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A produção de manuais didáticos de história do Brasil: remontando ao século XIX e início do século XX

La producción de manuales didácticos de historia de Brasil: remontando a los orígenes (1838-1889)

The production of textbooks on the history of Brazil: returning to the origins (1838-1889)

Resumos

O artigo decorre de um programa de pesquisa que investiga o papel dos instrumentos do trabalho didático na relação educativa. Elege como foco o discurso dos manuais didáticos de história do Brasil e, para aprofundar a análise do conteúdo, procura apreender as interpretações acerca da Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870). Prioriza manuais didáticos pioneiros, produzidos no período imperial, a exemplo de Lições de história do Brazil, de Joaquim Manuel de Macedo, um dos principais compêndios da área no Colégio Pedro II. Esses manuais, quanto à concepção pedagógica e à forma de organização, comportavam incipiente simplificação e objetivação do trabalho didático que denotavam os primeiros indícios de uma organização técnica de base manufatureira

história da educação; trabalho didático; manuais didáticos; história do Brasil; Guerra da Tríplice Aliança


El presente trabajo resulta de un programa de investigación que trata del papel de los instrumentos de trabajo didáctico en la relación educativa. Elige como foco el discurso de los manuales didácticos de historia de Brasil y, para profundizar el análisis del contenido, busca aprehender las interpretaciones respecto a la Guerra de la Triple Alianza (1864-1870). Prioriza manuales didácticos pioneros, producidos en el período imperial, a ejemplo de Lições de história do Brasil, de Joaquim Manuel de Macedo, uno de los principales compendios del área en el Colégio Pedro II. Esos manuales, en cuanto a la concepción pedagógica y a la forma de organización, presentaban incipiente simplificación y objetivación del trabajo didáctico, que denotaban los primeros rasgos de una organización técnica de base manufacturera

historia de la educación; trabajo didáctico; manuales didácticos; historia de Brasil; Guerra de la Triple Alianza


This article derives from a research programme investigating the role of teaching instruments in the educational relation. It selects as its focus the discourse of textbooks on the history of Brazil and, to sharpen its analysis of the content, it seeks to apprehend the interpretations of the War of the Triple Alliance (1864-1870). It prioritizes pioneering textbooks, produced in the imperial period, following the example of Lessons on the history of Brazil, by Joaquim Manuel de Macedo, one of the most important works on the subject used at the Pedro II College. With regard to their pedagogical conception and form of organization, these textbooks revealed an incipient simplification and objectification of educational work that denoted the first signs of technical organization of a manufacturing base

history of education; educational work; textbooks; history of Brazil; War of the Triple Alliance


A produção de manuais didáticos de história do Brasil: remontando ao século XIX e início do século XX

The production of textbooks on the history of Brazil: returning to the origins (1838-1889)

La producción de manuales didácticos de historia de Brasil: remontando a los orígenes (1838-1889)

Gilberto Luiz AlvesI; Carla Villamaina CentenoII,III

IUniversidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal

IIUniversidade Estadual de Mato Grosso do Sul

IIIUniversidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal

RESUMO

O artigo decorre de um programa de pesquisa que investiga o papel dos instrumentos do trabalho didático na relação educativa. Elege como foco o discurso dos manuais didáticos de história do Brasil e, para aprofundar a análise do conteúdo, procura apreender as interpretações acerca da Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870). Prioriza manuais didáticos pioneiros, produzidos no período imperial, a exemplo de Lições de história do Brazil, de Joaquim Manuel de Macedo, um dos principais compêndios da área no Colégio Pedro II. Esses manuais, quanto à concepção pedagógica e à forma de organização, comportavam incipiente simplificação e objetivação do trabalho didático que denotavam os primeiros indícios de uma organização técnica de base manufatureira.

Palavras-chave: história da educação; trabalho didático; manuais didáticos; história do Brasil; Guerra da Tríplice Aliança.

ABSTRACT

This article derives from a research programme investigating the role of teaching instruments in the educational relation. It selects as its focus the discourse of textbooks on the history of Brazil and, to sharpen its analysis of the content, it seeks to apprehend the interpretations of the War of the Triple Alliance (1864-1870). It prioritizes pioneering textbooks, produced in the imperial period, following the example of Lessons on the history of Brazil, by Joaquim Manuel de Macedo, one of the most important works on the subject used at the Pedro II College. With regard to their pedagogical conception and form of organization, these textbooks revealed an incipient simplification and objectification of educational work that denoted the first signs of technical organization of a manufacturing base.

Keywords: history of education; educational work; textbooks; history of Brazil; War of the Triple Alliance.

RESUMEN

El presente trabajo resulta de un programa de investigación que trata del papel de los instrumentos de trabajo didáctico en la relación educativa. Elige como foco el discurso de los manuales didácticos de historia de Brasil y, para profundizar el análisis del contenido, busca aprehender las interpretaciones respecto a la Guerra de la Triple Alianza (1864-1870). Prioriza manuales didácticos pioneros, producidos en el período imperial, a ejemplo de Lições de história do Brasil, de Joaquim Manuel de Macedo, uno de los principales compendios del área en el Colégio Pedro II. Esos manuales, en cuanto a la concepción pedagógica y a la forma de organización, presentaban incipiente simplificación y objetivación del trabajo didáctico, que denotaban los primeros rasgos de una organización técnica de base manufacturera.

Palabras claves: historia de la educación; trabajo didáctico; manuales didácticos; historia de Brasil; Guerra de la Triple Alianza.

Introdução

Este trabalho é resultado de um programa de pesquisa que investiga o papel dos instrumentos do trabalho didático na relação educativa. Daí a centralidade conferida aos manuais didáticos. Ao focar os referentes à área de história do Brasil, procura fugir às abordagens mais difundidas, pois, mesmo alimentadas por matrizes teórico-metodológicas distintas, elas vêm padecendo historicamente de uma mesma limitação. Ao seccionar os instrumentos de trabalho da relação educativa, terminam por vê-los somente como coisas. Nesse sentido, igualam-se, por exemplo, tanto as análises reprodutivistas, que procuraram apreender e desnudar "a ideologia das classes dominantes" nos textos didáticos, quanto as que veem os manuais como repositórios da "cultura escolar". Seus resultados nunca deixam a relação educativa falar.

Procurando realizar outro enfoque, a análise opera em duas frentes. Objetiva, por um lado, evidenciar as características dos conteúdos veiculados pelo manual didático; por outro, visa apreender as funções assumidas por ele na relação educativa. Quanto aos conteúdos, opta não pela análise exaustiva de tal instrumento de trabalho, mas pela seleção de uma temática específica - no caso, a Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870), evento que, a par de sua relevância histórica para Mato Grosso do Sul e para o Brasil, sempre alimentou controvérsias.

Apesar de não intentar tornar-se propriamente um trabalho de crítica à historiografia referente à guerra movida contra o Paraguai, em certo grau precisou sê-lo também. Ao apreender as interpretações acerca de tal conflito, por meio do discurso dos manuais didáticos da área de história do Brasil, terminou por recorrer aos estudos historiográficos mais difundidos, detectando suas tendências teóricas e suas fontes.

Por ora, a delimitação cinge-se aos manuais didáticos pioneiros, produzidos ao longo do período imperial até o início do século XX, visando dar suporte, em especial, ao ensino secundário. O estabelecimento escolar tomado como principal referência não poderia ser outro que não o Colégio Pedro II. Inaugurado em 1838 no município da Corte, mantido pelo governo imperial e, depois, pelo governo republicano, o fato de ter figurado como modelo para os congêneres que se criassem nas províncias denota a sua condição de estabelecimento de ensino secundário mais desenvolvido no Brasil, à época.

Escola moderna, relação educativa e manuais didáticos: considerações teóricas

A discussão teórica inicial deve incidir sobre o manual didático, objetivando revelar a sua especificidade no âmbito da escola moderna.

Como instrumento do trabalho didático, o manual existe desde há muito tempo. Contudo, a escola moderna, tal como a pensou Comenius, conferiu-lhe funções precisas que interferem profundamente na relação educativa, dando origem mesmo a uma nova forma histórica de organização do trabalho didático.1 1 Por ser uma categoria central na discussão ora travada, deve ser explicitada a acepção atribuída à expressão organização do trabalho didático. No entendimento adotado ela incorpora: a) a relação histórica educador-educando; b) a mediação exercida pelos procedimentos do professor, pelos conteúdos didáticos e pelas tecnologias educacionais; e c) e a materialidade espacial e arquitetônica onde tal relação se dá (Alves, 2005, p. 10-11). Por isso, qualquer discussão sobre o manual didático moderno não pode nivelá-lo ou reduzi-lo a seus antecessores, sob pena de perder a sua especificidade e, portanto, sua historicidade. Ao mesmo tempo, não se deve supor que a emergência do manual didático moderno realizou uma ruptura radical, imediata com as formas preexistentes.

Para o estudioso da educação brasileira, essas duas considerações iniciais são básicas, pois alertam para duas fontes de erros que, se não tangenciadas, inutilizam os resultados de quaisquer investigações históricas sobre a matéria. Do ponto de vista prático, isso faz o pesquisador se defrontar com o fato de o Brasil nunca ter correspondido às formas mais desenvolvidas do capitalismo e, como uma das decorrências disso, nunca ter construído seu sistema nacional de ensino a partir das ideias e experiências daquelas nações que estavam no epicentro do desenvolvimento da sociedade burguesa. Assim, o exame do processo de produção da escola moderna, no Brasil, exige uma chave teórica mais universal, que o torne inteligível e revele sua própria singularidade. Como a organização manufatureira do trabalho didático tem sido dominante desde o século XVII, a produção teórica de seu principal mentor, Comenius, credencia-se como essa chave teórica mais universal. Portanto, reconhece-se que o pensamento desse notável educador protestante é angular para a compreensão do desenvolvimento da escola moderna no Brasil (Alves, 2005, p. 59-76). É um equívoco descartar a sua proposta, que se encontra detalhadamente descrita em Didática Magna (Coménio, 1976), pelo fato de ter germinado no interior da Reforma e, como decorrência, por se associar a práticas religiosas e educacionais diferentes daquelas experimentadas pelo Brasil e por Portugal, nações historicamente vinculadas à Contrarreforma. Do ponto de vista metodológico, trata-se tão simplesmente de explicar uma forma histórica menos desenvolvida por meio da mais desenvolvida - o que não representa a negação da especificidade da educação escolar brasileira, como alguns imaginam. Pelo contrário, a construção da explicação exige o esforço teórico - nem sempre fácil de ser realizado - de demonstrar como, por mediações, são válidos os pressupostos gerais da proposta comeniana para captar e revelar a singularidade brasileira. O presente trabalho é um exercício teórico-metodológico que, entre outras intenções, procura demonstrar a correção dessa postura.

A hipótese é de que, por não ser uma nação capitalista desenvolvida, o Brasil começou tardiamente a construir os manuais didáticos modernos e sua forma de realização ainda não ganhara, no século XIX e início do século XX, as características e as funções que esses instrumentos do trabalho didático incorporaram à proposta comeniana.

Como o período analisado refere-se ao Império e às primeiras décadas da República, atente-se, de início, para o lapso em torno de dois séculos que separa essa época do momento em que foi publicada a obra Didáctica Magna. Para aclarar os contornos gerais da proposta veiculada nessa obra clássica, a exposição subsequente recoloca, na forma de uma resumida paráfrase, o que de essencial foi dito sobre a matéria no livro A produção da escola pública contemporânea (Alves, 2006, p. 71-93).

