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Educação em rede: uma visão emancipadora

RESENHA

Ricardo Romo TorresI; Manuel Moreno CastanedaII; Maria del Sol Orozco AguirreIII

IProfessor investigador na Universidade de Guadalajara, México. E-mail: romotorres@yahoo.com

IICoordenador general do Sistema para a Innovación del Aprendizaje (Innova) Universidad de Guadalajara, México. E-mail: moreno@redudg.udg.mx

IIIProfessora investigadora na Universidad de Guadalajara, México. E-mail: tacosalvapor@hotmail.com

GOMEZ, Margarita Victoria. Educação em rede: uma visão emancipadora. São Paulo: Cortez, 2004, 216p.

Educação em rede é um livro que enfrenta o desafio de se apresentar como um texto inacabado. Exige do leitor uma participação ativa, com propensão para completá-lo mediante um diálogo, igualmente inconcluso. Dentre suas aspirações, encontramos a busca por redes educativas que estejam em constante reconstrução, mantendo uma visão emancipadora como imperativo para sua reconfiguração, como tecido constituído para andaimar os sujeitos que emocionam, imaginam, pensam e têm força de vontade.

A parte inacabada está expressa narrativamente dentro do seguinte parágrafo: "Similar à Babel borgiana, o conhecimento é produto de um acaso em que a ficção é o universo e, por receio das múltiplas combinações, chega-se a textos individuais que constituem uma narrativa inacabada. No universo em forma de labirinto, o espelho e a recorrência não permitem ver a saída" (p. 134).

O estar sendo do homem em uma comunidade planetária emoldura-se na condição ontológica da inconclusividade, mas também na exigência de ser mais. Esse mais orienta-se pela necessidade de diálogo com os outros em termos de abertura e atitude dialogadoras.

A idéia de rede conduz a uma exigência articuladora no contexto da categoria de totalidade. Com base nessa categoria, torna-se possível expor um retículo de concepções entre cujos componentes encontraremos subjetividade, identidade, experiência, mediação e, evidentemente, alfabetização digital. Esse retículo resulta numa concepção de educação identificada com um ponto de chegada, condensado no que a autora denominou "pedagogia da virtualidade".

Ela propõe-se a contribuir para a confecção de redes educativas com uma visão emancipadora, subentendendo-se uma concepção libertária de educação. Nessa última, a subjetividade está presente na forma de medos, temores e incertezas por parte dos que acabam de ingressar na modalidade virtual.

Um dos méritos do trabalho é conceber a identidade no marco de um processo inacabado, no qual os sujeitos inconclusos aspiram a ser mais com base no encontro entre as pessoas. Dessa forma, a comunicação e o diálogo encarnam modalidades de concordância e conflito que devem ser enfrentados pelos sujeitos interagentes no interior da rede. No entanto, outro aspecto fundamental é o representado pelos círculos de cibercultura, nos quais o problema da identidade deve ser repensado e reintroduzido no âmbito das redes e em função da inconclusividade de homens e mulheres.

Por sua vez, a experiência de abertura como "experiência fundadora" faz-se sentir na medida em que representa um dispositivo pedagógico. Esse dispositivo refere-se a uma nova organização dos saberes, cuja exigência se orienta segundo uma "nova organização da experiência", na qual os saberes, em sua função cognitiva, encontram suas articulações com os planos éticos e políticos.

Ainda que o texto nos apresente um ponto de partida embasado na concepção de redes educativas dialógicas e um ponto de chegada de uma concepção educativa que tem como intenção concordar com uma pedagogia da virtualidade, a mediação será dada pelos aspectos do projeto pedagógico, pelas questões metodológicas e pela avaliação.

O projeto educativo orientado para a pedagogia da virtualidade

Do ponto de vista do projeto, a educação virtual, ou a educação via Internet, é concebida como uma opção importante para conseguir que os sujeitos aceitem o conhecimento, debatam sobre o mesmo e construam propostas condizentes com a sua realidade e seu próprio contexto, respeitando sempre a subjetividade, a cultura e o contexto dos participantes, orientando-os, dessa forma, a constituírem propostas de intervenção que lhes permitam melhorar e até transformar seu entorno social, político e educativo.

