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Camadas de tempestito grosso (coarse grained storm beds): exemplos do Permiano da bacia do Paraná

Resumos

Tempestitos grossos constituem camadas delgadas de conglomerado gradando a arenito, com estratificação cruzada seguida de laminação ondulada truncante a simétrica e de drape/flaser de siltito/folhelho. Cinco exemplos extraídos do Permiano da bacia do Paraná ilustram esse tipo de depósito: três deles são de rochas siliciclásticas, contendo bioclastos de bivalves e vertebrados (Formação Rio Bonito-Membro Triunfo e Formação Palermo), enquanto os outros dois são de rochas carbonática e fosfática (respectivamente, formações Teresina e Corumbataí do Grupo Passa Dois). O componente tracional da base do tempestito grosso apresenta-se como arenite quartzoso/lítico ou grainstone oolítico com cimento calcífero preenchendo poros (casos das formações Palermo e Teresina). Em sua maioria, os tempestitos grossos constituem pavimentos transgressivos intercalados em folhelhos ou tempestitos finos (arenitos muito finos a folhelhos com estratificação ondulada truncante-hummocky). Em outro caso, extraído de subsuperfície, o pavimento transgressivo ocorre na base de uma sucessão progradante de barra de plataforma. O tempestito grosso da Formação Teresina constitui um evento transgressivo sobreposto a depósitos de barra de plataforma.

Camada de tempestito grosso; processo tracional e oscilatório; Permiano; bacia do Paraná


Coarse-grained storm beds are formed by cross-bedded to symmetrically-rippled conglomerate and sandstone, followed by drape or flaser of siltstone/shale. Five examples from the Permian of Paraná Basin illustrate this type of deposit: three of them are bioclast-bearing siliciclastic rocks of Rio Bonito (Triunfo Member) and Palermo formations, while the other two are carbonate and phosphate rocks of Teresina and Corumbataí formations. The traction component at the base of coarse-grained storm beds is represented by quartzose arenite or oolitic grainstone with cavity-filling calcite cement (Palermo and Teresina formations). Most of the coarse-grained storm beds are transgressive lags intercalated in shales and fine tempestites (hummocky cross-bedded, very fine sandstones and siltstones); in one case, from subsurface, the transgressive lag occurs at the base of a prograding offshore bar. The example from Teresina Formation represents a transgressive event overlying offshore bar deposits.

Coarse-grained storm bed; traction and oscillatory processes; Permian; Paraná basin


Camadas de tempestito grosso (coarse grained storm beds): exemplos do Permiano da bacia do Paraná

Joel C. de Castro

Departamento de Geologia Aplicada, I.G.C.E./UNESP, Campus de Rio Claro/SP

Rosemarie Rohn

Departamento de Geologia Aplicada, I.G.C.E./UNESP, Campus de Rio Claro/SP

Marília R. de Castro

Pós-graduando, I.G./USP, S. Paulo

Carlos Eduardo V. Toledo

Pós-graduando, I.G.C.E./UNESP, Rio Claro

Resumo

Tempestitos grossos constituem camadas delgadas de conglomerado gradando a arenito, com estratificação cruzada seguida de laminação ondulada truncante a simétrica e de drape/flaser de siltito/folhelho. Cinco exemplos extraídos do Permiano da bacia do Paraná ilustram esse tipo de depósito: três deles são de rochas siliciclásticas, contendo bioclastos de bivalves e vertebrados (Formação Rio Bonito-Membro Triunfo e Formação Palermo), enquanto os outros dois são de rochas carbonática e fosfática (respectivamente, formações Teresina e Corumbataí do Grupo Passa Dois). O componente tracional da base do tempestito grosso apresenta-se como arenite quartzoso/lítico ou grainstone oolítico com cimento calcífero preenchendo poros (casos das formações Palermo e Teresina). Em sua maioria, os tempestitos grossos constituem pavimentos transgressivos intercalados em folhelhos ou tempestitos finos (arenitos muito finos a folhelhos com estratificação ondulada truncante-hummocky). Em outro caso, extraído de subsuperfície, o pavimento transgressivo ocorre na base de uma sucessão progradante de barra de plataforma. O tempestito grosso da Formação Teresina constitui um evento transgressivo sobreposto a depósitos de barra de plataforma.

Palavras-chave: Camada de tempestito grosso, processo tracional e oscilatório, Permiano, bacia do Paraná.

