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Amor e desprezo: o velho caso entre sociologia e educação no âmbito do GT-14

Love and scorn: the old affair between sociology and education in the setting of the GT-14

Resumos

Trata das relações entre sociologia e educação. Na primeira parte do artigo, essa relação é discutida historicamente, desde a entrada da sociologia no Brasil, durante a década de 1920 até sua institucionalização como sociologia da educação, nas faculdades de pedagogia, durante as décadas de 1970 e 1980. Na segunda parte, é feito um levantamento da produção do GT Sociologia da Educação da Anped, focalizando os principais temas, metodologias e bibliografias que dominaram o grupo durante a década de 1990. Pretendeu-se colocar em debate o desenvolvimento da sociologia da educação nos últimos anos e apontar possíveis caminhos e tendências para o futuro dessa disciplina no Brasil.

sociologia e educação; Grupo de Trabalho Sociologia e Educação da ANPEd


This paper deals with the relations between sociology and education. In the first part, this relationship is discussed in historical terms, from the entrance of sociology in Brazil during the 1920's up to its institutionalisation as sociology of education in the faculties of pedagogy, during the 1970's and 1980's. In the second part, a survey of the production of the Anped Sociology of Education Working Group is carried out, focusing on the principle themes, methodologies and bibliographies that dominated the group during the 1990's. The object is to stimulate discussion on the development of the sociology of education in recent years and to indicate possible paths and tendencies for the future of this discipline in Brazil.

sociology and education; ANPEd Sociology and Education Working Group


ARTIGOS

Amor e desprezo: o velho caso entre sociologia e educação no âmbito do GT-14* * Trabalho apresentado na 25ª Reunião Anual da ANPEd (Caxambu, MG, 29 de setembro a 2 de outubro de 2002). Agradecemos aos numerosos comentários e contribuições recebidos durante a discussão do trabalho nessa reunião. Agradecemos também às sugestões e os comentários do Prof. Osmar Fávero, no processo de preparação do artigo para publicação. Procuramos preservar ao máximo o trabalho originalmente apresentado, mas incorporamos algumas questões irrecusáveis.

Love and scorn: the old affair between sociology and education in the setting of the GT-14

Marcio da CostaI; Graziella Moraes Dias da SilvaII

IUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Educação

IIUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais

RESUMO

Trata das relações entre sociologia e educação. Na primeira parte do artigo, essa relação é discutida historicamente, desde a entrada da sociologia no Brasil, durante a década de 1920 até sua institucionalização como sociologia da educação, nas faculdades de pedagogia, durante as décadas de 1970 e 1980. Na segunda parte, é feito um levantamento da produção do GT Sociologia da Educação da Anped, focalizando os principais temas, metodologias e bibliografias que dominaram o grupo durante a década de 1990. Pretendeu-se colocar em debate o desenvolvimento da sociologia da educação nos últimos anos e apontar possíveis caminhos e tendências para o futuro dessa disciplina no Brasil.

Palavras-chave: sociologia e educação, Grupo de Trabalho Sociologia e Educação da ANPEd

ABSTRACT

This paper deals with the relations between sociology and education. In the first part, this relationship is discussed in historical terms, from the entrance of sociology in Brazil during the 1920's up to its institutionalisation as sociology of education in the faculties of pedagogy, during the 1970's and 1980's. In the second part, a survey of the production of the Anped Sociology of Education Working Group is carried out, focusing on the principle themes, methodologies and bibliographies that dominated the group during the 1990's. The object is to stimulate discussion on the development of the sociology of education in recent years and to indicate possible paths and tendencies for the future of this discipline in Brazil.

Key-words: sociology and education, ANPEd Sociology and Education Working Group.

Eu te quero e não queres como sou

Não te quero e não queres como és

("O Quereres", Caetano Veloso)

Foi com um misto de apreensão e prazer que nos dedicamos à incumbência de realizar um balanço dos 12 anos de existência do Grupo de Trabalho Sociologia e Educação (GT-14).1 1 Não tivemos acesso aos 12 anos de produção do GT. Após a confecção deste trabalho, na preparação para sua publicação, foi-nos informado que o acervo dos trabalhos apresentados nas reuniões anuais está sob a guarda do Programa de Estudos e Documentação, Educação e Sociedade (PROEDES), da UFRJ, ainda não disponível para consultas. Assim, dos trabalhos, comunicações e pôsteres apresentados entre 1990 e 1994, somente os deste último ano foram contemplados em nossa análise, pois há uma pequena publicação, de iniciativa do próprio GT, que os contém. Portanto, nosso balanço contempla as produções aprovadas para apresentação de 1994 a 2001. Afinal, falar sobre o trabalho de colegas, parceiros e o nosso próprio, na condição de integrantes do Grupo, não deixa de ser um desafio um tanto perturbador. Em contrapartida, o clima de companheirismo, o debate franco e leal ou, lançando mão de um adjetivo pouco usual na vida acadêmica, o convívio fraterno que têm predominado em nossas reuniões ao longo dos últimos anos, fizeram com que a satisfação com a qual temos participado desses encontros tivesse continuidade na produção deste trabalho. Temos a expectativa de que ele sirva para estimular ainda mais nosso debate, contribuindo para dar prosseguimento à trajetória ascendente que o GT, em nossa opinião, vem traçando.

Optamos por uma abordagem que fosse menos descritiva que instigante. Por isso, fomos em busca de duas questões possuidoras de um já considerável acúmulo de reflexão, que, pensamos, podem nos fornecer instrumentos analíticos para a interpretação daquilo que temos feito em sociologia da educação num passado recente.

Referimo-nos, em primeiro lugar, a uma discussão que remonta a Dürkheim, nosso herói-fundador, acerca da relação entre nossa disciplina científica e a complexa área temática da educação. Desde as iniciativas institucionais de Anísio Teixeira em busca de fecundar a problemática educacional no Brasil com as ferramentas conceituais das ciências sociais, a relação bastante irregular entre sociologia e educação tem sido objeto de atenção. O próprio GT promoveu há alguns anos um encontro específico para tratar desta questão,2 2 Trata-se do encontro intermediário realizado na Universidade Federal Fluminense, As ciências sociais e a educação no Brasil: ontem e hoje, ocorrido em 4 e 5 de julho de 1998. que contou inclusive em a presença de nossa querida mestra, Aparecida Joly Gouveia, talvez em um de seus últimos contatos institucionais em uma discussão da qual todos somos seus devedores.

A segunda problemática por meio da qual procuramos iluminar nosso trabalho trata do debate relativamente recente acerca das ciências sociais, numa ocasião em que nossas disciplinas aparentemente perderam a bússola ou, ao menos momentaneamente, se desorientaram e, sobretudo, perderam prestígio como instrumentos norteadores. Circunstâncias convergentemente alteradoras de configurações sociais razoavelmente estabelecidas, numa escala planetária, produziram forte perplexidade nos meios voltados para a teoria social, evidenciando fragilidades nos diversos esquemas produzidos para dar conta da busca de compreensão e (por que não?) predição dos fenômenos sociais em curso. Alexander (1987), com seu "novo movimento teórico", talvez tenha sido o disparador de um debate que se seguiu – e ainda segue –, trazendo fôlego renovado à antiga questão sobre a especificidade das ciências sociais, mas que adquiriu contornos mais nítidos – e perturbadores – na reflexão de Reis (1999) acerca de nossos desafios contemporâneos como cientistas sociais, no Brasil.

Tomando de empréstimo as contribuições traçadas nas duas arenas de debates mencionadas, procuramos acrescentar algo que, trazendo problemas específicos de nosso muito complexo, apaixonante e renovado universo educacional, se apresentasse como estímulo à nossa atividade de pesquisa, reflexão e intervenção.

Um último alerta introdutório: uma provável inflexão exageradamente crítica deve ser tomada como intrínseca a duas vocações de nossa ciência, a crítica e o exagero, como recursos compreensivos. Esperamos que o fair-play com que temos enfrentado nossas dúvidas e eventuais divergências seja o tom predominante tanto no artigo, quanto em sua discussão.

Sociologia e educação: um longo caso de amor e desprezo

Diferentemente dos outros países latino-americanos, onde a sociologia chegou diretamente, foi via educação que as ciências sociais (mas principalmente a sociologia) se estabeleceram no Brasil. Esse é o mesmo caminho da sociologia francesa, que teve Dürkheim como pai fundador e primeiro autor das obras de sociologia da educação.

Os pioneiros da educação, com especial ênfase para Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, sempre defenderam o ponto de vista sociológico como aquele que melhor poderia suprir as necessidades de uma "educação para a sociedade". A sociologia, nesse momento, era percebida como mais que um olhar; era tida como uma ferramenta para a transformação da sociedade e de uma realidade educacional desigual e privatista.

Mas nem todos concordavam com essa perspectiva, principalmente a partir do Estado Novo. Capanema, ministro da Educação e Saúde nesse período, não esconde sua discordância ao afirmar:

Entre nós, ainda é vigente a teoria que pode resumir-se na fórmula: "educar para a sociedade". Segundo esta concepção, a educação consiste na socialização da criança e do adolescente, a saber, é o conjunto de processos destinados a adaptar convenientemente o ser humano à vida em sociedade. É fora de dúvida que tal conceito de educação é precário e insuficiente. Não basta realizar a tarefa de sentido algo negativo de adaptar a infância e a juventude à sociedade. ( ) Em nosso país, e principalmente no tempo presente, a educação deve abranger uma finalidade maior. A nossa fórmula hoje tem que ser esta: educar para a pátria. (apud Gomes, 2000, p. 150)

Em paralelo às críticas do ministro, encontramos o predomínio da perspectiva psicológica nos estudos oficiais sobre educação, com Lourenço Filho à frente do recém-criado Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP).3 3 É o próprio Lourenço Filho quem aponta os objetivos do INEP, excluindo deles a pesquisa sociológica: "organizar documentação relativa à história e ao estado atual das doutrinas e técnicas pedagógicas, bem como das diferentes espécies de instituições educativas; manter intercâmbio com as instituições educacionais do estrangeiro; promover inquéritos e pesquisas sobre todos os problemas atinentes à organização do ensino, bem como sobre métodos e processos pedagógicos ; promover investigações no terreno da psicologia aplicada à educação, bem como relativamente ao problema da orientação e seleção profissional; prestar assistência técnica aos serviços estaduais, municipais e particulares de educação e divulgar os conhecimentos relativos à teoria e à prática pedagógica" ( apud Castro, 1999, p. 3, grifo nosso). Quanto à sociologia, ela seguiu caminho na institucionalização das universidades. Com a constituição da USP e da Escola Livre de Sociologia e Política, professores estrangeiros chegavam ao Brasil e, aqui dentro, os sociólogos brasileiros encontravam seu rumo.

