo político.

Em relação ao campo científico , foi realizada uma busca sistemática nas bases de dados Ebsco®, Scielo® e Web of Science® com o termo “direitos” AND “crianças e adolescentes”, com o objetivo de compreender o discurso científico sobre o tema, o que totalizou 379 artigos . Para análise dos artigos encontrados, foi utilizado o software EndNote® para organizar e refinar as referências encontradas, excluindo-se os artigos repetidos e que não correspondiam ao tema estudado. Seguindo a etapa de análise e interpretação dos dados, os 168 artigos resultantes do refinamento foram lidos e organizados no software Excel®, a partir de uma planilha contendo os seguintes campos: ano, título do artigo, autores, universidades e revista que publicou o artigo, área científica e objetivo da pesquisa, para posteriormente relacionar o debate científico com o debate político. A interpretação dos artigos permitiu evidenciar que a produção científica no campo era bastante incipiente até os anos 1990, ampliando-se muito nos anos 2000 e 2010.

Em função disso, na análise, o que orientou o cruzamento dos dados foi o debate político, por este ilustrar de forma mais expressiva o debate público nacional e contemplar atores e questões discutidas nos demais campos analisados (científico e legal). Além disso, a narrativa foi organizada por décadas, porém isso não orientou a análise, mas sim os “momentos efervescentes” ou “situações de prova” identificados. Portanto, não se pretende aqui apresentar uma análise evolutiva ou cíclica da política, mas sim considerar que essa dimensão temporal importa, já que uma análise pragmatista leva em conta a historicidade dos fenômenos, respeitando a indeterminação relativa ao dinamismo interno dos processos de mudança social, tanto no presente, quanto no passado.

Foi essencial para essa análise um movimento não linear, de idas e vindas: dos temas de controvérsias à identificação dos atores-rede; dos atores-rede às suas principais declarações e sentenças, das sentenças à interpretação das visões de mundo, relacionando-os e estabelecendo paralelos com os campos legal e científico, até chegar na construção da trajetória exposta na seção 4, tendo por base uma abordagem abdutiva de análise ( Timmermans; Tavory, 2012Timmermans, S.; Tavory, I. “Theory construction in qualitative research”. Sociological Theory, vol. 30, n° 3, p. 167-186, 2012. ). Para estabelecer as relações entre as declarações e as visões de mundo apresentadas, buscamos primeiramente agrupar as declarações encontradas no debate (1º nível de análise), construindo temas comuns de controvérsias (2º nível de análise), para depois, em diálogo com a literatura de referência e com a nossa experiência no campo10 10 A experiência foi também importante nesse caso, já que a primeira autora atua e pesquisa direitos das crianças e adolescentes desde o início da década de 1990, tendo acompanhado muitos dos acontecimentos discutidos neste artigo. A segunda autora também atua no campo desde 2009, tendo realizado sua dissertação de mestrado sobre o tema de 2014 a 2015. Já o terceiro autor realizou uma tese de doutorado sobre o tema de 2016 a 2020. Destaca-se que o que se apresenta aqui é uma síntese dos estudos, ancorada nos principais resultados e evidências. Para um maior aprofundamento ver: Gonsalves (2015) e Magalhães (2021) . , identificar as visões de mundo presentes no debate (3º nível de análise).

Esses níveis de análise e seus resultados são discutidos e depois sintetizados e ilustrados nas figuras apresentadas a seguir. Conforme argumentam Latour (2014)Latour, B. Course: scientific humanities. Paris: Sciences Po, 2014. e Venturini et al. (2015)Venturini, T., et al. “Designing controversies and their Publics”. Design Issues, vol. 31, n° 3, p. 74-87, 2015. , o mapeamento das controvérsias pode assumir diferentes contornos, características e representações11 11 Para se ter uma ideia das inúmeras possibilidades e diversidade de representação gráficas para o mapeamento de controvérsias, há diversas redes e plataformas que concentram os resultados de pesquisas como: MACOSPOL ( Mapping Controversies On Science For Politics ); DMI ( Digital Methods Initiative ); MEDEA ( Mapping Environmental Debate On Adaptation ), FORCCAST ( Formation À La C.C. Pour L’analyse de Sciences et des Techniques ). . Para a representação gráfica das controvérsias, nos inspiramos no design “ radial map ” ( Venturini et al., 2015Venturini, T., et al. “Designing controversies and their Publics”. Design Issues, vol. 31, n° 3, p. 74-87, 2015. ), que convencionamos denominar mandalas das controvérsias. A partir delas, é possível ilustrar e sintetizar a intensidade dos temas de controvérsias discutidos e estabelecer relações entre as declarações, temas de controvérsias e visões de mundo expressas no debate público (conforme legenda).

Para representar a pluralidade dos atores-rede e dispositivos identificados, utilizamos como referência o design “ radial tree ” ( Venturini et al., 2015Venturini, T., et al. “Designing controversies and their Publics”. Design Issues, vol. 31, n° 3, p. 74-87, 2015. ), que denominamos de mandalas dos atores-rede . Elas apresentam tanto os porta-vozes (humanos) identificados em cada década - agrupados por campos de representação, como por exemplo: sociedade civil, poder executivo, legislativo ou judiciário, empresarial, etc. – e também os não humanos, considerados instrumentos de ação pública mobilizados pelos atores que atuam como mediadores nessas arenas e têm poder de agência promovendo estabilizações (caixas-pretas) e/ou desdobramentos.

Desse modo, o cruzamento da análise desses três campos permitiu reconstituir “uma narrativa” da trajetória da proteção de direitos das crianças e adolescentes no Brasil que evidencia ao longo do tempo as mudanças na “ecologia dessa política” ou seja: os porta-vozes que falam em nome da política pública, suas declarações e argumentos, temas de controvérsias que os engajam publicamente, as visões de mundo dominantes e os instrumentos de ação pública criados para a garantia de direitos da criança e do adolescente. Essa leitura permite compreender melhor a importância das dinâmicas de disputas e como eles configuram essa política pública no país, seus alcances e limites, diante da experiência de 30 anos do ECA. Os resultados são apresentados e discutidos na sequência.

Trajetória da política de garantia de direitos da criança e do adolescente no Brasil

Nesta seção apresentamos os resultados e sua discussão12 12 O Quadro 6 do Apêndice aborda brevemente os antecedentes históricos à promulgação do ECA, com base na literatura de referência, com vistas a localizar melhor os desdobramentos ocorridos, a partir da segunda metade dos anos 1980 (período que iniciamos a análise). Esse quadro visa localizar o leitor em relação aos principais marcos antes da promulgação do ECA, a partir de revisão da literatura, e não se pretende aqui apresentar uma análise exaustiva desse período, o que fugiria aos objetivos e ao escopo deste artigo. . O objetivo da análise empreendida neste artigo não é o de espelhar ou reproduzir uma “linearidade histórica” ou as narrativas oficiais apresentadas na literatura especializada. Trata-se, ao contrário, com a análise das controvérsias, de evidenciar os desdobramentos na trajetória da política pública, por meio do cruzamento dos debates público e científico com os marcos legais. Como discute Lemieux (2017)Lemieux, C. “Para que serve a análise de controvérsias?”. Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – UFJF, vol. 11, n° 3, 2017. , isso implica levar a sério as controvérsias, considerando que estas podem ajudar a compreender como o problema público vai se transformando, assim como a arena que se mobiliza em torno dele e as consequências disso, (re) configurando a política pública. O pesquisador que se coloca nessa perspectiva de análise das controvérsias, segundo o autor, enfatiza a dimensão performativa – ou melhor instituidora – dos processos conflituosos que ele estuda, “menos preocupado com o que eles podem revelar de uma estrutura pré-existente, considerada como causa, do que com o que eles engendram, em relação ao que não lhes preexistia e com a maneira pela qual eles foram produzidos” ( Lemieux, 2017Lemieux, C. “Para que serve a análise de controvérsias?”. Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – UFJF, vol. 11, n° 3, 2017. , p. 156). Dito isso, apresentamos a seguir os resultados da análise empreendida neste artigo e sua discussão por década13 13 Ver p. 15. .

Anos de 1985 a 1989: mobilizações pela institucionalização dos direitos e publicização das violações

A análise do debate no campo político revela primeiramente que os anos 1980 foram marcados por forte mobilização dos porta-vozes da sociedade civil para que os direitos de crianças e adolescentes fossem positivados na nova Carta Constitucional e o ECA fosse elaborado e aprovado, o que ocorreria na década seguinte . Do total de notícias mapeadas nesse período, aproximadamente metade delas divulgavam mobilizações, campanhas nacionais, eventos, reuniões e publicação de documentos que visavam influenciar as comissões da Assembleia Nacional Constituinte, iniciada no Congresso Nacional, no dia 01 de fevereiro de 1987, e posteriormente a criação e a aprovação do ECA. Havia uma preocupação comum de que a futura Constituição fosse “ mais afirmativa em relação à participação da sociedade e garantidora de direitos sociais ” (O Globo, 1986a, p. 14) em diferentes áreas e, também, nas questões relacionadas a infância e adolescência.

