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“PAPAI NÃO TEM LEITE!” CONSIDERAÇÕES SOBRE O HOLDING PATERNO NA DEPENDÊNCIA ABSOLUTA1 1 Apoio e financiamento:Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

“PAPÁ NO TIENE LECHE!” CONSIDERACIONES SOBRE HOLDING PATERNO EN LA DEPENDENCIA ABSOLUTA

RESUMO.

Considerando a emergência de uma postura paterna afetivamente implicada nos cuidados diários demandados no período da dependência absoluta, este artigo tem o objetivo de analisar a possibilidade de constituição do holding paterno nos cuidados diretos oferecidos ao bebê. Dessa forma, apresenta-se um estudo de caso construído a partir das observações das interações de uma díade pai-bebê, realizadas no primeiro trimestre de idade da criança, e de duas entrevistas (pré e pós-nascimento) realizadas com o pai. Empreendeu-se uma análise de conteúdo do material que fomentou uma discussão psicanalítica e psicossocial sobre a possibilidade de constituição do holding paterno capaz de introduzir, na subjetividade do bebê, elementos de diversidade: sensoriais e perceptivos; psicoafetivos; e espaço-temporais. As elaborações apontam a possibilidade de ampliação de aspectos constitutivos do holding a partir da inserção dos cuidados diretos oferecidos ao bebê pelo pai; a necessidade de adaptação e flexibilização da teoria winnicottiana frente às dinâmicas relacionais apresentadas nas famílias contemporâneas; e a necessidade de legitimação do pai como um cuidador durante o ciclo gravídico-puerperal.

Palavras-chave:
Relações pai-criança; teoria psicanalítica; Winnicott

RESUMEN.

Considerando la postura paterna afectivamente implicada en los cuidados infantiles en la dependencia absoluta, el objetivo de este trabajo fue analizar la posibilidad de constitución del holding paterno en los cuidados directos ofrecidos al bebé. Se presenta un estudio de caso construido a partir de las observaciones de las interacciones de la díada padre-bebé, realizada en el primer trimestre de la edad de crianza, y de dos entrevistas (pre y postnatal) realizadas con el padre. Se realizó un análisis de contenido que fomentó una discusión psicoanalítica y psicosocial sobre la posibilidad de constitución del holding paterno capaz de introducir en la subjetividad del bebé Elementos de Diversidad: sensoriales y perceptivos; psico-afectivos; espacio-temporales. Los análisis apuntan: la posibilidad de ampliación de aspectos constitutivos del holding a partir de la inserción de los cuidados directos ofrecidos al bebé por su padre; la necesidad de adaptación y flexibilización de la teoría winnicottiana, frente a las dinámicas relacionales presentadas en las familias contemporáneas; y la necesidad de legitimación del padre como un cuidador durante el ciclo embarazo - puerperio.

Palabras-clave:
Relaciones padre-niño; teoría psicoanalítica; Winnicott

ABSTRACT.

Considering the emergent claim towards father involvement in daily care during the absolute dependence, this paper aimed to analyze the possibility of paternal holding in the immediate care offered to a baby. Therefore, a case study, based on observations of father-baby interactions during the child’s first three months of life and two interviews with the father before and after the child birth, was developed and is presented. The content analysis provided support for a psychoanalytic and psychosocial discussion on the potentiality of paternal holding to introduce in the baby’s subjectivity Elements of Diversity: sensory and perceptual, psycho-affective and spatio-temporal. Results show that: it is possible an amplification of the constitutive aspects on holding regarding the immediate care offered to a baby by its father; Winnicott’s theory on holding must be adapted and made more flexible regarding the relational dynamics of contemporary families and the father must be legitimized as a caregiver during pregnancy and puerperium.

Keywords:
Father-child relations; psychoanalytic theory; Winnicott

Introdução

O presente artigo tem o objetivo de analisar a possibilidade de constituição do holding paterno inserido nos cuidados diretos oferecidos ao bebê. Para dar início a esta discussão, descreve-se a seguinte situação: na recepção de um ambulatório de pré-natal, um pai está sentado segurando uma recém-nascida, enquanto a mãe da criança está no balcão de recepção preenchendo formulários. Em dado momento, a criança começa a chorar e o pai, para acalmá-la, levanta-a muito próxima ao seu rosto. Dessa distância mínima entre as faces ele beija a filha sorrindo, enquanto diz para a mesma: “Papai não tem leite! Papai não tem leite!” (Diário de campo - ambulatório). A criança para de chorar e fica a olhar atenta para o rosto do pai que continua a interagir de forma terna e íntima. Esta situação foi descrita por ter se tornado emblemática para a discussão que se segue: se o papai não tem leite, o que ele tem a oferecer neste momento?