Fernando de Azevedo torna-se titular de sociologia na USP, é professor de Florestan Fernandes e Antonio Candido, e escreve uma das maiores obras teóricas de sociologia da educação brasileira, Sociologia educacional, publicada em 1940, misturando sua formação durkheimiana com pressupostos de Dewey (influência direta de Anísio). Nessa obra, Azevedo (1964) lança as bases para a compreensão da sociologia da educação como um campo de conhecimento para a sociedade. Ela não aparece aí como uma subdisciplina, mas como um saber que se desenvolve em diferentes frentes, sempre com o intuito de compreender a sociedade: seus valores, aspectos morais e funcionalidades. Azevedo afirma que o projeto de sociologia da educação não deveria ser um projeto de sociologia aplicada à educação (como a interpretação norte-americana de sociologia educacional), mas um projeto científico, necessário nesse momento de afirmação institucional da sociologia.

Porém, o caminho de Azevedo parece não ter gerado muitos frutos ao longo das décadas de 1940 e 1950. Em 1950, no prefácio à segunda edição de seu livro, chega a afirmar – corroborado por Roger Bastide – que o projeto de Dürkheim havia sido abandonado na França e a sociologia da educação tinha sido relegada ao segundo plano naquele país. Sem falsa modéstia, Azevedo reivindicava para si a condição de herdeiro legítimo da tradição durkheimiana de sociologia educacional. Mas, depois dele, ninguém mais havia se dedicado ao tema com tal afinco.

Esse é o quadro no início da década de 1950: sociologia institucionalizada (embora em pequena escala), sociologia da educação abandonada (principalmente em seus objetivos mais práticos) e jovens sociólogos, recém egressos das universidades e pós-graduações no exterior. É também o momento da entrada de metodologias que procurarão estabelecer fronteiras com a atividade mais ensaística, por influência principalmente norte-americana. Os surveys se multiplicam, os estudos de comunidade são quase uma moda intelectual.

Mas apesar do aumento da produção sociológica, a estrutura institucional ainda era precária, principalmente no financiamento de pesquisas. Talvez por isso, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), criado por Anísio Teixeira quando presidente do então INEP -, tenha atraído tantos nomes da sociologia brasileira.4 4 Para uma história mais completa do CBPE e seus conflitos, ver Xavier (1999). Muitos desses jovens não tinham interesse definido pela educação5 5 Josildeth Gomes Consorte (1999), por exemplo, afirma: "Não vivia eu o momento mais feliz da minha vida [ao ingressar no CBPE]. Acabara de voltar da Universidade de Colúmbia, com os créditos de disciplinas concluídos e aprovada em todos os exames de línguas e de qualificação na expectativa de realizar a pesquisa de campo que seria transformada no meu doutorado [sobre os cafezais no norte do Paraná]. [ ] Não tendo obtido o financiamento de que necessitava, aceitara ingressar no CBPE sem nenhuma motivação, naquele momento, para as pesquisas na área de educação" (p. 46). inclusive Darcy Ribeiro, presidente da Divisão de Estudos e Pesquisas Sociais, no segundo ano de existência do CBPE. O próprio Darcy definiu muitos colaboradores do Centro (como Gilberto Freyre e Thales de Azevedo) como "gente de prestígio intelectual e vago interesse pela educação".

No caso de Darcy Ribeiro, e mesmo de Florestan Fernandes (que trabalhava no Centro Regional de Pesquisas de São Paulo, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, a "divisão paulista" do CBPE), o envolvimento com o Centro implicou em ligações com o tema educacional (por mais que isso tenha sido muitas vezes uma decorrência mais política do que sociológica, como mostram os debates em torno da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, de 1961). Mas a maioria dos pesquisadores utilizou o financiamento do Centro para desenvolver suas pesquisas individuais, muitas vezes sem mencionar o tema da educação. A justificativa seria a necessidade de compreender a cultura brasileira – e a escola parecia não ocupar papel relevante nessa cultura. Educação era compreendida como sinônimo de socialização.

Foi nesse momento, definido por muitos como o auge do romance entre sociologia e educação, que surgiram alguns dos principais conflitos que até hoje permeiam essa relação.

Sendo o CBPE uma instituição vinculada ao Ministério da Educação, o estudo sociológico e antropológico da educação deveria oferecer subsídios para políticas públicas nessa área. Isto é, para a reforma do sistema educacional. Por mais que a compreensão da diversidade cultural brasileira seja fundamental para qualquer planejamento educacional em escala nacional, a educação, compreendida como socialização, era muitas vezes só um caminho para o estudo de outros temas mais em voga: industrialização, urbanização, relações raciais, desenvolvimento etc.

Mariza Corrêa (1988) corrobora essa avaliação:

Um exemplo é o seminário "Programas de pesquisa sobre os processos de urbanização e industrialização no Brasil", realizado em São Paulo, na Faculdade de Filosofia da USP, em novembro de 1959. Todos os trabalhos arrolados referem seus textos como relatórios de pesquisa de um projeto em andamento, financiado pelo Centro, e parte de um projeto mais amplo de estudos bibliográficos e "pesquisas de observação direta" nos municípios de Juiz de Fora, Belo Horizonte, Americana, São Paulo, Londrina, Curitiba, Volta Redonda e do Distrito Federal. Seus títulos, entretanto, remetem antes à carreira de seus autores, pouco ou nada vinculadas à reforma pedagógica planejada por Anísio Teixeira: "O processo de industrialização de São Paulo" (Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni), "A integração do negro à sociedade de classes" (Florestan Fernandes), "Processo de integração dos contingentes alemães e japoneses na sociedade brasileira e o papel da escola na aculturação dos dois grupos" (Egon Schaden) e "Estrutura da família e mudanças da função social da mulher nas inter-relações do grupo familiar decorrentes do processo de urbanização e industrialização" (Carolina M. Bori), entre outros. (p. 20)

E Josildeth Gomes Consorte (1997) a lamenta:

Perdeu-se, desse modo, uma excelente oportunidade de analisar, em profundidade, como a escola primária brasileira, pensada como uma só para todo o território brasileiro, modificava-se em contato com diferentes realidades, que feição assumia em cada lugar, que papéis efetivamente cumpria, o que preservava em comum com as demais. (p. 33)

A mistura entre planejamento educacional e institucionalização das ciências sociais no CBPE permite avaliações extremamente diversas, se não opostas, dos objetivos alcançados pelo Centro. No caso das ciências sociais, costuma-se enfatizar a qualidade das obras produzidas nessa relação, muitas delas reeditadas recentemente depois de anos de ostracismo.6 6 As obras Preconceito de marca: as relações raciais em Itapetininga (São Paulo: Edusp, 1996), de Oracy Nogueira, e O negro no Rio de Janeiro: relações de raças numa sociedade em mudança (Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1998), de Luís A. Costa Pinto, são exemplos desse "resgate". Apesar das possíveis críticas e do caráter datado de algumas delas, é interessante ressaltar a importância do espaço do CBPE como impulsionador das pesquisas empíricas nas ciências sociais. Mas o caráter empírico das pesquisas não garantia sua subordinação às necessidades práticas do Estado. Os pesquisadores do CBPE insistiam em manter sua autonomia crítica e o caráter científico de sua produção. Mas essa cientificidade era compreendida como liberdade ilimitada de temas e conclusões.

Na perspectiva dos educadores e professores, as pesquisas do Centro eram acadêmicas demais, não respondiam aos seus anseios práticos. O debate com teorias sociológicas, perspectivas acadêmicas ou processos gerais (de modernização, industrialização, urbanização) se dava em detrimento de pesquisas voltadas para o planejamento e reforma do sistema educacional brasileiro. No caso de pesquisas nas escolas, as críticas eram muitas vezes com relação ao elitismo dos pesquisadores, jovens universitários que não se davam ao trabalho de retornar os resultados de suas pesquisas aos sujeitos pesquisados.

O projeto do CBPE entra em crise completa com o crescimento da importância da Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo – que passou a deter parte das verbas antes destinadas ao CBPE, e era definida por Anísio Teixeira (1961, p. 32) como mais uma iniciativa para "dopar a consciência nacional" –, a derrota dos jovens sociólogos em sua disputa na LDB de 1961 e o próprio golpe de 1964. Com o endurecimento da ditadura, os sociólogos são retirados de cena: Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro saem do país, e muitos jovens sociólogos se engajam na luta política mais direta.

Na ditadura implantada ocorre novo impulso à institucionalização universitária. A reforma Universitária de 1968 aumenta o número de alunos de graduação, cria o sistema de pós-graduação, institucionalizando definitivamente muitas áreas de pesquisa, entre elas a sociologia, que se fortaleceu em sua produção teórica e cuidados metodológicos, mas se distanciou mais do tema educacional.