Nessas mobilizações destacaram-se o engajamento de atores-rede relevantes para conformação da arena e do debate público sobre a agenda da criança e adolescente no país como a Pastoral do Menor, a CNBB, a Unicef, a Funabem e as Febens estaduais, que tiveram também um papel relevante não apenas na Constituinte, mas na pressão para criação de programas e para a destinação de recursos federais para esse público, como foi reivindicado na “Carta de Recife”, em 1985 (O Globo, 1986b, p. 9). Destacou-se também a mobilização das próprias crianças e adolescentes com o 1º Encontro do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), em 1986, que no seu relatório final, afirmava: “ Esse encontro mostra à sociedade que as crianças não são bandidos ” (O Globo, 1986c, p. 8). No entanto, é importante ressaltar que embora majoritária no debate público, essa não era uma posição unânime. Em algumas notícias, era visível a resistência por parte de grupos contrários aos “ princípios estatizantes da Constituição ” (O Globo, 1987a, p.3) e a visão de proteção integral proposta, tanto por parte de políticos, quanto por parte de empresários (O Globo, 1987b).

Como resultado dessa ampla mobilização - que envolveu também duas emendas de iniciativa popular denominadas “Criança e Constituinte” e “Criança: Prioridade Nacional” que, juntas, somaram mais de 1,3 milhões de assinaturas ( Costa, 1992Costa, A. C. De menor a cidadão: notas para uma história do novo direito da infância e da juventude no Brasil. São Paulo: Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência, 1992. ) formaram-se diversos espaços de concertação e pressão, como a Frente Nacional da Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente (FNDDC) que teria também uma atuação importante junto a criação e aprovação do ECA. Em 26 de maio de1988, aprovou-se no congresso o capítulo que tratava da criança, do adolescente e do idosos por 435 constituintes, com ampliação de direitos, tanto na Constituição como na legislação ordinária. A CF/88 estabeleceu que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem proteção integral aos seus direitos como prioridade absoluta no país.

Outra preocupação no debate referia-se às denúncias das violações de direitos sofridas por crianças e adolescentes no Brasil . Dentre os maiores problemas discutidos, ressaltavam-se o grande número de crianças e adolescentes vivendo em situação de rua, altas taxas de analfabetismo e maus-tratos. Tal discussão se ilustra em reportagem do dia 30 de setembro de 1987, sobre XXV Congresso Brasileiro de Pediatria, realizado em São Paulo/SP, que reuniu diversos profissionais da área de saúde de todo o Brasil. Segundo os depoimentos desses profissionais, muitos dos atendimentos realizados em crianças e bebês eram resultados de maus tratos que ocorriam no próprio seio familiar, porém a grande maioria não era denunciada pelos médicos, principalmente se estes aconteciam nas classes sociais mais altas. Conforme relatou na época, Celina Guerra e Silva, chefe do Serviço de Higiene Mental do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo, “ a violência contra a criança é um problema universal e não é causada pela miséria ” (O Globo, 1987c, p. 6).

Por iniciativa dos próprios hospitais, foram instalados centros de atenção, a exemplo da iniciativa, na Faculdade de Ciências Médicas da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, voltada para atender as crianças espancadas e suas famílias e registrar tais casos de violência no Brasil, os quais mostravam que a maioria dos agressores eram os próprios pais, casados, na faixa etária de 26 a 35 anos (O Globo, 1987c). Nesse sentido, ressalta-se também as denúncias sobre a situação das Febens que começaram a ser reconhecidas como espaços de violação de direitos. Em reportagem de 26 de agosto de 1985, o presidente da Funabem em Encontro Nacional pelos Direitos da Criança afirmou: “ A Funabem nunca deveria ter existido e deveria fechar as suas portas [...] as casas de permanência são verdadeiras casas de repressão cheias de desmandos e pessoas sem preparo para o trato com crianças ” ( O Globo, 1985O Globo. Psicóloga revela alta degradação entre crianças. O Globo: O País, 26 set. 1985. , p. 8).

Por outro lado, a análise também revela que a visão menorista ainda permeava o debate em muitas situações levantadas . Em 1986, destaca-se o lançamento do “Programa Nacional Bom Menino” pelo presidente José Sarney no dia das crianças. O programa visava estimular empresas a empregar um adolescente (de 12 a 18 anos) para cada 20 funcionários, em troca de incentivos fiscais e tornava obrigatória a contratação destes em empresas estatais. Para tanto, propunha baixar de 14 para 12 anos a idade mínima para atividades laborais (O Globo, 1986d). Observa-se também a proposição de ações por atores privados e da sociedade civil, sem uma articulação com as políticas públicas e a questão dos direitos, como é o caso das Campanha Criança Esperança que surge, em 1986, para apoiar ações da Pastoral do Menor, com o apoio da Rede Globo e que é promovida até os dias atuais (O Globo, 1987c).

Diante disso, a ineficiência da política pública vigente no período14 14 Trata-se aqui, como citado, da Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBM) regulada nesse período pela Lei nº 4.513, de 1º de dezembro de 1964 que cria a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) a ela incorporando o patrimônio e as atribuições do Serviço de Assistência a Menores. Tal lei foi revogada após a promulgação do ECA em 1990. foi debatida em muitas notícias justamente pela pouca resolutividade quanto às respostas governamentais no combate às violações e na promoção de direitos. Em notícia veiculada em 16 de agosto de 1988, o então presidente da FNDDC, Hélio Augusto de Souza, posicionou-se a respeito, denunciando a falta de coordenação dos Ministérios na destinação de recursos e a centralização da política pública: “ O Governo Federal deve ter, se quiser uma política de atendimento ao menor carente [grifo nosso], apenas um órgão normativo. E deve deixar que o estado e o município apliquem essa política, porque é no município que o fenômeno se materializa ( O Globo, 1988O Globo. Fundação crítica destino de recursos para criança. O Globo: O País. 16 ago. 1988. , 8).

As declarações identificadas nas notícias, os temas de controvérsias, as visões de mundo e as caixas-pretas que se constituem são sintetizadas na Figura 1 , que apresenta graficamente uma síntese desse debate. Em suma, a partir da análise dos documentos, pode-se afirmar que as quatro visões de mundo foram mobilizadas no debate nesse período: (i) as mobilizações para a institucionalização dos direitos da criança e do adolescente, nas quais se percebe divergências entre menoristas e estatutistas; (ii) as denúncias que visam publicizar as violações de direitos e, de forma menos intensa; (iii) as críticas quanto à ineficiência na gestão da política pública por parte do Estado; e (iv) estratégias de enfrentamento dos problemas seja por parte do Estado, seja por parte da sociedade civil, as quais eram marcadas por uma visão menorista.

Figura 1
: Mandala das Controvérsias na década de 1980

A visão de mundo predominante, embora não exclusiva, nos debates que envolveram a mobilização para a Constituinte e para a aprovação do ECA relacionava-se à institucionalização dos direitos, numa perspectiva de proteção integral, percebendo o momento como uma “janela de oportunidade” para romper com o paradigma vigente do “menorismo” e incorporar os direitos preconizados pela nova Constituição e pela CDC de 1989. Embora no debate político tal concepção “estatutista” estivesse muito presente, promovendo a ideia de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, a visão “menorista” aparecia ainda forte nas denúncias, nos programas e nas práticas adotadas para enfrentamento dos problemas, como discutido.

A década se encerrou com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (que denota uma certa estabilização ou caixa-preta), institucionalizando a descentralização da política pública aos municípios, estabelecendo “formalmente” a prioridade absoluta para crianças e adolescentes (inclusive a aplicação de recursos em programas e políticas sociais específicos para esse público), como também positivando os seus direitos fundamentais. Já no campo científico, não foi encontrado no período nenhum artigo específico sobre o tema.

Como principais atores-rede desse período (sintetizados na Figura 2 ), foi identificado um número reduzido de porta-vozes, com destaque para experts governamentais do poder executivo federal, nos campos da saúde (médicos pediatras) e da educação, além dos servidores das Febems e Funabem, denotando uma centralização no debate. Como representantes da sociedade civil, percebe-se a forte influência da Igreja Católica, representada pela Pastoral do Menor e CNBB, e de associações e movimentos sociais que se articulavam em torno do MNMMR. Do setor empresarial foram citados a TV Globo e, como organização internacional, destaca-se a Unicef que juntas criaram a campanha nacional Criança Esperança existente até hoje e que atualmente é realizada em parceria com a Unesco. Quanto aos instrumentos de ação pública (não humanos) destacam-se cartas públicas, campanhas, troféus, documentos, poesia, orações, incentivos fiscais e a própria CF/88.

