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Helping behavior among passengers

Resumos

Comportamentos de ajuda entre passageiros de ônibus podem contribuir para a qualidade do transporte público. Durante 40 viagens e observações sistemáticas em duas linhas de ônibus registrou-se sob quais condições passageiros sentados auxiliariam quem viajava de pé, oferecendo-se para carregar as bagagens. De maneira geral, ajuda foi recebida em 60% das situações criadas. Significativamente mais ajuda foi oferecida numa linha para a periferia da cidade do que numa linha para o centro da cidade. Mulheres estiveram mais dispostas a ajudar e verificou-se uma tendência de oferecer mais ajuda em situações de contato face a face. Os dados sugerem que se pode encontrar comportamentos pró-sociais entre passageiros que favoreçam a qualidade no transporte público da cidade. A implementação de avisos educativos no interior dos ônibus e nos terminais rodoviários pode incentivar a ajuda entre passageiros, além de outros comportamentos desejáveis.

Comportamento de ajuda; Passageiros de ônibus; Ambiente urbano


Helping behavior among passengers can contribute to the quality of mass transit. During forty bus trips, circumstances under which seated passengers would help those standing were registered by way of systematic observations. The criterion behavior was offering to hold baggage for a standing passenger. Overall, in 60 percent of the situations help was offered. Significantly more help was offered in a bus line going to a working class suburb than in a center city line. Women were more likely to offer help, as were passengers in a situation of eye to eye contact. The data suggest that helping behavior favoring better quality of mass transit may be found. The placing of educational signs inside the bus or at the bus station may further stimulate helping and other pro-social behaviors.

Helping behavior; Bus passengers; Urban environment


Ajuda entre passageiros de ônibus1 1 Dados parciais deste estudo foram apresentados na XXVI Reunião Anual de Psicologia, Ribeirão Preto, 1996.

Abelardo Vinagre da Silva

Hartmut Günther

Universidade de Brasília

Resumo

Comportamentos de ajuda entre passageiros de ônibus podem contribuir para a qualidade do transporte público. Durante 40 viagens e observações sistemáticas em duas linhas de ônibus registrou-se sob quais condições passageiros sentados auxiliariam quem viajava de pé, oferecendo-se para carregar as bagagens. De maneira geral, ajuda foi recebida em 60% das situações criadas. Significativamente mais ajuda foi oferecida numa linha para a periferia da cidade do que numa linha para o centro da cidade. Mulheres estiveram mais dispostas a ajudar e verificou-se uma tendência de oferecer mais ajuda em situações de contato face a face. Os dados sugerem que se pode encontrar comportamentos pró-sociais entre passageiros que favoreçam a qualidade no transporte público da cidade. A implementação de avisos educativos no interior dos ônibus e nos terminais rodoviários pode incentivar a ajuda entre passageiros, além de outros comportamentos desejáveis.

Palavras-chave: Comportamento de ajuda, Passageiros de ônibus, Ambiente urbano.

Abstract

Helping behavior among passengers

Helping behavior among passengers can contribute to the quality of mass transit. During forty bus trips, circumstances under which seated passengers would help those standing were registered by way of systematic observations. The criterion behavior was offering to hold baggage for a standing passenger. Overall, in 60 percent of the situations help was offered. Significantly more help was offered in a bus line going to a working class suburb than in a center city line. Women were more likely to offer help, as were passengers in a situation of eye to eye contact. The data suggest that helping behavior favoring better quality of mass transit may be found. The placing of educational signs inside the bus or at the bus station may further stimulate helping and other pro-social behaviors.

Key words: Helping behavior, Bus passengers, Urban environment.

No texto clássico, "The experience of living in cities: Adaptations to urban overload create characteristic qualities of city life that can be measured", Milgram (1970) oferece exemplos sobre como a vida nos centros urbanos pode influenciar o comportamento das pessoas. Comparada com cidades menores, a sobrecarga de estimulação das grandes cidades provocaria comportamentos não-sociais e enfraqueceria comportamentos pró-sociais, como ajudar pessoas desconhecidas. Citando a cidade de Nova Iorque, Milgram afirmou que, num raio de 10 minutos, um indivíduo caminhando a pé poderia encontrar 11 mil pessoas desconhecidas. Em si, este anonimato favoreceria comportamentos não-sociais entre as pessoas; desde esbarrar em alguém e não se desculpar, até a ocorrência de um assalto sem interferência de pessoas próximas.

