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Perspectivas e desafios para a gestão da qualidade de vida nas organizações de trabalho

RESENHA

Perspectivas e desafios para a gestão da qualidade de vida nas organizações de trabalho1 1 Resenha do livro intitulado Qualidade de vida no trabalho: conceitos e práticas nas empresas da sociedade pós-industrial, de autoria de Ana Cristina Limongi-França, publicado em São Paulo, pela Editora Atlas, em 2003 (189 páginas; ISBN 85-224-3382-8).

Michele Trierweiler; Narbal Silva

Universidade Federal de Santa Catarina

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Tuiuti, 181, Ap. 201 (Centro) Rio do Sul, SC; CEP 89160-000 E-mail: micheletrier@yahoo.com.br

O que é a qualidade de vida no trabalho (QVT)? Que conceitos e perspectivas têm sido utilizados nas organizações de trabalho ao implantar uma gestão voltada para a QVT? Qual é o perfil do gestor considerado adequado para a gestão de programas de QVT? A obra de Limongi-França (2003), Qualidade de vida no trabalho: conceitos e práticas nas empresas da sociedade pós-industrial, é importante, dentre as obras que abordam o tema, pela tentativa da autora em resgatar o atual estado da arte da QVT, sistematizando as principais contribuições teóricas para o desenvolvimento do conceito qualidade de vida no trabalho.

A autora procura demonstrar a evolução das perspectivas sobre a QVT que, de uma preocupação predominantemente voltada para a saúde e segurança do trabalhador no ambiente de trabalho, passa a ter agora um "status de estratégia empresarial". Ou seja, as ações empreendidas para a QVT ascendem de ações puramente operacionais para "ações corporativas estratégicas", envolvendo a cultura organizacional, o voluntariado, a cidadania e a responsabilidade social e com o meio ambiente mais amplo.

Limongi-França resgata a influência das dimensões socioeconômica, organizacional e da condição humana no trabalho que, segundo a autora, constituem-se nas dimensões básicas nas quais foram desenvolvidas as teorias sobre a QVT. A dimensão socioeconômica é representada pelas mudanças na análise das relações de trabalho, decorrentes do processo de globalização da economia mundial. Dentre os aspectos da dimensão organizacional, dimensão na qual Walton (1973) baseou suas contribuições, enfocando principalmente as questões relativas à saúde física e psicológica do trabalhador, a autora destaca a valorização das pessoas no trabalho, a capacitação e qualidade pessoal, o tempo livre, a motivação e comprometimento, a imagem corporativa e a comunicação interna. Por fim, a dimensão da condição humana no trabalho é referida, principalmente, pela concepção biopsicossocial do homem/trabalhador.

Para lidar com a evolução das perspectivas sobre QVT, a autora sugere que é preciso promover algumas mudanças no perfil do gestor devido à necessidade de habilidades mais complexas, que vão além da gestão voltada para a qualidade, a produção, a comunicação e as estratégias de negócios. O gestor da QVT precisa conhecer o lado humano da organização, entender de pessoas, entender a importância do significado do trabalho, dos treinamentos e projetos de educação para o trabalho, além das novas tecnologias e todo o conhecimento sobre o mercado de trabalho no qual a organização está inserida.

Na obra, a autora enfoca, portanto, o papel do gestor, apontando para o que chama de "novas competências gerenciais", necessárias, segundo ela, para lidar com a perspectiva atual nas organizações de trabalho, relacionada à melhoria das condições de trabalho, à saúde física e psicológica dos trabalhadores e a responsabilidade social. Na concepção da autora, a representação de uma nova "competência gerencial" é caracterizada por um "tripé conceitual" que envolve: conhecimento, técnicas/habilidades e estratégias ou atitudes, vistos numa perspectiva de interfaces, de diálogos com ambientes globalizados, de "integração comunitária, organizacional e da pessoa no trabalho".

Limongi-França parece pretender, na sua obra, fornecer ferramentas para que os gestores possam atuar na qualidade de vida dos trabalhadores na organização, por meio de programas de QVT. Tal fato diferencia seu trabalho de obras como Qualidade de vida no trabalho: como medir para melhorar (Fernandes, 1996), voltada para o diagnóstico da QVT nas organizações de trabalho, ou Qualidade de vida no trabalho: uma investigação no nível gerencial de uma indústria do setor cerâmico catarinense (Mazzuco, 1999), dissertação de mestrado que propõe identificar e analisar as percepções dos gerentes sobre a QVT. Da mesma forma, a obra de Limongi-França se diferencia de: Vivências de prazer e sofrimento em trabalhadores de organizações com contexto de qualidade de vida no trabalho (Macêdo & Mendes, 2004); Percepções de justiça organizacional em contexto de qualidade de vida no trabalho (Macêdo & Mendonça, 2004); e O PQVT e sua relação com os valores individuais e organizacionais em organizações públicas (Macêdo, Tamayo, Zulmira, Vieira, & Pires, 2004), produções predominantemente centradas nas percepções dos trabalhadores sobre a QVT, nas questões de justiça organizacional, e na relação da QVT com os valores individuais e organizacionais.