Figura 2
: Mandala dos atores-rede na década de 1980

Se consideramos a “balística” do debate nas arenas públicas no período, percebe-se que há uma fase de emergência das denúncias quanto às formas de violação de direitos e da ineficiência da política pública governamental vigente (a PNBM) no tratamento oferecido a crianças e adolescentes (ainda fortemente marcado por uma doutrina menorista) e uma ampla mobilização política em torno da garantia formal dos direitos dessa população, por meio da participação na Constituinte, que culminou com o momento de estabilização (caixa-preta) com a promulgação da CF/88 e a aprovação do ECA que ocorreu na década seguinte.

Anos de 1990 a 1999: enfrentamento dos problemas públicos pela investigação dos casos de violação de direitos

A década de 1990 se iniciou com a aprovação do ECA e foi marcada pelo debate sobre a criação de um amplo aparato institucional para sua operacionalização, denotando um movimento de institucionalização, com a ampliação e diversificação dos instrumentos de ação pública, incluindo normas, regras, rotinas e procedimentos que governam as interações nas arenas públicas. Em 29 de junho, o Jornal O Globo noticiou a aprovação do Estatuto no dia anterior, dando ênfase à implantação dos “ conselhos tutelares autônomos e permanentes” e ao fato de o estatuto “ abordar o problema do menor infrator ” (O Globo, 1990a).

O ECA se ampara nos princípios da proteção integral, da prioridade absoluta, da descentralização político-administrativa e da participação popular, já estabelecidos pela CF/88, a partir de uma concepção de integralidade do sujeito, o que significa dizer que a lei foi elaborada numa perspectiva universalista para todas as crianças e adolescentes do país, buscando romper com o paradigma da “situação irregular” até então vigente. O Estatuto define criança a pessoa com até 12 anos incompletos e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade. Tem como premissa assegurar a essa população todos os direitos fundamentais da pessoa humana, como também seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade ( Brasil, 1991Brasil. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8.069/90. São Paulo: Atlas, 1991. ). No debate público do período, o ECA foi festejado e comemorado como na passeata de dez mil crianças em São Paulo envolvendo o MNMMR, a Pastoral do Menor, a Associação Abrinq (O Globo, 1990b). Foi considerado por diversos atores do campo, como Maria de Fátima Borges Omena, então presidente do Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência, “o documento mais moderno já produzido para o setor” (O Globo, 1990c, p. 4).

No debate público, a discussão sobre o ECA aparecia relacionada aos esforços de organizações públicas e da sociedade civil para criar e implementar o aparato institucional exigido por essa nova legislação. Encontramos 07 notícias publicadas nessa década sobre esse tema. A análise do debate evidencia que o que estava previsto na legislação estava longe de se tornar realidade no cenário nacional. Em 1991, ao mesmo tempo que era lançado o Plano Nacional de Combate à Violência Contra a Criança e Adolescente e o Projeto para criar o Conselho e o Fundo Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente ( O Globo, 1991O Globo. Plano de proteção a menor é lançado. O Globo: O País. 5 abr. 1991. ), para viabilizar a política de proteção integral e sua implementação nos municípios, o governo federal do então presidente Fernando Collor, em 01 de junho de 1990, criava o “Ministério da Criança”, e a “Raspadinha Federal”, uma espécie de loteria cujos lucros seriam revertidos para ações voltadas ao “ amparo de crianças carentes ” (O Globo, 1990d, p. 5).

No ano de 1992, sob a manchete “ Minas tem solução para o menor carente ”, evidenciava-se também um exemplo de articulação das organizações públicas e da sociedade civil na implementação de um Centro Integrado de Apoio à Criança (CIAC)15 15 O primeiro CIAC foi inaugurado pelo presidente Fernando Collor em 1991 na cidade de São Paulo, caracterizando um programa cuja proposta pedagógica era de concentrar em um mesmo local diversos serviços destinados à criança e ao adolescente, como educação, saúde, esporte e lazer ( O Globo, 1991) . que foi realizado por meio do Projeto Curumim em Belo Horizonte/MG, uma experiência pedagógica voltada a “ crianças e adolescentes em situação de risco social ” ( O Globo, 1992O Globo. Minas tem solução para o menor carente. O Globo: O País. 27 nov. 1992. ).

Logo após Collor ter sido afastado da presidência da República por impeachment , houve continuidade pela reorganização, institucionalização e implementação da política no âmbito do governo federal. Através das leis federais nº 8.479/1992, nº 8.642/1993 e nº 8.742/1993 foram criados a Secretaria Nacional de Projetos Educacionais Especiais, o Programa Nacional de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (Pronaica) e a organização da Assistência Social, respectivamente, com a finalidade de contribuir com a atenção integral, de articular as ações de apoio à criança e ao adolescente através dos Ministérios da Educação, Saúde, Assistência e Promoção Social e de garantir as necessidades básicas de proteção à família, à maternidade, à criança, ao adolescente “ carentes e com eventuais deficiências ” (grifo nosso).

Pode-se observar, a partir das notícias analisadas, que o debate parecia estar centrado no combate à violação de direitos (em suas diferentes dimensões), com ênfase nas crianças e adolescentes em situação de maior vulnerabilidade . Isso denota que a mudança da doutrina em termos legais não garantiu por si só uma mudança nem nas visões dominantes, nem nas formas de implementação da política, que ainda seguia fortemente marcada por uma lógica “menorista”. Dessa forma, as visões de mundo dominantes demonstravam uma preocupação de garantir o direito de crianças e adolescentes relacionado à ideia de “combate às violações desses direitos”. Embora o ECA afirme uma visão de proteção integral para todas as crianças e adolescentes brasileiros, sem distinção, essa visão não estava explícita no debate nesse período, a não ser por algumas exceções encontradas no campo científico, que apresentava alguns artigos com argumentos defendendo uma concepção preventiva, como será discutido mais adiante.

Nota-se, porém, uma importante mudança em relação à década de 1980, já que o debate ia além da denúncia ou publicização das violações e buscava gerar informações e promover investigações sobre casos de violações . Tal mudança se materializou no campo legal entre os anos de 1994 a 1997 com a criação de três leis (8.930/1994, 9.318/1996 e 9.455/1997) que aumentaram a pena de crimes praticados contra crianças e adolescentes com emprego de violência física ou mental. Percebe-se aqui que as arenas de debate vão assumindo novos contornos e ganhando novos porta-vozes, na medida em que os casos de violação são denunciados e investigados e obtém-se novos subsídios sobre eles. Isso vai se intensificar com a ampliação dos estudos e pesquisas no campo científico.

Quanto ao enfrentamento do problema público, observam-se no debate duas tendências. Uma primeira que abordava as iniciativas da sociedade civil (nacional e internacional), da Igreja e das empresas que passam a ser debatidos sob um enfoque de “eficácia dos resultados alcançados” . As notícias analisadas evidenciam que, apesar dos avanços institucionais-legais alcançados na década de 1990, o debate e as ações sobre o enfrentamento do problema público eram mais intensos entre os atores da sociedade civil, com destaque para a Pastoral do Menor, os projetos promovidos pelos institutos, fundações e empresas e as organizações não governamentais internacionais e nacionais. O enxugamento da máquina pública realizado no governo de Fernando Henrique Cardoso, reflexo de um modelo gerencialista de gestão pública, teve desdobramentos em termos de investimentos para o campo. Com isso, houve um estímulo à participação da iniciativa privada no enfrentamento dos problemas que afetam as crianças e adolescentes, por meio de incentivos e da redução de impostos, como foi o caso do Programa Comunidade Solidária, lançado pela primeira-dama Ruth Cardoso (O Globo, 1996a).

Por outro lado, o debate denuncia os fracassos governamentais, que no campo de estudo das políticas públicas são tradicionalmente “interpretados sob três perspectivas: inefetividade, ineficácia e ineficiência” ( Lascoumes; Le Galès, 2007Lascoumes, P.; Le Galès, P. Sociologie de l´action publique. Maceió: EDUFA, 2007. ). Sob esse aspecto, podemos evidenciar o caso do governo federal em 1996, sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso, que admitiu falhas em programas de assistência a menores: “O ministro-chefe da Casa Civil, Clóvis Carvalho, foi o primeiro a reconhecer a desarticulação dos ministérios envolvidos na questão do menor” (O Globo, 1996b, p. 4). A visão de ineficiência na execução dos programas ministeriais também estava relacionada às verbas e orçamentos previstos para a área e a sua descentralização, gerando diversas discussões sobre sua aplicação (O Globo, 1996b). Para tanto, o governo federal, a partir do Ministério da Justiça, começou a exigir também que os estados se comprometessem a cumprir o ECA, vinculando o acesso ao repasse de recursos da União previstos no orçamento com a apresentação de planos de promoção e defesa voltados ao atendimento de adolescentes em conflito com a lei.