Abstract

Coarse-grained storm beds are formed by cross-bedded to symmetrically-rippled conglomerate and sandstone, followed by drape or flaser of siltstone/shale. Five examples from the Permian of Paraná Basin illustrate this type of deposit: three of them are bioclast-bearing siliciclastic rocks of Rio Bonito (Triunfo Member) and Palermo formations, while the other two are carbonate and phosphate rocks of Teresina and Corumbataí formations. The traction component at the base of coarse-grained storm beds is represented by quartzose arenite or oolitic grainstone with cavity-filling calcite cement (Palermo and Teresina formations). Most of the coarse-grained storm beds are transgressive lags intercalated in shales and fine tempestites (hummocky cross-bedded, very fine sandstones and siltstones); in one case, from subsurface, the transgressive lag occurs at the base of a prograding offshore bar. The example from Teresina Formation represents a transgressive event overlying offshore bar deposits.

Keywords: Coarse-grained storm bed, traction and oscillatory processes, Permian, Paraná basin.

Geologia

1. Introdução

Tempestitos de granulometria grossa, ou simplificadamente "tempestitos grossos" (coarse grained storm beds) são camadas com espessura centimétrica a decimétrica, formadas por conglomerados e/ou arenitos conglomeráticos, ou por arenitos grossos gradando a siltitos, que representam uma gradação de processos tracionais (estratificação cruzada) para oscilatórios (microestratificação ondulada truncante= microhummocky, seguida de laminação ondulada, drape ou flaser). Os tempestitos grossos ocorrem como estratos isolados no meio de folhelhos ou de tempestitos finos clássicos (com estratificação ondulada truncante =hummocky), estes constituindo sucessões com espessamento dos estratos no sentido ascendente, atribuídos a barras de plataforma. Outro elemento característico dos tempestitos grossos é a presença de clastos de folhelho e bioclastos de bivalves e vertebrados.

Cheel e Leckie (1992) apresentam uma excelente síntese sobre esse tipo de depósito marinho, observando a sua ocorrência na superfície transgressiva basal de sucessões progradantes (como lag transgressivo), ou como intercalações em depósitos de shoreface e intermarés. O modelo proposto pelos autores indica um intervalo conglomerático com estratificação cruzada e um intervalo arenoso com laminação paralela, este limitado por "marcas simétricas" passando de médio a pequeno porte (Figura 1). Nos casos discutidos no presente trabalho, notar-se-á que o intervalo arenoso é formado por microestratificação e laminação ondulada truncante (microhummocky e truncated wave ripple), originado de fluxo oscilatório.

Figura 1
- Interpretação de camadas de tempestade de granulação grossa e fina; os comprimentos dos vetores de corrente (unidirecional ou oscilatória) são proporcionais à "força" (strenght) das correntes em uma dada direção e não à sua duração. Os folhelhos limitantes representam a sedimentação normal e pós-tempestade (Cheel & Leckie, 1992).

Nessa comunicação são descritas cinco ocorrências de tempestitos grossos em diferentes unidades do Permiano da bacia do Paraná: três no Grupo Guatá, das quais duas no Membro Triunfo/Formação Rio Bonito e uma na Formação Palermo, e duas no Grupo Passa Dois. A maioria dos estratos analisados é de composição siliciclástica, mas também inclui calcarenitos oolíticos e fosfatos (bone beds), indicando a abrangência do processo para qualquer tipo de partícula em ambiente marinho dominado por ondas de tempestades.

2. Tempestitos grossos na bacia do Paraná

Quatro dos cinco exemplos de tempestitos grossos foram observados em afloramentos e um em subsuperfície (2-RD-1-RS, Figura 2). Os tempestitos são descritos em ordem estratigráfica, dos antigos para os mais novos.

Figura 2
- Perfis faciológicos de afloramentos e testemunho das unidades estudadas. Em cada perfil, setas mostram a posição dos tempestitos grossos.
 

Formação Rio Bonito, Membro Triunfo

Esse afloramento do Membro Triunfo está localizado na rodovia Itaió - Rio da Anta, 3km após cruzar o rio Hercílio (SC). Dois conjuntos de estratos de tempestitos grossos ocorrem dentro de um intervalo de folhelho cinza-escuro com 3m de espessura; esse intervalo marinho está intercalado em depósitos fluviais (Castro, 1998; Figura 2-A). Nota-se na Figura 3-A que cada conjunto de estratos é composto de arenitos, amalgamados ou separados por flasers ou drapes síltico-argilosos; o conjunto inferior tem 20cm de espessura e o superior alcança 30cm. O estrato basal do conjunto inferior é formado por arenito grosso, com estratificação cruzada e ondulação simétrica de topo (com cristas orientados 110-140o), e por interlaminação arenito-folhelho (wavy) e flaser de folhelho.