Hoje reconhecido como o principal mentor da escola moderna, à sua época Comenius combatia a relação educativa feudal que se dava entre o preceptor, de um lado, e o discípulo, de outro. Afinado com os princípios da Reforma, reivindicava a "escola para todos", daí ter reconhecido a impossibilidade de aquela relação educativa manter-se, pois encarecia sobremaneira os serviços educacionais. O barateamento desses serviços era uma condição material indispensável para viabilizar a expansão do atendimento escolar, principalmente entre os destituídos de maiores posses. Comenius reconheceu que até mesmo o preceptor - um sábio cujos serviços exigiam régios estipêndios - era um obstáculo à educação que a humanidade começava a demandar. Para propor uma nova relação educativa - já não mais a de um preceptor que tinha sob a sua responsabilidade um discípulo ou um pequeno grupo de discípulos, mas a de um educador que deveria se dirigir a um coletivo numeroso de estudantes -, Comenius enfrentou, também, a necessidade de pensar uma nova instituição social. E concebeu-a tendo como parâmetro as manufaturas, que à época estavam em expansão e revolucionavam o artesanato medieval. Das manufaturas, apropriou-se sobretudo da divisão do trabalho, recurso responsável pela elevação da sua produtividade, por força da especialização dos trabalhadores em uma ou poucas operações do processo de produção. Essa especialização levava-os a um ritmo febril na realização das operações correspondentes, determinado pelo condicionamento de movimentos do corpo executados repetitivamente. A base técnica continuava sendo a do artesanato, mas o dado distintivo da manufatura, e que representava um salto de qualidade, frise-se mais uma vez, era a divisão do trabalho.

Para evidenciar como esse homem afinado com os avanços de seu tempo pensou o trabalho didático pela perspectiva da manufatura, é de se realçar a divisão em etapas que impôs, configurada pelas séries e os níveis de ensino na escola moderna. Estabeleceu igualmente com clareza as áreas de conhecimento integrantes do plano de estudos. Essas novidades, associadas à materialidade física da instituição social que concebeu, produziram um profissional original, distinto do preceptor: com o bispo morávio nasceu o professor.

Como o próprio artesão em relação ao seu ofício, o preceptor dominava todo o processo de formação de um jovem. Contratado quase sempre para acompanhar o processo de educação de seu discípulo desde tenra idade, dava por concluído o seu mister quando o jovem demonstrava ter assimilado o que de mais avançado estava compreendido nas humanidades clássicas. De sua parte, o professor comeniano tornou-se um profissional parcial, que passou a trabalhar com um determinado nível de escolarização e/ou com uma área de conhecimento. Portanto, também o professor realizou-se como um trabalhador especializado. Mas Comenius foi mais longe: reconheceu a quantidade exígua de pessoas que, naquela conjuntura histórica vivida por ele, poderia dedicar-se ao magistério. Afinal, em sua época não havia tantos homens de formação reconhecida, mesmo entre os que sabiam ler e escrever para atender como professor à demanda de educação para todos. Por isso, desenvolveu a tecnologia fundamental que deveria mediar a relação entre o professor e o aluno: o manual didático.

Neste, o bispo morávio depositou sua convicção de assegurar a transmissão do conhecimento no nível desejável, à margem de dificuldades derivadas do desconhecimento do professor.2 2 "Uma só coisa é de extraordinária importância, pois, se ela falta, pode tornar-se inútil toda a máquina, ou, se está presente, pode pô-la toda em movimento: uma provisão suficiente de livros pan-metódicos" (Coménio, 1976, p. 469). Dispensou outras fontes de informação e impôs o império de tal instrumento de trabalho dentro da escola, incorporando-lhe uma função excludente desde o momento de sua concepção.3 3 "Não se deve dar aos alunos nenhuns outros livros além dos de sua classe" (Coménio, 1976, p. 226). Por fim, para sediar a relação educativa de professores, de um lado, e um coletivo de alunos organizado como classe, de outro, ele pensou o espaço escolar tal como o conhecemos: basicamente, um prédio com diversas salas de aula, dependências administrativas e um pátio pouco amplo. Era o que bastava à realização da formação intelectual das crianças e dos jovens.

Constata-se que, ao conceber a escola moderna, Comenius conferiu-lhe uma forma histórica concreta de organização do trabalho didático, considerada necessária em face das imensas demandas de seu tempo. Seus três elementos constitutivos podem ser descritos da seguinte forma: a) a relação educativa então concebida colocou, de um lado, o professor e, de outro, um coletivo de alunos organizado como classe; b) os procedimentos didáticos do professor e os conteúdos programados para a transmissão do conhecimento passaram a ter como fundamento uma precisa tecnologia educacional, o manual didático; e c) a sala de aula ascendeu à condição de espaço privilegiado dessa relação, pois a formação intelectual das crianças e dos jovens, à época, esgotava a função da educação escolar.

Nessa organização do trabalho didático, que se reportava à base técnica da manufatura, a ênfase foi colocada no manual didático, o instrumento por excelência do professor. Acompanhando a tendência vigente no âmbito das manufaturas, o trabalhador da educação começava a se subordinar ao instrumento de trabalho. Essa organização do trabalho didático cristalizou-se em seguida e chegou praticamente incólume ao nosso tempo.

Os manuais didáticos de história do Brasil tomados como referência

Até o início do século XX, foram poucos os manuais de história do Brasil utilizados no Colégio Pedro II. O primeiro deles, intitulado Resumo de história do Brasil até 1828, resultou de uma tradução de Resumé de l'histoire du Brésil, de Ferdinand Denis, realizada pelo militar de origem portuguesa Henrique Luiz de Niemeyer Bellegarde (1831). Publicado em 1831, não se tratava propriamente de uma tradução literal, pois o texto em português foi corrigido e aumentado,4 4 "O original d'esta Obra hé por vezes inexacto; nos trabalhamos para que a traducção o não fosse. Todas as passagens que aqui se acharem nas primeiras épocas, estranhas ao Resumo francez, estão em D. de Goez, Rocha Pita, Madre de Deos, Ayres do Cazal, Lery, ou Southey. Quanto á parte contemporanea que nos diz respeito, limitamo-nos á pura e ingenua exposição dos factos, por assim o exigir o plano deste Epitome" (Bellegarde, 1831, p. 7). iniciativa que granjeou encômios da Revista do IHGB e de Sacramento Blake. Com a autorização deAntonio Carlos de Andrada, ministro do Império, passou a ser utilizado naquele estabelecimento escolar a partir de 1841 (Gasparello, 2002).

Ao expor a razão da tarefa que empreendera, o autor expressou a esperança de ver sua obra colocada a serviço da formação dos estudantes brasileiros: "feliz se nossos jovens compatriotas acharem n´este livro auxílio a seus primários estudos, único incentivo que a tal publicação nos animou" (Bellegarde, 1831, p. 253).

No levantamento dos programas de ensino do Colégio Pedro II realizado por Vechia e Lorenz (1998), esse manual não foi flagrado. Nele, a primeira referência incide sobre o Compendio da historia do Brasil, escrito pelo general José Ignácio de Abreu Lima (1843). Filho do Padre Roma, líder e mártir da Revolução Pernambucana, Abreu e Lima foi uma figura fascinante, um homem nutrido nos ideais republicanos, um herói romântico que cerrou fileiras no exército libertador de Bolívar. O Brasil, recém saído da condição de colônia e sem ter ainda a sua história escrita, moveu o sentimento patriótico do autor, que resolveu compor um sintético compêndio e contar a história da nação recém-independente. Não há indícios de que o livro tenha sido pensado, originalmente, como recurso de apoio ao trabalho didático. Mas a sua segunda edição, publicada no mesmo ano da primeira, já levava em consideração o mercado escolar, daí ter sido escoimada de anexos documentais e notas, concentrando o texto num único volume. Esse livro, à época, foi alvejado pelas restrições do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), entidade oficial que se imbuíra da função, dentre outras, de legitimar exclusivamente pela sua sanção tudo o que fosse produzido nas áreas de história e de geografia do Brasil. No caso em foco, parece, a postura do IHGB não resultara de crítica serena. Um biógrafo de Abreu e Lima a interpreta como reação do "exaltado lusófilo Varnhagen" para "advertir" contra o "perigo da nossa história ser escrita por nacionalistas" (Chacon, 1981, p. 111). Dois anos mais tarde, ao editar o seu segundo livro, Synopsis ou deducção chronologica dos factos mais notaveis da Historia do Brasil, Abreu e Lima augurou que ele não tivesse "a sorte" do primeiro, atingido pela "terrível fouce do Instituto Histórico" (Lima, 1845, p. 448).

Também por força de seu caráter inédito, mesmo não tendo sido escrito com intenções didáticas e a despeito das restrições do IHGB, o Compendio da historia do Brasil foi recomendado para a disciplina correspondente nos programas do Colégio Pedro II aprovados em 1856, 1858 e 1862. Nos dois primeiros, constituiu-se fonte exclusiva; no último conviveu com "postilas do Professor" (Vechia & Lorenz, 1998,p. 35, 49 e 66).

Sucedeu-lhe o manual Lições de história do Brasil para uso das escolas de instrucção primaria (Macedo, 1913), "adoptado pelo Conselho Superior da Instrucção publica". Seu autor, Joaquim Manoel de Macedo,5 5 Joaquim Manoel de Macedo (1820-1882) nasceu e faleceu em Itaboraí, província do Rio de Janeiro. Projetou-se sobretudo como romancista. Segundo Manuel Bandeira (1954, p. 93-94), dentre os seus romances, A moreninha e O moço loiro tornaram-se os "mais populares". O primeiro, objeto de "numerosas edições", como todos os demais, "é uma história romanesca, sentimental até a pieguice, escrita sem grande atenção à forma literária. Reflete, porém, com verdade até certo ponto, as intrigas casamenteiras da sociedade burguesa do tempo." foi médico, poeta, romancista e historiador. Nessa última condição integrou os quadros do IHGB. Ao presente trabalho interessa, sobretudo, o fato de ter exercido a função de professor de "Historia e chorographia patria do antigo Collegio de Pedro II" (Macedo, 1913, folha de rosto), na qual foi entronizado em 1849 (Azevedo, 1921, p. 381). O exercício do magistério motivou Macedo a elaborar dois manuais didáticos direcionados ao conhecimento do Brasil, ambos recomendados como fontes nos programas desse estabelecimento escolar. O mais importante foi o de história, em referência, possivelmente originário das "postilas" relacionadas nos programas de 1862. Na década de 1870 (Vechia & Lorenz, 1998, p. 79 e 91),6 6 Esse manual foi recomendado explicitamente no programa de 1877, mas pode ter sido relacionado, também, no de 1870, não localizado pelos autores do levantamento tomado como referência (Vechia & Lorenz, 1998, p. viii, nota 2). como resultado do esforço de sistematização de seu autor e por suas características intrínsecas, tornouse instrumento pioneiro na área, pois foi o primeiro manual intencionalmente produzido com finalidade didática por um professor de história do Brasil no Colégio Pedro II. O outro manual de Macedo, Noções de corographia do Brasil (Macedo, 1873), foi escrito por solicitação da Comissão Superior da Exposição Nacional de 1873, preparatória à Exposição Universal de Viena, que viu "opportuno ensejo" para, segundo o Prólogo, por meio de "um livro compendioso e mais adaptado à generalidade dos leitores, do que scientifico, divulgarem-se na Europa verdadeiros e precisos conhecimentos do Brazil considerado política, moral, econômica e physicamente" (Macedo, 1873, p. I). Como se constata, sua motivação inicial e seu denso texto tangenciaram, se tanto, as preocupações de caráter didático.

