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Malondialdeído e grupo sulfidrila como biomarcadores do estresse oxidativo em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico

Resumos

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença autoimune de origem desconhecida, associada ao estresse oxidativo. O presente estudo teve como objetivo investigar a presença de estresse oxidativo em pacientes com LES recém-diagnosticado. Pacientes com LES (n = 36) e controles (n = 28) foram incluídos no estudo. Amostras de sangue foram usadas para dosagem de malondialdeído (MDA), grupo sulfidrila (SH) e ácido úrico no soro. Os níveis de MDA (µmol/L) foram maiores nos pacientes (3,9 ± 2,6) que nos controles (1,6 ± 2,6). Os níveis de SH foram significativamente menores nos pacientes. Os achados sugerem que o MDA pode ser um bom marcador de estresse oxidativo no LES.

estresse oxidativo; antioxidantes; lúpus eritematoso sistêmico; ácido úrico


Systemic lupus erythematosus (SLE) is an autoimmune disease of unknown origin associated with oxidative stress. The present study aimed to investigate the presence of oxidative stress in patients with newly diagnosed SLE. SLE patients (n = 36) and control subjects (n = 28) were enrolled in this study. Blood samples were used for malondialdehyde (MDA), sulfhydryl groups (SH) and uric acid determination. MDA levels (µmol/L) were higher in patients (3.9 ± 2.6) than in control subjects (1.6 ± 2.6). SH were significantly lower in SLE patients. The findings suggest that MDA can be a good marker of oxidative stress in SLE.

oxidative stress; antioxidants; lupus erythematosus systemic; uric acid


COMUNICAÇÃO BREVE

Malondialdeído e grupo sulfidrila como biomarcadores do estresse oxidativo em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico

Yenly G. PérezI; Lissett Caridad González PérezI; Rita de Cássia M. NettoII; Domingos S. N. de LimaIII; Emerson S. LimaIV

IAluno de Medicina, Universidade Federal do Amazonas - UFAM

IIPós-graduando, Instituto de Genética e Bioquímica, Universidade Federal de Uberlândia - UFU

IIIDoutor; Médico Reumatologista, Hospital Universitário Getúlio Vargas

IVDoutor; Professor-Adjunto, Faculdade de Ciências Farmacêuticas, UFAM

Correspondência para Correspondência para: Emerson S. Lima Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Universidade Federal do Amazonas CEP: 69010-300. Manaus, AM, Brasil E-mail: eslima@ufam.edu.br

RESUMO

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença autoimune de origem desconhecida, associada ao estresse oxidativo. O presente estudo teve como objetivo investigar a presença de estresse oxidativo em pacientes com LES recém-diagnosticado. Pacientes com LES (n = 36) e controles (n = 28) foram incluídos no estudo. Amostras de sangue foram usadas para dosagem de malondialdeído (MDA), grupo sulfidrila (SH) e ácido úrico no soro. Os níveis de MDA (µmol/L) foram maiores nos pacientes (3,9 ± 2,6) que nos controles (1,6 ± 2,6). Os níveis de SH foram significativamente menores nos pacientes. Os achados sugerem que o MDA pode ser um bom marcador de estresse oxidativo no LES.

Palavras-chave: estresse oxidativo, antioxidantes, lúpus eritematoso sistêmico, ácido úrico.

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença autoimune crônica caracterizada por amplo espectro de manifestações clínicas, com produção de diversos autoanticorpos e deposição de complexos imunes fixadores de complemento, resultando em lesão dos tecidos.1 Embora a causa específica do LES seja desconhecida, vários estudos associam a doença a imunidades celular e humoral defeituosas, provavelmente influenciadas por fatores genéticos, ambientais e hormonais.2,3

Acredita-se que radicais livres e outras espécies reativas de oxigênio/nitrogênio/cloro contribuam para a ocorrência de várias doenças crônicas, causando estresse e lesão oxidativos. As doenças em que a lesão oxidativa foi implicada são câncer, aterosclerose, doença de Alzheimer, diabetes mellitus e doenças autoimunes.4-8

Muitos estudos clínicos se concentram na mensuração da lesão oxidativa mediante o uso de biomarcadores - oxidantes e antioxidantes. O malondialdeído (MDA), um produto da oxidação da lipoperoxidação, tem sido detectado em níveis elevados em várias doenças.9 Os grupos sulfidrila (SH) são considerados os maiores e mais frequentes antioxidantes no plasma.10 Diversos estudos experimentais apontam para um papel qualitativa e quantitativamente importante do ácido úrico como substância antioxidante, funcionando como eliminador de radicais livres e quelador de íons metálicos temporários, que são convertidos em formas pouco reativas.11

A finalidade deste estudo foi determinar a presença de estresse oxidativo em pacientes com LES, mediante a determinação desses biomarcadores nas amostras de sangue. Os parâmetros foram correlacionados com atividade da doença e comorbidades; os resultados foram comparados com indivíduos normais no grupo-controle.

O estudo abrangeu 36 pacientes com LES e 28 voluntários saudáveis (controles) com idades entre 10 e 56 anos. O diagnóstico baseou-se em pelo menos quatro dos 11 critérios diagnósticos estabelecidos pelo American College of Rheumatology (ACR).12 Todos os pacientes estavam em tratamento, e a atividade da doença foi avaliada pelo Systemic Lupus Erythematosus Disease Active Index (SLEDAI, do inglês, Índice de Atividade da Doença em Lúpus Eritematoso Sistêmico). A doença era considerada ativa quando SLEDAI > 6.13 O protocolo do estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Pesquisas com Seres Humanos da Universidade Federal do Amazonas (CAAE n. 0043.0.115.000.08). Todos os participantes (pacientes e controles) assinaram consentimento informado antes de tomar parte no estudo, e responderam a um questionário padronizado para fatores demográficos.