Figura 3
- Fotografias ilustrativas dos perfis apresentados na Figura 2.

Formação Rio Bonito, Membro Triunfo

O segundo exemplo provém de subsuperfície: a sondagem 2-RD-1-RS, em Ronda Alta (RS), testemunhou uma sucessão granocrescente - granodecrescente de barra de plataforma, tendo na base um estrato de tempestito grosso (Figura 2-B).

As fácies da porção granocrescente indicam um arrasamento ascendente: (a) ritmito areno-argiloso, milimétrico a centimétrico, com aleitamento gradacional e freqüente bioturbação horizontal; (b) arenito muito fino gradando a siltito, com aleitamento gradacional e microestratificação ondulada truncante (microhummocky); (c) arenito muito fino a fino com estratificação ondulada truncante (hummocky). A porção granodecrescente superior corresponde a um aprofundamento da barra, devido à subida do nível do mar (Figura 2-B).

O estrato de tempestito grosso subjacente à barra tem 10cm de espessura e apresenta aleitamento gradacional com uma típica diminuição granulométrica e de energia no sentido ascendente (Figura 3-B). Na base, ocorre arenito grosso, com abundantes clastos achatados de folhelho e estratificação cruzada acanalada (tração); seguem-se arenitos finos e muito finos, com laminação ondulada truncante (suspensão). O intervalo basal contém bioclastos de bivalves e o intervalo superior exibe lâminas micáceas que realçam as pequenas ondulações truncantes (Figura 3-B).

Formação Palermo

O terceiro exemplo do Grupo Guatá é oriundo do km 135,5 da rodovia Limeira-Piracicaba (SP). O afloramento tem 12m de altura e é representado por 3m de siltito arenoso com estratificação planar a ondulada truncante (hummocky), sobreposto por 9m de siltito esverdeado; este apresenta bancos delgados (5-40cm) de conglomerado a arenito grosso, com estratificação cruzada e drapes/couplets de folhelho. Os seixos do conglomerado são predominantemente de sílex, arredondados ou facetados, e provavelmente se originaram por erosão da Formação Rio Bonito sotoposta.

No siltito arenoso inferior, os tempestitos grossos constituem dois estratos delgados, com espessura de 5 a 10cm (Figura 2-C). Cada estrato de tempestito grosso apresenta base e topo abruptos e, localmente, forma de canal; é composto de arenito grosso/conglomerático com provável estratificação cruzada, sendo freqüentes bioclastos de bivalves e mesmo de vertebrados (Figura 3-D). O estrato inferior tem base erosiva apoiada em um substrato com escavações verticais e horizontais (Assembléia de Glossifungites; F. W. Tognoli, informação verbal), configurando um lag transgressivo sobre uma superfície submarina de omissão (Figura 3-C).

Ao microscópio petrográfico é possível observar a fração mais grossa composta de grãos de chert (diferentes tipos) e quartzo policristalino, e também bivalves; destaca-se um cimento calcífero de preenchimento de cavidade, indicando alta energia durante a deposição do estrato (Figura 3-E).

Formação Corumbataí

Outro exemplo ocorre no cruzamento das rodovias Washington Luiz e Charqueada-Araras, no contorno da cidade de Rio Claro (SP). Aqui há cerca de 20m de folhelhos, siltitos e arenitos muito finos, com estratificação e laminação onduladas truncantes, característicos do ambiente plataformal onde se depositou aquela unidade que representa o Grupo Passa Dois na margem aflorante paulista. O tempestito grosso é rico em restos fosfáticos (bone bed) e ocorre na parte superior do afloramento, imediatamente acima de um nível de tempestito fino (Toledo et al., 1997; Figura 4-A).

Figura 4 - A
. Bone bed (espessura 2cm) intercalado em estratos tempestíticos síltico-argilosos da Formação Corumbataí. O tempestito grosso de grãos fosfáticos apresenta um drape argiloso, indicando tratar-se de dois estratos amalgamados.

O intervalo de tempestito grosso é formado por dois estratos: o inferior, mais lenticular, contém bivalves e vertebrados, enquanto o superior, com distribuição mais uniforme, tem 2cm de espessura e é dominado por fragmentos de vertebrados (peixes). Nota-se, no bone bed superior, que o estrato é subdividido em duas partes, separadas por drape de folhelho, representando dois eventos distintos de tempestade. Também se notam, localmente, a base acanalada e o topo ondulado desse estrato, atestando a natureza oscilatória do fluxo de tempestade (Figura 4-A). Ao microscópio observam-se uma intensa cimentação do espaço poroso por sílica e, localmente, calcita, indicando uma alta energia trativa quando da formação do estrato.