Homônimo do anterior e também escrito com finalidade didática, Lições de Historia do Brazil (Maia, s.d.) foi outro manual da área utilizado no Colégio Pedro II. O seu autor, Luis de Queirós Mattoso Maia, foi qualificado na Relação dos Professores do Collegio Pedro II de 1838 a 1920 (Azevedo, 1921,382) como "professor cathedratico" de "Historia Geral". O mesmo documento assinalou, ainda, 1879 como o ano de sua posse. Constitui-se uma lacuna o fato de não ter sido registrado como professor de história do Brasil, pois, em 1882, mesmo ano da morte de Macedo, pela vez primeira o manual de Mattoso Maia em referência já aparecia recomendado no programa correspondente do colégio da Corte, o que se repetiu, após a instauração da República, nos programas de 1892, 1893, 1895 e 1898 (Vechia & Lorenz, 1998,p. 108, 123, 143, 158 e 180).7 7 O programa de 1898 indicou, explicitamente, a 5ª edição do manual de Mattoso Maia. Em 1912, a disciplina história do Brasil não constou nos programas do Colégio Pedro II. No programa de 1915 foram recomendados os autores Escragnolle Dória e João Ribeiro, sem que fossem nomeados os títulos dos livros tomados como fontes (Vechia & Lorenz, 1998, p. 216). Conforme uma edição anterior a 1882, o final da última lição é elucidativo, pois Maia assume, explicitamente, a condição de professor de história do Brasil junto aos colegiais do regime de internato (Maia, s.d., p. 321).8 8 Os professores dos regimes de internato e de externato não eram necessariamente os mesmos. Macedo, na condição de "cathedratico" de história do Brasil, pode ter sido o "provecto Professor do Externato" referido ao final do livro de Maia ( s.d., p. 321). Se assim for, ambos teriam convivido, por pouco tempo, como professores da mesma disciplina nesse estabelecimento escolar, um no regime de internato e o outro no de externato.

Dos manuais utilizados no Colégio Pedro II ao longo do período imperial, o mais difundido para além dos muros desse estabelecimento escolar foi o de Joaquim Manoel de Macedo. Até 1905, tal manual compunha-se de 39 lições.9 9 Esse é o número de lições da quinta edição, publicada em 1880, pouco antes da morte do autor. Nesse ano, ao ser publicada a sua décima edição, uma "Advertencia" assinada por "O. B." foi nela incluída. De fato, trata-se de Olavo Bilac, a quem o editor encarregara de "completar este compendio", tarefa cumprida de forma a "respeitar o plano adoptado pelo seu autor". As lições referentes à Guerra da TrípliceAliança resultaram, com segurança, da complementação empreendida, mesmo porque antes da morte de Macedo os programas do Colégio Pedro II não relacionaram o evento no rol dos conteúdos previstos.

Se consideradas as prescrições de Comenius, as características imanentes aos quatro textos referidos são pouco compatíveis com as do manual didático da escola moderna. São textos extensos, envolvendo lições com nível informativo detalhado e denso, o que termina por conferir um alentado volume aos livros. Mesmo o de Macedo, a despeito de comportar questionários e quadros sinóticos, não escapa dessa consideração. O de Bellegarde desenvolve-se ao longo de 260 páginas. O de Abreu e Lima inclui dois volumes, com 324 e 200 páginas,10 10 No mesmo ano, o livro foi objeto de uma segunda edição, escoimada de notas e da farta documentação contidas na primeira. Resultou um texto de 352 páginas. Com a iniciativa, o autor e a editora também levaram em conta um expressivo nicho de mercado que se abria, pois visaram, então, produzir um livro "mais adequado para os Colégios" (cf. Gasparello, 2002). respectivamente. O manual de Macedo contém 519 páginas, enquanto o de Mattoso Maia, 346.11 11 São tomadas como parâmetros as edições constantes das Referências bibliográficas. Outra característica que os distancia dos modernos manuais didáticos comenianos é a despreocupação com as ilustrações. Todos os livros relacionados não as exploram ao longo das lições ou dos capítulos que os integram.

Por fim, para registrar uma tendência que avançaria pelo século XX, tomou-se como referência, ainda, o manual Pequena historia do Brazil por perguntas e respostas (Lacerda, 1887). Escrito por Joaquim Maria de Lacerda,12 12 Lacerda escreveu manuais didáticos também para as áreas de aritmética, geografia, gramática e história sagrada. O programa de 1882 do Colégio Pedro II recomenda, para a área correspondente, o texto de sua autoria intitulado Pequena geographia. À frente do título, entre parênteses, está escrito "provisoriamente" (Vechia & Lorenz, 1998, p. 96). foi alvo de numerosas edições, que adentraram, inclusive, pela época republicana. É um manual de conteúdo simplificado e, segundo sua folha de rosto, destinado ao "uso da infancia brazileira". Seu autor foi celebrado como "Membro da Arcádia Romana". Conforme o Prefácio da segunda edição, datado de 1880, a primeira, compreendendo dez mil exemplares, número avultado para a época, esgotara em poucos anos, como decorrência do "lisongeiro acolhimento que ela obteve junto aos Srs. Professores e Diretores de Colégios". No interregno das duas primeiras edições, a "obrinha" mereceu, igualmente, "a honra de ser aprovada pelo Conselho Superior da Instrução Pública" do Império (Lacerda, 1887, p. 5).

Em 1887 surgia a sua "sexta edição melhorada" e, em 1919, foi revista e aumentada por Luiz Leopoldo Fernandes Pinheiro. Teve acentuada longevidade e grande difusão, pois ainda no ano de 1942 era lançada uma "novíssima edição, illustrada com muitas gravuras" e "atualizada por um professor".

Em todos os aspectos, o manual de Lacerda distingue-se e distancia-se dos textos didáticos usados no Colégio Pedro II.A sexta edição comporta, ao todo, cento e sessenta páginas. Divide a história do Brasil em seis períodos, delimitados pelas seguintes datas: 1500-1580, 1580-1640, 1640-1808, 1808-1822, 1822-1831 e 1831-1876. Quanto ao conteúdo, o menor número de páginas se fez acompanhar de um rebaixamento da quantidade de informações ou, pelo menos, de perda do seu grau de profundidade. A sensível simplificação do conteúdo é denotada também pelo crivo exercido pelas perguntas, que selecionam as prioridades, e pelas respostas pouco extensas, que aligeiram e resumem as informações. Do ponto de vista formal, o livro está marcado por uma novidade que acentua ainda mais a distância que o separa daqueles produzidos por professores do Colégio Pedro II: cinquenta ilustrações permeiam o desenvolvimento do conteúdo.

O conteúdo dos manuais didáticos de história do Brasil: como foi contada a Guerra da Tríplice Aliança

Antes de descrever o conteúdo das interpretações veiculadas pelos manuais de história do Brasil, é necessário tecer uma breve consideração sobre a historiografia referente ao conflito. No Brasil, essa historiografia pode ser enquadrada em duas tendências ao longo do tempo, caracterizadas resumidamente a seguir. A primeira, hegemonizada pela interpretação dos historiadores militares, foi dominante até a década de 1960. Circunscrita, de início, às memórias dos combatentes e aos relatórios de campanha dos oficiais, assistiu em seguida ao despontar das obras de síntese de historiadores militares como Tasso Fragoso (19561960).Asegunda tendência emergiu no final da década de 1960, envolvendo estudiosos argentinos, uruguaios e brasileiros, como Leon Pomer (1980), Vivian Trías (1975), Eduardo Galeano (1978) e Júlio Chiavenato (s.d.). Teve a virtude de mostrar o lado universal de um conflito até então visto como de âmbito local, ao destacar as determinações econômicas gerais atadas à dinâmica da sociedade capitalista no século XIX e à mediação política exercida pela Inglaterra, a potência econômica mais avançada à época. Alguns consideram ter sido inaugurada uma terceira tendência, configurada em estudos nascentes na passagem da década de 1980 para a de 1990, que pretendem construir uma "nova história da guerra"; dentre eles ganhou realce o de Francisco Doratioto (2002). A pretexto de corrigir os desacertos explicativos da tendência anterior, decorrentes do nacionalismo e da teoria da dependência, o que é certo, parece que essa tendência, justificando-se na necessidade de renovar os estudos historiográficos, acabou por recolocar em primeiro plano as velhas querelas locais para explicar o conflito, circunscrevendo suas análises sobretudo à instância política. Nesse aspecto, aproxima-se da versão produzida pela história militar, a despeito de seu discurso mais acadêmico.

Por força do período analisado, a exposição subsequente se cingirá à primeira tendência, nascida na área de história militar, pois somente ela influenciou a elaboração dos manuais didáticos ora tratados.13 13 Essa afirmação vale para a época imperial, mas, mesmo preponderante, tal tendência passou a comportar entendimentos parcialmente divergentes, após a Proclamação da República, em especial quanto aos móveis do conflito. Versões destoantes começaram a ser produzidas por alguns autores de manuais didáticos imbuídos do ideário republicano. Pedro do Coutto, professor do Colégio Pedro II, por exemplo, mesmo sem se afastar da interpretação mais geral que atribuía motivações locais ao conflito, o que o coloca no campo da tendência assinalada, distanciou-se das análises dominantes ao afirmar categoricamente que a "guerra foi provocada e conduzida pelo Brasil." Reconheceu, inclusive, "a sanha de Pedro II" ao encetar, "por capricho", uma "perseguição tenaz a um homem", Solano Lopes, porque "lhe tinha ogeriza" (Coutto, 1923, p. 12-13). João Ribeiro, igualmente professor do Colégio Pedro II, foi outra expressão desse tipo de análise. À semelhança de Pedro do Coutto, contou os episódios da guerra da mesma forma que os outros manuais, mas, ao discutir os antecedentes do conflito, condenou a política brasileira de "supremacia sobre os estados do Sul" e a decorrente "immoralidade da nossa conducta", marcada por intervenções sistemáticas nos domínios dos vizinhos (Ribeiro, 1914, p. 512). Essas nuanças das análises difundidas por manuais didáticos poderão ser aprofundadas em estudos ulteriores, quando os textos elaborados ao longo da Primeira República forem examinados com maior profundidade. Essa influência perdurou desde o último quartel do século XIX até a primeira metade do século XX. Começou a ser produzida logo após o conflito e absorveu o discurso de suas fontes documentais angulares: os diários de campanha dos comandantes militares e as memórias de soldados envolvidos no conflito.14 14 Uma dessas memórias ganhou celebridade e tornou-se, inclusive, sucesso editorial. Trata-se de A Retirada da Laguna, escrita pelo oficial de engenheiros da coluna que a realizou, Alfredo d'Escragnolle Taunay (s.d.). Na sequência, essa tendência ganhou em sistematização e reforçou-se com a proeminência alcançada por obras de caráter sintético de historiadores militares, em especial História da Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai (Fragoso, 1956-1960). Por transposição, a interpretação assim construída constituiu-se, por décadas, na versão dominante também em outros âmbitos. Consagrou-se também dentro do IHGB. Portanto, a interpretação histórica desse conflito, no seu sentido mais amplo, erigiu-se como um decalque daquela elaborada no campo da história militar. Ganhou forma ufanista, pois foi muito marcada pelos traços característicos de uma instituição cujos créditos amealhados nos campos de batalhas lhe asseguraram papel de notável importância no sentido de imprimir no povo o sentimento de nacionalidade. O ufanismo foi um recurso não desprezível por meio do qual as forças armadas deram consequência a um trabalho educativo de caráter cívico que visava assegurar coesão aos brasileiros.15 15 Nesse processo, as lideranças militares começaram a desnudar também a omissão das classes dominantes no que se refere à sua participação na guerra. Os detentores das grandesfortunas no Brasil furtaram-se ao envolvimento direto na frente de luta. Preferiram ser substituídos pelos seus escravos negros, que obtinham por esse meio a alforria.