Buscando estabelecer uma correlação entre a teoria do desenvolvimento emocional, elaborada por Winnicott, e a possibilidade de construção de um novo modelo de paternidade, circunscreveu-se o momento que serviu de base para a observação da relação pai-bebê aqui em destaque, denominado de dependência absoluta e compreendido, aproximadamente, entre o primeiro e o quarto mês de idade do bebê (Winnicott, 1965/198325. Winnicott D. W. (1983). Teoria do relacionamento paterno-infantil. In D. W. Winnicott, O ambiente e os processos de maturação - Estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional (pp. 38-54). Porto Alegre: Artmed. (Trabalho original publicado em 1965).).

Este período caracteriza-se por uma total dependência da criança em relação aos cuidados provenientes do ambiente circundante, representado pelos adultos cuidadores, predominantemente a mãe do bebê. Nesse momento, segundo Winnicott (197524. Winnicott D. W. (1975). O brincar & a realidade. Rio de Janeiro: Imago.), do ponto de vista da criança, toda percepção é apercepção, o que constitui um processo de captação dos estímulos ambientais assimilados como objetos subjetivamente concebidos. A externalidade não é captada de forma objetiva e o ambiente é inserido paulatinamente a partir da constância e da repetição de fragmentos reunidos no ritmo subjetivo do bebê. Este processo de acúmulo de memórias sensoriais e perceptivas foi denominado de elaboração imaginativa das funções corporais e é a partir dele que o bebê faz conexões psíquicas entre a vivência atual, experiências anteriores e expectativas de futuro (Winnicott, 1958/200026. Winnicott D. W. (2000). Desenvolvimento emocional primitivo. In D. W. Winnicott, Da pediatria à psicanálise - Obras escolhidas (pp. 218-232). Rio de Janeiro: Imago . (Trabalho original publicado em 1958).).

Neste período, a mãe teria a função de fornecer uma base constitutiva denominada de holding. Na teoria winnicottiana, o holding, que inclui o handling, se define por tudo que uma mãe é e faz num momento em que a criança ainda está psiquicamente indiferenciada do entorno ambiental. Logo, a mãe em um estado identificado com as necessidades do bebê, denominado de preocupação materna primária, funcionaria como um ego auxiliar capacitado para perceber, suprir e proteger o psiquismo da criança (Winnicott, 1987/200627. Winnicott D. W. (2006). Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1987).). Uma boa provisão ambiental deve assim atender de forma absoluta às necessidades físicas e psicológicas que se apresentam. Nos cuidados incluídos no holding, o handling se refere aos cuidados que implicam a manipulação do corpo do bebê (Winnicott, 1965/1983, 1987/2006).

O sentido de absoluto neste contexto diz respeito à adaptação ativa da mãe a estas necessidades, pois a tolerância para a espera da satisfação deve se constituir aos poucos, o que demanda uma supressão quase imediata da necessidade. Desse modo, uma mãe suficientemente boa seria aquela que, a partir de um lugar identificado com seu bebê, conseguiria sustentar a onipotência primária e fornecer bases seguras para o desenvolvimento da criatividade e a constituição de um self verdadeiro (Winnicott 1965/1983, 1957/200828. Winnicott D. W. (2008). E o Pai? In D. W. Winnicott, A criança e o seu mundo (pp. 127-133). Rio de Janeiro: LTC. (Trabalho original publicado em 1957).).

Winnicott também sustenta que este estado fusional de identificação em que mãe e bebê seriam um só, ainda que em condições assimétricas de percepção ambiental, seria fundamentado pelo elemento feminino puro, presente em homens e mulheres, constitutivo das experiências primordiais de ser. A unidade mãe-bebê daria o aparato necessário para que as experiências acumuladas em uma continuidade de ser pudessem progressivamente constituir o self de um indivíduo-bebê (Winnicott, 1975).

Se o holding possibilita por meio da sustentação da previsibilidade e estabilidade ambiental a continuidade de ser do indivíduo (Winnicott, 1987/2006), o pai poderia fazer parte da provisão ambiental de duas maneiras complementares às funções maternas (Winnicott, 1958/2000, 1957/2008). Por um lado seria possível uma participação indireta em que o pai funcionaria como holding da díade mãe-bebê, protegendo contra elementos da realidade externa que poderiam ser intrusivos para os processos constitutivos em andamento. Logo, o pai estaria a serviço da proteção das vulnerabilidades infantis e maternas, já que a mãe também se encontra num estado de fragilidade pela preocupação materna primária. Além disso, ele poderia atuar diretamente como uma mãe substituta, ou seja, uma extensão provisória dos cuidados maternos (Rosa, 200916. Rosa C. D. (2009). O papel do pai no processo de amadurecimento em Winnicott. Natureza humana, 11(2), 55-96. Recuperado em 02 de março de 2012, de Recuperado em 02 de março de 2012, de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/nh/v11n2/v11n2a03.pdf
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; Winnicott, 1957/2008).