Problemas como estes, identificados nas interações entre habitantes dos centros urbanos, vem sendo estudados desde o começo do século XX. Diversos autores têm discutido as maneiras como a vida nos grandes centros urbanos pode afetar aspectos do comportamento humano (Fischer, 1975; Milgram, 1970; Wirth, 1938/1996) e muitos dos estudos realizados nos últimos 20 anos apontam estereótipos negativos entre habitantes de centros urbanos. A superficialidade e utilitarismo nos relacionamentos interpessoais, além da baixa disposição para ajudar pessoas estranhas, são exemplos de estereótipos respaldados nas pesquisas (Amato,1983a; Milgram, 1970).

A influência das grandes cidades sobre o comportamento, porém, não é facilmente identificada e conceitualmente existem visões opostas. A título de ilustração, Wirth (1938/1996) afirma que todos os aspectos de uma interação social são diferentes numa área urbana, em decorrência de densidade, área e heterogeneidade da população. Gans (1962, 1967, citado por Korte, 1980), por outro lado, afirma que viver nas grandes cidades não tem impacto na vida social das pessoas, vez que o caráter das interações sociais é influenciado por fatores sociológicos (e.g., idade, classe socioeconômica, etnia) que fazem parte da identidade individual, independentemente de condições externas da vida urbana.

Apesar de posições opostas como estas existirem, Milgram (1970) demonstrou que adaptações comportamentais à vida nas cidades podem ser medidas como outros comportamentos humanos e que certas formas de comportamento social podem ser vistas como adaptação aos - excessivos - níveis de "input social e ambiental" das grandes cidades. De maneira semelhante, Fischer (1975) acredita que morar na cidade afeta o comportamento social, mas sua ênfase recai sobre os aspectos subculturais (étnico, ocupacional ou religioso) da população urbana. Devido ao próprio tamanho da população urbana, é muito mais fácil que determinadas subculturas floresçam nas áreas urbanas, aumentando a probabilidade de ocorrerem comportamentos vistos como desvios ou como inovadores de padrões gerais, contribuindo para uma difusão de novas atitudes e comportamentos.

Numa análise psicossocial do impacto da vida urbana, Korte (1980) sugere que a posição de Milgram e de Fischer tem encontrado mais respaldo em estudos sobre habitantes de centros urbanos, indicando, entre outros resultados, que deficiências no senso de responsabilidade social podem ser verificadas entre moradores de diferentes cidades. O caso Genovese é o exemplo clássico de uma situação que, talvez, ainda hoje, dificilmente ocorreria em muitos dos ambientes não-urbanos ou pequenas cidades do Brasil:

Catherine Genovese, voltando para casa após uma noite de trabalho ... foi apunhalada repetidamente durante um prolongado período de tempo. Trinta e oito residentes de uma respeitável vizinhança da cidade de Nova Iorque admitiram ter testemunhado pelo menos parte do ataque, mas ninguém foi em seu socorro... (Milgram, 1970, p. 1462).

Esse evento, de 1964, estimulou uma série de estudos sobre o bystander (veja Cunningham, 1984; Eisenberg, 1991; Latané & Darley, 1970; Steblay, 1987, para resenhas desta literatura). Pesquisadores fora do Brasil analisaram a influência de variáveis ambientais e sócio-contextuais sobre a probabilidade de oferecer / receber ajuda. Diferentes métodos experimentais e quase-experimentais, envolvendo inclusive cartas, telefone ou mesmo situações cotidianas foram utilizados nos estudos. Foram consideradas variáveis antecedentes: contato visual (Simon, 1971), densidade e área populacional (Amato, 1983a; Darley & Latané, 1968; Hedge & Yousif; 1992; Kammann, Thomson, & Irwin, 1979; Lerner, Solomon & Brody, 1971; Mishra & Das, 1983), área rural comparada com urbana (Amato, 1983a, 1983b; Krupat & Coury, 1975, citado por Hedge & Yousif, 1992), local de residência urbana e vizinhança (House & Wolf, 1978; West, Whintney & Shnedler, 1975), afiliação (Amato, 1983c; Shaffer & Graziano, 1980), idade (Amato, 1983c; Wunderlich & Willis, 1977), gênero (Eagly & Crowley, 1986; Howard & Crano, 1974; Lay, Allen & Kassirer, 1974; Rotton, 1977), etnia (Franklin, 1974; Gaertner & Bickman, 1971; Harris & Klingbeil, 1976), status social (Goodman & Gareis; 1993; Solomon, Solomon & Maiorca, 1982), status enquanto roupa (Mallozzi, McDermott & Kayson, 1990) e características da situação de emergência (Clark & Word, 1974).