Especial atenção é concedida aos procedimentos por ocasião de esboçar e implantar projetos educativos desde o âmbito tecnológico até o pedagógico, sobretudo o momento de relacionar os conteúdos com os meios, ferramentas, objetivos, competência etc. Em tudo isso, as idéias emancipadoras de Paulo Freire apresentam-se como alternativa viável e realista para a aprendizagem em rede inserida no marco de uma pedagogia da virtualidade.

A pedagogia da virtualidade está apoiada na apropriação tecnológica em razão dos princípios da educação popular, que objetiva o encaminhamento para a conformação de uma sociedade aberta e democrática que, por sua vez, deve sustentar-se na ética e na vontade política dos sujeitos.

No contexto da natureza política da educação aliada ao uso criativo da Internet, fica demonstrada a possibilidade de uma ação transformadora por meio de um sistema que facilite o espaço de intervenção, a partir de uma ótica socio-histórica com a qual sejam potencializados os recursos pedagógicos, sobretudo com um suporte em rede que esteja apoiado, na sua programação, em situações reais.

Um dos desafios da pedagogia da virtualidade é superar a cultura do silêncio, mediante uma criação de círculos na cibercultura. Nestes, homens e mulheres recuperam sua história, sua cultura, utilizando crítica e criativamente a Internet. Dessa maneira, ultrapassam as atitudes individualistas e solipsistas com base no método de colaboração, com o qual se busca liberar os espaços de participação dos cidadãos. Contudo, cabe pensar a educação a distância, entendida na perspectiva da pedagogia da virtualidade, como alternativa que não se homogeneíza no tempo e no espaço, e sim aquela em que as mediações dialógicas e o programa participativo permitam e potenciem de forma educativa o ser social.

Pela ótica anterior, a educação a distância deve ser vista como multidisciplinar, na qual estejam envolvidos conhecimentos, percepções e sentimentos que se comprometam com um novo fazer, desde a estética até a ética. Assim, ao serem observados e aplicados esses princípios por parte da equipe, pode-se superar a simples reflexão visual e trazer, em troca, contribuições sociais e pedagógicas, obtendo-se uma experiência ética-estética. Aliás, essa experiência deverá ser vista como uma conquista por parte da equipe que participou do projeto, da implantação e do desenvolvimento dessa alternativa educativa.

Quanto às bases mais sólidas de um projeto dessa natureza, devem ser consideradas as seguintes: estabelecer denominadores comuns mínimos entre os membros da equipe que trabalha para a instituição, prever o trabalho entre as instituições, e fazer o planejamento operacional básico num trabalho multidisciplinar especializado que inclua a decisão sobre o software. Ao mesmo tempo, a proposta deve considerar aspectos simbólicos das necessidades dos usuários, dos participantes e do contexto, a partir do que deve ser efetuada uma análise exaustiva do tipo metodológico, tanto de maneira linear quanto transversal, de elaboração e de implementação do projeto, que envolva os conhecimentos bem como a plataforma escolhida. Além disso, deve ser dada especial ênfase à comunicação com a equipe e também com os estudantes, por intermédio dos espaços virtuais criados para tal fim [textos escritos, imagens, sons, áudio, links, fóruns, encontros em tempo real (chat), videoconferências, animações e simulações], já que a participação dos estudantes pode ativar o potencial dos sujeitos envolvidos.

Horizontes metodológicos

Os horizontes estão abertos em função da experiência, pois esta mostra-se atenta ao registro das dimensões metodológicas dos conhecimentos dos participantes. A experiência também implica uma dimensão reflexiva, pois tenta fazer com que os conhecimentos dos membros da equipe permitam uma nova maneira de criar e produzir cursos.