Ressalta-se que mudanças nas dinâmicas familiares têm possibilitado a emergência de novas interações entre a tríade pai-mãe-bebê (Covre-Sussai, 20145. Covre-Sussai M. (2014). Couples’ joint decision-making: the construction and validation of a key proxy for understanding gender relations in contemporary families. R. Bras. Est. Pop., 31(1), 51-71. Recuperado em 04 de novembro de 2014, de Recuperado em 04 de novembro de 2014, de http://www.scielo.br/pdf/rbepop/v31n1/04.pdf
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; Frizzo & Piccinini, 20078. Frizzo G. B., & Piccinini C. A. (2007). Depressão materna e a interação triádica pai-mãe-bebê. Psicologia: Reflexão e Crítica, 20(3), 351-360 Recuperado em 03 de setembro de 2012, de Psicologia: Reflexão e Crítica, 20(3), 351-360 Recuperado em 03 de setembro de 2012, de http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/25701/000627206.pdf?sequence=1
http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handl...
; Rodriguez & Gomes, 201215. Rodriguez B. C., & Gomes I. C. (2012). Novas formas de parentalidade: do modelo tradicional à homoparentalidade. Boletim de Psicologia, 63(136), 29-36. Recuperado em 09 de julho de 2014, de Recuperado em 09 de julho de 2014, de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/bolpsi/v62n136/v62n136a04.pdf
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; Santos, 201417. Santos C. V. M. (2014). Um novo pai, novas funções? Considerações sobre a relação pai-bebê no período da dependência absoluta. (Dissertação de Mestrado). Recuperado de: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47133/tde-02062014-160149/pt-br.php
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). No que diz respeito à família nuclear e heterossexual, em alguns seguimentos populacionais, observa-se o afastamento do modelo familiar regido pela ideologia patriarcal, cujas funções paternas e maternas apresentavam-se de formas rígidas e as hierarquias de gênero eram intrínsecas (Bilac, 20143. Bilac E. D. (2014). Trabalho e Família: articulações possíveis. Tempo Social Revista de Sociologia da USP, 26(1), 129-145. Recuperado em 06 de janeiro de 2015, de Recuperado em 06 de janeiro de 2015, de http://www.scielo.br/pdf/ts/v26n1/10.pdf
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; Fiorin, Oliveira, & Dias, 20147. Fiorin P. C., Oliveira C. T., & Dias A. C. G. (2014). Percepções de mulheres sobre a relação entre trabalho e maternidade. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 15(1), 25-35. Recuperado em 15 de julho de 2015 de Recuperado em 15 de julho de 2015 de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbop/v15n1/05.pdf
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; Lopes, Dellazzana-Zanon, & Boeckel, 201411. Lopes M. N., Dellazzana-Zanon L. L., & Boeckel M. G. (2014). A multiplicidade de papéis da mulher contemporânea e a maternidade tardia. Temas em Psicologia, 22(4), 917-928. doi: 10.9788/TP2014.4-18
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). E, embora diferentes configurações familiares existissem em diferentes épocas, na contemporaneidade destaca-se a construção de uma divisão mais flexível de papéis e funções parentais.

Estas dinâmicas características de um funcionamento mais contemporâneo têm sido observadas, principalmente, em famílias de classe média, em casais com alto nível de escolaridade e casais de dupla-carreira (termo referente à divisão de papéis e funções em que os 02 membros do casal possuem uma carreira profissional e contribuem igualitariamente para as despesas familiares) (Bilac, 20143. Bilac E. D. (2014). Trabalho e Família: articulações possíveis. Tempo Social Revista de Sociologia da USP, 26(1), 129-145. Recuperado em 06 de janeiro de 2015, de Recuperado em 06 de janeiro de 2015, de http://www.scielo.br/pdf/ts/v26n1/10.pdf
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; Fiorin et al., 20147. Fiorin P. C., Oliveira C. T., & Dias A. C. G. (2014). Percepções de mulheres sobre a relação entre trabalho e maternidade. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 15(1), 25-35. Recuperado em 15 de julho de 2015 de Recuperado em 15 de julho de 2015 de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbop/v15n1/05.pdf
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; Langaro & Pretto, 201510. Langaro F., & Pretto Z. (2015). Experiências de parentalidade como fatores geradores de sofrimento em mulheres. Fractal: Revista de Psicologia, 27(2), 130-138. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1984-0292/453
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).

De uma paternidade patriarcal - responsável pela imposição de limites morais, proteção familiar, provimento financeiro e distanciada afetivamente do ambiente doméstico - passa-se progressivamente à participação do pai como um cuidador afetivo e à divisão mais igualitária de atribuições parentais (Arruda & Lima, 20131. Arruda S. L. S., & Lima M. C. F. (2013). O novo lugar do pai como cuidador da criança. Estudos interdisciplinares em Psicologia, 4(2), 201-216. doi: 10.5433/2236-6407.2013v4n2p201
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; Cúnico & Arpini, 20136. Cúnico S. D., & Arpini D. M. (2013). A família em mudanças: desafios para a paternidade contemporânea. Pensando Famílias, 17(1), 28-40. Recuperado em 12 de março de 2014 de Recuperado em 12 de março de 2014 de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/penf/v17n1/v17n1a04.pdf
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; Vieira & Nascimento, 201423. Vieira G. T., & Nascimento A. R. A. (2014). Aspectos psicossociais da construção da identidade paterna. Revista Psicologia: Teoria e Prática, 16(1), 57-68. Recuperado em 20 de setembro de 2015, de Recuperado em 20 de setembro de 2015, de http://dx.doi.org/10.15348/1980-6906/psicologia.v16n1p57-68
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).