A criação das faculdades de educação é um debate que ultrapassa em muito o escopo deste texto, mas é dentro dessas faculdades que se criam as subdisciplinas da educação. Cunha (1992, p. 11), um dos principais críticos dessa divisão, afirma:

A segregação institucional da seção da pedagogia da FFCL, por muitos vista como uma valorização, resultou, a meu ver, em perda dos efeitos positivos advindos da interação atual ou potencial com outras seções (agora faculdades, escolas e institutos) em especial de filosofia, de história, de ciências sociais, de psicologia, de comunicação, de letras. [ ] Assim, não foram poucas as Faculdades de Educação que, para comporem seus currículos reforçaram essa segregação carregando consigo (ou criando) disciplinas próprias para o ensino das demais ciências sociais (filosofia, história, psicologia, sociologia, economia, seguidas ou não do qualitativo "da educação").

O fato é que, com a criação das faculdades de educação, é como se a sociologia tivesse perdido o interesse "científico" pelo tema, deixando-o para as recém-criadas faculdades. Mas, qual o papel dessas faculdades? De acordo com Sucupira (1969) seria formar professores e técnicos em educação. E onde fica a pesquisa – seja ela pura ou voltada para políticas públicas?

Com o endurecimento da ditadura militar, os trabalhos produzidos dentro da sociologia sobre o tema da educação mudaram de lado. Se durante o CBPE eles mantinham vínculos, ainda que tênues, com o Estado ou com o planejamento das políticas públicas, com a ditadura assumem caráter de denúncia, integrando uma tradição contestatória dessa disciplina. No campo das faculdades de educação, apesar do pouco espaço formal para pesquisas, os departamentos começam a desenvolver trabalhos nessa área. Mas a falta de tradição e experiência em pesquisa fez com que muitos desses trabalhos fossem fracos metodologicamente e seguissem a linha denunciativa da sociologia nesse momento – linha que não obedece a nenhuma das duas vocações propostas para a educação e para a sociologia: não é nem ciência aplicada (policy science) nem ciência pura (nos moldes mertonianos). A prescrição e a denúncia assumem relevância crescente.

A entrada das "teorias reprodutivistas", principalmente via Althusser e Bourdieu, veio reforçar essa perspectiva. Suas definições genéricas e funcionais dos processos e instituições educacionais se encaixavam facilmente com um sentimento de espaços fechados, com o peso da derrota da geração que viveu intensamente os anos de 1960.7 7 Talvez possamos relativizar, a posteriori, a derrota dos ímpetos igualitaristas dos anos de 1960. É plausível pensar que aqueles que se engajaram na aventura reformadora dos "anos rebeldes" mudaram o mundo sem perceber. É, entretanto, inegável que quando John Lennon afirma que "o sonho acabou", exprime o sentimento que marca a entrada nos "anos de chumbo" da década de 1970. Os modelos eram muitas vezes aplicados de forma simplista, sem preocupação com as especificidades nacionais. No caso da educação, a ausência de uma identidade teórica e metodológica sólida, além do próprio cerceamento à liberdade, dificultava o desenvolvimento de pesquisas. Na sociologia, a entrada dessas teorias reforçou a percepção da educação como socialização, mas como socialização pacificadora das massas. A educação formal é alienante ou legitimadora da exploração, como afirmam as influências marxistas dominantes no campo.

O diálogo entre sociologia e educação também era dificultado por preconceitos de ambas as partes. Da parte da sociologia, talvez reproduzindo a divisão das faculdades de filosofia, ciências e letras, nas quais o importante seria a pesquisa dos departamentos científicos, a formação dos professores parecia ser admitida como um subproduto de luxo.

Mesmo com o enfraquecimento de sua disciplina e suas instituições, sociólogos da educação continuaram a produzir pesquisas e interpretações sobre nosso sistema escolar. No CBPE, alguns fundadores como Jayme Abreu e João Roberto Moreira dedicaram-se a estudos institucionais praticamente até a extinção do órgão, em 1977. Aparecida Joly Gouveia levou à frente estudos empíricos, abrindo uma nova vertente de desenvolvimento para a sociologia da educação no Brasil. Na USP também, alguns "herdeiros" do pensamento de Florestan Fernandes se voltaram para a pesquisa educacional, como é o caso de Celso de Rui Beisiegel. É importante mencionar ainda o nome de Luiz Antônio Cunha, que produziu trabalhos de grande repercussão, a partir dos anos 1970. Mas, apesar da importância desses autores, as interpretações educacionais dessa primeira década do regime militar trariam outra marca. Como afirma Gouveia (1971) ao retomar a história da pesquisa educacional no Brasil, na fase do pensamento educacional iniciada em 1964 e

[...] que se estende até os dias de hoje, esboça-se a predominância de estudos de natureza econômica, incentivados não só por certos organismos prestigiosos da administração federal mas também por fontes externas de financiamento. A educação como investimento, os custos da educação, a escola e a demanda de profissionais de diferentes níveis, e outros tópicos que sugerem, igualmente, racionalização, são itens freqüentes em documentos programáticos. Como se depreende do levantamento das pesquisas em andamento, por nós aqui intentado, têm-se mostrado, nos últimos tempos, particularmente atraentes a órgãos oficiais de diferentes níveis os chamados estudos sobre recursos humanos. (p. 4)

Ainda hoje o relacionamento entre sociologia e educação é difícil. O pouco diálogo entre o GT Educação e Sociedade da ANPOCS e o GT Sociologia da Educação da ANPEd aponta para isso. Em 1998, em seminário organizado pelo GT-14 (ver nota 2), Maria Arminda N. Arruda, então representante da área de sociologia junto à CAPES, afirmou que, entre 1994 e 1998, aproximadamente dez teses (de mestrado e de doutorado) haviam sido defendidas sobre o tema educacional nos programas de pós-graduação em sociologia. Corroborando essa afirmação, Silke Weber (1992) cita um estudo de 1991 de Clarissa Baeta Neves, afirmando que apenas quatro programas de pós-graduação em sociologia possuíam linhas de pesquisa em sociologia da educação, naquele instante (UFRGS, UnB, IUPERJ, UFPE).8 8 Desde então, ao menos a linha do IUPERJ deixou de existir.

No campo da educação, a sociologia tende a ser uma perspectiva dominante, como mostra Rosilda Arruda Ferreira no seu trabalho sobre os mestrados em educação no Nordeste, apresentado no GT-14 em 1999. Mas, autores como Aparecida Joly, Luiz Antônio Cunha e Candido Gomes9 9 Para um debate mais completo sobre esse suposto "sociologismo" da educação, ver: Sociologia da educação: diálogo ou ruptura, Cadernos Cedes, nº 27, São Paulo, 1992. definem essa centralidade como "sociologismo" da educação, um emprego rápido e acrítico dessas teorias, repleto de modismos. A educação freqüentemente se apropria do discurso sociológico sem perceber as incoerências e fraquezas expostas pelo debate intenso ocorrido nessa disciplina científica.

Mas, se assim ocorre na academia, nas pesquisas voltadas para políticas públicas o enfoque econômico vem sendo claramente predominante. Ele ocupou o espaço deixado pela sociologia praticada no ambiente educacional, que, na ânsia de denunciar e prescrever, negligenciou a busca de equações gerais que dessem conta de nosso quadro educacional. Com o relevo atual obtido pela temática educacional na agenda política, a sociologia pouco a pouco tenta se reapropriar desse espaço, mas talvez ainda soframos da indefinição de nossa identidade como área de conhecimento.

De certa forma, a produção apresentada no GT-14 se inscreve na trajetória acima descrita. mas, ao contrário do que poderiam sugerir as considerações gerais apresentadas, a diversidade encontrada sugere possibilidades e esforços importantes de superação de algumas das dificuldades levantadas. Há, além do mais, no interior do GT, uma auto-análise constante, para a qual pretendemos contribuir.

Oito anos de GT-14: O que temos feito? Um balanço de nossa produção

O balanço aqui apresentado refere-se ao percurso do GT-14 entre 1994 e 2001. De maneira preocupante, descobrimos que a ANPEd não dispõe de um acervo com os trabalhos apresentados em todo o período anterior a 1995 (ver nota 1). Em nosso caso, o ano de 1994 pôde ter sua produção analisada, em virtude de o GT haver produzido uma pequena publicação contendo os trabalhos apresentados naquele ano. Assim, pudemos trabalhar sobre um conjunto de produções distribuído, por tipo de apresentação, conforme a Tabela 1.

Como se pode observar, trata-se, na sua quase totalidade, de trabalhos apresentados oralmente e que dispõem de textos correspondentes; a modalidade comunicação foi abandonada após 1995, substituída mais tarde pelos pôsteres. Alguns dos trabalhos apresentados não puderam ser cotejados, dado que os respectivos textos não estavam disponíveis nos documentos de divulgação da ANPEd. Nossas análises e os dados apresentados baseiam-se exclusivamente naqueles trabalhos aos quais pudemos ter acesso pleno.

Ainda nos aspectos descritivos, observa-se que o GT-14 é quase exclusivamente palco de apresentações produzidas no Sul e Sudeste do Brasil. A Tabela 2 demonstra essa forte inclinação, que não é, provavelmente, característica deste GT, mas do conjunto da produção científica brasileira. Quase 80% das propostas aprovadas para o Grupo vêm dessas regiões; o número total de apresentações das demais regiões brasileiras quase equivale ao de outros países sul-americanos. Seria interessante observar, caso tivéssemos registros, se a quantidade de propostas aprovadas guarda proporção regional com o montante de propostas apresentadas, o que poderia ser indicador de qualidade das produções regionais (ao menos pelos critérios de julgamento do Grupo).