Do ponto de vista epistemológico, o discurso dessa tendência historiográfica foi lastreado pelo positivismo, que, desde o século XIX, tivera quadros proeminentes dentro das Forças Armadas16 16 Quando se reporta à ebulição causada pelas idéias republicanas, desde as duas décadas anteriores a 1889, Tasso Fragoso, autor da alentada História da Guerra da Tríplice Aliança e o Paraguai, evidencia explicitamente sua simpatia pelo positivismo: "Um lustro antes da revolução republicana, houve vários incidentes na vida escolar, que testemunham a exaltação dos espíritos. Estive na Praia Vermelha durante êsse período, o que me faculta recordá-lo com conhecimento objetivo. Seguíamos com interêsse tôda agitação política que abalava a nação. Líamos os artigos da propaganda republicana e comparecíamos aos comícios em que se propugnava a abolição ou a mudança de regime. De manhã, depois dos exercícios, havia uma fileira de alunos que iam até o Hospital Nacional, ou ainda mais longe, ao encontro do vendedor de jornais, que aliás nunca faltava e tinha uma legião de assinantes. A 'Federação', órgão do grupo republicano riograndense do sul, redigida por Júlio de Castilhos, passava de mão em mão, era disputada e lida com entusiasmo; o mesmo se dava com os jornais republicanos de São Paulo: Os artigos de Rui Barbosa e Quintino Bocaiúva entusiasmavam os cadetes" ( apud Araripe, 1960, p. 104). O biógrafo general Tristão Alencar Araripe reconhece, em especial, "a influenciação de Benjamin Constant na formação ideológica de Tasso Fragoso" (Araripe, 1960, p. 139). .Daí, inclusive, a historiografia decorrente ter consagrado, nesse período, o fazer científico segundo os cânones dessa matriz teórica. Integram-na obras descritivas cujo discurso preconiza, como condição de rigor, a neutralidade e o distanciamento do pesquisador em face do objeto de investigação, mas, ao mesmo tempo, se move por um acendrado patriotismo e pela devoção incondicional à nação.

Ao longo do século XIX, a maioria dos manuais de história do Brasil utilizados no Colégio Pedro II pouco se destacou pela análise da Guerra da Tríplice Aliança. Os dois primeiros, de Bellegarde e deAbreu e Lima, nem poderiam ter se reportado ao conflito, pois foram editados antes dele. Mas quando os demais, por força de atualizações recebidas, contaram o conflito, reproduziram a tendência dominante no final do século XIX e primeiras décadas do século XX, pois plasmaram a interpretação no discurso das memórias dos soldados e nos documentos oficiais da campanha. Foi o que se patenteou, por exemplo, no manual didático de Joaquim Manuel de Macedo.

No que se refere à Guerra da Tríplice Aliança, esse livro descreveu os episódios militares em ordem cronológica, de forma a realçar a bravura dos principais comandantes e soldados brasileiros. Quanto às causas do conflito, ignorou quaisquer determinações que não as veiculadas oficialmente pela diplomacia brasileira, pelos relatórios de campanha e pelas memórias dos veteranos. A recusa à arbitragem paraguaia para o conflito entre o Brasil e Uruguai teria sido a causa principal da hostilidade de Solano Lopez. Logo, a motivação da guerra teria se inscrito na instância política e se resumiria às desavenças locais dos mandatários das vizinhas nações platinas.

Os antecedentes da Guerra do Paraguai começam a ser desenvolvidos na Lição XLIII, que trata do conflito entre o Brasil e o Uruguai. Solano Lopez teria procurado "impôr a sua mediação" para resolvê-lo. A recusa teria motivado uma "nota insolente" de sua lavra, datada de 30 de agosto de 1864, "communicando considerar a occupação do Estado Oriental como um attentado contra a independencia d'essa nação, e como um perigo para o Paraguay" (Macedo, 1913, p. 393).

A 12 de novembro de 1864 teve lugar a "inesperada e brutal aggressão", representada pelo aprisionamento do "paquete brasileiro Márquez de Olinda" em águas do Rio Paraguai. Essa embarcação conduzia, com destino a Cuiabá, o presidente da Província de Mato Grosso, coronel Francisco Carneiro de Campos (Macedo, 1913, p. 393-394).

Ainda nesse capítulo começa a descrição dos episódios da conflagração armada. Vão sendo referidos em ordem cronológica e, às vezes, chegam às minúcias das estratégias e táticas militares adotadas. Em nenhum momento são feitos quaisquer destaques que não os exclusivamente ligados aos campos de batalhas. Os episódios referentes às derrotas do exército nacional são minimizados, sobrepondo-se uma interpretação idealizada que realça os atos de bravura de militares brasileiros envolvidos. Nas condições mais desfavoráveis, eles teriam realizado proezas magníficas e heroicas. Às vezes, os adjetivos utilizados chegam a ser ostensivamente impróprios. No caso da tomada do Forte Coimbra, o comandante brasileiro, "tenente-coronel Hermenegildo Porto Carrero, tinha apenas 115 soldados de guarnição, 17 galés e alguns indios". Seis mil soldados paraguaios o assaltaram sob o comando do General Barrios. "Porto Carrero, e essa pequena guarnição, resistiram heroicamente, conseguindo repellir trez investidas do inimigo, e, durante a noite de 28, realisando uma feliz retirada" (Macedo, 1913, p. 394, grifo nosso). O desastrado evento da Retirada da Laguna teria sido "uma estupenda epopéa de bravura, de soffrimentos e de provações" (Macedo, 1913, p. 395, grifo nosso).

Esse é o tom da descrição também nas três lições subsequentes, que desenvolvem em detalhes todos os episódios militares após a assinatura do Tratado da Tríplice Aliança. É indisfarçável o ufanismo que cerca a análise. As tropas brasileiras, segundo o texto do manual, tiveram participação decisiva nos combates. Na Batalha do Riachuelo, travada a 11 de junho de 1865, por exemplo, deram "uma victoria retumbante aos exercitos aliados" (Macedo, 1913, p. 401). "A Jequitinhonha, apezar de encalhada, combateu heroicamente [...]. E a Parnahyba, cercada e abordada por trez navios ao mesmo tempo, e defendendo-se com inenarrável bravura, concorreu grandemente para o resultado da acção" (idem, p. 402).

Em algumas batalhas, quando os nossos aliados já admitiam a derrota, a aparição do exército brasileiro mudava a direção dos acontecimentos e lhes conferia a vitória.

A 2 de maio, esses exercitos [aliados] occupavam a posição de Estero Bellaco, quando foram attacados, de sorpresa, por 6.000 paraguayos. O general oriental Flores, envolvido com a sua gente pelo inimigo, já se considerava perdido, quando chegou em seu auxilio o general Osório, destroçando os attacantes, retomando-lhes os canhões que já levavam comsigo, e obrigando-os a refugiar-se nas mattas proximas. Abatalha de Tuyuty, travada poucos dias depois (24 de maio) foi uma das mais terríveis de toda a campanha. Attacados inopinadamente pelos paraguayos, commandados por Barrios, Resquin e Dias, os alliados já recuavam, quando a artilharia brasileira, dirigida pelo commandante Mallet, e a cavallaria, ao mando dos generaes Sampaio e Argollo, entraram em acção: os assaltantes, que eram em numero de 23.000, tiveram de recuar, deixando no campo mais de 5.000 homens, entre mortos e feridos. (Macedo, 1913, p. 403-404)

A patriotice chega a alimentar a ideia de superioridade brasileira ante argentinos e uruguaios, notória nas descrições que relatam e enfatizam episódios de vitórias do aguerrido exército nacional e derrotas dos aliados. O forte de Curuzú, atacado a 1º de setembro de 1866, "exclusivamente pelas forças do Brasil, sem o concurso dos alliados", rendeu-se três dias depois. Enquanto isso, o ataque realizado por Mitre ao Forte Curupaity, a 22 de setembro do mesmo ano, "foi um desastre. A batalha durou dez horas, e os exercitos alliados retiraram-se derrotados", com perda de 4.000 soldados dos 23.000 combatentes (idem, p. 404).

A superioridade das tropas brasileiras e de seu comando é cantada igualmente em outros passos do manual. Existiam "dissenções [...] entre os chefes dos exercitos alliados. Para salvar a situação, o governo imperial nomeou commandante geral das forças brasileiras o marquez de Caxias", que assumiu o posto a 28 de novembro de 1866. Caxias teria disciplinado e reconstituído o exército, além de ter desencadeado um "ultimo periodo da campanha do Paraguay", em que "a lucta contra Lopez foi quasi exclusivamente sustentada pelo Brasil (idem, p. 409).

Depois de recusar uma "nova proposta de paz" de Solano Lopez, Caxias iniciou a execução de seu "plano de campanha: chegar até Humaytá, cercar o inimigo, interceptando todos os recursos que lhes pudessem vir de Assumpção e do interior, e obrigal-o a aceitar uma batalha decisiva".17 17 As descrições que detalham estratégias e táticas militares podem ser ilustradas pelo seguinte extrato que expõe como se operou a realização desse plano: "[...] o exercito, composto de 20,000 homens, principiou, em 22 de julho, a executar uma 'marcha de flanco', partindo de Tuyuty, afim de cahir sobre a esquerda do exercito paraguayo. Para chegar a Tuyucué, e d'hai operar sobre Humaytá, as nossas forças tiveram de fazer um rodeio de 10 leguas. O márquez de Caxias dirigia a marcha, tendo sob as suas ordens a vanguarda, que era commandada por Osório, uma divisão argentina ao mando de Gelly y Obes, e o corpo principal do exercito, commandado pelo general Argollo. Ao mesmo tempo, a esquadra preparava-se para forçar a passagem de Curupaity" (Macedo, 1913, p. 410). Tal plano teria sido cumprido "com felicidade". Os combates vão sendo descritos um a um: Tuyucué, o passo de Curupaity, Potrero Ovelha, Tahy e Tuyuty. Neste último, os paraguaios, "logo na primeira investida, conseguiram derrotar os contingentes argentinos; mas o general brasileiro visconde de Porto Alegre repelliu-os, havendo elles deixado quasi dois mil cadaveres no campo de batalha" (Macedo, 1913, p. 410).

Em 19 de fevereiro de 1868, a esquadra brasileira forçou a passagem de Humaitá. "Esta victoria" foi decisiva e "uma das mais importantes de toda a campanha", culminando com o assédio a Assumpção. "Lopez retirou-se [...] e foi fortificar-se em Tebicuary". Outras batalhas foram vencidas na sequência pelo exército brasileiro, como Laureles. Humaitá rendeu-se a 5 de agosto. Começou então a perseguição a Lopez, que "seguira de Tebicuary para Piquiciry, onde se entricheirara". Os combates concentraram-se nos "terrenos pantanosos do Chaco". Os brasileiros saíram-se vencedores nas "memoraveis batalhas de Itororó, Avahy, Lomas Valentinas e Angostura" (Macedo, 1913, p. 410-411).

Depois de Angostura, "Lopez, com os seus melhores generaes, fugiu na direcção de Cerro-Leon" (Macedo, 1913, p. 411), enquanto "ficava todo o Rio Paraguay dominado pelas forças alliadas. Em 5 de janeiro, o nosso exercito entrou triumphalmente em Assumpção, que não offereceu resistencia". Doente, Caxias entregou "o comando geral das forças ao marechal de campo Guilherme Xavier de Campos". De volta ao Rio de Janeiro, "como recompensa", recebeu o título de duque (Macedo, 1913, p. 412).