Crescem as pesquisas científicas acerca de uma nova paternidade - ou paternidade participativa. Trata-se, principalmente, da entrada do homem em um território afetivo ora relegado, ora monopolizado pelas mulheres: o ciclo gravídico-puerperal. A gravidez e a prematuridade da criança são períodos associados ao “instinto natural” para o cuidado presente nas mulheres. Entretanto, observações e relatos sobre a realidade atual desse período demonstram que os homens estão participando ativamente também desse momento (Carneiro et al., 20134. Carneiro L. M. R., Silva K. L., Pinto A. C. S., Silva A. A., Pinheiro P. N. C., & Vieira N. F. C. (2013). Benefícios da presença paterna nos cuidados com o lactente. Rev. Enferm. UERJ, 21(1), 637-641. Recuperado em 11 de janeiro de 2014 de Recuperado em 11 de janeiro de 2014 de http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/enfermagemuerj/article/view/10040/7826
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; Silva, Bueno, & Ribeiro, 201419. Silva M. R. S., Bueno M. E. N., & Ribeiro J. P. (2014). A percepção dos pais frente ao seu envolvimento nas atividades com o(s) filho(s). Rev Gaúcha Enferm., 35(1), 14-21. Recuperado em 23 de junho de 2015, de Recuperado em 23 de junho de 2015, de http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2014.01.36602
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).

Observa-se também o interesse pelo estudo da tríade pai-mãe-bebê e dos fenômenos apontados como emblemáticos nas transformações do papel paterno, como o aumento na licença paternidade ou a criação da licença-parental (dividida entre o casal) em alguns países; a síndrome de couvade, processo psicossomático de identificação do pai com a gestação, não necessariamente psicopatológico; o fenômeno stay-at-home-fathers, escolha de alguns pais de ser um cuidador primário, enquanto a mulher torna-se a provedora financeira; e os discursos sobre o casal grávido e uma paternidade que se implica ativamente nos aspectos práticos do cuidado infantil (Carneiro et al., 20134. Carneiro L. M. R., Silva K. L., Pinto A. C. S., Silva A. A., Pinheiro P. N. C., & Vieira N. F. C. (2013). Benefícios da presença paterna nos cuidados com o lactente. Rev. Enferm. UERJ, 21(1), 637-641. Recuperado em 11 de janeiro de 2014 de Recuperado em 11 de janeiro de 2014 de http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/enfermagemuerj/article/view/10040/7826
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; Rehel, 201414. Rehel E. M. (2014). When dad stays home too: paternity leave, gender, and parenting. Gender & Society, 28(1), 110-132. doi: 10.1177/0891243213503900
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; Schulz & Rost, 201218. Schulz F., & Rost H. (2012). Division of housework, maternity leave and the policy of parenting benefit in Germany. Journal of Family Research, 24(1), 27-45. Recuperado em 30 de junho de 2015, de Recuperado em 30 de junho de 2015, de http://www.budrich-journals.de/index.php/zff/article/view/6294
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; Stevens, 201521. Stevens E. (2015). Understanding discursive barriers to involved fatherhood: the case of Australian stay-at-home fathers. Journal of Family Studies, 21(1), 22-37. Recuperado em 22 de março de 2016, de Recuperado em 22 de março de 2016, de http://dx.doi.org/10.1080/13229400.2015.1020989
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; Zutin, 201229. Zutin T. L. M. (2012). A posição do homem no processo de amamentação: um ensaio sobre a produção de sentidos. Tese de Doutorado, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado em 30 de abril de 2015, de Recuperado em 30 de abril de 2015, de http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/83/83131/tde-23082012-104858/pt-br.php
http://www.teses.usp.br/teses/disponivei...
; Zvara, Schoppe-Sullivan, & Dush, 201330. Zvara B. J., Schoppe-Sullivan S. J., & Dush C. K. (2013). Fathers’ involvement in child health care: associations with prenatal involvement, parents’ beliefs, and maternal gatekeeping. Family relations, 62, 649-661. doi:10.1111/fare.12023
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).

Os pais contemporâneos têm assumido o desafio de se inserir em práticas de cuidado anteriormente tuteladas pelas mães. Discursos que defendem o amor materno como contingencial, e não algo dado a priori, imprimem no cotidiano das famílias contemporâneas a possiblidade da conjugalidade democrática e da parentalidade na qual a mulher, apesar de ainda ser a principal cuidadora infantil, pode contar com um homem mais participativo e que tem construído uma nova forma de ser pai (Fiorin et al., 20147. Fiorin P. C., Oliveira C. T., & Dias A. C. G. (2014). Percepções de mulheres sobre a relação entre trabalho e maternidade. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 15(1), 25-35. Recuperado em 15 de julho de 2015 de Recuperado em 15 de julho de 2015 de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbop/v15n1/05.pdf
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; Magalhães, 201012. Magalhães A. S. (2010). Conjugalidade e Parentalidade na clínica com famílias. In T. Féres-Carneiro (Org.), Casal e família: permanências e rupturas (pp.205-217). São Paulo: Casa do Psicólogo.).