Adentrando aspectos mais substantivos, assinalamos a fortíssima influência francesa na produção do GT-14. A Tabela 310 10 A coluna "Outras/Indefinido" inclui sobretudo citações em espanhol, especialmente apresentadas pela expressiva participação latino-americana no GT-14, e algumas referências cuja língua original não era do conhecimento dos autores desse balanço. revela tal realidade. Para efetuar a contagem, optamos por considerar a língua original dos autores ou das publicações relacionadas entre as referências bibliográficas de cada texto.11 11 Alguns poucos trabalhos não foram incluídos nessa contagem por serem resenhas ou inventários biográficos referentes a um único autor, relacionando grande parte de sua obra, o que distorceria nossa contagem. Como era de se esperar, há uma maioria de referências a autores de língua portuguesa, porém a influência da produção sociológica – e não somente sociológica – francesa é de fato muito mais acentuada que o sugerido na referida tabela. Podemos chegar a tal conclusão porque a maioria dos trabalhos de autores brasileiros citados – com freqüência reciprocamente – são fortemente inspirados nas reflexões originariamente produzidas em francês. A leitura dos textos, muito mais que a contagem apresentada aqui, deixa nítida essa marcante tendência a que produções originárias do universo intelectual francês iluminem as pesquisas e reflexões apresentadas no GT e, podemos afirmar, o próprio ambiente intelectual em que se pensa educação no Brasil. Uma abordagem mais detalhada da produção referida em língua inglesa ou espanhola (que não nos dispusemos a realizar) poderia sugerir que as citações a obras nessas línguas passam, também, por um certo "filtro" dos "modos franceses" de olhar o mundo. Os autores aí presentes possuem freqüentemente afinidades temáticas e conceituais com a "escola francesa"12 12 Optamos por usar aspas por não considerarmos suficientemente precisa essa classificação e, também, por escapar aos objetivos deste artigo tratar longamente dessa questão. em sociologia da educação.

Se destacamos esse ponto, é por desconsiderarmos tranqüilo afirmar que a língua francesa está longe de se constituir no veículo principal de expressão do pensamento sociológico ou da teoria social, no plano internacional. Ainda que seja muito importante a produção sociológica dos países francófonos – afinal, desde Dürkheim somos todos devedores de tal produção (para não falarmos de seus predecessores, "pré-sociólogos" como Montesquieu, Saint-Simon, Rousseau etc.) – é inegável que, nos circuitos internacionais, a produção em língua inglesa é bem mais expressiva, se considerado o critério quantitativo. O volume da publicação em língua inglesa, proveniente de todos os cantos do mundo (inclusive de autores francófonos) tornou essa língua uma espécie de esperanto no terreno da sociologia.

Quanto à relação dos trabalhos aceitos com pesquisas realizadas, os classificamos com características nitidamente ensaísticas e aqueles que estavam diretamente relacionados a algum tipo de pesquisa. O resultado longitudinal mostra uma certa tendência de aumento de trabalhos relativos a pesquisas empíricas. A partir de 1997, os mesmos passaram a ser predominantes, como se pode ver na Tabela 4. Como alerta, que será retomado quando tratarmos das opções metodológicas adotadas nas pesquisas, fica a dificuldade de identificar alguns trabalhos quanto a esse ponto. Com efeito, em seis deles parecia haver alguma pesquisa empírica como substrato. No entanto, nenhuma indicação mais precisa permitia apreciar qual o campo empírico tratado, ou a metodologia utilizada, e nem mesmo os resultados eram apresentados sistematicamente.

No que diz respeito às temáticas tratadas no GT-14, criamos uma classificação que procurou destacar quais seriam os focos centrais dos diversos textos analisados. Essa análise resultou na Tabela 5, que assinala razoável diversidade, com franco predomínio de estudos sobre família/meio social de estudantes e de ensaios teóricos acerca de nossas preocupações. Sozinhas, as duas "áreas" são responsáveis por quase 50% das temáticas observadas. É evidente que nossa classificação incorre em numerosos problemas e várias deficiências. O entrelaçamento dos temas é algo bem característico da produção sociológica e em alguns trabalhos não foi fácil admitir uma temática claramente predominante.

Em termos de evolução temporal, não é possível observar qualquer tendência em relação às temáticas enfocadas, também em razão de ser uma série histórica com apenas oito anos da trajetória do GT. Se há alguma observação a ser feita acerca desse aspecto, refere-se a uma "convocação" efetuada em um trabalho de 1994,13 13 Nadir Zago, Relação escola-família: elementos de reflexão para um objeto de estudo em construção. onde a autora apontava a pouca importância dada no Brasil a estudos sobre a relação família-escola e pedia mais atenção para esse aspecto. Se há uma exortação bem sucedida, ao menos em nosso GT, aí está ela, como bem demonstra a Tabela 5.

A categoria "Teoria" contempla textos que buscaram fazer uma reflexão sobre a natureza, os problemas, as condições, ou o caráter epistêmico da própria teoria sociológica voltada para a educação. Poderíamos, assim, dizer que nessa ordem estariam presentes predominantemente reflexões metateóricas acerca da sociologia da educação. Fomos também levados a admitir mais de uma temática predominante, em alguns trabalhos. Por essa razão, o total dos temas apresentado na tabela é maior que o dos trabalhos inventariados.

Entre as demais categorias classificatórias propostas, manifesta-se alguma diversidade, mas observamos que alguns trabalhos incluídos na categoria "Outros" são claramente apartados de qualquer reflexão acerca de nosso objeto de atenção – a educação. Em alguns deles, a problemática educacional é completamente ausente, o que nos leva a refletir sobre regras e condições de aceitação de trabalhos para a apresentação nas reuniões anuais.

Na categoria "Professorado", duas são as linhas de investigação/reflexão presentes: formação profissional e representações de docentes acerca de questões educacionais. "Minorias" trata basicamente de educação indígena (quatro trabalhos), questões étnicas (três trabalhos) e um trabalho sobre gênero. "História/biografias" contempla estudos que destacam períodos ou personagens de destaque em nosso percurso educacional, entretanto, sem conexões interpretativas importantes com dilemas do tempo presente. Estaria configurada em tais trabalhos uma natureza mais propriamente historiográfica que sociológica. "Violência e indisciplina" surgem como aspectos pontuais de destaque, evidenciando grandes problemas atuais dos sistemas escolares. Por sua vez, "Cotidiano da escola" diz respeito a trabalhos mais próximos da sala de aula, suas práticas e o processo de socialização escolar.

Fizemos também distinção entre dois tipos de trabalhos que tratam de questões políticas referentes à educação. Enquanto alguns deles utilizam as ferramentas conceituais e/ou procedimentos de investigação característicos da sociologia (enquadrados na classificação como "Avaliação de políticas/experiências"), outros se concentram na crítica e, sobretudo, na denúncia de políticas educacionais. Entre esses últimos, nos quais aparecem com destaque trabalhos de participantes de outros países latino-americanos, freqüentemente não há vestígio de investigação ou reflexão tipicamente sociológica.

Talvez por sua própria natureza "implicada" nos fenômenos com que lida, a sociologia tende a adquirir forte interface com posicionamentos acerca de questões das mais diversas ordens política e ética. No caso específico do pensamento educacional, há nítida acentuação dessa tendência, por se tratar de terreno altamente conflitivo, no qual se configuram grupos de pressão e corporações profissionais bastante sólidos, onde interesses e projetos estão sempre em confronto – apesar da quase unanimidade em torno da importância e prioridade da área. Pode-se dizer que, na educação, a atividade de investigação/compreensão tem sido ainda mais imbricada com questões políticas que o habitual no conjunto das ciências sociais. O risco de tal situação é que a tendência à politização venha substituir, ou mesmo suprimir, a reflexão e investigação de caráter estritamente científico. Não há, aqui, qualquer postulado de independência plena entre essas duas atividades, mas apenas o reconhecimento de que elas obedecem a motivações e lógicas distintas,14 14 Duas vocações, conforme bem distinguia Max Weber (1999). freqüentemente inconciliáveis.

Nossa observação indica que a tendência à denúncia, e não à compreensão, tão usual na área educacional como motivação privilegiada em trabalhos que poderiam ser caracterizados como pseudocientíficos, não é uma característica marcante no GT-14. Há, na maioria dos trabalhos, esforços evidentes para tentar elucidar processos sociais complexos, ao invés do apelo à denúncia fácil de interesses que unilateralmente conduziriam o processo educacional. Quando nos referimos a tais esforços, estamos falando da busca de propor explicações conceituais, recorrendo à teoria previamente desenvolvida e procurando evidências empíricas que fortaleçam/rejeitem hipóteses formuladas. Esse procedimento, classicamente demarcado no âmbito da atividade científica, se manifesta habitualmente nos trabalhos que pudemos inventariar.

Há, contudo, um número minoritário mas expressivo de trabalhos que poderiam ser enquadrados na classificação proposta como "denunciativos"; outros com características meramente descritivas/prescritivas; e outros, ainda, que não se enquadrariam no campo da reflexão sociológica.

Anotar a questão acima nos conduz a tocar num aspecto mais delicado e, com certeza, mais polêmico. O que se pode considerar sociologia, como território disciplinar mais abrangente que a sociologia da educação? Em nossa compreensão, conforme expresso na Tabela 6, cerca de 1/3 dos 89 trabalhos que puderam ser classificados não dispõem de características que lhes permitiriam ser considerados como trabalhos sociológicos. Talvez seja uma classificação baseada em critérios por demais duros, ou, como certamente alguns pensarão, ortodoxos. Cremos ser útil levantar, no âmbito do GT-14, algo que recentemente foi objeto de rica discussão reservada entre pareceristas do Grupo: o que podemos considerar "sociologia", de forma a aceder na postulação de ser trabalho apresentado em nossas reuniões anuais?