Muitos destes estudos reforçam estereótipos negativos sobre habitantes de grandes cidades. Porém, em alguns estudos tem-se encontrado taxas elevadas de comportamentos pró-sociais (e.g. Forbes & Gromoll, 1971; Hansson & Slade, 1977; Whitehead & Metzger, 1981, todos, apud Amato, 1983a).

Este tipo de resultado sugere que, em determinadas situações, habitantes de centros urbanos apresentam comportamentos pró-sociais, surgindo assim a pergunta: em que situações encontram-se, entre habitantes de determinadas áreas urbanas, maiores taxas de comportamento pró-social, como ajudar uma pessoa desconhecida?

Este estudo procura analisar comportamentos pró-sociais no relacionamento entre passageiros de linhas de ônibus urbano. A importância de estudos sobre comportamentos pró-sociais no contexto do transporte urbano via ônibus decorre de pelo menos três aspectos. Em primeiro lugar, aproximadamente 60% da população urbana utiliza o ônibus todos os dias para sua locomoção (Martinez, 1996), ocupando boa parte do dia dentro deste veículo. Em segundo lugar, muitos usuários sentem-se prejudicados por diversos aspectos deste meio de transporte, como baixa regularidade, falta de segurança, lotação excessiva, pouco conforto, tarifas elevadas e baixa qualidade do relacionamento, com motoristas e cobradores, por um lado e mesmo entre passageiros (Martinez, 1996). Por último, considerando que a qualidade do transporte envolve um conjunto de fatores, inclusive relacionais, pode-se supor que a melhoria no relacionamento entre passageiros também contribui com a qualidade do transporte e da vida diária da população usuária de ônibus urbano.

A presença de comportamentos de ajuda entre passageiros de duas diferentes linhas de ônibus urbano foi investigada. Considerou-se como comportamento pró-social o ato de quem viajava sentado oferecer-se para segurar a bagagem de quem viajava de pé. Observou-se o nível de ajuda em função das variáveis (a) linha de ônibus, (b) existência de contato visual entre passageiros, (c) localização dentro do ônibus (frente ou fundo do ônibus), de quem necessitava de ajuda (d) horário da viagem, (e) o gênero do potencial ajudante.

Método

Horários e linhas de ônibus pesquisadas

A pesquisa foi realizada em horários de pico, pela manhã, por volta das 7 horas e no fim da tarde, por volta das 18 horas.

Duas linhas de ônibus urbanos do Distrito Federal foram selecionadas em função (a) do percurso por elas realizado, (b) do tempo total previsto para a realização de cada viagem, (c) do número médio de passageiros conduzidos por viagem.

A primeira linha ("Circular") transitava inteiramente no centro de Brasília, i.é, no Plano Piloto, com viagem prevista para 75 minutos. No início das viagens (primeira metade da viagem) realizadas nas manhãs de pesquisa nesta linha predominavam passageiros estudantes de 2o grau aparentemente residentes da região. Durante a segunda parte das viagens executadas nas manhãs, e na trajetória inteira do final da tarde, o público consistiu de estudantes e outros residentes do Plano Piloto.