Centrando-se nas mudanças ocasionadas por uma relação mais direta entre o pai e o bebê durante o ciclo gravídico-puerperal, a discussão a ser apresentada se desenvolve em torno da seguinte questão: “De que forma o pai tem se inserido na provisão ambiental ao ponto de estar cada vez mais presente, cuidar e participar afetivamente da vida de seu bebê?”

Método

O material deriva de uma pesquisa de cunho exploratório realizada a partir de estudos de casos guiados pelo Método Clínico-Qualitativo, desenvolvido por Turato (201122. Turato E. R. (2011). Clarificando para o empreendimento da pesquisa clínico-qualitativa. In E. R. Turato, Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa - Construção teórico-epistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas (pp. 245-303). Petrópolis, RJ: Vozes.). O método permite o acompanhamento de processos intersubjetivos a partir do referencial psicanalítico e preconiza os seguintes fundamentos: apreensão fenomenológica dos sentidos e significados do fenômeno em aspectos essenciais; valorização do ambiente naturalístico na investigação; acolhimento de angústias e ansiedades dos sujeitos em relação ao fenômeno investigado e a imbricação da psicanálise nas diversas etapas de pesquisa.

Participantes

Participaram do estudo dois pais e seus bebês, no entanto, apenas em uma das díades foi observada a implicação maior do pai com os cuidados oferecidos ao bebê de forma direta, ou seja, não necessariamente mediada pela mãe, o que delimitou o material apresentado aqui a apenas uma díade. O perfil de inclusão do pai foi delimitado pelos critérios: primeira experiência parental, o que permitiu observar o ineditismo da experiência paterna; morar com a companheira, o que poderia interferir na qualidade da presença junto ao bebê; ser o pai biológico, circunscrição da amostra a partir da vinculação biológica; e residir na cidade de São Paulo, delimitação justificada pela afiliação institucional da pesquisadora. Considerou-se como critérios de exclusão: pais com mais de um filho(a), pois o objetivo era acompanhar as primeiras experiências de cuidado infantil; pais não biológicos e que não morassem com as companheiras, pois optou-se pela delimitação da amostra à família nuclear e heterossexual, com vínculos consanguíneos e em coabitação.

Instrumentos

As fontes utilizadas na análise do fenômeno foram: o diário de campo com as observações realizadas no ambulatório de pré-natal do hospital onde se deu a seleção dos participantes; as transcrições realizadas pela pesquisadora (1ª autora), das entrevistas semidirigidas pré-nascimento (01 mês antes do parto) e pós-nascimento (03 meses após o parto); e o diário de campo com as observações realizadas na casa da família durante os três primeiros meses da criança. Seguem as informações contidas em cada instrumento:

Roteiro temático de entrevista pré-nascimento: dados socioeconômico-demográficos, informações sobre a família de origem paterna, história conjugal e preparativos para a chegada do bebê.

Roteiro temático de entrevista pós-nascimento: experiência do parto, licença paterna e rotina de cuidados durante os três primeiros meses da criança.

Diário de campo-ambulatório: frequência, acompanhamento do pai aos exames pré-natais, aspectos gerais do processo de seleção dos participantes e primeiros contatos com o pai.

Diário de campo-casa da família: interações entre pai e bebê, rotina, ambiente e agendamentos.

A escolha pelos instrumentos teve o intuito de acompanhar a relação do pai com o bebê, compreender como o pai se construía como um cuidador e analisar como os cuidados paternos se incluíram na provisão ambiental.

Procedimentos de coleta de dados

O contato com o participante se deu, inicialmente, por meio de sua companheira em uma consulta no ambulatório de pré-natal no último mês de gestação. Considerando a adequação aos critérios de inclusão, travou-se o primeiro contato por telefone com Bernardo no qual agendamos uma visita em sua casa. Neste encontro foram apresentados o T.C.L.E. e as informações referentes à forma de participação na pesquisa.

Obtido o consentimento, realizou-se a primeira entrevista. Após o nascimento da criança iniciaram-se as observações das interações pai-bebê na casa do participante. Foram realizadas cinco visitas de 40 minutos durante os três primeiros meses do bebê. Ressalta-se que a mãe da criança também estava presente durante as observações, no entanto, na análise do material foram enfatizadas as interações entre a díade pai-bebê. Ao final do período de observação realizou-se a segunda entrevista.