A década de 1990 marcou o início das publicações científicas sobre o tema , mas foram encontrados no mapeamento apenas quatro artigos científicos publicados sobre o assunto naquele período. Embora o debate fosse ainda tímido no campo científico, fez emergir temas de controvérsias não discutidos no âmbito político-legal, a exemplo da importância da família e das comunidades na garantia dos direitos e a questão do investimento em educação versus redução da maioridade penal ( Campos, 1999Campos, M. M. “A mulher, a criança e seus direitos”. Cadernos de Pesquisa, n° 106, p. 117-127, mar. 1999. ). Essas preocupações denotam uma visão de mundo sobre a questão da garantia de direitos distinta daquelas predominantes no debate público veiculado pela mídia. Para sintetizar esse debate, ilustramos essas relações entre as principais sentenças e/ou declarações, os temas de controvérsias e as visões de mundo expressas no período, que são apresentadas na Figura 3:

Figura 3
: Mandala das Controvérsias na década de 1990

Em relação aos porta-vozes do debate (apresentados na Figura 4 ), destaca-se a diversificação dos representantes da sociedade civil. Observa-se a emergência de novas organizações, inclusive aquelas ligadas ao setor empresarial. Dentre essas organizações, destacam-se a Fundação Abrinq, o Centro Brasileiro para Infância e Adolescência (CBIA), a Rede Globo de Televisão e a Campanha Criança Esperança, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), os Centros Brasileiros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente e a Pastoral do Menor e da Criança da CNBB. Destaca-se também nesse período a atuação da Unicef através de sua associação com diversas dessas organizações.

Figura 4
: Mandala dos atores-rede na década de 1990

Evidenciam-se também como porta-vozes marcantes do período os representantes de diversos órgãos que possuem atribuições de investigação e controle como: a Polícia Federal, o Ministério Público, as Comissões Parlamentares de Inquérito e o Conanda, denotando uma estratégia do reforço ao controle e à judicialização para combate à violação dos direitos de crianças e adolescentes .

Do Poder Executivo, no início da década, destacam-se as declarações centradas nos próprios presidentes da República (Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso). Posteriormente, a representação governamental se especializa e se concentra principalmente em representantes do Ministério da Justiça. Isso permite constatar o lugar que ocupa a política na esfera governamental e no qual estão seus porta-vozes no governo, ilustrando a tendência, ressaltada anteriormente, de tratar as crianças e os jovens como “casos de justiça”.

Quanto aos dispositivos/instrumentos de ação pública , destacam-se a ampliação de dispositivos técnicos como a internet, os casos judiciais, os inquéritos, relatórios e dossiês utilizados nas investigações dessas violações (que contribuem também para municiar os processos de judicialização do problema descrito). Os dispositivos legais que aparecem no debate denotam também uma ampla normatização e regulação do campo e da política, por meio das novas leis, dos programas, dos novos aparatos de estrutura física e de gestão tais como: recursos financeiros, convênios e contratos para repasse de recursos do governo às organizações da sociedade civil e aos estados e municípios para implementação da política.

Anos 2000 a 2009: Especialização e maior articulação da ação pública e produção de informação sobre o problema público

O debate público na mídia dos anos 2000 revela que a visão da garantia de direitos da criança e do adolescente enquanto “enfrentamento às violações” permanece central no debate, o qual se especializa consideravelmente. As notícias analisadas permitem perceber uma lógica de “investigação” e “punição” como resposta aos problemas públicos. Em outras palavras, garantir direitos às crianças e aos adolescentes, no debate político-legal nessa década, parecia estar ligado aos atos de reportar, apurar e punir os casos de violação.

Essa visão “punitiva” como caminho para resolução dos problemas se aplica não apenas para o caso dos crimes cometidos contra as crianças e adolescentes (vítimas dos casos de violação), mas também para aqueles cometidos pelos próprios adolescentes (considerados culpados pelos altos índices de violência). Vítimas e culpados, crianças e adolescentes eram descritos nas notícias como um público “de risco” , objetos de uma política que se coloca, principalmente, como um meio de diminuir essas situações de vulnerabilidade. Uma matéria que apresenta os dados oficiais do Ministério da Justiça, de 2003, indicava que os “ jovens criminosos ” (grifo nosso) somavam 60% da população carcerária e dentre esses “infratores com menos de 18 anos” representavam 17,4% dos “ criminosos ” (grifo nosso) ( O Globo, 2003O Globo. “Sucursais do inferno”. O Globo: O País. 17 set. 2003. , p. 8).

O debate central sobre a violação de direitos se especializa dando lugar a novos temas de controvérsias e a novas estabilizações (caixas-pretas), seja na geração de informações e indicadores sobre os diferentes tipos de violação, seja na criação de novos dispositivos para publicização, mobilização e punição à violação . Isso ocorre também pelo aparecimento de outros porta-vozes que desenvolvem novos repertórios e estratégias para enfrentar a violação e desenvolver nexos entre suas causas e consequências. Essa especialização faz emergir novas “comunidades epistêmicas” que se mobilizam em torno, se especializam e/ou falam do problema público. Essas parecem produzir uma “inteligência coletiva”, a partir de dados e pesquisas, contribuindo para gerar novas gramáticas públicas ( Thévenot, 2007Thévenot, L. L’Action au pluriel. Sociologie des régimes d’engagement. Paris: La Découverte, 2007. ) expressas em mobilizações e campanhas em torno dos direitos das crianças e adolescentes ( Hass, 1992Hass, P. “Knowledge, power and international policy coordination”. International Organization, vol. 46, n° 1, 1992. ; Cefaï, 2014Cefaï, D. Investigar los problemas públicos: con y más allá de Joseph Gusfield. In: Gusfield, J. (ed.). La cultura de los problemas públicos los conductores alcoholizados y el orden simbólico. Buenos Aires: Sieglo XXI Editores, 2014. ), a exemplo do trabalho infantil, violência doméstica e sexual, adolescentes em conflito com a lei, gravidez na adolescência, a educação, adoção, acolhimento institucional, medidas socioeducativas, entre outros. Estes experts compartilham informações, conhecimentos princípios e valores que norteiam outros porta-vozes engajados com a ação pública, inclusive os atores governamentais.

Já o debate científico continua a destoar do debate político-legal, no qual a preocupação ao combate a violações parece prevalecer . A análise dos artigos científicos permitiu identificar outras visões de mundo que sinalizam a necessidade de olhar a garantia de direitos enquanto proteção integral, ligada à promoção, prevenção a partir de políticas de universalização dos direitos básicos como educação, saúde, cultura, lazer, convivência familiar e comunitária e direito ao brincar ( Mitre; Gomes 2004Mitre, R. M.; Gomes, R. “A promoção do brincar no contexto da hospitalização infantil como ação de saúde”. Ciência & Saúde Coletiva, vol. 9, n° 1, p. 147-154, 2004. ; Souza; Santana, 2009Souza, M. K. B.; Santana, J. S. “Atenção ao adolescente vítima de violência: participação de gestores municipais de saúde”. Ciência & Saúde Coletiva, vol. 14, n° 2, p. 547-555, 2009. ). O debate acadêmico também denuncia o gap entre a lei e a sua operação , buscando ressaltar a importância da articulação entre os diferentes setores, instâncias e organizações que compõem a política ( Costa; Bigras, 2007Costa, M.; Bigras, M. “Mecanismos pessoais e coletivos de proteção e promoção da qualidade de vida para a infância e adolescência”. Ciência & Saúde Coletiva, vol. 12, n° 5, p. 1.101-1.109, 2007. ). Outros ainda buscam dar voz a crianças e adolescentes sobre os seus próprios direitos (Campos; Del Prette; Del Prette, 2000; Santos; Chaves 2007Santos, G.; Chaves, A. M. “Significados que as crianças atribuem aos seus direitos”. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, vol. 17, n° 2, p. 87-97, 2007. ). Nesse sentido, pode-se constatar que, desde os anos 1990 e também nos anos 2000, algumas pesquisas e publicações têm um papel de “ lançadores de alerta ” ( Chateauraynaud, 2009Chateauraynaud, F. Public controversies and the pragmatics of protest. Towards a ballistic of collective action. Paris: EHESS, 2009. ), pois divulgam informações e desenvolvem investigações para proporcionar publicidade às situações problemáticas do campo que não são tão visíveis no debate público ou interessantes para a mídia.