A entrada emAssunção deveria ter marcado o fim da guerra, "se Lopez, num esforço desesperado, não tentasse ainda hostilisar a acção do Brasil no Paraguay. Mas o dictador não se quis resignar a deixar o poder, e preferiu arruinar de todo o seu paiz e o seu povo". Lopez fugiu para o interior, e o comando das operações militares foi entregue ao Conde d'Eu, "genro do imperador". Começaria "a parte mais difficil da campanha", pois o exército brasileiro precisou "embrenhar-se em regiões inhospitas do sertão paraguayo" (Macedo, 1913, p. 417).

Os combates foram sucedendo-se com vitórias brasileiras: Jejuy, tomada de Sapucaia, Perebebuy, batalha de Campo Grande, Naranjahy e, por fim, "Cerro Cora, ás margens do arroio Aquidaban, perto da fronteira de Matto Grosso", onde morreu "o ditador do Paraguay, a 1 de março de 1870" (Macedo, 1913,p. 418).

O atrelamento da versão do manual didático às memórias dos combatentes e aos documentos oficiais é sempre patente. No passo em que conta os momentos finais de vida de Solano Lopez, usa o próprio relatório do general Câmara, comandante do último assalto da guerra.

Lopez, abandonando-se á fuga, lançou-se para o interior do matto, até que ferido, desanimado, exhausto, apeando-se do seu Cavallo, dirigiu-se para aquelle arroio [Aquidaban] que tentou transpor, cahindo de joelhos na barranca opposta. Foi nessa posição que, tendo-me apeiado e seguido em seu encalço, o encontrei. Intimei-lhe que se rendesse e entregasse a espada, que o general que commandava aquellas forças lhe garantia os restos de vida. Respondeu-me atirando um golpe de espada. Ordenei então a um soldado que o desarmasse, acto que foi executado ao tempo em que exhalava o ultimo suspiro. (apud Macedo, 1913, p. 419)

Em resumo: ao recontar a guerra, o manual didático de Macedo fez extensos relatos das principais batalhas da campanha contra o Paraguai. Esmerou-se nas descrições detalhadas de estratégias e táticas militares empregadas em alguns dos episódios bélicos mais significativos. Reproduziu as informações como se fossem decalques dos documentos oficiais e das versões disseminadas pelas memórias dos combatentes.

A primeira edição do manual Lições de história do Brasil, escrito por Mattoso Maia, compunha-se originalmente de 37 lições, concluindo a análise com a proclamação da maioridade de d. Pedro II, em 23 de julho de 1840. Em seguida, um apêndice denominado "Organisações Ministeriaes no Brazil" relacionava os ministérios e seus integrantes, desde a retirada de D. João VI até o designado em 28 de março de 1880. Portanto, a edição consultada foi publicada após essa data, o que permite concluir ter ocorrido uma lacuna de quarenta anos de história sem análise. A Guerra da Tríplice Aliança aconteceu exatamente dentro desse lapso. Tal lacuna era compreensível nas primeiras edições do manual de Macedo, pois, à época, o conflito ainda não era assunto obrigatório nos programas do Colégio Pedro II. A mesma justificativa poderia se aplicar à primeira edição do livro de Mattoso Maia, anterior a 1882. Depois não mais, pois nos programas desse mesmo ano a unidade 35 de Historia e Chorographia do Brazil passou a incluir os seguintes tópicos: "Guerra contra a Banda Oriental na Republica Oriental do Uruguay, 1864 a 1865. Intervenção indebita do dictador Francisco Solano Lopez. Guerra contra o Paraguay, 1864-1870" (Vechia & Lorenz, 1998, p. 108). É possível que a tardia inclusão da matéria nos programas do Colégio Pedro II, patente por decorrência nas primeiras edições dos manuais de Macedo e de Mattoso Maia, tenha sido motivada pelo princípio positivista que recomendava o distanciamento no tempo para a análise científica serena e neutra dos eventos sociais.

Em 1886, ajustando-se às determinações dos programas do Colégio Pedro II, a segunda edição do manual de Mattoso Maia foi atualizada e incluiu o grande conflito platino em seu conteúdo. Quanto à substância, a análise é convergente em tudo com a desenvolvida no manual de Macedo, por força do detalhamento dos assuntos em grande parte coincidente, pois determinado pelo programa de história do Brasil do Colégio Pedro II, e das fontes comuns que nutriram as interpretações, além do estilo marcado por adjetivação retumbante. Daí ser dispensável a repetição. Uma curiosidade apenas merece registro: Mattoso Maia era veterano da guerra, o que lhe permitiu emprestar a autoridade de seu testemunho pessoal em alguns passos do livro para evidenciar a fidedignidade de certos fatos relacionados ao conflito.18 18 Numa nota de rodapé, por exemplo, Maia afirma ter sido "testemunha ocular" da conferência entre Lopes, Mitre e Flores em Jatahyti-Corá. Flores teria se retirado antes de concluída a conferência, por ter "repellido energicamente algumas phrases de Lopes offensivas á dignidade do Estado Oriental e ao Brazil". Após cinco horas, Mitre e Lopes "trocaram os rebenques" e se separaram (Maia, 1886, p. 376).

Já o escrito de Lacerda, Pequena história do Brazil por perguntas e respostas, ilustra a tendência que fez os manuais didáticos simplificarem e resumirem progressivamente as informações históricas veiculadas e que, com o passar do tempo, se foi tornando dominante. Quanto à Guerra da Tríplice Aliança, ele mantinha a versão produzida pela área de história militar, e o fundamento epistemológico de seu discurso continuava sendo o positivismo. Mas, com ele, o conjunto da exposição ganhava as características de um arrolamento em que os detalhes perdiam importância e eram suprimidos. As concisas referências aos nomes das batalhas e escaramuças, às suas datas e aos personagens que nelas tiveram destaque ganharam exclusividade como elementos informativos, resumindo drasticamente os conteúdos didáticos transmitidos. Ao todo, doze perguntas esgotam a análise do conflito. Elas são reproduzidas em seguida e, para dar precisa noção das respostas, são transcritas também as três primeiras.

P. Qual é a questão de maior vulto ocorrida no reinado de D. Pedro II?

R. A questão de maior vulto é a guerra que o Brazil sustentou durante cinco annos contra Francisco Solano Lopez, presidente da republica do Paraguay.

P. O que deu occasião a esta longa guerra?

R. A guerra foi injustamente provocada por Lopez, sob o pretexto de haverem as tropas brazileiras invadido o Estado Oriental do Uruguay.

P. E por que motivo entrarão as tropas brazileiras no Estado Oriental?

R. As tropas brazileiras entrarão no Estado Oriental, por recusar o governo de Montevidéo pôr cobro aos repetidos vexames e offensas feitos aos Brazileiros residentes n'aquele Estado.

P. Quaes forão os principaes feitos que assignalarão a campanha contra o Estado Oriental?

R. ...

P. Quaes forão as primeiras hostilidades da parte do governo do Paraguay?

R. ...

P. Que medidas tomou o governo imperial?

R. ...

P. Quaes forão os principaes successos da guerra com o Paraguay em 1865?

R. ...

P. Quaes forão os principaes feitos militares da campanha de 1866 contra o Paraguay?

R. ...

P. Quem assumio o commando em chefe das forças brazileiras em novembro de 1866?

R. ...

P. Como proseguio a guerra em 1867?

R. ...

P. Quaes forão as operações militares que assignalarão a campanha de 1868?

R. ...

P. Quaes forão os principaes successos ocorridos na guerra do Paraguay em 1869 e 1870?

R. ... (Lacerda, 1887, p. 126-31)

Em nenhum momento do texto didático foi cogitada a possibilidade de o Brasil ter exercido uma ação agressora. A invasão do exército nacional ao Uruguai teria sido um pretexto usado por Solano Lopez para desencadear a guerra. A nação, de fato, só teria mobilizado tropas para dentro do território uruguaio em defesa dos brasileiros que lá residiam, sistematicamente humilhados pelo governo blanco. Logo, a justificativa para explicar a origem do conflito manteve-se no plano político das relações conflituosas entre nações vizinhas. Quanto à guerra, teria sido movida contra Solano Lopez, e não contra o povo guarani.Seu final, por isso, só poderia culminar com a "morte do sanguinario déspota do Paraguay" (Lacerda, 1887, p. 131), como ocorreu de fato. Portanto, apesar de aligeirar as informações transmitidas e excluir detalhes, no essencial a interpretação de Lacerda coincidia com a veiculada pelo manual de Macedo, pois ambos fundaram suas obras na versão produzida pela história militar, lastreada nos relatórios oficiais da campanha e nas memórias dos soldados.

Manuais didáticos de história do Brasil e relação educativa

Antes de retomar os manuais didáticos de história do Brasil do Colégio Pedro II, vale relembrar o que foi postulado por Comenius sobre a matéria. Pensados a partir da divisão do trabalho, segundo a organização técnica da manufatura, os manuais didáticos comenianos realizavam a tendência de especialização dos instrumentos de trabalho, à época tão sensível no âmbito das oficinas manufatureiras. Se nessas oficinas os instrumentos ganhavam as formas mais adequadas à execução rápida das operações em que eram empregados e diversificavam-se, na escola moderna os manuais foram reproduzidos em profusão; cada modalidade era direcionada ao emprego especializado numa única matéria e num único nível de escolarização. Em Didáctica Magna, Comenius ilustra o imenso esforço (que ele próprio compartilhou) necessário à produção de uma enorme quantidade de manuais didáticos segundo instruções oferecidas aos compendiadores para atender aos novos requisitos da escola moderna.19 19 No que se refere ao ensino das línguas materna e latina, por exemplo, Comenius afirmava serem necessários quatro manuais: "O Vestíbulo", para a "idade infantil"; "A Porta", para a "idade pueril"; "O Palácio", para a "idade juvenil"; e "O Tesouro", para a "idade viril". Depois de expor a natureza do conteúdo de cada um, discutiu os correspondentes "livros auxiliares [...] que ajudam a usar, de uma maneira mais rápida e com maior fruto, os livros didáticos". Eram eles: o "vocabulário língua materna-latim e latimlíngua materna", o "dicionário etimológico latim-língua materna", o "dicionário fraseológico língua materna-língua materna, latimlatim" e o ainda inexistente "prontuário universal" (Coménio, 1976, p. 336-341). Com isso, ele contribuiu diretamente para dar consequência ao seu projeto de objetivação do trabalho didático. Desencadeou e deu curso, dessa forma, a um movimento que começava a submeter o professor - o trabalhador no âmbito da escola moderna - ao instrumento de trabalho. Esse movimento decorreu e não pode ser dissociado da simplificação e da objetivação do trabalho, que então repousavam na divisão do trabalho e na emergência de instrumentos como os manuais didáticos. Estes passavam a ser os recursos materiais que, ao garantir a transmissão do conhecimento, tiravam das mãos do mestre essa função, patente outrora na educação feudal, cuja base técnica era de natureza artesanal.

Dois séculos depois, no Colégio Pedro II os manuais didáticos ainda estavam muito aquém do exercício da função que lhes fora conferida por Comenius. Para ilustrar, são discutidas as implicações da função exercida por esses instrumentos na relação educativa quanto à organização do trabalho didático.