A coleta de sangue venoso (10 mL) de cada participante foi realizada com um sistema de tubos a vácuo (BD Vacutainer® System), com centrifugação (800 g, 15 min). O soro foi utilizado para determinar os marcadores bioquímicos e imunológicos.

O MDA foi determinado por Cromatografia Líquida de Alto Desempenho (HPLC); os cromatogramas foram monitorados a 532 nm e a concentração das amostras foi determinada em µmol/L.14 O ácido úrico foi medido usando um analisador espectrofotométrico Cobas Mira® (Roche Instruments Inc.), com kits comercializados (Labtest, Minas Gerais, Brasil). Os grupos SH foram determinados pelo método de Ellmans, modificado por Hu et al.15 Os resultados foram expressos como média ± desvio-padrão (DP). Utilizamos o teste t de Student para comparar os valores médios. Foram aplicadas correlações de Pearson e Spearman para correlacionar os parâmetros com SLEDAI. P < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

As características gerais e demográficas dos pacientes com LES e dos controles saudáveis estão apresentadas na Tabela 1. Não foi observada diferença entre duração, número de critérios e atividade da doença e estresse oxidativo (P > 0,05).

O lúpus caracteriza-se pela agressão direta de autoanticorpos e pela deposição de complexos imunes fixadores de complemento, resultando em lesão dos tecidos associada ao estresse oxidativo.16 Waszczykowska et al.17 sugeriram que os radicais livres intracelulares são capazes de induzir a síntese de citocinas que participam e modulam as respostas inflamatórias com a criação de radicais superóxido.

O estresse oxidativo, medido por níveis de MDA, estava aumentado em 78,9% (n = 30) dos pacientes com LES, enquanto apenas 21,1% (n = 8) dos controles apresentaram esse aumento (OR = 12,5; 95% IC 3,7-41,5). Conforme ilustrado na Tabela 2, observou-se que os níveis de MDA estavam significativamente aumentados em pacientes com LES em comparação aos controles. Não foi observada diferença significativa entre os níveis de MDA e a duração da doença ou comorbidades. Níveis aumentados de MDA no soro18 e nos eritrócitos19 foram informados em pacientes com LES. Wang et al.20 e Shah et al.21 associaram uma resposta mais forte de estresse oxidativo com escores SLEDAI mais altos, achado similar ao relato de Tewthanom et al.18 No entanto, não identificamos, em nosso estudo, a associação dos níveis de MDA ou de SH com escores SLEDAI. Os altos níveis de MDAem pacientes com LES indicam que a membrana celular lipídica foi atacada, e que o MDA pode ser um bom marcador de estresse oxidativo nessa doença.

Não ocorreu alteração significativa nos níveis séricos de ácido úrico em pacientes com LES, em comparação aos controles (4,1 ± 1,5 e 3,8 ± 0,9 mg/dL, respectivamente). Não foi observada correlação entre os níveis séricos desse composto e atividade da doença. Deminice et al.22 associaram o ácido úrico como resposta de biomarcador de estresse oxidativo a uma sessão aguda tradicional de interval training e de circuit training com resistência à hipertrofia. Mas Ikeda et al.23 não puderam estabelecer a mesma associação, quando o estresse oxidativo foi observado em pacientes com esclerose lateral amiotrófica progressiva. Embora o ácido úrico seja considerado importante antioxidante, e embora seja esperado que seus níveis séricos fiquem mais baixos em pacientes com LES em comparação aos controles, em nosso estudo também não foi possível associar essa substância como um biomarcador de confiança de estresse oxidativo.

Morgan et al.24 demonstraram que marcadores da oxidação proteica têm correlação com um estado de deterioração da doença em pacientes com LES. Em nosso estudo, observamos que os níveis do grupo SH estavam significativamente diminuídos em pacientes com LES em comparação aos controles (260,2 ± 182,7 versus 339,4 ± 104,3 µmol/L), achado similar ao do estudo de Zhang et al.25 Esse achado reforça o papel do estresse oxidativo na patogênese do LES.

Concluímos que pacientes com LES exibem aumento no estresse oxidativo. No entanto, essa resposta não está correlacionada à atividade da doença ou à sua duração. Os níveis de MDA e dos grupos SH podem ser utilizados como biomarcadores para medir o estresse oxidativo em pacientes com LES, enquanto o ácido úrico não pode ser utilizado com a mesma finalidade. Há ainda necessidade de novos estudos sobre estresse oxidativo e LES, para que aumente nossa compreensão da patogênese dessa doença.

Recebido em 07/09/2011.

Aprovado, após revisão, em 08/05/2012.

Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse.

Suporte Financeiro: FAPEAM, CNPq.

Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Universidade Federal do Amazonas - UFAM.

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  • Correspondência para:

    Emerson S. Lima
    Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Universidade Federal do Amazonas
    CEP: 69010-300. Manaus, AM, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2012

    Histórico

    • Recebido
      07 Set 2011
    • Aceito
      08 Maio 2012
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