Procedimentos de análise dos dados

Seguindo os pressupostos de análise dos dados definidos no Método Clínico-Qualitativo (Turato, 201122. Turato E. R. (2011). Clarificando para o empreendimento da pesquisa clínico-qualitativa. In E. R. Turato, Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa - Construção teórico-epistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas (pp. 245-303). Petrópolis, RJ: Vozes.) aplicou-se uma particularização da técnica de análise de conteúdo, refinamento caracterizado pela leitura flutuante do material e pela atenção aos conteúdos que emergiam como padrões, análise de conteúdo tradicional, e aos conteúdos latentes dos enunciados, indicativos das dinâmicas inconscientes e das relações transferenciais estabelecidas.

A análise, portanto, discute o processo de inserção de um pai nos cuidados com seu bebê e reflete sobre a possibilidade de constituição do holding paterno na provisão ambiental oferecida à criança. Os dados apresentados foram construídos a partir do acompanhamento da díade Bernardo e Benjamim.

Procedimentos éticos

A pesquisa da qual este artigo deriva contou com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo e do Comitê de Ética em Pesquisa do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (CAAE: 02928013.0.0000.0076). Além disso, também se obteve o consentimento dos participantes, descritos com nomes fictícios para preservação do sigilo das informações. Abaixo segue a apresentação do caso selecionado e a análise empreendida no sentido de discutir a possibilidade de constituição do holding paterno.

Resultados

Bernardo e Benjamim

Bernardo cresceu em uma família que o adotou quando este era criança, o casal que o acolheu estava separado na época em que ele foi inserido nessa família. O participante e seus dois irmãos, filhos biológicos do ex-casal, cresceram em meio à alternância entre os lares do pai e da mãe. Na idade de 22 anos Bernardo e sua companheira, Bianca, de 19 anos, se tornaram pais de Benjamim. O participante possuía ensino superior completo e começou a trabalhar em um supermercado após a notícia da gravidez; sua companheira estava terminando o ensino médio e não exercia atividade remunerada. A renda média familiar foi situada na baixa classe média. Os membros do casal foram declarados pelo participante quanto à etnia como pardos. Bernardo também informou não seguir religiões e especificou que Bianca era católica.

A notícia da gravidez mobilizou o casamento no civil e a mudança de Bernardo para a casa da família de Bianca. Além disso, o participante também conseguiu um emprego para prover financeiramente esposa e bebê. Durante o pré-natal, ele relata que conseguiu acompanhar Bianca nas consultas nos primeiros meses, porém, seu horário de trabalho impossibilitou o acompanhamento mais assíduo.

Este pai transmitiu em seus relatos aspectos significativos sobre sua interação e envolvimento emocional com o bebê no período da gestação, tais como: formulações mentais de características físicas e psicológicas da criança “a gente tava pensando, porque tipo o meu cabelo é enrolado e o dela também, aí eu falei que se vier, vai vir com o cabelo enroladinho, moreno” (Entrevista pré-nascimento); contatos com o bebê na barriga pelos toques e conversas “Balança, na hora que eu cheguei, eu deitei, fiquei cutucando a barriga dela, ele ficou dando soco. Ah eu fico fazendo umas cosquinhas, cutucando a barriga dela, ele fica chutando, dando soco. Ontem ficamo nisso daí o dia inteiro” (Entrevista pré-nascimento); busca por conhecimentos relacionados aos cuidados com o bebê antes do nascimento em diferentes fontes (esposa, pai, internet etc.) “ela (Bianca) vai me ensinando já como é que troca a fraldinha, como é que segura...” (Entrevista pré-nascimento); a escolha pelo nome do filho “eu que escolhi, é um nome diferente que eu gosto” (Entrevista pré-nascimento); e a preparação do ambiente familiar para a chegada do bebê por meio da compra de roupas e objetos necessários ao cuidado “pintamo um pouco a casa, compramo uma cama de casal, compramo um berço” (Entrevista pré-nascimento).

Durante o trabalho de parto de Bianca, que durou cerca de 28 horas, Bernardo ficou na sala de espera e não pôde participar do parto de seu filho, sobre o que sentiu nesse momento o participante relata:

Eu tava lá na sala de espera. Só. Não podia entrar, eles falaram que não podia entrar. Eu fiquei esperando como é que ia ser, eu pensei que iam me deixar entrar, mas não deixaram, então eu fiquei lá fora só imaginando se ia acontecer tudo bem com ela, com o neném (Entrevista pós-nascimento)

Após o nascimento da criança, Bernardo além de utilizar a licença paternidade (5 dias), também solicitou de seu empregador uma mudança em seu horário de trabalho (de vespertino/noturno para matutino/vespertino) para que pudesse passar mais tempo com o filho durante seus primeiros meses. A seguir, uma descrição pormenorizada da rotina familiar durante os três primeiros meses feita pelo participante:

A gente acorda de manhã, aí dá banho nele, eu de preferência dou banho nele, a gente deixa ele limpo já, depois ela dá de mamar pra ele, aí eu vou tomar banho pra mim ir trabalhar, aí depois quando eu chego do trabalho eu só brinco com ele um pouquinho, a gente fica acordado até 2 horas da manhã, dá de mamar, eu mesmo faço mamadeira e dou a mamadeira pra ele aqui embaixo, subo de novo, fico brincando com ele lá pra cima, depois ele vai dormir (Entrevista pós-nascimento)