Essa não é uma questão simples. Em primeiro lugar, informamos que não nos parece adequado traçar distinções nítidas entre sociologia e antropologia, no que tange ao estudo da educação. As distâncias entre essas duas disciplinas acadêmicas – ou ainda a ciência política – não nos parecem relevantes em nossa área. Assim, estão incluídos entre os trabalhos considerados "sociológicos", na Tabela 6, estudos e pesquisas que em outras áreas talvez obtivessem a classificação de "antropológicos". De fato, pesquisas de caráter mais etnográfico são mesmo amplamente majoritárias entre os estudos empíricos do GT-14. Procuraremos refletir posteriormente sobre esse aspecto; por ora, devemos esclarecer o que consideramos "sociológico", ou não, em nosso levantamento.

Conforme já afirmamos, em muitos dos trabalhos que vêm sendo apresentados, especialmente no período mais recente – algo que, apesar de aparentemente óbvio, não acontecia necessariamente assim nos tempos de formação do GT –, de maneira geral há boa qualidade e reflexão nitidamente sociológica. No entanto, parece pertinente continuar perguntando: a que se propõe mesmo a sociologia?

Tomamos a liberdade de transcrever alguns trechos de uma correspondência interna, travada nos últimos anos, entre pareceristas e representantes do GT-14 no Comitê Científico da ANPEd. Eles ilustram bem alguns de nossos desafios e sintetizam as preocupações correntes.15 15 As transcrições foram extraídas de balanço efetuado por Marília Pinto Carvalho, representante do GT-14 no Comitê Científico da ANPEd, em 2001. Sintetiza uma rica discussão travada por correspondência entre a autora, os pareceristas ad hoc e a coordenação do GT, naquele ano.

Os principais problemas ou dificuldades que foi possível captar nesse conjunto de textos referem-se, em primeiro lugar, a situar o que é e o que não é Sociologia da Educação, problema já apontado em diversos dos pareceres de ad hocs. Em geral, optamos por utilizar como critério de seleção menos uma definição baseada em temas que seriam próprios dessa disciplina e mais seus métodos diferenciados (um olhar que busca os atores; as causalidades ou motivações; a historicidade; o contexto e a dinâmica social para além do objeto específico de investigação etc). [...]

Do ponto de vista do método, é certo que muito do que se ensina em nossas faculdades pouco tem de Sociologia da Educação, o que gera boa parte das confusões que percebemos nos textos a nós enviados para seleção; [...]

Mais especificamente, pudemos detectar como problema, em grande parte dos textos não aceitos de nosso GT, a dificuldade em diferenciar trabalho analítico de descrição, depoimento, prescrição e/ou ensaio. Assim, os principais critérios de seleção foram a presença de objeto bem delimitado, diálogo com a literatura pertinente, referencial teórico claro, metodologia adequada e descrita no texto (em pesquisa empírica ou não), análise e conclusões coerentes. [...]

Também é nítida, desde os anos anteriores, a emergência da análise a partir de hierarquias outras que não a de classe: gênero, escolha sexual, migração, etnia, cor/raça. Este movimento, que acompanha tendências muito mais amplas nas ciências sociais das últimas décadas, tem sido não apenas percebido, mas acolhido pelo GT. Não podemos deixar de ressaltar, porém, que essa incorporação de "novas" hierarquias tem se dado, no campo da Sociologia da Educação como um todo, sem um adequado aprofundamento teórico, o que se reflete na fragilidade de muitos dos trabalhos apresentados ao Grupo nessa vertente.

A reflexão sociológica tem se dedicado a propor uma compreensão dos fenômenos sociais, buscando interpretar e atribuir significados causais a eventos sociais das mais diferentes ordens. Ou seja, a teoria sociológica (como, aliás, toda ciência) se concentra na atribuição de causalidades – intencionais e não-intencionais – para compreender como os processos socioistóricos se configuraram, para (por que não assumir?) pensá-los problematicamente sob o influxo moral da inclusão e do universalismo – característico do projeto iluminista do qual somos herdeiros – e tentar elucidar dilemas considerados relevantes no tempo presente.

No desenho das estratégias compreensivas, alternam-se procedimentos que enfatizam aspectos limitadores ou voluntários da vida humana. Para utilizar a nomenclatura consagrada, agência e estrutura povoam permanentemente, enquanto pólos analíticos, as iniciativas sociológicas de compreender fenômenos sociais. Por mais que a literatura clássica amplamente predominante em educação privilegie o lado dos constrangimentos, limitações estruturais – determinações, como preferem alguns –, há inequivocamente o lado da escolha, da vontade, das ações que caracterizam a condição humana. No caso do GT-14, talvez pelo predomínio de estudos particulares, de corte etnográfico, essa ênfase na dimensão estrutural de análise não fica bem clara. Porém, uma atenção mais destacada a esse aspecto pode revelar que o recurso freqüente a noções como "totalidade", "estruturas objetivas" ou "ideologia"16 16 Ultrapassa as possibilidades deste artigo um tratamento mais detalhado a essa questão. Como indicativo muito geral, consideramos que a noção de "ideologia", corriqueiramente presente em grande número de trabalhos educacionais, incorpora a idéia de um pensamento "de classe", ou de "interesses de classe" imanentes e estruturalmente definidos, num modelo funcional, herdado da tradição durkheimiana e combinado às influências marxistas, característico da sociologia da educação que predominou no Brasil após os anos 1970. (na forma como é usualmente adotada) talvez indique uma opção analítica inclinada para o lado estrutural.17 17 Reforça essa impressão a virtual ausência da dimensão "tempo" nos trabalhos apresentados.

Um aspecto se destaca nessa busca: a dimensão empírica, por meio da qual buscamos evidências que venham a enriquecer nossa capacidade de propor supostas soluções a problemas formulados. É claro que não trabalhamos apenas no nível da investigação. A atividade estritamente teórica ou metateórica é parte fundamental de nosso métier. Nesse sentido, alguns ensaios buscam sistematizar corpos conceituais por meio dos quais podemos buscar modelos ou tipos que sejam sugestivos de soluções aos problemas enfrentados. Porém, não se enquadraram em nossa classificação, como pertinentes ao grupo, trabalhos de cunho estritamente filosófico, ou que contemplem discussões epistemológicas não referidas ao campo sociológico.

Tanto na atividade de cunho mais ensaístico quanto na apresentação de trabalhos com dimensão empírica mais nítida, pudemos perceber virtudes e dificuldades. Talvez seja mais apropriado tratá-las como desafios.

Comecemos pela reflexão mais "livre", pela atividade de natureza mais especulativa, vinculada ao que poderíamos denominar "teoria pura". Ao lado de uma atividade reflexiva sobre a própria sociologia da educação e seus modelos, parte significativa dos trabalhos de tal ordem compõe-se de resenhas de autores, ou um misto de inventário intelectual com biografia. Tais trabalhos procuram sistematizar temas, problemas e soluções conceituais formuladas pelos autores, os quais seriam inspiradores de compreensão para questões de nossa realidade presente.

Emergem aí claras inspirações que parecem predominar nos trabalhos do Grupo. Já assinalamos que as referências ao pensamento social francês e, algumas vezes, a um pensamento que não poderia ser classificado como sociológico, se manifestam. Contudo, é principalmente em autores reconhecidos internacionalmente na sociologia que o GT-14 vai buscar subsídios. Gostaríamos de indicar uma possível polêmica que emerge de tal constatação. Em primeiro lugar, cremos ser necessário questionar a pertinácia, o poder elucidativo de tais autores, para um contexto em muito diferente daquele ao qual se referem. Em segundo lugar, polemizamos com uma possível tendência a tomá-los não como referências, mas como guias, numa atitude em que se fica na posição mais de seguidor do que de propositor. Em terceiro lugar, gostaríamos de argumentar mais substantivamente acerca de um possível predomínio de abordagens de corte funcional em tais influências prevalentes.

Após apresentar nossas instigações no terreno mais propriamente teórico, podemos tratar de aspecto que nos parece sobremaneira preocupante. Pudemos observar, analisando os trabalhos que recorrem a investigações empíricas, efeitos preocupantes de um prolongado desprezo pela metodologia, que se manifestam em muitos dos trabalhos selecionados. Parece que há, ou houve, não apenas na sociologia voltada à educação, mas no conjunto do ambiente acadêmico educacional, uma tendência a dar pouca consideração a aspectos fundamentais da atividade científica.

Tomando por empréstimo uma passagem de Fábio Wanderley Reis (Reis et al., 1997, p. 15), a sociologia depende de "orientação analiticamente exigente, engajamento teórico-metodológico, por contraste com um descritivismo pobre e às vezes contente com sua pobreza". Há, ainda os inúmeros problemas referentes à busca de generalização, característica da atividade científica, a qual exige cuidados e rigores nem sempre presentes em trabalhos de nossa área. Assim é que conclusões, modelos gerais, fórmulas e críticas genéricas podem ser encontradas, prescindindo de cuidados elementares do procedimento científico.

A Tabela 7 apresenta os procedimentos metodológicos adotados nas pesquisas a que se referenciam os trabalhos aprovados no GT-14. Ressalte-se que alguns trabalhos não puderam ter sua metodologia identificada com precisão e alguns outros recorrem a mais de um tipo de recurso na busca de informações.

Como se pode observar, os procedimentos típicos de coletas de informações focadas em pequena escala são amplamente predominantes. A imensa maioria dos estudos se autodefinem como "estudo de caso". Em parte significativa, especialmente nos estudos mais recentes, percebe-se não apenas preocupação em explicitar os procedimentos adotados, como também a atividade de pesquisadores atentos aos cuidados metodológicos inerentes ao trabalho científico. Há, no entanto, expressiva quantidade de trabalhos que não avançam para além da descrição, deixando de articular suas informações e conferir-lhes sentido num escopo conceitual mais abrangente. Alguns trabalhos deixam sem resposta perguntas típicas, formuladas rotineiramente diante de uma proposta de investigação: Qual o problema tratado? Que hipóteses se apresentam? Como serão "testadas"? Travar contato com essas produções trouxe-nos à lembrança o belíssimo trabalho encomendado pelo GT, à professora Claudia Fonseca (UFRGS), apresentado em 1998, que atendia ao sugestivo nome "Quando cada caso não é um caso: pesquisa etnográfica e educação". Nesse momento, parecia já estar clara no Grupo a necessidade de investirmos em mais consistência metodológica.