A segunda linha escolhida ("Satélite") fazia uma trajetória de ligação entre o Plano Piloto e uma das cidades da periferia do Distrito Federal, com viagem prevista para 70 minutos. Caracteristicamente os passageiros eram trabalhadores, possivelmente residentes da periferia. Maiores detalhes da população de passageiros não puderam ser considerados devido à estratégia experimental de observar-se comportamentos dos usuários sem que estes tivessem conhecimento da pesquisa.

Procedimentos

Estudo piloto. Duas semanas antes do estudo experimental, realizaram-se 10 viagens-piloto para verificar (a) características do trajeto percorrido, (b) concentração de passageiros durante as viagens, (c) pontos de maior fluxo (entrada/saída de passageiros), (d) possibilidades de desenvolver o procedimento sem chamar a atenção dos demais passageiros.

Sobre quem "necessitava" de ajuda. Um dos autores realizou as viagens-piloto e experimentais, representando a pessoa que necessitava de ajuda, sendo a mesma de sexo masculino, mulato, à época com 27 anos, altura de 175 cm e peso de 75 kg. O pesquisador conduzia uma bagagem composta de dois livros, uma pasta do tipo porta-papéis e um pequeno caderno de anotações. A bagagem era carregada sempre à vista do passageiro-alvo, i.é, de quem se esperava a possível ajuda (geralmente quem viajava sentado no banco à frente do pesquisador).

Número de viagens e de oportunidades de ajuda por viagem e por linha. Em cada linha foram realizadas vinte viagens experimentais, dez pela manhã e dez à tarde, num total de 40 viagens. As viagens foram realizadas exclusivamente em dias úteis. Inicialmente na linha Circular; depois, na linha Satélite. Tiveram início nos terminais de origem de cada linha, realizando-se o percurso completo dos ônibus.

Para constituir oportunidade de ajuda, o ônibus devia estar com os bancos após a roleta ocupados e com passageiros de pé em número próximo ao da capacidade máxima permitida para o veículo. Por não se haver obtido tal número junto às empresas de transporte coletivo, estabeleceram-se limites-critério diferenciados para cada linha estudada, de acordo com o tamanho dos veículos utilizados: entre 12 e 15 passageiros de pé para os ônibus da linha Circular e 15 para os da linha Satélite.

Ao iniciar a viagem, o pesquisador ficava sentado num dos bancos localizados antes da roleta (parte frontal do veículo). No momento em que o limite mínimo de lotação era alcançado pela primeira vez, dava-se início ao estudo, visto que caracterizava a primeira oportunidade de ajuda. Assim, a primeira oportunidade sempre ocorria na parte frontal do ônibus; e a segunda, na parte de trás. Em todas as viagens da linha Circular, manhã ou noite, quatro oportunidades foram identificadas por dia de viagem. Na linha Satélite, devido ao fluxo de passageiros à noite, obtiveram-se três oportunidades por dia: duas pela manhã e uma à noite. Quando um dos passageiros-alvo saía do banco, ou a lotação no veículo diminuía, terminava a oportunidade de ajuda.

Posicionamento do pesquisador nos momentos da oportunidade de ajuda. O pesquisador ficava na parte da frente (primeira metade das viagens) ou na parte de trás do veículo (segunda metade das viagens), de acordo com as oportunidades de ajuda. De um dia para outro, alternava-se o lado em que ele se posicionava: direito ou esquerdo.

Quando um dos passageiros-alvo saía do banco à frente do pesquisador, este podia sentar em seu lugar e aguardar uma segunda concentração de passageiros, i.é, a segunda oportunidade de ajuda. Evitou-se o posicionamento diante de bancos onde um dos passageiros já havia participado do estudo e encerraram-se as viagens quando os veículos retornavam a seus terminais de origem.

Contato visual entre o pesquisador e o passageiro-alvo. Nos primeiros cinco dias de estudo em cada linha procurou-se aumentar a possibilidade de contato visual (face-a-face) entre pesquisador e passageiros-alvo. Após posicionar-se, com o auxílio do braço direito o pesquisador acomodava sua bagagem, observando o próprio movimento e direcionando brevemente o olhar para as faces dos passageiros sentados à sua frente. Nos três minutos seguintes deveria olhar para um ponto entre o banco à sua frente e o localizado à frente deste, de forma que os movimentos de quem estivesse sentado pudessem ser percebidos. Após este tempo o pesquisador poderia direcionar o olhar para outras posições, voltando a observar os gestos dos passageiros em intervalos de aproximadamente 30 segundos. Nos cinco dias subseqüentes, na mesma linha, o pesquisador deveria evitar um contato visual com o passageiro-alvo, dirigindo o olhar para fora do ônibus. A acomodação do material foi, porém, mantida.