Além de destituídos de recursos técnicos para facilitar a aprendizagem dos estudantes, tanto no que se refere à forma rebuscada quanto no que concerne ao extenso conteúdo das lições, os livros de Bellegarde e de Abreu e Lima não revelam preocupações de caráter pedagógico. É compreensível, pois não foram produzidos com a intenção de atender requisitos imanentes ao trabalho didático. Bellegarde, mesmo preocupado com a educação dos "jovens compatriotas" e afirmando ter produzido um "livro [de] auxílio a seus primarios estudos" (Bellegarde, 1831, p. 253), pouco acrescentou à tradução de uma obra sintética francesa já disponível no mercado, ela própria despreocupada com questões de ordem pedagógica. Quanto a Abreu Lima, preocupava-se, sim, com o fato de inexistir um livro de síntese histórica que contasse a todos os brasileiros os acontecimentos do passado com base nos interesses da nação recém-independente. Na sequência, a sua utilização como manual didático de história do Brasil no Colégio Pedro II ocorreu tão somente por ser uma das duas alternativas disponíveis no mercado, talvez julgada preferível por ter sido produzida por autor brasileiro. Certo é que, por força da expressão conquistada pelas escolas no mercado de livros, a segunda edição do texto de Abreu Lima, em um único volume, veio à luz liberada dos anexos documentais e de notas, tornando o produto mais barato e acessível aos jovens colegiais.

Foi outra a forma de organização que presidiu a elaboração do primeiro manual de história do Brasil produzido e utilizado por um professor do Colégio Pedro II. Do ponto de vista especificamente didático, chamam a atenção os recursos incorporados ao conteúdo de Lições de historia do Brasil.Acada lição deveria seguir, primeiro, um glossário de termos e expressões que lhe é específico, denominado "explicações";20 20 O plano de Macedo frustrou-se nas lições que se acrescentaram quando da atualização do manual, em 1905. As "explicações" praticamente foram excluídas. Para exemplificá-las, toma-se o conjunto de termos e expressões referentes à lição XXI, "Guerra Hollandeza": "Regeneração politica de Portugal", "Haya", "Triumvirato", "Conspiração", "Licenciar officiaes", "Intolerância religiosa" e "Insurreição". Aos termos e expressões seguem-se as explicações acerca de seus significados. depois, um quadro sinótico dos principais "feitos e acontecimentos", associando-os aos seus "personagens e corporações" e aos seus "atributos"; por fim, um rol de "perguntas" que orientaria o professor quanto à verificação da aprendizagem e o aluno, em correspondência, quanto ao que deveria ser memorizado.

Esse manual, escrito por Joaquim Manoel de Macedo, ainda apresenta alentado número de páginas para um instrumento de trabalho dessa natureza. Mas a Prefação da primeira edição procura demonstrar que não é tão extenso quanto aparenta.

Uma obra escripta para servir ao estudo de meninos não deveser longa, e o nosso compendio á primeira vista desagradará pela sua apparente extensão; affigura-se-nos porém que um rapido exame do livro demonstrará que este só avulta pelas explicações, pelos quadros synopticos e pelas perguntas que seguem ás lições com o fim de facilital-as, e de gravalas na memoria dos discipulos. (Macedo, 1913, s.p.)

Realça, em seguida, que esses três recursos estão a serviço do método: "ora é exactamente nas explicações, nas perguntas, e nos quadros synopticos annexos ás lições, que se encontram as bases principaes do methodo que adoptámos".

O manual didático, pensado pelo autor sobre fundamentos ainda distantes da concepção comeniana, só ganharia vida pela intervenção qualificada e consciente do professor: "especialmente nas escolas de instrucção primaria o professor é a alma do livro, e não ha methodo que aproveite, se o professor não lhe dá vida, applicando-o com paciencia e consciencia no ensino" (Macedo, 1913, loc. cit.). Essa centralidade do professor na atividade didática foi uma ideia amplamente difundida no Brasil oitocentista, corroborada pelo grosso das análises educacionais então realizadas.21 21 "Não preciso encarecer o papel do mestre no meio da organização que reclamo para o ensino público. Ele é o princípio e a vida da escola. Sem mestre todo ensino é impossível. O mestre no centro da escola é o mesmo que o motor no centro de uma fábrica ou de um engenho. Como faltando o motor o engenho ou a fábrica fica sem movimento; faltando o mestre, a escola não pode trabalhar" (Oliveira, 2003, p. 203).

No processo de aprendizagem, a faculdade intelectual mais requerida do estudante era a memória. Seu esforço se resumiria, em grande parte, à memorização das informações pertinentes às respostas ao questionário e ao quadro sinótico, que giravam em torno das batalhas, das suas datas e de seus heróis. O discurso do instrumento de trabalho reitera que o professor deveria ir, nas suas explanações, além do conteúdo do manual didático.

Um menino que tem decorado uma lição nem por isso sabe a lição; para que a saiba é indispensavel que comprehenda o que exprimem, o que significam as palavras que repetio de cor; por esta razão anexamos no nosso compendio a cada lição algumas explicações, que o professor deve completar ajuntando a essas tantas outras quantas forem necessarias. Depois de bem comprehendida assim a lição, as perguntas destacadas põem em proveitoso tributo a attenção e a reflexão dos meninos, e emfim o quadro synoptico que elles devem reproduzir de cor na pedra e no papel, grava na memoria toda a matéria estudada. (Macedo, 1913, loc. cit.)

Esse manual pode ser entendido como uma manifestação típica do ensino secundário à época do Império, em especial quando a referência é aquele conjunto de disciplinas voltado ao conhecimento do Brasil: história, geografia, corografia e literatura brasileira, por exemplo. Atado às tradições legadas pela Contrarreforma, o Brasil ainda não explorara mais extensamente os manuais didáticos modernos. Esses instrumentos do trabalho didático, tão valorizados por educadores como Ratke (2008) e Comenius, haviam alcançado elevado grau de especialização, tanto no que se refere aos níveis de ensino quanto às séries dentro de um mesmo nível de ensino. Assim simplificados, tornaram-se necessários sobretudo no interior daquele grande movimento de difusão da escola moderna, que alcançara maior intensidade em territórios dominados pela Reforma protestante. Lá, por força da elevada demanda por educação, os manuais didáticos deram suporte a uma situação de carência, quando não havia inclusive número razoável de professores que pudessem assumir a atividade de ensino. Daí Comenius ter depositado no instrumento de trabalho a garantia da transmissão do conhecimento.

Não era isso o que ocorria no Brasil, onde a expansão escolar não ganhara intensidade. Menos ainda no ensino secundário, que, entre as marcas de seu elitismo, recrutava professores junto aos mais celebrados conhecedores das matérias ensinadas. Se não dispunham de qualquer formação pedagógica anterior, eram padres e profissionais liberais, como médicos, advogados e engenheiros, que constituíam o corpo dos quadros intelectuais mais preparados do Império. Tanto é assim que, por "falta de livros especiaes",22 22 No programa de 1856, uma expressiva observação demonstra que a matriz do curso de "Historia Pátria" era ainda o de história moderna, daí preconizar alguns cuidados ao professor da matéria. Por ser muito ilustrativa, segue-se a observação completa: "N. B. Como em falta de livros especiaes, o programma de historia moderna vai accommodado aos compendios francezes, cumpre que o professor de historia pátria em cada huma de suas prelecções sobre as epocas do Brasil, observe aos discipulos; 1º quaes erão os Reis portuguezes nessa quadra; 2º quaes os factos mais importantes de seu reinado" ( apud Vechia & Lorenz, 1998, p. 35). dispunham-se a escrever os textos didáticos para as disciplinas que ministravam. De início, esses textos ganharam a forma de "postilas".23 23 Nas origens, a "postila" era texto elaborado pelo aluno, decorrente de prévios "comentário, explicação, explanação" do mestre. Poderia ser elaborada também a partir de ditado direto deste. Como se observa, no Colégio Pedro II, "postila" já correspondia a um recurso didático elaborado pelo professor. O Novo Aurélio: século XXI traz um esclarecedor verbete: "[Da expr. do lat. Escolástico post illa (verba auctoris), 'após aquelas palavras do autor'.] S. f. 1. V. apostila (5). 2. Comentário, explicação, explanação. 3. Explicação ditada pelo professor e escrita pelo aluno" (Ferreira, 1999, p. 1.617). Alguns, progressivamente aperfeiçoados, superaram-na e tornaram-se livros. Dessa forma nasceram os primeiros manuais de ensino secundário entre nós, naquelas matérias que se aplicavam ao conhecimento do Brasil.24 24 Nas matérias de conteúdo universal ou relacionadas às línguas e respectivas literaturas utilizavam-se manuais didáticos portugueses. Também eram recomendados outros manuais europeus, de início na própria língua de origem, em especial o francês. Persistindo o seu uso, com o passar do tempo a tendência foi de traduzi-los para o português. Seus autores eram professores que, pelo domínio do conhecimento muito além da média, lembravam os educadores da época colonial, quando a divisão do trabalho didático mal começara a se insinuar (Alves, 2005, p. 56).

Em correspondência, a relação educativa determinada por esse quadro histórico se distanciava do que preconizara Comenius. Os manuais didáticos no Colégio Pedro II, elaborados por profissionais que, por formação, revelavam-se pouco aptos para articulá-los às suas destinações pedagógicas especializadas, eram livros que disputavam, ainda, o emprego em outros níveis de ensino e numa fatia do mercado que ia além da reduzida clientela escolar. Eles impactavam não só o público externo formado por estudiosos diletantes como se tornavam fontes inclusive para os especialistas. Entre os manuais ora analisados, o de Joaquim Manoel de Macedo foi o mais expressivo, pois, mesmo depois de substituído como referência nos programas desse estabelecimento escolar, continuou recebendo sucessivas edições, tendo passado até por uma atualização em 1905.25 25 Olavo Bilac, o responsável pela atualização da 10ª edição, afirma na "Advertencia" inserida após o prefácio: "Encarregado, pelo editor das Lições de Historia do Brasil do dr. Joaquim Manoel de Macedo, de completar este compendio, tratei, antes do mais, de respeitar o plano adoptado pelo seu autor. Era isso o que me cumpria fazer, para não sacrificar o caracter de um livro, que já nove edições successivas consagraram." Seguem-se o local, Rio de Janeiro, a data, 14 de novembro de 1905, e as iniciais do nome do atualizador. À época da Primeira República, muitos outros surgiram e continuaram sendo editados com as mesmas características. Talvez o exemplo mais significativo seja História do Brasil, de João Ribeiro (1914),26 26 João Ribeiro foi recomendado como fonte para história do Brasil nos programas do Colégio Pedro II de 1915. A vigência desses programas se estendeu até o ano de 1925. Mesmo não identificando a obra indicada, trata-se, por exclusão, de História do Brasil, cuja relevância é atestada pela sua permanência no tempo. Ainda recentemente foi alvo de uma nova reedição pela Editora Itatiaia, dentro da Coleção Reconquista do Brasil, "revista e completada" por Joaquim Ribeiro (Ribeiro, 2001). amiúde referido nos ensaios e monografias de história e de ciências sociais produzidos na primeira metade do século XX.

Segundo a tendência já apontada, o manual de Macedo deve ter percorrido a trajetória da "postila" ao livro também no estabelecimento escolar modelo. Suas origens parecem remontar às "postilas" referidas nos programas de 1862. Sendo aperfeiçoadas ano a ano, atingiram certo grau de sistematização considerado compatível com o exercício mais permanente da função de manual didático, daí a decisão de dar-lhes a forma de livro. Depois de editado, passou a ser recomendado nos programas de ensino da década de 1870. Em favor dessa hipótese, vale relembrar o fato de Macedo ter começado a exercer o magistério no Colégio Pedro II em 1849. Outra forte evidência dessa possibilidade reside no fato de coincidirem os conteúdos das unidades do programa de história do Brasil e das lições do manual de Macedo.