Há alguns trabalhos cuja natureza historiográfica revela aspectos relevantes de nosso passado educacional. Todavia, a característica fundamental do pensamento sociológico é procurar elucidar questões do tempo presente. O recurso tão caro à reconstrução histórica é de inestimável valor quando articulado à busca de respostas a dilemas contemporâneos. Em algumas tentativas compreensivas, pode-se remontar à gênese dos fenômenos, às vezes em um passado remoto, para, por meio da identificação de tendências, constrangimentos, atores e suas ações, em suma, processos históricos, identificarmos quais fatores permaneceriam fornecedores de compreensão de nossas questões candentes.18 18 Citamos, como exemplo, recente trabalho do renomado sociólogo Randall Collins (2000), no qual se reconstituem os movimentos de expansão e retração escolar desde a antigüidade – oriental e ocidental – como recurso para pensar os fatores condicionantes e as possibilidades de expansão dos sistemas escolares atuais. Isso diferencia a atividade sociológica do trabalho historiográfico, ainda que, como nas demais disciplinas, a distinção seja acima de tudo uma "divisão de ofícios".

Alguns poucos trabalhos recorrem à geração de dados em maior escala (nenhum com um montante realmente expressivo de casos) e verificou-se a total ausência de trabalhos que recorram a fontes secundárias (grandes levantamentos censitários, demográficos ou educacionais) como referência empírica central.19 19 Guardamos na memória a impressão de ter havido um trabalho, em ano recente, que analisava dados extraídos do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Sua ausência entre o material fornecido pela ANPEd pode indicar um engano de nossa parte ou o fato de sua apresentação ter ocorrido no GT Educação e Sociedade da ANPOCS. O recurso a procedimentos analíticos mais sofisticados – para além da estatística descritiva – no tratamento de dados em maior escala é algo quase completamente ausente. É possível que esse quadro exprima certo preconceito, facilmente encontrado nos programas de pós-graduação em educação, contra a utilização da quantificação e da "linguagem das variáveis". Mesmo em alguns compêndios freqüentemente adotados em programas de pós, quantificação e estatística aparecem associadas com positivismo e algo como uma ciência social reacionária ou, no mínimo, conservadora. Profunda ignorância quanto ao que é positivismo ou conservadorismo está na raiz de tal preconceito. Tal ignorância se expressa, na contramão, em trabalhos que, por seu caráter meramente descritivo, supostamente adotando princípios de indução, incorrem em primário positivismo, pois relegam o quadro de referência teórico à condição de subprodutos da "observação" ou da interação com o campo empírico.

Nossa apreciação geral, aqui com pretensões mais abrangentes que apenas os trabalhos analisados no inventário do GT-14, é que o pensamento educacional, freqüentemente constrangido por um pequeno conhecimento dos inúmeros recursos metodológicos disponíveis, produz parcamente pesquisas com pretensões mais abrangentes. Nossa capacidade de generalização – das forças constitutivas da sociologia – se vê bastante limitada ou, o que é pior, remete a uma grande quantidade de conclusões obtidas em estudos e afirmadas convictamente em terreno pouco confiável, em que a prudência alerta sobre a inconsistência dos achados ou, no mínimo, à impossibilidade de tecer assertivas de cunho generalizante.

Nesse quadro, parece-nos que não há um programa consistente de análise dos indicadores e fluxos educacionais brasileiros no ambiente acadêmico da sociologia da educação, ou mesmo das faculdades de educação. Provavelmente, esse rico filão clássico de nossa disciplina encontra-se amplamente entregue aos economistas e aos órgãos oficiais de planejamento. Não é casual o fato de, cada vez mais, no tempo recente, ocuparem os economistas o lugar destacado de vozes autorizadas e competentes acerca de políticas educacionais. Os próprios modelos econométricos e as características do pensamento econômico vêm impregnando fortemente a área educacional e a formulação de políticas públicas, relegando as reflexões sobre o homo sociologicus à condição de espectadoras privilegiadas. Dessa forma, noções de produtividade, custo/benefício, ou a naturalidade com que é tratada a teoria do capital humano, não têm sido cotejadas com compreensões mais ricas acerca dos aspectos sociológicos envolvidos na grande temática educacional. A renúncia a tais abordagens é mesmo, conforme aponta Reis (1999), característica recente da produção sociológica, abalada por um misto de crise de autocredibilidade, desconstrução, e pela reticência a formulações afirmativas de caráter macro ou, acrescentamos nós, pela tomada da denúncia, do veto ou da simples descrição como necessários e suficientes.

Conclusões e sugestões de agenda

Seguimos trilhando os caminhos indicados por Reis (1999, p. 6), que, comentando sobre a propalada "crise dos paradigmas", diz: "nossa auto-reflexividade parece estar corroendo as próprias bases epistemológicas do que fazemos".

Aponta também a autora, nesse trabalho que obteve grande repercussão nacional e internacional,20 20 Recentemente, um sucedâneo do " bug do milênio" foi apresentado na sessão de abertura do XVth International Congress of Sociology (ISA), em Brisbane, Austrália, com o título "A global world, multiples angles, one sociological community", obtendo grande repercussão favorável. algumas flagrantes deficiências na produção sociológica das duas últimas décadas.21 21 Como exemplo mais evidente, a incapacidade de previsão de alterações substantivas na geopolítica mundial, com a implosão do bloco socialista europeu. Retomando os clássicos, afirma a marcante preocupação de todos eles com a dinâmica social, com as mudanças de impacto nos arranjos sociais de suas épocas. Buscando seus influxos, reflete sobre a permanência de nossos problemas recorrentes, constitutivos da própria sociologia (desigualdade, cidadania, pobreza, desenvolvimento etc.), acrescidos e confrontados por situações novas e originais, como a reversão de tendências inclusivas e democratizantes características de um rumo genérico22 22 Em termos bem abstratos, relevando as inúmeras trajetórias históricas cumpridas pelas mais diversas sociedades e nações. seguido pela modernização; pela explosão das formas e possibilidades de comunicação; pelas alterações tecnológicas e organizacionais que alteram configurações duradouras de instâncias da vida social, como o trabalho e a família; pelo recrudescimento de formas de fundamentalismo; e, por fim, mas não somente, pela possível erosão de formas de sociabilidade consagradas no mundo que emerge da vaga transformadora que formou a era moderna.

Com um misto de preocupação e exortação, diz Reis (1999):

Se nos limitarmos a apontar em prosa e verso os fracassos das grandes narrativas, das especializações, dos pragmatismos, etc., talvez tenhamos sucesso expressivo; talvez logremos mesmo sermos artífices de novas disciplinas. Mas estaremos, creio, abrindo mão da herança das ciências sociais. Estaremos abrindo mão do legado de Marx, de Weber e de tantos outros. [...] (p. 10)

Parece que, se quisermos preservar a especificidade do conhecimento científico diante de outras formas de conhecimentos, será impossível abrir mão do recurso à razão, da busca da generalização e da aposta na universalização. (idem, p. 11)

Por fim, tocando num aspecto que pode vir a nos instigar diretamente:

Esperemos também que a novidade do direito à diferença não nos tente a abrir mão da velha luta pelo direito à igualdade. Esse é um bug, uma ameaça melhor dizendo, que se insinua perigosamente no encolhimento do welfare, no recrudescimento da exclusão social e, ouso dizer, no interior das ciências sociais, no abandono das generalizações que, logicamente, não excluem o estudo de casos e causas particulares mas não podem, de qualquer forma, se confundir inteiramente com esses últimos. (idem, ibidem)

Escolhemos essa reflexão para dar início a nossas conclusões por considerarmos que ela nos desafia a encarar dilemas contemporâneos de nossos sistemas educacionais, intimamente relacionados à agenda brevemente sugerida pela autora.23 23 Várias passagens dessa tentativa de identificar uma agenda contemporânea para nosso ramo de estudo foram extraídas do comentário de Marcio da Costa (Rio de Janeiro, 2002, mimeografado) ao trabalho "Ciência, tecnologia e o interesse público", organizado por Simon Schwartzman e apresentado no seminário do mesmo nome como parte do balanço pelos 50 anos do CNPq, realizado na Academia Brasileira de Ciências, no Rio de Janeiro.

Pensando no Brasil atual, ressalta a impressionante ineficácia de nosso sistema escolar e os desafios que tal situação impõe a uma compreensão científica que se pretenda efetiva. A originalidade de uma grande ordem de problemas que podem motivar a pesquisa na área educacional reside num contexto escolar inédito em nossa história, o qual apresenta questões numa magnitude e com uma diversidade até então desconhecidas.

Se apontamos a ineficácia do sistema – ao menos de sua parte que atende à imensa maioria de nossa população –, esperamos estar deixando explícito que desprezamos liminarmente qualquer suposição de uma possível ineficácia eficaz ou, dito de outra forma, as teses que postulam uma funcionalidade no fracasso de nossa escola – enquanto instituição nacional. Ainda que persistam, em alguns meios, discursos amparados em teses conspirativas acerca de uma suposta intenção de promover políticas educacionais propositalmente excludentes, parece que no ambiente acadêmico essa visão simplista é hoje residual – ainda que se manifeste em alguns poucos trabalhos observados.

Há, porém, que se reconhecer: a escola no Brasil é, grosso modo, de uma precariedade material e técnica incompatível com as expectativas que sobre ela se depositam ou com o nosso nível de desenvolvimento econômico – se é que existe alguma correspondência entre padrões de desenvolvimento econômico e o que poderíamos chamar "desenvolvimento educacional".