Outro importante lançador de alerta nesse debate é a Unicef no Brasil, responsável pela grande maioria das pesquisas e relatórios sobre a situação da infância e adolescência no país. Destaca-se como exemplo o relatório de 2004 que apontou que 27,4 milhões de brasileiros com até 17 anos viviam na miséria ( O Globo, 2004O Globo. Pobres desde a Infância. O Globo: O País. 10 dez. 2004. , p.3). Também pode-se dizer que a mídia tem esse papel, no momento que divulga casos de “emergência” (que tornam os problemas visíveis). Esses casos impulsionam momentos “controversos” e “denunciatórios” que geram “mobilização política” com vistas a regulamentar ou alterar a legislação. Conforme apresenta Chateauraynaud (2009)Chateauraynaud, F. Public controversies and the pragmatics of protest. Towards a ballistic of collective action. Paris: EHESS, 2009. , pode-se verificar esses momentos no caso das rebeliões nas Febems que ocorreram em vários estados no início da década e nos homicídios provocados por adolescentes, situações críticas que tiveram grandes desdobramentos no período ( O Globo, 2001O Globo. Atores e vítimas da violência. O Globo: O País. 2 set. 2001. , p. 3). Tais crises culminaram em campanhas que levaram à extinção das Febems em 2006 e ao estímulo de novas formas de convivência familiar e comunitária que serão inclusive inseridas na política pública de assistência social, que sofre importante mudanças no período com a criação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e, na década seguinte, culminam na criação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).

Finalmente, mas não menos importante, sobre o enfrentamento do problema público, verificou-se a preocupação dos porta-vozes em divulgar as experiências bem-sucedidas , como também sensibilizar e conscientizar a sociedade em geral , principalmente no que concerne à violação dos direitos das crianças e adolescentes. Esse enfoque se evidencia nos três campos pesquisados, a partir dos diversos relatos de experiências exitosas, artigos científicos publicados, criação de prêmios e leis que instituíram sete novos marcos legais com esse objetivo. O debate público dos anos 2000 é resumido na Figura 5:

Figura 5
: Mandala das Controvérsias na década de 2000

Quanto aos atores-rede ( Figura 6 ), destaca-se a diversificação dos porta-vozes da sociedade civil e governamentais no período. Desses, pode-se citar os membros do Conanda e a Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça. Esse último coloca-se como principal porta-voz do governo, a partir de Nilmário Miranda, secretário de direitos humanos, e Carmen Silveira de Oliveira, subsecretária de promoção dos direitos da criança e do adolescente da mesma secretaria, durante o governo Lula. Esses achados demonstram que a questão assume um lugar central na política institucional nesse período. Já o poder legislativo aparece com menos expressão no debate, mas sob uma pauta relevante de discussão, que ocorreu em dois momentos da década, referente à redução da maioridade penal.

Figura 6
: Mandala dos atores-rede na década de 2000

Os dispositivos técnicos e legais (instrumentos) ampliam-se e diversificam-se no período, assim como os porta-vozes. Eles são inúmeros, demonstrando o processo de especialização do debate público e de redefinição e institucionalização da política que advém também desse debate. Destacam-se entre eles os relatórios de pesquisa, os centros de internação de adolescentes em conflito com a lei, números e estatísticas oficiais dos bancos de dados governamentais, planos e programas de governos, prêmios e troféus, mandado de segurança, a televisão, a internet e os diversos instrumentos legais.

Anos 2010: Gap entre legislação e prática e reabertura das caixas-pretas

Nessa última década houve a reabertura de diversas “caixas-pretas” nos campos político, científico e legal, fazendo emergir o debate sobre a necessidade de revisão e aprimoramento dos aspectos definidos no ECA e na CF/88. Verificam-se também até 2015 - quando ocorre o início do processo de impeachment da presidenta Dilma Roussef - esforços governamentais para especializar o aparato institucional e garantir legalmente a institucionalização de novos direitos. Reflexo disso são as alterações no campo legal com a promulgação de 25 novas leis, dentre as quais 9 são alterações no ECA, com destaque para a Lei nº 12.010/2009 que trata da adoção e enfatiza a importância de priorizar os vínculos familiares e comunitários em detrimento da institucionalização de crianças e adolescentes que sofreram violação de direitos. Outro ponto de destaque é a preocupação com o combate a essa violação, com um avanço na discussão sobre as ações preventivas, de fiscalização e de articulação do SGDCA . Tais movimentos denotam a incorporação nas leis e no aprimoramento da política dos desdobramentos dos debates e aprendizados discutidos anteriormente, especialmente nos primeiros anos da década.

Os avanços nos campos legal, político e acadêmico tornam a perspectiva da proteção integral um certo consenso no debate público, que também se reflete na política pública. No último ano do governo Lula, a garantia de direitos da criança e do adolescente entra no rol das ações promovidas pelo Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH). Tal programa foi noticiado pelo “O Globo” no dia 08 de janeiro de 2010, que previu a elaboração de 27 novas leis, 32 novos planos, diagnósticos e programas setoriais, criação de 10 mil novas instâncias burocráticas no setor público (como observatórios, ouvidorias, banco de dados, conselhos, comitês, entre outros) e lançamento de campanhas publicitárias. Dentre as ações que envolveram diretamente a área da criança e do adolescente ressalta-se a criação do Plano Nacional de Proteção Infância e Adolescência para melhorar a articulação de órgãos federais, estaduais e municipais, evidenciando o reforço à visão de mundo de proteção integral ( O Globo, 2012O Globo. Plano Nacional de Proteção à Infância e Adolescência. O Globo: O País. 19 fev. 2012. ).

Outra questão de controvérsia emergente refere-se à necessidade de fortalecimento da convivência familiar e comunitária como uma importante forma de enfrentamento ao problema público e para a universalização dos direitos. A perspectiva é de que denúncias, investigações e punições são colocadas como necessárias, porém insuficientes para garantir a proteção integral que, conforme discutido, dependem também de ações públicas de prevenção e promoção dos direitos. Isso se reflete na promulgação de novas leis sobre a matéria, a exemplo da Lei no 12.398/2011, que estendeu aos avós o direito de visitas aos netos, a Lei n° 12.955/2014 que assegurou a prioridade de tramitação dos processos de adoção e a Lei n° 12.962/2014 que assegurou às crianças e aos adolescentes a convivência com mães e pais privados de liberdade.

Esse debate aparece fortemente também no meio acadêmico com artigos que discutem a convivência familiar tratando do aleitamento materno no ambiente profissional das mães ( Brasileiro et al., 2012Brasileiro, A., et al. “A amamentação entre filhos de mulheres trabalhadoras”. Revista Saúde Pública, vol. 46, n° 4, p. 642-648, 2012. ), que discutem a adoção ( Segalin, 2013Segalin, A. “Serviço Social e viabilização de direitos: a licença/salário‑maternidade nos casos de adoção”. Serviço Social & Sociedade, vol. 115, n° 3, p. 581-594, 2013. ; Ferreira, 2014Ferreira, F. R. F. “O preço da criança e a nova cultura da adoção: do cenário político-legal às práticas de adoção em Natal/RN”. Estudos de Sociologia, vol. 19, n° 36, p. 61-80, 2014. ), bem como a necessidade de atenção psicossocial à família cujo agressor de violência sexual pertence ao âmbito familiar ( Chaves; Costa, 2012Chaves, E.; Costa, L. F. 2012. “Estudo técnico sobre afastamento do agressor do lar no abuso sexual: autor, família e vítima”. Psicologia: Teoria e Prática, vol. 14, n° 2, p. 102-115, 2012. ). As publicações inserem também nos debates discussões que não estão presentes no campo político, com olhares atentos às implicações de violações de direitos “esquecidos” como os processos de inquirição judiciária de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual e as questões relacionadas aos direitos sexuais e reprodutivos dos adolescentes ( Leite, 2012Leite, V. “A sexualidade adolescente a partir de percepções de formuladores de políticas públicas: refletindo o ideário dos adolescentes sujeitos de direitos”. Psic. Clin., vol. 24, n° 1, p. 89-103, 2012. ; Nogueira Neto, 2012). Além disso, ampliaram-se nesse campo, em relação à década anterior, a atenção e o olhar para a percepção das próprias crianças e adolescentes sobre suas condições de vida , traumas vivenciados, condições institucionais e participação, passando a vê-los como protagonistas e não como objetos da política ( Fonseca, 2010Fonseca, L. S. “Trabalho infanto-juvenil e formação humana: limites na potência ontológica e banalização do sujeito de direitos”. Trabalho, Educação e Saúde, vol. 8, n° 1, p. 137-153, mar. 2010. ; Lazzaretti de Souza et al., 2010Lazzaretti de Souza, A. P., et al. “Participação social e protagonismo: reflexões a partir das Conferências de Direitos da Criança e do Adolescente no Brasil”. Avances en Psicología Latinoamericana, vol. 28, n° 2, p. 178-193, 2010. ).

