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Educação e federalismo no Brasil: combater as desigualdades, garantir a diversidade

RESENHAS

OLIVEIRA, Romualdo Portela; SANTANA, Wagner (Orgs.). Educação e federalismo no Brasil: combater as desigualdades, garantir a diversidade. Brasília: Unesco, 2010.

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e, em especial, das emendas constitucionais 14/96 e 53/06, que criaram respectivamente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), a questão do federalismo brasileiro e a educação têm ocupado cada vez mais espaço nas discussões. Essa importância dá-se pela especificidade da situação brasileira, com três entes federados União, estados/Distrito Federal e municípios , todos com atribuições na manutenção e no desenvolvimento de ensino e um regime de colaboração previsto constitucionalmente e até hoje não regulamentado.

O livro tem como objetivo a discussão da "questão federativa, no que diz respeito à garantia do direito à educação a todos os cidadãos brasileiros" (p. 9), conforme a Apresentação. Considerando o objetivo, a obra foi constituída por três partes: "Referências gerais sobre o regime federativo no Brasil"; "Educação e federalismo"; e "O regime de colaboração: algumas experiências", antecedidas por uma "Introdução" à temática que situa a questão e analisa seus marcos legais. Nas "Considerações finais", retoma "de modo sucinto as contribuições debatidas, a título de síntese" (p. 288), e elenca subsídios para as políticas públicas; ambos os textos foram elaborados por Romualdo Portela de Oliveira (FE-USP) e Sandra Zákia Sousa (FE-USP e UNICID).

A primeira parte é constituída por três textos. O primeiro deles, "A dimensão federativa da educação brasileira: diagnóstico e proposta de aperfeiçoamento", de Fernando Luiz Abrucio (EBAPE, FGV), analisa historicamente o federalismo brasileiro e a questão da manutenção e do desenvolvimento do ensino pelas diferentes esferas de governo, apontando avanços e retrocessos da recente política de financiamento. Aborda também o regime de colaboração e aponta condições mínimas para que ele se efetive, mantendo bom diálogo com a área educacional.

O segundo texto, "Federalismo fiscal: em busca de um novo modelo", de Fernando Rezende (também da EBAPE, FGV), trata do federalismo fiscal, detendo-se na análise do período pós-1988, indicando os desequilíbrios tanto na dimensão vertical, considerando as perdas do nível estadual e os ganhos do municipal, como na horizontal, referente ao congelamento de índices de rateios e fontes de transferências.

O último capítulo dessa primeira parte, "A gestão do Sistema Único de Saúde", de Jurandi Frutuoso (UFC e CONASS), analisa o regime de colaboração entre os entes federados e a participação de colegiados na gestão do sistema, indicando os avanços e pontos que necessitam ser superados para que os objetivos sejam atingidos. A experiência é tida como ilustrativa quanto à possibilidade de trabalho conjunto entre as esferas de governo e sociedade civil.

A segunda parte do livro é constituída por quatro capítulos. O primeiro deles, de Alejandro Morduchowicz e Aída Arango (ambos do IIPE-UNESCO), tem como título "Desenho institucional e articulação do federalismo educativo: experiências internacionais"; apresenta vários modelos de federalismo, dentre eles o brasileiro, explicitando a distribuição de competências e atribuições entre níveis de governo. Em que pese o fato de a caracterização do federalismo brasileiro não ter sido completa, os autores foram felizes na estruturação do texto e, principalmente, em suas considerações finais.

O segundo capítulo dessa parte, "A questão federativa e a educação escolar", é de autoria de Carlos Roberto Jamil Cury (UFMG e PUC-Minas). O autor trata competentemente a questão conceitual do federalismo em geral, focalizando suas considerações na situação do Brasil. Analisa historicamente como se deu a distribuição de competências e atribuições entre as esferas de governo, aborda a atuação do mais novo ente federado o município tendo em conta o financiamento representado pela política de fundos. Por fim, remete ao Plano Nacional de Educação e à necessidade da adoção de uma lei de responsabilidade educacional.

Jorge Abrahão de Castro (DISOC/IPEA) é o autor do terceiro capítulo, "Financiamento da educação pública no Brasil: evolução dos gastos". O autor tem mantido um diálogo profícuo com os estudiosos da questão do financiamento da educação, tendo participado, dentre outros fóruns, de reuniões da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. O autor analisa os gastos com a educação, considerando seus diferentes níveis e modalidades e as esferas de governo responsáveis pela aplicação dos recursos. Trata ainda da política de fundos para a educação e dos gastos da área em relação ao PIB nacional.