A exposição das dificuldades e mazelas com que se defronta a maior parte de nossa clientela escolar, ou a construção de um diagnóstico meticuloso de nosso sistema, que passou por alterações recentes de monta, é algo que vai muito além das intenções e possibilidades desse balanço. Cabe, contudo, assinalar os sofríveis índices de rendimento obtidos por nossos estudantes em todas as aferições realizadas, de caráter nacional ou internacional, como resultado visível de todo o processo.

Nesse contexto, a necessidade de compreendermos o que é a escola, – ou, mais precisamente, as escolas da maioria da população brasileira –, é uma tarefa presente em qualquer agenda. Com uma configuração bastante recente, nossos sistemas escolares lidam com uma grande clientela não portadora de qualquer tradição de escolarização,24 24 Boa parte do professorado também vem de famílias de pouca ou nenhuma inserção em ambientes letrados. que ingressa numa escola degradada, se comparada com a de algumas décadas atrás. Alterações importantes no alistamento escolar; mudanças significativas introduzidas por políticas recentes para a educação básica; o estabelecimento de uma clara agenda política para a educação em nível federal; uma migração impressionante da responsabilidade pelo ensino fundamental para as administrações municipais (muitas totalmente despreparadas para atender à tarefa); variações até mesmo em nossa composição demográfica – além da reversão de tendências da estrutura social; a implantação da nova Lei de Diretrizes e Bases; novas demandas em níveis mais avançados da escolarização; o enorme crescimento de novas formas de fé e organização religiosa em meio a setores do professorado e do alunado; em suma, inúmeras circunstâncias novas alteraram significativamente o perfil da escola no Brasil, ainda que seja predominante, para muitos dos participantes diretos da escola "comum", a sensação de que tudo permanece como sempre. Paralelamente, em especial nos centros maiores, um grande setor de escolas privadas se formou nas últimas décadas, acolhendo os setores médios, numa infinidade de modelos, pouco estudados e quase totalmente à margem de qualquer acompanhamento consistente por parte do poder concedente. No nível superior, uma nova onda expansiva de universidades privadas, com campi até em shopping centers, altera também o perfil do ensino superior, ao passo que nas universidades públicas a implantação de padrões de gestão influenciados por princípios competitivos, ao lado de não desprezível expansão de matrículas, cria situações de ruptura com a trajetória cumprida desde a reforma dos anos de 1970.

Por seu lado, a polarização política no terreno educacional tende a tornar tabus determinados temas e impedir que sua discussão favoreça a busca de alternativas a problemas importantes. Nesse caso estariam incluídos, entre inúmeros outros, assuntos como o possível caráter regressivo do financiamento do ensino superior, os efeitos devastadores das intermináveis e sucessivas greves no setor público educacional, as disparidades regionais e o engessamento do modelo único de universidades federais e de centralização de sua carreira docente.

Esse rápido quadro genérico, que apenas alinha algumas questões recentes em nosso contexto educacional, cumpre a função de afirmar: precisamos de reflexões originais ante um quadro igualmente original e perturbador. Não estamos dizendo que não venham sendo estudados aspectos importantes de todas essas alterações. Diversos trabalhos apresentados no GT-14 lidam diretamente com essas novas circunstâncias. Queremos, contudo, destacar que há grandes mudanças estruturais na sociedade e na escola brasileira e que a sociologia não tem produzido tentativas de compreensão na escala correspondente. Estudos – poucos – que mergulham pontualmente em nosso universo escolar mostram uma situação desalentadora (igualmente, as avaliações gerais de rendimento). Perante ela, saídas meramente formais (por exemplo, os programas de aceleração do fluxo escolar)25 25 Sabemos que é polêmica a afirmação de um certo caráter cosmético nas políticas de regularização do fluxo escolar. Menos que na natureza das propostas implantadas, pensamos que a ineficácia dessas experiências reside na incapacidade dos sistemas escolares de darem conta de tarefa aparentemente tão complexa, recheada de procedimentos específicos. Para um relato aterrador do cotidiano de uma classe de aceleração, numa grande escola da periferia de São Paulo, ver Batista (2002). se conjugam a outras de impacto considerável (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério - FUNDEF -, padronização curricular, programas de assistência ao estudante, municipalização do ensino fundamental, processos de avaliação centralizada).

Como estamos aparelhados, enquanto pesquisa e ciência, para responder às inúmeras demandas e perguntas novas, além das muitas antigas que jamais foram atendidas?

Conforme já arriscamos acima, parece-nos que não se têm apresentado muitas interpretações em um nível de generalização condizente com a tradição sociológica. O triunfo dos "estudos de caso" (em algumas ocasiões, a palavra "caso" usada no singular não é força de expressão) pode significar que estamos mergulhados na singularidade, deixando de perceber movimentos numa escala superior, ou produzindo inferências indevidas pela generalização sem a consistência dos recursos adequados a tal empreitada.

Uma possível explicação para essa situação estaria na distância entre a comunidade acadêmica e as instâncias de planejamento, avaliação e decisão acerca das políticas educacionais brasileiras. Diferentemente, por exemplo, da área de saúde, na qual diversas pontes e interfaces se estabeleceram, há algum tempo, entre instâncias políticas (no sentido de policy) e acadêmicas, parece haver, na educação, um grande divórcio, rompido apenas de forma individual e sem maiores conseqüências institucionais. Talvez intimamente relacionada a essa situação, desenvolve-se um forte antagonismo entre os dois níveis, possivelmente alimentado por decisões e posturas equivocadas de ambas as partes.

Esse quadro nos remete à discussão, rapidamente indicada na parte inicial deste balanço, sobre os limites e as possibilidades de uma policy science da educação no Brasil.26 26 Para mais detalhes sobre esse tema, ver Dias da Silva (2001). Parece-nos que, na ausência de um debate (e de ações) consistentes acerca de projetos de futuro característicos da busca de alternativas melhores, mais inclusivas, mais justas, em suma, daquilo que se define usualmente como "projeto nacional", nossas bússolas se desorientam. Talvez tenhamos estado mergulhados, ao menos na última década, mas provavelmente desde a retomada da democracia, em impasses duradouros acerca de projetos para o Brasil ou na vitória de alternativas voltadas prioritariamente para a administração de finanças, relegando todo o resto à condição de subalternidade. Ainda que possam ser identificadas alterações importantes no âmbito da política educacional mais ampla, parece que falta algo que lhes confira força e significado numa esfera mais abrangente.

Se retomarmos a experiência de nossos surtos de vigor no pensamento sociológico e educacional, parece que eles se conjugam com tempos heróicos de definição de rumos para o conjunto da sociedade brasileira. O exemplo dos Pioneiros da Educação, nos anos de 1930, é talvez o mais expressivo e seus ecos se prolongam até a efervescência da virada entre os anos 1950 e 1960. A sociologia que se estabelece, falando de educação, após a "derrota" dos 1960, com sua força de veto e negação, não foi capaz de constituir uma herança que desse conta dos desafios construtivos de tempos posteriores, enquanto que o bloqueio de possibilidades de mudança social mais efetiva na retomada democrática parece ter refreado, ao menos em parte, a vocação voluntariosa das ciências humanas.

No que diz respeito à sociologia da educação, conforme já apontado, parece-nos que a impressionante influência da sociologia francesa, com seu aporte fortemente estrutural, contribuiu para forjar um olhar em que a dimensão "tempo" fica ausente. Os processos históricos, a busca do encadeamento causal de eventos e, portanto, a identificação das trajetórias percorridas pelos atores sociais, suas articulações, motivações e escolhas – considerando os constrangimentos estruturais, mas para além deles –, tudo isso se encontra distante em quase todos os trabalhos produzidos em nosso ambiente.

Quanto ao possível deslocamento entre os contextos originários das produções sociológicas forjadas no primeiro mundo e nossos muito diferentes (em constituição e percurso histórico) sistemas educacionais e quadros sociais, parece-nos que o desenvolvimento da atividade de pesquisa tem contribuído para criar um olhar mais adequado à nossa realidade. Há, no entanto, dificuldades nesse aspecto. Em primeiro lugar, o fato de mergulharmos na atividade empírica não assegura por si só a sensibilização de olhar para nossos aspectos singulares. A "fidelidade" muito forte aos modelos criados no primeiro mundo pode provocar uma certa "cegueira" para questões não presentes por lá, fenômeno agravado pelo pequeno escopo de abrangência da imensa maioria de nossas pesquisas, o que tende a produzir problemas no que diz respeito à capacidade de generalização. Por fim, o movimento recente – apontado por diversos autores – de recusa a teorizações macro pode nos privar da percepção de grandes alterações recentes nos processos de escolarização no Brasil e de toda a infinidade de condicionantes que aí se exercem.

A importação de teorias geradas quase que exclusivamente em países como a França, Inglaterra, Estados Unidos, Canadá e, mais recentemente, Espanha e Portugal introduz um complicador que é o descolamento dos contextos em que tais reflexões foram geradas. Tipologias e classificações podem estar forçando as evidências retiradas de nossa empiria, de forma a encaixá-las nos modelos pensados para sociedades com processos e sistemas educacionais muito diferentes do nosso.27 27 Apontamos como conseqüência exemplar dessa tendência a onda de "formação continuada" que se disseminou por nosso ambiente educacional, desprezando a tragédia particular que é nosso sistema de formação inicial docente. Da mesma forma, num passado não muito distante, críticas acirradas a políticas de assistência taxadas de "assistencialistas" desprezavam o grau de pobreza e miséria em que vive boa parte de nosso estudantado. O risco é que ocorra aí, não um debate fecundo, instigante não somente por seus aspectos substantivos como também pela comparação, mas um mimetismo de valor acadêmico e social bastante duvidoso.