Apesar dos avanços e aprimoramentos legais e da maior discussão e inclusão de novos repertórios no campo científico e político, nos primeiros cinco anos da década, a lacuna entre o aparato legal e a prática nos municípios ainda fica bastante evidente, sendo matéria de debate tanto no campo político quanto acadêmico . O desenvolvimento do aparato institucional legal para operacionalizar a política pública, somado à crescente informação e às pesquisas disponíveis sobre as violações de direitos e consolidação dos serviços públicos como os oferecidos pelos Centros de Assistência Social (CRAS e CREAS) e os Conselhos Tutelares, fez emergir novos temas de controvérsias ligados aos efeitos da implementação da política, com destaque para a grande quantidade de crianças e adolescentes institucionalizados e destituídos do poder familiar que vivem em casas de acolhimento, sob a tutela do Estado, e/ou de organizações da sociedade civil. Tudo isso parece fazer emergir uma crítica a esse processo de judicialização da vida e “ administração dos direitos ” especialmente no campo acadêmico ( Bácares Jara, 2019Bácares Jara, C. B. “Los derechos de los niños, niñas e adolescents: une reflexión sobre las resistencias, fenómenos y atores que los modulan, determinas e aplazan en America Latina”. Infâncias. Imagenes, n° 1 p. 51-67, ene.-jun., 2019. ).

Também ficam evidentes no debate a crítica quanto à efetividade do controle social , com foco nos conselhos de direitos, e a dificuldade de mobilização frente às diversas facetas dos problemas públicos vivenciados por essa população, questão essa que se intensifica nos últimos anos dessa década, diante da crise democrática vivenciada no país após o ano de 2015, com o governo provisório de Michel Temer e mais ainda no governo antidemocrático de Jair Bolsonaro, reconhecido crítico dos direitos humanos.

Se o início da década de 2010 foi marcado por aprimoramento legal e por um consenso em relação à proteção integral e mesmo por uma crítica aos efeitos da institucionalização, pregando-se o reforço aos laços familiares e comunitários, na segunda metade da década, devido à crise democrática, econômico-financeira e social no país, volta à agenda do debate a ampliação da violação de direitos de crianças e dos adolescentes.

Essa pauta ganha ainda maior destaque na mídia a partir do ano de 2016, com as notícias vinculando os problemas gerados pela crise econômico-financeira do país e a consequente redução de investimento nas políticas sociais, acarretando retrocessos nas políticas públicas. Dentre eles, destaca-se o fechamento de diversas organizações da sociedade civil, o aumento do número de violações de direitos, a reforma do ensino médio e o ensino domiciliar, o fechamento de escolas pelos casos de violência, bem como o agravamento do problema dos adolescentes em conflito com a lei, fazendo voltar à tona com força a temática da redução da maioridade penal. Ainda quanto a esse tema, destaca-se no campo a discussão sobre a implementação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) estabelecido pela Lei n° 12.594 de janeiro de 2012 e seus impasses na busca de novas formas de se praticar medidas socioeducativas no país que possam ir além de uma concepção punitiva.

Uma síntese desse debate e dos seus principais porta-vozes pode ser visualizada nas Figuras 7 e 8 a seguir:

Figura 7
: Mandala das Controvérsias na década de 2010

Figura 8
: Mandala dos atores-rede na década de 2010

Considerações finais

A cartografia das controvérsias aqui empreendida ajuda a compreender que a ação pública se constrói a partir de uma tecitura de atores, representações, processos, instrumentos e instituições ( Lascoumes; Le Gales, 2007Lascoumes, P.; Le Galès, P. Sociologie de l´action publique. Maceió: EDUFA, 2007. ). Retraçar a trajetória da política possibilita fazer emergir e reconstituir a balística dos problemas públicos, evidenciando a dimensão processual da política pública e sua configuração a partir das interações socioestatais, indo além de leituras normativas, lineares, evolutivas ou cíclicas, como é típico na análise de políticas públicas. Como defende Terzi (2015)Terzi, C. “The publicization of public space”. Environment and Planning A: Economy and Space, vol. 49, n° 3, 2015. , todo fenômeno social possui um componente narrativo que lhe é constitutivo. O esforço de recuperar esse componente narrativo torna-se importante não somente para o pesquisador, mas para os próprios atores que vivenciam e experienciam o problema, na medida em que possibilita conhecê-lo melhor, acessar o jogo de argumentos em torno da causa, das disputas e das controvérsias, gerando conhecimento para agir. Trata-se de sublinhar a operatividade da investigação e da experimentação na análise dos problemas e das políticas públicas, enquanto eles são produzidos, como propunha John Dewey (1927)Dewey, J. The public and its problems. Chicago: Swallow Press, 1927. nos seus trabalhos seminais (que foram, aliás, essenciais para o próprio surgimento da área de análise de políticas públicas com um dos seus pais fundadores: Laswell [1936]).

A análise do debate público evidencia que a tríade institucionalização, regulação e judicialização parece ser o vetor predominante adotado para fazer face aos problemas públicos enfrentados e promover a garantia de direitos de crianças e adolescentes no Brasil. Isso se evidencia quando observamos a crescente especialização do debate e uma institucionalização da política que vai ter como seus principais porta-vozes os seus operadores, em especial aqueles envolvidos não na promoção, mas no controle e no combate às violações de direitos. Esse processo de institucionalização da política gerou importantes avanços, como foi discutido, mas também implicou distorções que hoje são questionadas, reabrindo as caixas-pretas e gerando novas controvérsias sobre temas antes estabilizados ( Latour, 2012Latour, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA, 2012. ). Dentre essas destacam-se: (1) uma hipervalorização dos aparatos institucionais-legais para enfrentamento do problema público, especialmente aqueles ligados à violação de direitos; (2) o tratamento das crianças e dos adolescentes como “beneficiários” da política, vistos como vítimas e/ou culpados, mas ausentes enquanto protagonistas do debate público (os adultos experts são os principais porta-vozes de seus direitos); (3) uma frágil presença no debate das questões da família e das comunidades, como estabelecido na CF/88, na garantia de direitos, sendo mais tratada na discussão acadêmica; e (4) um olhar para a garantia de direitos mais relacionada a uma “gramática punitiva”, na qual crianças e adolescentes são vítimas ou infratores, do que “preventiva” ou de “promoção de direitos”, podendo levar à estigmatização no lugar de proteger aqueles que são atendidos por essa política.

O estudo também permitiu observar importantes avanços dentre os quais pode-se citar: (1) a diversificação e a ampliação do debate, bem como a crescente pluralidade de porta-vozes, com alargamento das arenas públicas em torno dessa causa ao longo do tempo; (2) o evidente aprofundamento do debate acadêmico sobre o tema, atuando os cientistas como importantes lançadores de alerta em questões pouco tratadas nos debates legal e político; (3) o aprendizado crescente e a especialização da política pública, amparados na ampliação das pesquisas e em investigações públicas sobre a matéria realizadas não somente por acadêmicos, mas por diversas comunidades epistêmicas que se formam em torno das causas da infância e da adolescência; (4) a criação de novas “gramáticas políticas”, dispositivos, instrumentos de política pública e regulações que se alimentam do debate público e promovem importantes avanços institucionais.

Tal leitura só foi possível em decorrência de uma análise que privilegia não a linearidade histórica, mas a performatividade ( Lemieux, 2017Lemieux, C. “Para que serve a análise de controvérsias?”. Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – UFJF, vol. 11, n° 3, 2017. ) dos diferentes públicos envolvidos na arena da garantia de direitos da criança e do adolescente no Brasil. Isso porque as mudanças no sentido atribuído aos problemas públicos e as ações para fazer face aos mesmos não são ditadas apenas pela mudança da “doutrina jurídica” e/ou nos aparatos legais, elas são construídas e colocadas em prática a partir das experiências que vivem os diferentes públicos que (con) formam as arenas públicas de promoção de direitos das crianças e adolescentes ( Cefaï, 2002Cefaï, D. Qu’est-ce qu’une arène publique? Quelques pistes pour une approche pragmatiste. In: Cefaï, D.; Joseph, I. (eds.). L’Héritage du pragmatisme. Conflits d’urbanité et épreuves de civisme. La Tour d’Aigues: Éditions de l’Aube, p. 15-47, 2002. ) e se nutrem também das visões de futuro (ou das possibilidades) concebidas (ou não) por eles.