O último capítulo dessa parte, "Participação e regime de colaboração entre unidades federadas na educação brasileira", de Elie Ghanem (FE-USP), ressalta a constatação da frágil participação da sociedade civil nas questões educacionais. O autor apresenta retrospecto da organização do ensino brasileiro, focalizando os colegiados nacionais, estaduais e municipais, e conclui que há desconhecimento desses espaços pela população em geral e, em especial, por parte do magistério. Menciona como hipóteses explicativas desse alheamento a repressão autoritária e a desinformação, concluindo que a primeira hipótese não se sustenta e que a segunda "não deve ser totalmente descartada" (p. 206). O texto encerra-se com considerações a respeito das implicações, para a educação brasileira, das recomendações da Declaração Mundial de Educação para Todos.

A terceira parte do livro apresenta análises de experiências do regime de colaboração em três estados brasileiros. O primeiro texto, "Federalismo cooperativo e educação brasileira: a experiência de Mato Grosso [com a] proposição de um sistema único", de Carlos Abicalil (deputado federal-MT) e Odorico Ferreira Cardoso Neto (UFMT), faz "um relato sintético das experiências" (p. 215) do sistema único de educação naquele estado. Os autores abordam a questão das competências dos entes federados, do regime de colaboração e se detêm na possibilidade expressa pelo artigo 11 da LDBEN, de os municípios comporem, com o nível estadual, "um sistema único de educação básica". Pela singularidade da experiência em nível nacional, os autores poderiam ter se detido mais na análise da implantação da proposta e da adesão dos municípios, apresentando problemas, avanços e situação atual do programa.

O segundo texto dessa parte apresenta a experiência gaúcha; tem como autoras Maria Beatriz Luce (UFRGS e UNIPAMPA) e Marisa Timm Sari (CEE-RS). O estado do Rio Grande do Sul tem se caracterizado pelo pioneirismo no que concerne à atuação municipal, desde o regime de "cartas próprias", estabelecido no início da República. As autoras, muito apropriadamente, com o rigor necessário, apresentam uma análise de diferentes situações, forças e grupos que atuaram para o estabelecimento do trabalho conjunto entre esferas de governo na manutenção e no desenvolvimento do ensino. A partir de retrospectiva histórica, revisão da literatura e levantamento da legislação que regula a atuação dos entes federados, concluem com a apresentação das conquistas e dos pontos que devem ser superados nesse regime.

O último texto dessa parte, de Sofia Lerche Vieira (UEC e UFCE), refere-se ao estado do Ceará; justifica-se sua inclusão por ser o estado em que se verifica a maior participação municipal na oferta do ensino fundamental. A autora, ex-secretária de Educação Básica do Estado do Ceará (2003 a 2005), desenvolveu seu texto com rigor acadêmico, expondo e situando suas fontes. O texto registra um histórico referente ao oferecimento do ensino pelos níveis estadual e municipal desde o início do século passado, tratando de diferentes programas desenvolvidos, desafios encontrados e ganhos dessas experiências.

Para finalizar, registramos que a iniciativa dos organizadores da obra e o apoio da UNESCO à publicação são extremamente elogiáveis e oportunos. Os textos, de modo geral, concorrem para um maior conhecimento sobre a questão do federalismo e educação no Brasil, constituindo-se em excelente subsídio para novas pesquisas, bem como para o estabelecimento de políticas públicas.

A análise geral dos textos indica a necessidade da regulamentação do regime de colaboração; os limites e barreiras ainda encontrados em nível local; a heterogeneidade das regiões; o SUS como iniciativa que ilustra a possibilidade de trabalho conjunto; os avanços e retrocessos advindos do FUNDEF e as esperanças depositadas no FUNDEB; e que o trabalho conjunto entre os entes federados não prescinde da participação popular e das universidades, como demonstraram as experiências estaduais apresentadas.

A "Introdução" e as "Considerações finais" deram à obra uma articulação muito boa, captaram pontos essenciais e destacaram outros que podem interferir na temática; evidenciaram também que não se tratou de uma junção aleatória de textos, ao contrário, eles abordam e analisam diferentes aspectos da problemática.

Por isso tudo, recomendamos a leitura.

Cleiton de Oliveira

Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação

UNIMEP

E-mail: cleolive@unimep.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 2010
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