Durante as visitas de observação realizadas pela pesquisadora (1ª autora) foi possível perceber que Bernardo estabeleceu contatos físicos frequentes com o filho e que isto era algo aceito por Bianca, ainda que alguma rivalidade pela atenção privilegiada do bebê não pudesse ser descartada como latente às interações. Esta mãe não demonstrou incômodos ou interdições recriminatórias em relação aos contatos estabelecidos entre a díade pai-bebê. Segue um trecho retirado do diário de campo contendo as observações na casa da família:

Bernardo está deitado na cama segurando o filho em seu tórax, em dado momento Benjamim se locomove sobre Bernardo em direção ao seu peito. Bernardo ressalta que o filho estava querendo mamar. Bianca pega Benjamim no braço e deita-o em seu colo para amamentá-lo, este mama por uns 5 minutos e depois é entregue a Bernardo. Logo em seguida Bianca diz em tom de brincadeira “Ah ele só vem pra mim pra mamar, o resto do tempo fica todo com ele (Bernardo)”. Benjamim se movimenta no corpo do pai e alterna entre estados de quietude onde fica observando fixamente o ambiente e estados de excitação em que há movimentação dos membros e das expressões faciais (Diário de campo - casa dos participantes)

Ressalta-se, portanto, que a partir das visitas a casa da família foi possível observar diversos tipos de interação. Abaixo serão especificadas aquelas que se apresentaram de forma recorrente e que têm extrema relevância para a discussão proposta neste artigo:

Falas dirigidas ao bebê: mudanças na tonalidade da voz (aguda e mais baixa). Conversas dirigidas ao bebê no sentido de estimular interações lúdicas. Atribuição de estados psicológicos, necessidades, incômodos ou satisfações percebidas no bebê, não necessariamente baseadas em elementos observáveis.

Contato visual: observação constante dos movimentos e olhares do bebê, reciprocidade no contato visual entre pai e filho.

Contatos corporais: segurar o bebê de frente para si na altura do próprio rosto e conversar com ele. Manipulação do corpo do bebê em interações lúdicas. Segurar o bebê deitado sobre o próprio corpo na região torácica. Agilidade na troca de fraldas. Segurar o bebê com o corpo e, consequentemente, também o olhar voltado para o ambiente.

Considerando o recorte do material apresentado aqui, acerca de alguns aspectos da dinâmica relacional estabelecida entre a díade Bernardo e Benjamim, a seguir será realizada a discussão do caso em vista dos pressupostos psicanalíticos da teoria winnicottiana e dos estudos psicossociais em torno dos referenciais que caracterizam a assunção de um novo modelo de paternidade.

É importante destacar que, por tratar-se de estudo exploratório, esta discussão propõe a hipótese de uma ampliação teórica em vista de novas dinâmicas interativas. A argumentação empreendida não tem a pretensão de ser generalizante, situando-se como ponto de partida para estudos complementares que possam corroborar e/ou refutar as proposições defendidas.

Discussão

O contexto familiar de origem de Bernardo foi caracterizado por este como o que vem se convencionando denominar de uma família reconstituída, situada como uma configuração específica decorrente de rearranjos nas dinâmicas familiares em consequência do divórcio do casal parental. De acordo com Gomes (20099. Gomes I. C. (2009). Famílias Reconstituídas: um novo desafio para a clínica contemporânea. In I. C. Gomes (Org.), Clínica Psicanalítica de casal e família - A interface com os Estudos Psicossociais (pp. 33-39). São Paulo: Santos.), nas famílias reconstituídas as possibilidades de interação - com os(as) parceiros(as) das figuras parentais, além dos(as) possíveis novos(as) irmãos(ãs) ou meio-irmãos(as) provenientes das novas uniões - ampliam a constituição dessas famílias e produzem um tipo de configuração em que tanto os papéis e funções dos membros familiares são redefinidos, como a vinculação afetiva se torna tão significativa quanto a vinculação biológica.

No contexto familiar de origem de Bernardo, que teve que crescer em meio aos lares paterno e materno, o participante menciona receber quando necessário “puxões de orelha” (entrevista pré-nascimento) de ambas as figuras parentais. As relações também são descritas com adjetivos positivos como “tranquila, desconstraída e boa” (Entrevista pré-nascimento). Não foram identificadas no discurso do participante atribuições estereotipadas em relação aos cuidados recebidos pelo pai e pela mãe. Bernardo também afirma que recebeu uma boa educação e que esta será transmitida em seu próprio exercício parental. Logo, é possível refletir sobre a hipótese de que para Bernardo as figuras parentais tenham desempenhado funções e papéis flexíveis em ambientes diferentes como, por exemplo, a efetivação de uma posição de autoridade ou de uma atitude de acolhimento desempenhadas tanto pelo pai, quanto pela mãe.