Nos anos 1980, a visão predominante (mas não exclusiva) que nutria o debate público era a de reconhecer formalmente os direitos de crianças e dos adolescentes, resultando na sua incorporação na CF/88 e na promulgação ECA . Há uma intensa mobilização nesse período de atores-rede da sociedade civil, como a CNBB e a Pastoral do Menor, envolvendo inclusive as próprias crianças e adolescentes com o MNMMR, que se aliam com servidores públicos das Febens e Funabem e com a agenda internacional promovida aqui pela Unicef e atuam com campanhas e diversas outras frentes de mobilização importantes como a FNDDCA para “fazer ver” os problemas e promover a garantia legal dos direitos desse público no país. Havia uma crença nesse período de que a institucionalização dos direitos e a criação de dispositivos para sua efetivação seriam o principal caminho para fazer com que crianças e adolescentes brasileiros tivessem seus direitos garantidos, numa perspectiva republicana (de universalização). Temos aqui um importante período de denúncias e de mobilização nas arenas públicas, que será o motor de importantes avanços institucionais na década seguinte.

Porém, quando analisamos o debate dos anos 1990, observamos uma mudança nessa balística dos problemas públicos, denotando que o foco principal de atenção passa a ser o combate às violações de direitos . No lugar da preocupação com a universalização de direitos e da proteção integral, se fortalecem as denúncias e a busca por conhecer e investigar os casos de violações de direitos, motivadas pelo grande número de crianças e adolescentes submetidas ao trabalho infantil, que estavam fora da escola, que eram vítimas de abuso e exploração sexual e de maus-tratos. Como atores-rede, destacam-se, nessas investigações, a atuação dos órgãos de segurança e de controle, como o Ministério Público, a política do governo federal e as Comissões de Investigação do Legislativo e do Conanda. Como forma também de enfrentar tais violações, além da atuação governamental (voltada sobretudo para o público mais vulnerável), observa-se a atuação de empresas, institutos e fundações empresariais, por meio do Investimento Social Privado (ISP), direcionando também recursos a organizações da sociedade civil, com os fundos da criança instituídos pelo ECA.

Posteriormente, na década de 2000, observamos uma maior especialização da ação pública e do tratamento dos problemas ligados a crianças e adolescentes (ainda associados sobretudo aos casos de violação). Evidenciamos nos três campos (científico, técnico-legal e político ) um esforço de identificar, mensurar e compreender mais profundamente por meio de experimentações e pesquisas sistemáticas as causas e consequências da violação de direitos no país. Há uma maior preocupação dos porta-vozes para a responsabilização penal dos agressores e violadores de direitos. Diversas campanhas contra as violações são realizadas e é feita pressão contra o Poder Judiciário para agilizar os processos de punição. Além disso, são criadas diversas leis, definindo novos crimes e intensificando as penas sobre diversos tipos de violências cometidas contra crianças e adolescentes. Um importante debate que emerge nos anos 2000 e se intensifica em 2010 traz uma crítica à clivagem entre aquilo que foi instituído na legislação e os instrumentos para a operacionalização da política e os seus efeitos . Há também uma ampla discussão sobre a ineficiência da política e sua incapacidade de responder aos inúmeros casos e o amplo rol de violações, bem como as consequências não desejáveis da opção pela institucionalização e judicialização para garantir direitos.

Quanto aos atores-rede, percebe-se, na década de 2000, um maior protagonismo de atores governamentais enquanto porta-vozes da política e que, durante os governos do então presidente Lula, a agenda da criança e do adolescente ganha maior importância. Já o poder legislativo aparece com menos expressão no debate, mas sob uma pauta relevante de discussão, que ocorreu em dois momentos da década, referente à redução da maioridade penal. Os instrumentos de ação pública ampliam-se e diversificam-se no período, assim como os porta-vozes em sua grande maioria experts , denotando a especialização do debate. Apesar da legislação ter instituído novos princípios orientadores como a proteção integral e novas formas de fazer, incentivando a articulação e a descentralização político-administrativa, com a municipalização da política, o debate evidencia a permanência de visões de mundo, de práticas e instrumentos, que parecem apenas “mudar de nome” após a promulgação do ECA. Essa clivagem é criticada, especialmente no campo científico, que vai também analisar iniciativas que tentam diminuir esse gap entre a regulação e a prática.

O debate sobre o “fracasso da política” se intensifica em 2010 sobre os efeitos da implementação do ECA, após seus 20 anos de promulgação, reabrindo diversas “caixas-pretas ” e trazendo reflexões sobre a baixa eficiência e efetividade da política, suas estratégias e instrumentos. Nesse sentido, destaca-se o debate sobre outras formas de garantir direitos para além da institucionalização, como o fortalecimento da convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes ou ainda a revalorização de uma visão de proteção integral , a partir de uma lógica preventiva e de universalização de direitos e não apenas punitiva e de combate a sua violação. Quanto a esses aspectos, o debate acadêmico recente parece assumir uma importante função de “lançador de alerta” ( Chateauraynaud, 2011Chateauraynaud, F. Argumenter dans un champ de forces. Essai de balistique sociologique. Paris: Pietra, 2011. ).

Por outro lado, a partir de 2015, as discussões sobre a maioridade penal, a ampliação das desigualdades e consequentemente dos casos de violações de direitos, os cortes orçamentários, num quadro de instabilidade democrática agravados, mais recentemente, pela pandemia de COVID-19, trazem para o centro do debate “antigas” visões ou concepções do problema que já pareciam superadas ou estabilizadas. A “hegemonia cultural” ( Cefaï, 2002Cefaï, D. Qu’est-ce qu’une arène publique? Quelques pistes pour une approche pragmatiste. In: Cefaï, D.; Joseph, I. (eds.). L’Héritage du pragmatisme. Conflits d’urbanité et épreuves de civisme. La Tour d’Aigues: Éditions de l’Aube, p. 15-47, 2002. ) parece nesse caso ainda exercer influência sobre a experiência da ação pública. Isso confirma o que destacam vários estudos recentes sobre o direito das crianças e adolescentes no Brasil ( Barbiani, 2016Barbiani, R. “Violação de direitos de crianças e adolescentes no Brasil: interfaces com a política de saúde”. Saúde Debate, vol. 40, n° 109, p. 200-211, abr.-jun. 2016. ; Nemer et al., 2020Nemer, M. R., et al. “Violation of children and adolescents rights – te profile of a southern state in Brasil”. Acta Scientiarium-Health Sciences, vol. 42, e44453, 2020. ) e na América Latina (Bustello, 2012; Magistris, 2013Magistris, G. P. El magnetismo de los derechos: desplaciamentos y debates en torno a los derechos de niñas e niños y adolescentes. Buenos Aires: Clasco, 2013. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/posgrados/20140207020945/Magistris.pdf>. Acesso em: dia abr. 2020.
http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/p...
; Bácares Jara, 2019Bácares Jara, C. B. “Los derechos de los niños, niñas e adolescents: une reflexión sobre las resistencias, fenómenos y atores que los modulan, determinas e aplazan en America Latina”. Infâncias. Imagenes, n° 1 p. 51-67, ene.-jun., 2019. ) que mostram uma tendência ao mimetismo nas políticas públicas que promovem o direito das crianças e adolescentes na região. Estas tendem a se concentrar mais na “administração dos direitos”, numa perspectiva burocrática do que na sua promoção e proteção. Isso leva, como denuncia Bácares Jara (2019)Bácares Jara, C. B. “Los derechos de los niños, niñas e adolescents: une reflexión sobre las resistencias, fenómenos y atores que los modulan, determinas e aplazan en America Latina”. Infâncias. Imagenes, n° 1 p. 51-67, ene.-jun., 2019. , a uma certa “demagogia legalista” e a um formalismo ( Guerreiro Ramos, 1966Guerreiro Ramos, A. Administração e contexto brasileiro. São Paulo: FGV, 1966. ), fazendo com que a política tenha um papel mais reativo e compensatório e acabe por negligenciar as próprias crianças e adolescentes, suas famílias e o seu papel nessa política, tornando suas demandas e anseios muitas vezes invisíveis.

A construção das políticas públicas é um processo coletivo, contínuo, não linear e que ocorre nas interações socioestatais, sendo influenciada pelo debate público e pelas ações promovidas nas arenas públicas. As mandalas das controvérsias de cada década são representações gráficas que ilustram os “repertórios da gramática pública” ( Thévenot, 2007Thévenot, L. L’Action au pluriel. Sociologie des régimes d’engagement. Paris: La Découverte, 2007. ) fruto do debate em cada período, demonstrando uma construção coletiva de aprendizados, mas também de recursividades, como a visão de mundo “menorista” que ainda está longe de ser superada. A análise aponta para uma clara necessidade de repensar a operação da política e da ação públicas, tendo em vista o ideal da proteção integral, num contexto de evidente retrocesso nos últimos anos.

Nesse sentido, além de apresentar alguns elementos de resposta para compreender a trajetória da política pública de garantia de direitos da criança e do adolescente nesses trinta anos, este artigo pretendeu contribuir também para fazer avançar o debate no âmbito da análise das políticas públicas no Brasil. A partir de uma perspectiva pragmatista, buscamos mostrar as potencialidades do método da análise de controvérsias quando aplicado para o estudo das políticas públicas, na tentativa de transpor a dicotomia classicamente colocada entre as tradições de policy analysis (análise racional de políticas públicas) e de policy studies (análises interpretativas das políticas públicas) (Howlett; Ramesh; Perl, 2013).