No que se refere ao manual didático de Mattoso Maia, ausentam-se as preocupações especificamente pedagógicas: nem quadros sinóticos com resumos das matérias incluídas nas lições nem questionários norteadores para professores e para alunos. Mas não se deduza daí qualquer dúvida sobre a finalidade especificamente pedagógica desse manual. Na versão referente à primeira edição, o último período da lição derradeira é elucidativo ao revelar os destinatários do livro: os colegiais.

Tendo chegado ao fim do nosso anno lectivo, cumpre-me agradecer-vos a attenção com que me tendes ouvido, e o vosso procedimento tanto n'esta aula, como na de Chorographia. - O muito que me falta para igualar ao provecto Professor do Externato na transmissão de suculentas e eruditas lições, tendes vós supprido com uma applicação constante nos vossos estudos, de forma que deveis apresentar resultados practicos de aproveitamento. Outra cousa tambem não era de esperar nem de vós, nem do regimen d'este Internato, confiado a tão proficiente Direcção, sob as vistas solicitas do Governo Imperial, e sob a protecção do mais Illustrado e Magnanimo dos Monarchas. (Maia, s.d., p. 321)

Chama a atenção o fato de Mattoso Maia ter produzido um manual didático logo após sua entronização na docência de história do Brasil, quando já existia o de Macedo, que ganhara larga difusão. A hipótese é de que a iniciativa se associava à identificação subjetiva do professor com a atividade que realizava. Como a simplificação e a objetivação do trabalho didático eram incipientes no Brasil, ainda nessa fase, o professor se via como um mestre qualificado que procurava imprimir sua marca no resultado do trabalho. Para tanto, a elaboração de seu manual didático assomava como primordial iniciativa. Com esse recurso, o professor do Colégio Pedro II sentia-se no controle do trabalho didático, situação antagônica à que pensara Comenius ao conceber a escola moderna e a relação educativa que lhe particularizava.

Fora do Colégio Pedro II e em paralelo, ao final do Império e ao longo da Primeira República, outros manuais começaram a ser editados. Alguns já realizavam uma patente simplificação do conteúdo pela eliminação de detalhes informativos e explicações aprofundadas. A primeira impressão é a de que estariam servindo ao nível de ensino anterior ao secundário. Com certeza, isso ocorria também, mas ainda nessa fase os manuais eram utilizados em diversos níveis de ensino, no Brasil, o que denota limitação quanto ao grau atingido pela divisão do trabalho didático. Nas folhas de rosto de quase todos os compêndios, tal imprecisão torna-se evidente. Ao definir a sua destinação, mesmo o manual de Joaquim Manuel de Macedo, elaborado para o ensino de história do Brasil no Colégio Pedro II, dizia: "para uso das escolas de ensino primario" (Macedo, 1913, página de rosto). A concepção de trabalho didático contribuía para acentuar a imprecisão. O professor ainda era visto como sua figura central; daí, como decorrência, a ideia de que, mesmo em nível de ensino anterior, tal tipo de manual poderia servir-lhe pelo menos como uma fonte alternativa de informação.

O pequeno livro de Lacerda é ilustrativo da tendência que fez os manuais didáticos simplificarem e resumirem progressivamente as informações históricas veiculadas. Com o passar do tempo, foi se tornando dominante.

Como o próprio título evidencia, o manual de Lacerda preservava a anacrônica forma catequética herdada da época feudal (Manacorda, 1989, p. 182). Mantida pelo próprio humanismo, foi reproduzida com maior força pela Contrarreforma e pelos países que, a exemplo do Brasil, foram nutridos por sua herança cultural. Tal fato demonstra igualmente que, em paralelo à tendência de resumir o conteúdo informativo aos nomes dos eventos, datas de ocorrência e personagens mais destacados, nesse tipo de manual a preocupação com a memorização dessas informações imposta ao estudante se revelava mais flagrante.

No próprio nível de ensino secundário, a expansão escolar conspirou contra os manuais assemelhados aos de Macedo e Mattoso Maia. Mesmo pouco impactante, pois circunscrita ao surgimento de liceus provinciais e alguns colégios particulares nas principais cidades do Brasil, fez o trabalho didático nesses estabelecimentos confluir para o uso sistemático de manuais mais parecidos com o de Lacerda. Diversas condições materiais favoráveis se conjugavam para favorecer e reforçar esse resultado. Tais instrumentos simplificavam o trabalho realizado pelo professor, o que facultava a incorporação ao magistério de quadros que não se destacavam por um domínio do conhecimento situado acima da média. Assim, viabilizavam o movimento de expansão escolar. Em contrapartida, os volumes menores dos novos manuais e as quantidades vultosas de exemplares colocadas em circulação a cada edição apresentavam a vantagem adicional de baratear seus preços, tornando-os mais acessíveis aos colegiais. Logo, por oposição aos livros elaborados por Macedo e Mattoso Maia, textos como o de Lacerda tornaramse, eles próprios, a encarnação das novas condições materiais e pedagógicas favoráveis à disseminação do ensino secundário nos principais centros urbanos do País. Seu emprego e sua disseminação denotavam que, enfim, o Brasil começava a enveredar, tardiamente, por uma rota de desenvolvimento da escola moderna coincidente com a solução dada por Comenius. Começava a instaurar-se, entre nós, a forma manufatureira mais madura de organização do trabalho didático.

Concluindo

Circunscritas aos limites teóricos e documentais desta primeira abordagem dos manuais didáticos de história do Brasil, sobretudo os usados no ensino secundário ao final do período imperial e início da época republicana, são resumidas a seguir algumas conclusões.

Do ponto de vista do conteúdo, quando recontaram a Guerra da Tríplice Aliança, esses manuais: a) limitaram-se a incorporar a interpretação consagrada pela área de história militar, respaldada em fontes como os diários de campanha dos oficiais comandantes e as memórias dos combatentes; b) reduziram a descrição do conflito ao plano político, radicando suas causas nas desavenças diplomáticas dos vizinhos platinos e, quanto ao conflito propriamente dito, cingiram-se à descrição dos embates armados; c) do ponto de vista epistemológico, realizaram um discurso positivista pertinente às suas fontes, produzidas no seio da instituição que tivera papel de destaque na disseminação da doutrina no Brasil.

Quanto à sua função no trabalho didático, tais instrumentos subordinaram-se a uma concepção bastante distanciada da proposta de Comenius, pois implicava uma limitada incorporação da divisão do trabalho, cerceando a realização de um maior grau de simplificação e objetivação da atividade de ensino. Como decorrência, o professor era pensado como um profissional que exercia o controle do trabalho e de seus instrumentos.

Daí também o fato de, ao longo do século XIX, os manuais das disciplinas consagradas ao conhecimento do Brasil, no Colégio Pedro II, terem predominantemente como autores seus próprios professores. Tais mestres eram figuras que detinham grau de conhecimento muito acima da média. Ao escrever livros didáticos, revelavam elevada identificação subjetiva com seu trabalho e seu domínio sobre as condições que o cercavam, distanciando-se do professor comeniano, mero executor de rotinas e procedimentos ditados pelo manual didático.

Constatou-se, em paralelo, a emergência de um tipo de manual que simplificava e objetivava o trabalho didático segundo uma organização técnica manufatureira próxima da concepção de Comenius. Seu uso se difundiu em estabelecimentos escolares provinciais e privados, superando progressivamente os compêndios produzidos dentro do Colégio Pedro II, o que pressagiava sua intensa disseminação no século XX.

Em síntese e por consequência, a organização do trabalho didático da escola moderna no Brasil encontrava-se num estágio muito aquém da concepção comeniana, ainda no início do século XX, situação explicável em grande parte pelo limitado grau atingido pela expansão escolar, em especial no nível de ensino secundário. Atendendo a uma clientela restrita, composta por filhos dos grandes proprietários rurais, de comerciantes e das nascentes mas minguadas camadas médias urbanas, ao ensino secundário não se impôs a força de uma pedagogia imbuída dos recursos necessários para "ensinar tudo a todos". Mal se insinuava a determinação material que avassalaria, na sequência, a incipiente divisão do trabalho didático existente, os instrumentos de trabalho e os procedimentos do professor, bem como, por decorrência, a relação educativa, cujas características e práticas, ainda atreladas às pedagogias da época colonial, pouco se conformavam às formas mais desenvolvidas da escola moderna.

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Recebido em fevereiro de 2009

Aprovado em julho de 2009

GILBERTO LUIZ ALVES, doutor em filosofia e história da educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), é professor do curso de mestrado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (UNIDERP). Publicações recentes: O pensamento burguês no Seminário de Olinda: 1800-1836 (Campinas: Autores Associados, 2001); A produção da escola pública contemporânea (4. ed. Campinas: Autores Associados, 2006); O trabalho didático na escola moderna: formas históricas (Campinas: Autores Associados, 2005). Desenvolve investigações dentro do programa de pesquisa "Instrumentos do trabalho didático e relação educativa". E-mail: gilbertoalves@terra.com.br

CARLA VILLAMAINA CENTENO, doutora em filosofia e história da educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), é professora do curso de pedagogia da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (UNIDERP) e do curso de geografia da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), campus de Jardim. Publicações recentes: Educação e trabalho na fronteira de Mato Grosso: estudo histórico sobre o trabalhador ervateiro (1870-1930) (Campo Grande: Ed. UFMS, 2003); com BRITO, S. H. A. Educação e diversidade (Campo Grande: Ed. UNIDERP, 2004). Desenvolve investigações dentro do programa de pesquisa "Instrumentos do trabalho didático e relação educativa". E-mail: carla.centeno@uol.com.br