Com a crescente valorização da pessoa no trabalho e sua qualidade de vida, parece ser papel do gestor investir, focar nos recursos humanos, já que, segundo a autora, muitos ganhos em produtividade na organização estarão relacionados à capacitação deste gestor, ou seja, a capacidade de visualizar que a QVT está intrinsecamente relacionada à produtividade. Segundo a autora, é o gestor que propulsiona os valores de QVT nas organizações. Neste sentido, a autora sugere a importância da capacitação do gestor, da sua formação constante, integrando-o com os avanços tecnológicos e modernização das organizações de trabalho, aumentando a sua capacidade de iniciativa e empreendedorismo. O gestor precisa ser capaz de reconhecer o "componente psicossocial" da organização e de "gerenciar o intelecto humano", convertendo-o num produto, o que, de acordo com a autora, passa a ser uma das habilidades executivas fundamentais na era da QVT.

Além de se relacionar à produtividade, a QVT também está relacionada aos conceitos de legitimidade, responsabilidade social, desenvolvimento sustentável, cultura organizacional, competitividade, valores e confiança organizacionais. Por se tratar de uma obra de revisão de literatura que pretende situar o leitor no contexto da QVT, um aspecto que dificulta, de certa forma, a leitura do texto é justamente a abordagem de muitos desses termos num espaço reduzido da obra. A autora faz um recorte pequeno para explicar a relação que os termos como legitimidade e produtividade, por exemplo, estabelecem com a QVT, tornando-se indispensável que o leitor tenha um conhecimento prévio sobre os assuntos abordados.

Ergonomia, abordagens clínico-verbais em questões de atendimento à qualidade de vida, ciclos de trabalho e poder feminino no ambiente organizacional são alguns dos tópicos tratados pela autora em apenas um ou dois parágrafos, insuficientes para aprofundar temas tão amplos, o que leva à superficialidade nas discussões.

Contudo, a leitura da obra de Limongi-França é importante para pesquisadores interessados em QVT e na perspectiva do homem trabalhador, e para profissionais de recursos humanos, administradores e psicólogos, porque propõe uma visão ampla sobre o desenvolvimento do conceito de QVT; e também por fornecer estratégias de atuação e concepções que viabilizam gerir os processos de trabalho de maneira mais coerente com as necessidades dos trabalhadores e da organização de trabalho. Além disso, na obra são apresentadas experiências práticas de gestão de QVT, proporcionando uma melhor compreensão sobre o que vêm sendo desenvolvido em QVT no Brasil e quais as visões de executivos sobre o tema.

Recebida em 28.set.06

Aceita em 24.jul.07

Michele Trierweiler, graduada em Psicologia, é mestre em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina.

Narbal Silva, doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina, é professor adjunto no Departamento de Psicologia da mesma instituição. E-mail: narbal@cfh.ufsc.br

  • Fernandes, E. (1996). Qualidade de vida no trabalho: como medir para melhorar Salvador, BA: Casa da Qualidade.
  • Macêdo, K. B., & Mendes, A. M. (2004). Vivências de prazer e sofrimento em trabalhadores de organizações com contexto de qualidade de vida no trabalho In K. B. Macêdo (Org.), Qualidade de vida no trabalho: o olhar da Psicologia e da Administração (pp. 61-84). Goiânia: Editora da Universidade Católica de Goiás.
  • Macêdo, K. B., & Mendonça, H. (2004). Percepções de justiça organizacional em contexto de qualidade de vida no trabalho In K. B. Macêdo (Org.), Qualidade de vida no trabalho: o olhar da Psicologia e da Administração (pp. 113-128). Goiânia: Editora da Universidade Católica de Goiás.
  • Macêdo, K. B., Tamayo, A., Zulmira, E., Vieira, M. A. D., & Pires, J. C. S. (2004). O PQVT e sua relação com os valores individuais e organizacionais em organizações públicas In K. B. Macêdo (Org.), Qualidade de vida no trabalho: o olhar da Psicologia e da Administração (pp. 129-150). Goiânia: Editora da Universidade Católica de Goiás.
  • Mazzuco, G. D. (1999). Qualidade de vida no trabalho: uma investigação no nível gerencial de uma indústria do setor cerâmico catarinense Dissertação de mestrado não-publicada, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
  • Walton, R. E. (1973). Quality of working life: what is it? Sloan Management Review, 15(1), 11-21.
  • Endereço para correspondência:
    Rua Tuiuti, 181, Ap. 201 (Centro)
    Rio do Sul, SC; CEP 89160-000
    E-mail:
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    Resenha do livro intitulado
    Qualidade de vida no trabalho: conceitos e práticas nas empresas da sociedade pós-industrial, de autoria de Ana Cristina Limongi-França, publicado em São Paulo, pela Editora Atlas, em 2003 (189 páginas; ISBN 85-224-3382-8).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2007
    Programa de Pós-graduação em Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicobiologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte Caixa Postal 1622, 59078-970 Natal RN Brazil, Tel.: +55 84 3342-2236(5) - Natal - RN - Brazil
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