A análise realizada demonstra que a política pública não pode ser pensada apenas a partir de uma perspectiva meramente racional e formal, nem de uma leitura eminentemente metafísica ou normativa. A política pública aqui estudada se produz na interconexão entre diferentes escalas, instituições, porta-vozes e instrumentos, a partir do enfrentamento de diversas “situações de prova” e dos aprendizados produzidos nesse percurso ao longo do tempo. Para o fortalecimento da democracia, são fundamentais tais momentos em que os atores são capazes de se apropriar do debate público e performar a opinião pública, concebendo noções de “futuro comum”, promovendo novas experimentações frente aos problemas públicos que enfrentam. Nesse sentido, o espaço das experiências locais se configura também como importante lócus para esse aprendizado cívico, por meio da promoção de inovações sociais que permitam construir novas respostas e promover contra-argumentos que possam gerar novas narrativas, ações e práticas para fazer face ao paradoxo da institucionalização. No local, os atores podem “reinterpretar” esses desafios, experimentar respostas e co-construir novos horizontes possíveis.

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  • 4
    A balística dos problemas públicos é aqui analisada a partir da noção desenvolvida por Chateauraynaud (2011)Chateauraynaud, F. Argumenter dans un champ de forces. Essai de balistique sociologique. Paris: Pietra, 2011. . O autor propõe um método de análise das ações coletivas que permite uma certa modelização, deixando abertas as trajetórias possíveis desses problemas. A balística, como no caso de um projétil, refere-se às direções que assumem a trajetória dos problemas públicos, considerando a realidade socio-histórica das disputas e a maneira como os atores orientam e reorientam as causas nessa realidade. Segundo o autor, um dos principais recursos capazes de dar uma nova direção às trajetórias refere-se à capacidade argumentativa dos protagonistas ou porta-vozes, capacidade que não é dada a priori, mas que se desenvolve em contextos institucionais, mais ou menos favoráveis a essas argumentações.
  • 5
    Consideramos que os autores aqui citados no campo da administração pública e da análise de políticas públicas situam-se num movimento mais amplo de renovação que ocorre nas ciências sociais contemporâneas, discutido por autores como Cefaï (2009)Cefaï, D. “Como nos mobilizamos? A contribuição de uma abordagem pragmatista para a sociologia da ação coletiva”. Dilemas, vol. 2, n° 4, p. 11-48, 2009. , Chateauraynaud (2017)Chateauraynaud, F. “A captura como experiência. Investigações pragmáticas e teorias do poder”. RBCS. vol. 32, n° 95, 2017. e Corrêa (2014Corrêa, D. “Do problema social ao social como problema: elementos para uma leitura da sociologia pragmática francesa”. Política & Trabalho, vol. 40, p. 35-62, 2014. , 2019Corrêa, D. A sociologia pragmática em três gestos. In: Cantu, R., et al. Sociologia crítica e pragmatismo: diálogos entre França e Brasil. Campinas: Pontes Editores, 2019. ). Esse movimento não é homogêneo e é composto por diferentes tradições teóricas, como a teoria da capacidade crítica ( Boltanski; Thévenot 1991Boltanski, L.; Thévenot, L. De la justification. Paris: Gallimard, 1991. ), a teoria da rede do ator ( Latour, 2012Latour, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA, 2012. ), a teoria da ação situada ( Quéré, 2002Quéré, L. La structure de l’expérience publique d’un point de vue pragmatiste. In: Cefaï, D.; Joseph, I. (dir.). L’héritage du pragmatisme. Conflits d’urbanité et épreuves de civisme. Paris: Ed. de l’Aube, 2002. ), apenas para citar alguns. Esse movimento tem sido caracterizado por alguns autores como uma “virada pragmática” nas ciências sociais ou como um movimento plural que estabelece novas epistemologias, posturas e caminhos metodológicos para os cientistas sociais (Frega, 2016; Corrêa, 2019Corrêa, D. A sociologia pragmática em três gestos. In: Cantu, R., et al. Sociologia crítica e pragmatismo: diálogos entre França e Brasil. Campinas: Pontes Editores, 2019. ).
  • 6
    Ver Quadro 1 no Apêndice do artigo, disponível no site do Cesop, na seção “Revista Opinião Pública”, na página deste artigo: <https://www.cesop.unicamp.br/por/opiniao_publica>.
  • 7
    A lista de todos os documentos analisados separados por campo pode ser acessada no Apêndice a este artigo (Quadros 3, 4 e 5).
  • 8
    Privilegiamos a seção “O País” por esta veicular notícias nacionais, porém, temos consciência que nesse debate nem todas as regiões podem estar igualmente representadas.
  • 9
    A escolha dessa mídia foi realizada porque o Jornal O Globo, juntamente com os jornais Folha de São Paulo, Correio Brasiliense e O Estado de São Paulo, é um dos jornais impressos com maior influência, tiragens e circulação no Brasil. Além disso, o Jornal O Globo possui uma plataforma online de busca estruturada e com diversas opções de filtrar as pesquisas realizadas. O Acervo online permite o acesso à versão digital de todas as páginas e matérias do jornal publicadas desde a sua primeira edição, em 29 de julho de 1925, disponível em: < http://acervo.oglobo.globo.com> . A escolha de um veículo de imprensa contém sempre em si limitações que podem influenciar nos resultados da pesquisa, porém uma análise de diversas mídias implicaria também uma amplitude que tornaria a pesquisa inviável. Para evitar vieses, partimos de um amplo espectro de 320 notícias e cruzamos os achados com o debate científico e técnico legal, como descrito.
  • 10
    A experiência foi também importante nesse caso, já que a primeira autora atua e pesquisa direitos das crianças e adolescentes desde o início da década de 1990, tendo acompanhado muitos dos acontecimentos discutidos neste artigo. A segunda autora também atua no campo desde 2009, tendo realizado sua dissertação de mestrado sobre o tema de 2014 a 2015. Já o terceiro autor realizou uma tese de doutorado sobre o tema de 2016 a 2020. Destaca-se que o que se apresenta aqui é uma síntese dos estudos, ancorada nos principais resultados e evidências. Para um maior aprofundamento ver: Gonsalves (2015)Gonsalves, A. K. R. Sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente como ação pública: uma análise multiescalar no município de Florianópolis. Dissertação de Mestrado em Administração Pública e Sociedade. Universidade do Estado de Santa Catarina. Florianópolis (SC), 2015. e Magalhães (2021)Magalhães, T. G. Garantir direitos não é brincadeira! Investigação, experimentação e inovação social na política pública de proteção integral de crianças e adolescentes em Florianópolis. Tese de Doutorado em Administração Pública e Sociedade. Universidade do Estado de Santa Catarina. Florianópolis (SC), 2021. .
  • 11
    Para se ter uma ideia das inúmeras possibilidades e diversidade de representação gráficas para o mapeamento de controvérsias, há diversas redes e plataformas que concentram os resultados de pesquisas como: MACOSPOL ( Mapping Controversies On Science For Politics ); DMI ( Digital Methods Initiative ); MEDEA ( Mapping Environmental Debate On Adaptation ), FORCCAST ( Formation À La C.C. Pour L’analyse de Sciences et des Techniques ).
  • 12
    O Quadro 6 do Apêndice aborda brevemente os antecedentes históricos à promulgação do ECA, com base na literatura de referência, com vistas a localizar melhor os desdobramentos ocorridos, a partir da segunda metade dos anos 1980 (período que iniciamos a análise). Esse quadro visa localizar o leitor em relação aos principais marcos antes da promulgação do ECA, a partir de revisão da literatura, e não se pretende aqui apresentar uma análise exaustiva desse período, o que fugiria aos objetivos e ao escopo deste artigo.
  • 13
    Ver p. 15.
  • 14
    Trata-se aqui, como citado, da Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBM) regulada nesse período pela Lei nº 4.513, de 1º de dezembro de 1964 que cria a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) a ela incorporando o patrimônio e as atribuições do Serviço de Assistência a Menores. Tal lei foi revogada após a promulgação do ECA em 1990.
  • 15
    O primeiro CIAC foi inaugurado pelo presidente Fernando Collor em 1991 na cidade de São Paulo, caracterizando um programa cuja proposta pedagógica era de concentrar em um mesmo local diversos serviços destinados à criança e ao adolescente, como educação, saúde, esporte e lazer ( O Globo, 1991)O Globo. Plano de proteção a menor é lançado. O Globo: O País. 5 abr. 1991. .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    26 Abr 2021
  • Revisado
    14 Dez 2021
  • Aceito
    4 Nov 2022
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