Formação Teresina

O quinto exemplo provém da pedreira velha de Prudentópolis (PR), onde Rohn (1994) observou um tempestito grosso carbonático entre rochas siliciclásticas finas (arenitos/folhelhos interlaminados por ondas com acamamento wavy, outros tempestitos finos e siltitos com macrovegetais, carófitas e ostracodes fósseis; Figura 2E).

O tempestito grosso corresponde a um corpo extenso de aproximadamente 30cm de espessura, com base plana e topo ondulado (Figura 4-B). É composto por calcarenito oolítico/bioclástico, gradando para siltito no topo (Figuras 4-B, C). Os bioclastos são conchas não fragmentadas de bivalves, às vezes articuladas fechadas. Internamente o tempestito mostra variações na concentração, orientação e seleção das conchas, organizadas entre amplas superfícies onduladas, evidenciando amalgamação de estratos. A Figura 4-C destaca a porção superior do tempestito (9cm), onde ocorrem valvas orientadas, clastos argilosos e estratificação cruzada na parte inferior, granodecrescência e aumento de argilosidade no sentido ascendente, estratificação ondulada truncante (microhummocky), seguida de um drape síltico sinusoidal, na porção superior.

Ao microscópio, destaca-se o cimento espático diagnóstico de um grainstone formado por processostracionais (Figura 4-E).

3. Conclusões

Os tempestitos grossos (coarse grained storm beds)constituem eventos geológicos representados por camadas delgadas (5-40cm) de arenito grosso-conglomerático a fino, com estratificação cruzada, passando a laminação ondulada truncante/sinusoidal, e portando drapes e flasers argilosos no topo de cada estrato; bioclastos de bivalves e de vertebrados são comuns. Essa sucessão gradacional e granodecrescente revela uma evolução de fluxos gravitacionais a oscilatórios, atestada respectivamente pela presença de cimentos nos espaços intergranulares e de lâminas micácea-argilosas. A composição das partículas é siliciclástica, carbonática ou fosfática.

Em dois dos casos apresentados, o Membro Triunfo (superfície) e a Formação Palermo, os tempestitos grossos ocorrem intercalados em depósitos marinhos plataformais. No caso do Membro Triunfo de subsuperfície, o estrato de tempestito grosso representa um evento transgressivo, sobreposto a depósitos de planície deltaica, e antecedente à construção de uma barra de plataforma. No Grupo Passa Dois, os tempestitos grossos são de natureza fosfática ou carbonática e constituem, respectivamente, lags ou sistemastransgressivos, interpondo-se entre sistemas siliciclásticos de plataforma. A fisiografia da plataforma provavelmente foi idêntica àquela dos modelos de mares epicontinentais, porém o registro paleontológico descarta a comunicação direta da água com o oceano, durante o Neopermiano.

Artigo recebido em 02/07/2001.

  • CASTRO, M.R. Fácies e evolução estratigráfica das formações Rio do Sul e Rio Bonito (Membro Triunfo) no vale do Rio Hercílio, SC Rio Claro: Instituto de Geociências e Ciências Exatas, UNESP, Campus de Rio Claro, 1998. 113p. (Dissertação de Mestrado).
  • CHEEL, R.J., LECKIE, D.A. Coarse-grained storm beds of the Upper Cretaceous Chungo Member (Wapiabi Formation), southern Alberta, Canada. Journal of Sedimentary Petrology, v. 62, n. 6, p. 933-945,1992.
  • ROHN, R. Evolução ambiental da bacia do Paraná durante o Neopermiano no leste de Santa Catarina e do Paraná São Paulo: Instituto de Geociências, Universidade de S. Paulo, 1994. 386p. (Tese de Doutora-mento).
  • TOLEDO, C.E.V., MASSON, M.R., BERTINI, R.J. Lithosedimentological analysis of a bone-bed with vertebrate remains from Corumbataí Formation (Upper Permian) near Rio Claro City, State of S. Paulo (Brazil). Boletim de Resumos, In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PALEONTOLOGIA, 15. S.B.P. S. Pedro, UNESP, 1997. p.159.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2002
  • Data do Fascículo
    Jul 2001

Histórico

  • Recebido
    02 Jul 2001
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