Não propomos com isso o isolamento da sociologia da educação brasileira – fechada em seus próprios problemas e questões –, mas uma sociologia que recupere a comparação como ferramenta criativa, valorizando as relações estruturais mais gerais (que permitem identificar os sistemas educacionais de cada país) e percebendo as especificidades causais nacionais. Trabalhos que abordam as recentes ondas de violência nas escolas brasileiras e alguns estudos sobre as estratégias e conflitos culturais no sistema educacional brasileiro mostram que este GT-14 tem boas possibilidades de ser bem-sucedido nesse caminho.

Recebido em outubro de 2002

Aprovado em janeiro de 2003

MARCIO DA COSTA doutor em Sociologia pela IUPERJ, é professor na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Publicou recentemente: Tempos de desesperança: roteiro para pensar a educação quando o futuro parece sombrio (Humanas, v. 24, nº 1-2, p. 186-200. Porto Alegre, 2001); Stimulating citizenship: can educational policy enhance civic culture? (Educational Theory & Practice, v. 22, nº 1, p. 75-93. Australia: Albert Park, 2000); Avaliando impactos sociais de uma política educacional democrática (Estudos em Avaliação Educacional, nº 19, p. 25-55. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1999).

GRAZIELLA MORAES DIAS DA SILVA é mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ). Trabalha atualmente como coordenadora da pesquisa sobre atraso e evasão nos cursos de graduação, no Núcleo de Sociologia da Cultura dessa mesma universidade, e como consultora de metodologia de organizações não-governamentais. Integra o grupo de pesquisa de Sociologia e Educação do CNPq.

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  • *
    Trabalho apresentado na 25ª Reunião Anual da ANPEd (Caxambu, MG, 29 de setembro a 2 de outubro de 2002). Agradecemos aos numerosos comentários e contribuições recebidos durante a discussão do trabalho nessa reunião. Agradecemos também às sugestões e os comentários do Prof. Osmar Fávero, no processo de preparação do artigo para publicação. Procuramos preservar ao máximo o trabalho originalmente apresentado, mas incorporamos algumas questões irrecusáveis.
  • 1
    Não tivemos acesso aos 12 anos de produção do GT. Após a confecção deste trabalho, na preparação para sua publicação, foi-nos informado que o acervo dos trabalhos apresentados nas reuniões anuais está sob a guarda do Programa de Estudos e Documentação, Educação e Sociedade (PROEDES), da UFRJ, ainda não disponível para consultas. Assim, dos trabalhos, comunicações e pôsteres apresentados entre 1990 e 1994, somente os deste último ano foram contemplados em nossa análise, pois há uma pequena publicação, de iniciativa do próprio GT, que os contém. Portanto, nosso balanço contempla as produções aprovadas para apresentação de 1994 a 2001.
  • 2
    Trata-se do encontro intermediário realizado na Universidade Federal Fluminense, As ciências sociais e a educação no Brasil: ontem e hoje, ocorrido em 4 e 5 de julho de 1998.
  • 3
    É o próprio Lourenço Filho quem aponta os objetivos do INEP, excluindo deles a pesquisa sociológica: "organizar documentação relativa à história e ao estado atual das doutrinas e técnicas pedagógicas, bem como das diferentes espécies de instituições educativas; manter intercâmbio com as instituições educacionais do estrangeiro; promover inquéritos e pesquisas sobre todos os problemas atinentes à organização do ensino, bem como sobre métodos e processos pedagógicos
    ; promover investigações no terreno da psicologia aplicada à educação, bem como relativamente ao problema da orientação e seleção profissional; prestar assistência técnica aos serviços estaduais, municipais e particulares de educação e divulgar os conhecimentos relativos à teoria e à prática pedagógica" (
    apud Castro, 1999, p. 3, grifo nosso).
  • 4
    Para uma história mais completa do CBPE e seus conflitos, ver Xavier (1999).
  • 5
    Josildeth Gomes Consorte (1999), por exemplo, afirma: "Não vivia eu o momento mais feliz da minha vida [ao ingressar no CBPE]. Acabara de voltar da Universidade de Colúmbia, com os créditos de disciplinas concluídos e aprovada em todos os exames de línguas e de qualificação na expectativa de realizar a pesquisa de campo que seria transformada no meu doutorado [sobre os cafezais no norte do Paraná]. [ ] Não tendo obtido o financiamento de que necessitava, aceitara ingressar no CBPE sem nenhuma motivação, naquele momento, para as pesquisas na área de educação" (p. 46).
  • 6
    As obras
    Preconceito de marca: as relações raciais em Itapetininga (São Paulo: Edusp, 1996), de Oracy Nogueira, e
    O negro no Rio de Janeiro: relações de raças numa sociedade em mudança (Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1998), de Luís A. Costa Pinto, são exemplos desse "resgate".
  • 7
    Talvez possamos relativizar,
    a posteriori, a derrota dos ímpetos igualitaristas dos anos de 1960. É plausível pensar que aqueles que se engajaram na aventura reformadora dos "anos rebeldes" mudaram o mundo sem perceber. É, entretanto, inegável que quando John Lennon afirma que "o sonho acabou", exprime o sentimento que marca a entrada nos "anos de chumbo" da década de 1970.
  • 8
    Desde então, ao menos a linha do IUPERJ deixou de existir.
  • 9
    Para um debate mais completo sobre esse suposto "sociologismo" da educação, ver: Sociologia da educação: diálogo ou ruptura,
    Cadernos Cedes, nº 27, São Paulo, 1992.
  • 10
    A coluna "Outras/Indefinido" inclui sobretudo citações em espanhol, especialmente apresentadas pela expressiva participação latino-americana no GT-14, e algumas referências cuja língua original não era do conhecimento dos autores desse balanço.
  • 11
    Alguns poucos trabalhos não foram incluídos nessa contagem por serem resenhas ou inventários biográficos referentes a um único autor, relacionando grande parte de sua obra, o que distorceria nossa contagem.
  • 12
    Optamos por usar aspas por não considerarmos suficientemente precisa essa classificação e, também, por escapar aos objetivos deste artigo tratar longamente dessa questão.
  • 13
    Nadir Zago, Relação escola-família: elementos de reflexão para um objeto de estudo em construção.
  • 14
    Duas vocações, conforme bem distinguia Max Weber (1999).
  • 15
    As transcrições foram extraídas de balanço efetuado por Marília Pinto Carvalho, representante do GT-14 no Comitê Científico da ANPEd, em 2001. Sintetiza uma rica discussão travada por correspondência entre a autora, os pareceristas
    ad hoc e a coordenação do GT, naquele ano.
  • 16
    Ultrapassa as possibilidades deste artigo um tratamento mais detalhado a essa questão. Como indicativo muito geral, consideramos que a noção de "ideologia", corriqueiramente presente em grande número de trabalhos educacionais, incorpora a idéia de um pensamento "de classe", ou de "interesses de classe" imanentes e estruturalmente definidos, num modelo funcional, herdado da tradição durkheimiana e combinado às influências marxistas, característico da sociologia da educação que predominou no Brasil após os anos 1970.
  • 17
    Reforça essa impressão a virtual ausência da dimensão "tempo" nos trabalhos apresentados.
  • 18
    Citamos, como exemplo, recente trabalho do renomado sociólogo Randall Collins (2000), no qual se reconstituem os movimentos de expansão e retração escolar desde a antigüidade – oriental e ocidental – como recurso para pensar os fatores condicionantes e as possibilidades de expansão dos sistemas escolares atuais.
  • 19
    Guardamos na memória a impressão de ter havido um trabalho, em ano recente, que analisava dados extraídos do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Sua ausência entre o material fornecido pela ANPEd pode indicar um engano de nossa parte ou o fato de sua apresentação ter ocorrido no GT Educação e Sociedade da ANPOCS.
  • 20
    Recentemente, um sucedâneo do "
    bug do milênio" foi apresentado na sessão de abertura do XVth International Congress of Sociology (ISA), em Brisbane, Austrália, com o título "A global world, multiples angles, one sociological community", obtendo grande repercussão favorável.
  • 21
    Como exemplo mais evidente, a incapacidade de previsão de alterações substantivas na geopolítica mundial, com a implosão do bloco socialista europeu.
  • 22
    Em termos bem abstratos, relevando as inúmeras trajetórias históricas cumpridas pelas mais diversas sociedades e nações.
  • 23
    Várias passagens dessa tentativa de identificar uma agenda contemporânea para nosso ramo de estudo foram extraídas do comentário de Marcio da Costa (Rio de Janeiro, 2002, mimeografado) ao trabalho "Ciência, tecnologia e o interesse público", organizado por Simon Schwartzman e apresentado no seminário do mesmo nome como parte do balanço pelos 50 anos do CNPq, realizado na Academia Brasileira de Ciências, no Rio de Janeiro.
  • 24
    Boa parte do professorado também vem de famílias de pouca ou nenhuma inserção em ambientes letrados.
  • 25
    Sabemos que é polêmica a afirmação de um certo caráter cosmético nas políticas de regularização do fluxo escolar. Menos que na natureza das propostas implantadas, pensamos que a ineficácia dessas experiências reside na incapacidade dos sistemas escolares de darem conta de tarefa aparentemente tão complexa, recheada de procedimentos específicos. Para um relato aterrador do cotidiano de uma classe de aceleração, numa grande escola da periferia de São Paulo, ver Batista (2002).
  • 26
    Para mais detalhes sobre esse tema, ver Dias da Silva (2001).
  • 27
    Apontamos como conseqüência exemplar dessa tendência a onda de "formação continuada" que se disseminou por nosso ambiente educacional, desprezando a tragédia particular que é nosso sistema de formação inicial docente. Da mesma forma, num passado não muito distante, críticas acirradas a políticas de assistência taxadas de "assistencialistas" desprezavam o grau de pobreza e miséria em que vive boa parte de nosso estudantado.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Nov 2006
    • Data do Fascículo
      Abr 2003

    Histórico

    • Recebido
      Out 2002
    • Aceito
      Jan 2003
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