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  • 1
    Por ser uma categoria central na discussão ora travada, deve ser explicitada a acepção atribuída à expressão
    organização do trabalho didático. No entendimento adotado ela incorpora: a) a relação histórica educador-educando; b) a mediação exercida pelos procedimentos do professor, pelos conteúdos didáticos e pelas tecnologias educacionais; e c) e a materialidade espacial e arquitetônica onde tal relação se dá (Alves, 2005, p. 10-11).
  • 2
    "Uma só coisa é de extraordinária importância, pois, se ela falta, pode tornar-se inútil toda a máquina, ou, se está presente, pode pô-la toda em movimento: uma provisão suficiente de livros pan-metódicos" (Coménio, 1976, p. 469).
  • 3
    "Não se deve dar aos alunos nenhuns outros livros além dos de sua classe" (Coménio, 1976, p. 226).
  • 4
    "O original d'esta Obra hé por vezes inexacto; nos trabalhamos para que a traducção o não fosse. Todas as passagens que aqui se acharem nas primeiras épocas, estranhas ao Resumo francez, estão em D. de Goez, Rocha Pita, Madre de Deos, Ayres do Cazal, Lery, ou Southey. Quanto á parte contemporanea que nos diz respeito, limitamo-nos á pura e ingenua exposição dos factos, por assim o exigir o plano deste Epitome" (Bellegarde, 1831, p. 7).
  • 5
    Joaquim Manoel de Macedo (1820-1882) nasceu e faleceu em Itaboraí, província do Rio de Janeiro. Projetou-se sobretudo como romancista. Segundo Manuel Bandeira (1954, p. 93-94), dentre os seus romances,
    A moreninha e
    O moço loiro tornaram-se os "mais populares". O primeiro, objeto de "numerosas edições", como todos os demais, "é uma história romanesca, sentimental até a pieguice, escrita sem grande atenção à forma literária. Reflete, porém, com verdade até certo ponto, as intrigas casamenteiras da sociedade burguesa do tempo."
  • 6
    Esse manual foi recomendado explicitamente no programa de 1877, mas pode ter sido relacionado, também, no de 1870, não localizado pelos autores do levantamento tomado como referência (Vechia & Lorenz, 1998, p. viii, nota 2).
  • 7
    O programa de 1898 indicou, explicitamente, a 5ª edição do manual de Mattoso Maia. Em 1912, a disciplina história do Brasil não constou nos programas do Colégio Pedro II. No programa de 1915 foram recomendados os autores Escragnolle Dória e João Ribeiro, sem que fossem nomeados os títulos dos livros tomados como fontes (Vechia & Lorenz, 1998, p. 216).
  • 8
    Os professores dos regimes de internato e de externato não eram necessariamente os mesmos. Macedo, na condição de "cathedratico" de história do Brasil, pode ter sido o "provecto Professor do Externato" referido ao final do livro de Maia ( s.d., p. 321). Se assim for, ambos teriam convivido, por pouco tempo, como professores da mesma disciplina nesse estabelecimento escolar, um no regime de internato e o outro no de externato.
  • 9
    Esse é o número de lições da quinta edição, publicada em 1880, pouco antes da morte do autor.
  • 10
    No mesmo ano, o livro foi objeto de uma segunda edição, escoimada de notas e da farta documentação contidas na primeira. Resultou um texto de 352 páginas. Com a iniciativa, o autor e a editora também levaram em conta um expressivo nicho de mercado que se abria, pois visaram, então, produzir um livro "mais adequado para os Colégios" (cf. Gasparello, 2002).
  • 11
    São tomadas como parâmetros as edições constantes das
    Referências bibliográficas.
  • 12
    Lacerda escreveu manuais didáticos também para as áreas de aritmética, geografia, gramática e história sagrada. O programa de 1882 do Colégio Pedro II recomenda, para a área correspondente, o texto de sua autoria intitulado
    Pequena geographia. À frente do título, entre parênteses, está escrito "provisoriamente" (Vechia & Lorenz, 1998, p. 96).
  • 13
    Essa afirmação vale para a época imperial, mas, mesmo preponderante, tal tendência passou a comportar entendimentos parcialmente divergentes, após a Proclamação da República, em especial quanto aos móveis do conflito. Versões destoantes começaram a ser produzidas por alguns autores de manuais didáticos imbuídos do ideário republicano. Pedro do Coutto, professor do Colégio Pedro II, por exemplo, mesmo sem se afastar da interpretação mais geral que atribuía motivações locais ao conflito, o que o coloca no campo da tendência assinalada, distanciou-se das análises dominantes ao afirmar categoricamente que a "guerra foi provocada e conduzida pelo Brasil." Reconheceu, inclusive, "a sanha de Pedro II" ao encetar, "por capricho", uma "perseguição tenaz a um homem", Solano Lopes, porque "lhe tinha ogeriza" (Coutto, 1923, p. 12-13). João Ribeiro, igualmente professor do Colégio Pedro II, foi outra expressão desse tipo de análise. À semelhança de Pedro do Coutto, contou os episódios da guerra da mesma forma que os outros manuais, mas, ao discutir os antecedentes do conflito, condenou a política brasileira de "supremacia sobre os estados do Sul" e a decorrente "immoralidade da nossa conducta", marcada por intervenções sistemáticas nos domínios dos vizinhos (Ribeiro, 1914, p. 512). Essas nuanças das análises difundidas por manuais didáticos poderão ser aprofundadas em estudos ulteriores, quando os textos elaborados ao longo da Primeira República forem examinados com maior profundidade.
  • 14
    Uma dessas memórias ganhou celebridade e tornou-se, inclusive, sucesso editorial. Trata-se de
    A Retirada da Laguna, escrita pelo oficial de engenheiros da coluna que a realizou, Alfredo d'Escragnolle Taunay (s.d.).
  • 15
    Nesse processo, as lideranças militares começaram a desnudar também a omissão das classes dominantes no que se refere à sua participação na guerra. Os detentores das grandesfortunas no Brasil furtaram-se ao envolvimento direto na frente de luta. Preferiram ser substituídos pelos seus escravos negros, que obtinham por esse meio a alforria.
  • 16
    Quando se reporta à ebulição causada pelas idéias republicanas, desde as duas décadas anteriores a 1889, Tasso Fragoso, autor da alentada
    História da Guerra da Tríplice Aliança e o Paraguai, evidencia explicitamente sua simpatia pelo positivismo: "Um lustro antes da revolução republicana, houve vários incidentes na vida escolar, que testemunham a exaltação dos espíritos. Estive na Praia Vermelha durante êsse período, o que me faculta recordá-lo com conhecimento objetivo. Seguíamos com interêsse tôda agitação política que abalava a nação. Líamos os artigos da propaganda republicana e comparecíamos aos comícios em que se propugnava a abolição ou a mudança de regime. De manhã, depois dos exercícios, havia uma fileira de alunos que iam até o Hospital Nacional, ou ainda mais longe, ao encontro do vendedor de jornais, que aliás nunca faltava e tinha uma legião de assinantes. A 'Federação', órgão do grupo republicano riograndense do sul, redigida por Júlio de Castilhos, passava de mão em mão, era disputada e lida com entusiasmo; o mesmo se dava com os jornais republicanos de São Paulo: Os artigos de Rui Barbosa e Quintino Bocaiúva entusiasmavam os cadetes" (
    apud Araripe, 1960, p. 104). O biógrafo general Tristão Alencar Araripe reconhece, em especial, "a influenciação de Benjamin Constant na formação ideológica de Tasso Fragoso" (Araripe, 1960, p. 139).
  • 17
    As descrições que detalham estratégias e táticas militares podem ser ilustradas pelo seguinte extrato que expõe como se operou a realização desse plano: "[...] o exercito, composto de 20,000 homens, principiou, em 22 de julho, a executar uma 'marcha de flanco', partindo de Tuyuty, afim de cahir sobre a esquerda do exercito paraguayo. Para chegar a Tuyucué, e d'hai operar sobre Humaytá, as nossas forças tiveram de fazer um rodeio de 10 leguas. O márquez de Caxias dirigia a marcha, tendo sob as suas ordens a vanguarda, que era commandada por Osório, uma divisão argentina ao mando de Gelly y Obes, e o corpo principal do exercito, commandado pelo general Argollo. Ao mesmo tempo, a esquadra preparava-se para forçar a passagem de Curupaity" (Macedo, 1913, p. 410).
  • 18
    Numa nota de rodapé, por exemplo, Maia afirma ter sido "testemunha ocular" da conferência entre Lopes, Mitre e Flores em Jatahyti-Corá. Flores teria se retirado antes de concluída a conferência, por ter "repellido energicamente algumas phrases de Lopes offensivas á dignidade do Estado Oriental e ao Brazil". Após cinco horas, Mitre e Lopes "trocaram os rebenques" e se separaram (Maia, 1886, p. 376).
  • 19
    No que se refere ao ensino das línguas materna e latina, por exemplo, Comenius afirmava serem necessários quatro manuais: "O Vestíbulo", para a "idade infantil"; "A Porta", para a "idade pueril"; "O Palácio", para a "idade juvenil"; e "O Tesouro", para a "idade viril". Depois de expor a natureza do conteúdo de cada um, discutiu os correspondentes "livros auxiliares [...] que ajudam a usar, de uma maneira mais rápida e com maior fruto, os livros didáticos". Eram eles: o "vocabulário língua materna-latim e latimlíngua materna", o "dicionário etimológico latim-língua materna", o "dicionário fraseológico língua materna-língua materna, latimlatim" e o ainda inexistente "prontuário universal" (Coménio, 1976, p. 336-341).
  • 20
    O plano de Macedo frustrou-se nas lições que se acrescentaram quando da atualização do manual, em 1905. As "explicações" praticamente foram excluídas. Para exemplificá-las, toma-se o conjunto de termos e expressões referentes à lição XXI, "Guerra Hollandeza": "Regeneração politica de Portugal", "Haya", "Triumvirato", "Conspiração", "Licenciar officiaes", "Intolerância religiosa" e "Insurreição". Aos termos e expressões seguem-se as explicações acerca de seus significados.
  • 21
    "Não preciso encarecer o papel do mestre no meio da organização que reclamo para o ensino público. Ele é o princípio e a vida da escola. Sem mestre todo ensino é impossível. O mestre no centro da escola é o mesmo que o motor no centro de uma fábrica ou de um engenho. Como faltando o motor o engenho ou a fábrica fica sem movimento; faltando o mestre, a escola não pode trabalhar" (Oliveira, 2003, p. 203).
  • 22
    No programa de 1856, uma expressiva observação demonstra que a matriz do curso de "Historia Pátria" era ainda o de história moderna, daí preconizar alguns cuidados ao professor da matéria. Por ser muito ilustrativa, segue-se a observação completa: "N. B. Como em falta de livros especiaes, o programma de historia moderna vai accommodado aos compendios francezes, cumpre que o professor de historia pátria em cada huma de suas prelecções sobre as epocas do Brasil, observe aos discipulos; 1º quaes erão os Reis portuguezes nessa quadra; 2º quaes os factos mais importantes de seu reinado" (
    apud Vechia & Lorenz, 1998, p. 35).
  • 23
    Nas origens, a "postila" era texto elaborado pelo aluno, decorrente de prévios "comentário, explicação, explanação" do mestre. Poderia ser elaborada também a partir de ditado direto deste. Como se observa, no Colégio Pedro II, "postila" já correspondia a um recurso didático elaborado pelo professor. O
    Novo Aurélio: século XXI traz um esclarecedor verbete: "[Da expr. do lat. Escolástico post illa (verba auctoris), 'após aquelas palavras do autor'.] S. f. 1. V. apostila (5). 2. Comentário, explicação, explanação. 3. Explicação ditada pelo professor e escrita pelo aluno" (Ferreira, 1999, p. 1.617).
  • 24
    Nas matérias de conteúdo universal ou relacionadas às línguas e respectivas literaturas utilizavam-se manuais didáticos portugueses. Também eram recomendados outros manuais europeus, de início na própria língua de origem, em especial o francês. Persistindo o seu uso, com o passar do tempo a tendência foi de traduzi-los para o português.
  • 25
    Olavo Bilac, o responsável pela atualização da 10ª edição, afirma na "Advertencia" inserida após o prefácio: "Encarregado, pelo editor das
    Lições de Historia do Brasil do dr. Joaquim Manoel de Macedo, de completar este compendio, tratei, antes do mais, de respeitar o plano adoptado pelo seu autor. Era isso o que me cumpria fazer, para não sacrificar o caracter de um livro, que já nove edições successivas consagraram." Seguem-se o local, Rio de Janeiro, a data, 14 de novembro de 1905, e as iniciais do nome do atualizador.
  • 26
    João Ribeiro foi recomendado como fonte para história do Brasil nos programas do Colégio Pedro II de 1915. A vigência desses programas se estendeu até o ano de 1925. Mesmo não identificando a obra indicada, trata-se, por exclusão, de
    História do Brasil, cuja relevância é atestada pela sua permanência no tempo. Ainda recentemente foi alvo de uma nova reedição pela Editora Itatiaia, dentro da Coleção Reconquista do Brasil, "revista e completada" por Joaquim Ribeiro (Ribeiro, 2001).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      Jul 2009
    • Recebido
      Fev 2009
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