Resultados

Nas 40 viagens realizadas nas duas linhas de ônibus, existiam 70 oportunidades de ajuda; em 42 dessas (60%) a ajuda foi recebida (z = 1,554, p = 0,06).

Na Tabela 1 apresentam-se as freqüências de ajuda e falta de ajuda em função da linha de ônibus. Verifica-se uma relação estatisticamente significativa entre a linha e ajuda proferida, no sentido de que a proporção de passageiros prestando ajuda foi maior na linha Satélite (c2df=1 = 4,922, p = 0,027).

A Tabela 1 apresenta, também, as freqüências de ajuda proferida em função de horário da viagem, localização do pesquisador dentro do ônibus, contato visual entre pesquisador e passageiro-alvo e gênero do passageiro-alvo e seu vizinho de banco.

Quanto ao horário da viagem, nenhuma diferença na taxa de ajuda (c2df=1 < 1) foi verificada. A relação entre posição no ônibus e ajuda também não é significativa (c2df=1 < 1). Por outro lado, a probabilidade de se obter ajuda tende a ser maior quando se mantém contato visual (c2df=1 = 3,525, p = 0,06), ou quando se está diante de um banco com duas mulheres, ao invés de com uma mulher e um homem ou com dois homens (c2df=2 = 7,118, p = 0,028).

A Tabela 2 apresenta os resultados de uma regressão logística com ajudar (sim vs. não) como variável-critério, e as 5 variáveis apresentadas na Tabela 1 como antecedentes. A análise de regressão logística ¾ técnica multivariada ¾ permite considerar mais do que uma variável antecedente ao mesmo tempo, levando-se em conta qualquer possível relação entre as variáveis antecedentes. Em contraste à regressão múltipla, esta técnica é mais flexível, especialmente não fazendo pressuposições quanto à distribuição das variáveis antecedentes, que não precisam ser distribuídas normalmente (Tabachnick & Fidell, 1996, p. 575).

Um teste do modelo completo das cinco variáveis antecedentes é estatisticamente significativo (c2df=5 = 21,162, n = 70, p = 0,0008), indicando que estes, como conjunto, distinguem de modo confiável os que ajudaram dos que não ajudaram. De acordo com o critério Wald, a linha de ônibus contribui de maneira significativa para estimar a probabilidade da variável-critério (z = 6,8535, p = 0,0088), como destacado nos testes bivariados.

Usando o mesmo critério Wald, encontrou-se uma contribuição significativa para estimar a variável-critério por parte do gênero das pessoas no banco diante do pesquisador (z = 5,7247, p = 0,0167) e por parte de se manter contato visual (z = 4,2858, p = 0,0384), além de tendência por parte da localização dentro do ônibus (z = 3,6913, p = 0,0547).

Demora em oferecer ajuda. Outro aspecto registrado da oportunidade de ajuda foi o tempo entre o posicionamento do pesquisador diante do passageiro-alvo e o oferecimento de ajuda. Em média, essa latência foi de 2,49 minutos (dp =3,00), sendo 2,19 minutos (dp = 2,84) na linha Circular e 2,74 minutos (dp = 3,16) na linha Satélite. O tempo médio que os passageiros-alvo ficaram no ônibus após o posicionamento do pesquisador foi de 16,9 minutos (dp = 6,65), sendo 18,9 minutos (dp =7,82) na linha Circular e 15,2 minutos (dp = 5,10) na linha Satélite.

Entre as linhas pesquisadas, nenhuma diferença significativa foi encontrada no tempo de latência até se receber a ajuda ou no tempo de permanência no ônibus. Além disso, nenhuma correlação significativa entre latência para ajudar e tempo de permanência no ônibus foi identificada.