Os cursos são apresentados como projetos educativos nos quais são contempladas diversas estratégias metodológicas, tais como: brainstorming, grupos de trabalho, dinâmicas de grupo, questionários e entrevistas diretas em tempo on-line. Ao fazer a exposição da estrutura desse tipo de curso, deve-se propiciar a participação permanente dos envolvidos no processo educativo, sendo que essa interação permitirá construir fundamentos para outro tipo de instrumentos que enriqueçam o projeto, ou seja, sugerirá sistematização permanente do trabalho realizado antes, durante e depois, delimitando dessa forma o trabalho coletivo.

Durante o processo de criação de cursos na web, deve ser levado em conta que estes estejam

orientados pelos princípios de educação popular, do rizoma, do programa participante, de sujeitos múltiplos e de mediações pedagógicas. Segundo nossa perspectiva, envolve uma prática concreta dos participantes, um tratamento do tema, da aprendizagem e da forma. Igualmente, implica uma situação sócio-histórica dos integrantes do projeto, uma organização de conformidade com as metodologias por eles construídas. (p. 137)

Sobre a aplicação da proposta, poder-se-ia dizer que, em vista do momento e da conjuntura em que estamos vivendo, ela demanda uma situação educacional de inovação permanente, que permita dar um novo significado à formação do professor, e, para isso, devem ser reconhecidos como pertinentes os processos de mediação pedagógica e a programação participante de cursos da web.

Cabe notar aqui que essa proposta não apenas comporta uma dimensão epistemológica, como também, ao expor diversos pontos medulares da educação a distância, apresenta magistralmente o como, o porquê e o para quê da educação a distância, utilizando uma visão emancipadora para a qual conflui uma série de idéias aplicáveis a um modelo diferente de desenvolver cursos, ao processo dos mesmos e às formas mais adequadas de avaliar, incluindo a todos os atores do processo educativo, assim como os materiais, as mediações pedagógicas e os meios.

Avaliação emancipadora

A avaliação é considerada uma orientação do processo educativo, devido à sua importância no aperfeiçoamento permanente dos cursos e das interações dos envolvidos no transcurso da apropriação do conhecimento e no desenvolvimento de competências e valores.

As possibilidades do processo de avaliação assim entendido podem ser vistas com base nas evidências encontradas na experiência, e assim, com base nessa experiência, a educação poderá ser analisada como um espaço que envolve os professores em rede e a toda a comunidade que nela intervém. Os programadores e dos pedagogos envolvidos na avaliação devem assumir co-responsavelmente a crítica e a problematicidade como planos imprescindíveis à construção de uma educação emancipadora.

Para além da avaliação dos softwares de aprendizagem em rede, deve-se dar destaque à avaliação formativa processual, já que os recursos tecnológicos permitem retomar aspectos que se referem aos processos, à qualidade dos mesmos e à ética na esfera virtual, pois são geradas comunidades que vinculam ideologias e cosmovisões particulares. Dessa forma, pode-se estar em condição de ter acesso a uma prática flexível e interativa, dialógica e contextual desde o começo, e, portanto, a triangulação de dados obtidos de relatórios da prática educativa do professor, dos alunos e dos observadores participantes torna possível uma avaliação confiável.

Finalmente, a avaliação, como dispositivo baseado na emancipação, é concebida como um instrumento que visa à esperança no futuro, pois se apóia em um processo mais amplo de educar, com a finalidade de participar com sujeitos inacabados e incompletos em sua busca permanente e curiosa de melhorar suas práticas por meio da comunicação, do diálogo, de mediações e de estratégias de aprendizagem que exijam uma nova compreensão do mundo. Assim, no ato de educar criticamente na esfera virtual, a avaliação é o processo que permite desenvolver práticas que devem contribuir e melhorar as condições de vida, responder criativamente às necessidades sociais da educação e à potenciação pedagógica da nova tecnologia, tornando-a uma ferramenta a serviço da emancipação de homens e mulheres.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Maio 2006
  • Data do Fascículo
    Abr 2006
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