Discussão

Nível geral de ajuda

A taxa de ajuda (60%) observada neste estudo sugere que, em determinadas situações, pode-se encontrar ajuda entre moradores de áreas urbanas. O nível geral de ajuda encontrado entre os passageiros pode ser considerado bom, especialmente quando se consideram alguns dados anteriores sobre comportamentos de ajuda entre moradores de Brasília (Silva, Günther, Lara, Cunha & Almeida, 1998; Silva & Günther, 1999). Entretanto, a análise dos presentes dados deve ser realizada do ponto de vista da situação de ajuda. Segundo Clark & Word (1974), características da situação podem ser fundamentais para que ocorra, ou não, ajuda, devendo-se observar o caráter de emergência da situação em que ocorreriam comportamentos de ajuda com maior freqüência. Um passageiro de pé, carregando bagagem diante de um passageiro sentado pode não representar situação clara de alguém necessitando de ajuda. Apresentando-se ambigüidade quanto à necessidade, pode diminuir a possibilidade de receber ajuda. Oferecer ajuda no ônibus pode ser visto como cortesia, especialmente na ausência de emergência. Ainda assim, evidenciou-se um bom nível de comportamento pró-social entre os passageiros.

Influência da linha de ônibus

A linha de ônibus mostrou-se o aspecto mais relevante para receber, ou não, ajuda, obtendo-se mais ajuda na linha Satélite, cuja maior parte dos passageiros aparentemente consistia de trabalhadores residentes na periferia. Este grupo era mais homogêneo do que o da linha Circular, sendo mais freqüente o pesquisador encontrar um `estranho familiar' (Milgram, 1977) entre eles. Da mesma maneira, dado que as viagens ocorreram seqüencialmente, o pesquisador pode ter se transformado num estranho familiar na linha Satélite, o que favoreceria o prestar ajuda. Na linha Circular a rotatividade de passageiros foi maior em todos os horários, não se observando a presença de passageiros vistos em viagens anteriores. Deduz-se que um estranho familiar pode ter mais possibilidade de receber ajuda do que um estranho qualquer.

Outro aspecto da comparação entre as linhas é que a maioria dos passageiros da linha Circular eram moradores do centro da cidade (Asas Sul e Norte do Plano Piloto), enquanto que os da linha Satélite eram da periferia (Cruzeiro e outras regiões da periferia). Tal diferença pode reforçar a idéia de que moradores de cidades periféricas de Brasília estejam mais inclinados a mostrar comportamentos pró-sociais do que moradores do centro. Resultados semelhantes foram encontrados por House e Wolf (1978) e West, Whitney e Shnedler (1975), que sugerem local de moradia de quem pode ajudar como aspecto relevante. Mais estudos devem ser realizados para apurar esta possibilidade.

Contato visual com os passageiros

Outra variável antecedente importante a influenciar o prestar, ou não, ajuda foi o contato visual entre pesquisador e passageiro-alvo nos instantes antes da ajuda; mais ajudas foram recebidas quando ocorreu contato visual (face-a-face).

Poder-se-ia supor que mais ajuda seria prestada quando o pesquisador apresentasse expressões faciais que sugerissem cansaço físico. Procurou-se não demonstrar tal comportamento, mas o pesquisador não foi observado por um segundo pesquisador; logo, esta possível explicação não pode ser excluída. Em estudos futuros pode ser útil a participação de um segundo observador, para registrar comportamentos interferentes do pesquisador.

É possível que a maior proximidade física e possibilidade de contato visual tenham favorecido o recebimento de ajuda, sobretudo num ambiente fechado como o de um ônibus, em que expressões faciais e outros elementos somente perceptíveis em situações de contato visual podem ser mais factíveis de exercer influência no momento de oferecer, ou não, a ajuda. Ressalte-se que num ambiente restrito como o de um ônibus os passageiros também passam por constantes e comuns situações de desconforto (ANTP, 1991, 1995; Belda, 1985; Cançado, 1996; Frederico, Netto & Pereira, 1997), que pode aumentar o sentimento de solidariedade em algumas ocasiões. O desconforto comum pode haver influenciado o percentual de ajuda recebido, uma vez que os demais passageiros podem haver passado por situações semelhantes em viagens anteriores, solidarizando-se com o pesquisador e oferecendo ajuda. Entretanto, como Eibl-Eibesfeldt (1989) observou, embora o contato visual sirva como contato comunicativo com outros, "não devemos mantê-lo demasiadamente, uma vez que vira um olhar fixo e, assim, ameaçador" (p. 173).

Gênero do passageiro alvo

Observou-se um maior percentual de ajuda entre mulheres. Este fato é compatível com resultados de estudos anteriores sobre gênero e ajuda (Eagly & Crowley, 1986; Howard & Crano, 1974; Lay, Allen & Kassirer, 1974; Rotton, 1977). Ressalte-se, porém, que um maior percentual de ajuda ocorreu quando duas mulheres encontravam-se diante do pesquisador. Posicionar-se em frente a duas pessoas de gêneros diferentes não favorecia o recebimento de ajuda.

Outros aspectos a considerar

Apesar do comportamento de ajuda estudado ocorrer no interior do ônibus, deve-se observar que alguns aspectos ou elementos existentes fora dos veículos podem ter favorecido a prestação de ajuda.

O que chamou a atenção no Terminal Rodoviário na Periferia foi a presença de placas educativas que sugeriam aos passageiros a colaboração com quem carregava bagagem e com pessoas idosas. Será que estes cartazes contribuíam para que as pessoas, frente à situação criada no ônibus, se mostrassem mais cooperativas? Na Rodoviária do Plano Piloto não foram observados placas ou cartazes educativos.

Conclusão

Embora não se possa dizer que a qualidade de vida de uma determinada população seja função exclusiva da qualidade dos relacionamentos interpessoais, não se pode ignorar sua participação macrossocial (observando o comportamento globalmente numa cidade) nem microssocial (observando situações e locais específicos). Neste sentido, pode-se analisar a qualidade dos relacionamentos pessoais como aspecto da qualidade de vida de uma cidade, observando-se a vida das pessoas em seus locais de trabalho, lazer, vizinhança etc. Ao mesmo tempo, a qualidade dos relacionamentos em diferentes locais de grandes cidades poderia ser analisada como aspecto da qualidade de vida existente.

O nível geral de ajuda encontrado entre os passageiros das diferentes linhas de ônibus urbano estudadas pode ser considerado bom, mas percentuais de ajuda significativamente diferentes podem ser encontrados em cada ônibus. O bom nível geral de ajuda parece indicar que, em certas situações, moradores de áreas urbanas podem apresentar índices aceitáveis de comportamentos pró- sociais, demonstrando "responsabilidade social". Resta saber se este tipo de comportamento pode ser encontrado em mais linhas de ônibus da cidade e em outras cidades.

Relembre-se que pelo menos 60% da população das grandes cidades utilizam o transporte público de ônibus. Qualquer melhoria desse tipo de transporte pode refletir na qualidade de vida dos usuários. Neste sentido, uma das formas de fazer com que os usuários contribuam para a melhoria do transporte público pode partir do incentivo a comportamentos pró-sociais, que podem ser estimulados por meio de cartazes educativos no interior dos ônibus.

Agradecimentos

Este estudo contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Nota

Abelardo Vinagre da Silva, mestre em Psicologia Social pela Universidade de Brasília, é consultor de avaliação de desempenho e estatística da EletroNorte, Brasília, DF.

Hartmut Günther, doutor em Psicologia Social pela University of California at Davis, EUA, é Professor Titular do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho (PST) e coordenador do Laboratório de Psicologia Ambiental do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, DF.

Endereço para correspondência: Hartmut Günther, Caixa Postal 4480; 70919-970, Brasília, DF. E-mail: hartmut@unb.br.

Recebido em 02.06.00

Revisado em 08.02.01

Aceito em 30.05.01

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  • 1
    Dados parciais deste estudo foram apresentados na XXVI Reunião Anual de Psicologia, Ribeirão Preto, 1996.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Ago 2001
    • Data do Fascículo
      Jun 2001

    Histórico

    • Aceito
      30 Maio 2001
    • Revisado
      08 Fev 2001
    • Recebido
      02 Jun 2000
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