Bernardo demonstrou em algumas falas a apropriação de estereótipos de gênero entendidos sob uma ótica mais igualitária, na qual não existia a presunção imediata do cuidado materno como pré-determinado. Ao ser questionado já antes do nascimento sobre quem cuidaria mais de Benjamim, o participante respondeu que seria sua esposa, no entanto, justificou sua resposta esclarecendo que esta predominância se baseava na maior disponibilidade de tempo de Bianca junto à criança. Sobre essa divisão ele complementa: “Eu estarei só no período da manhã. No caso que ela vai pra escola e quem cuida no período da manhã vai ser eu” (Entrevista pré-nascimento).

Logo, ao se referir ao período de retorno de Bianca à rotina de aulas, a justificativa para a divisão entre os cuidados materno e paterno não se baseou em uma noção pré-concebida de um cuidado que deveria ser invariavelmente exercido pela mãe da criança. Neste caso, a organização da disponibilidade de tempo em função de outras atribuições determinou a divisão das responsabilidades do casal.

Consideramos neste contexto o pressuposto de uma transmissão psíquica geracional dos modelos parentais e das especificidades na transmissão das funções maternas e paternas em determinada família. Dessa perspectiva é possível refletir sobre a assimilação, por parte de Bernardo, de um legado geracional que pode ter fomentado as bases para uma atualização da função paterna de forma mais afetiva e implicada nos cuidados diretos oferecidos ao bebê (Gomes, 20099. Gomes I. C. (2009). Famílias Reconstituídas: um novo desafio para a clínica contemporânea. In I. C. Gomes (Org.), Clínica Psicanalítica de casal e família - A interface com os Estudos Psicossociais (pp. 33-39). São Paulo: Santos.).

Outro ponto a ser destacado no último trecho de fala é que o participante já antevia períodos em que teria que cuidar sozinho da criança e não demonstrou se sentir incomodado com esta possibilidade, algo confirmado pela experiência após o nascimento e ressaltado na seguinte fala: “às vezes ela sai aí, quando tem que sair e eu troco a fralda dele se tiver suja, limpo, vou lá pra cima, dou de mamar pra ele” (Entrevista pós-nascimento). A alimentação também pela mamadeira deu a esse pai a possibilidade de alimentar o bebê cotidianamente, cuidado, que juntamente com a troca de fraldas, foi declarado como um dos contatos afetivos preferidos deste pai (Zutin, 201229. Zutin T. L. M. (2012). A posição do homem no processo de amamentação: um ensaio sobre a produção de sentidos. Tese de Doutorado, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado em 30 de abril de 2015, de Recuperado em 30 de abril de 2015, de http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/83/83131/tde-23082012-104858/pt-br.php
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).

A respeito das mobilizações geradas antes da chegada do bebê, fez parte da construção do exercício parental de Bernardo a formalização do vínculo afetivo com Bianca por meio do casamento no civil e da responsabilização imediata pelo provimento financeiro da sua família recém-constituída. É possível refletir nestas mudanças empreendidas na vida do participante como uma forma de implicação de Bernardo frente às novas demandas do casal e aos cuidados a serem providenciados em relação ao bebê. Todavia, esta implicação inicial ainda estava concernida a referenciais da família tradicional regida pela ideologia patriarcal, a saber: a legitimação social do vínculo conjugal pelo reconhecimento jurídico, algo que na atualidade tem perdido forças como um pré-requisito para a formalização do vínculo, e a apropriação paterna naturalizada do lugar de provedor financeiro familiar (Magalhães, 201012. Magalhães A. S. (2010). Conjugalidade e Parentalidade na clínica com famílias. In T. Féres-Carneiro (Org.), Casal e família: permanências e rupturas (pp.205-217). São Paulo: Casa do Psicólogo.).

Num contraponto aos referenciais tradicionais, no que diz respeito ao lugar paterno dentro da família, é possível inferir que Bernardo demonstrou um processo de vinculação afetiva implicado e mais característico de uma paternidade participativa, pois o mesmo conseguiu exercer cuidados de ordem prática e constituir uma vinculação direta com a criança (Arruda & Lima, 20131. Arruda S. L. S., & Lima M. C. F. (2013). O novo lugar do pai como cuidador da criança. Estudos interdisciplinares em Psicologia, 4(2), 201-216. doi: 10.5433/2236-6407.2013v4n2p201
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). A crescente interação entre Bernardo e Benjamim, ao longo da gestação, pôde ser considerada um estágio de preparação psíquica paterna e foi essencial para os processos identificatórios entre pai e bebê após o nascimento (Frizzo & Piccinini, 20078. Frizzo G. B., & Piccinini C. A. (2007). Depressão materna e a interação triádica pai-mãe-bebê. Psicologia: Reflexão e Crítica, 20(3), 351-360 Recuperado em 03 de setembro de 2012, de Psicologia: Reflexão e Crítica, 20(3), 351-360 Recuperado em 03 de setembro de 2012, de http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/25701/000627206.pdf?sequence=1
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).

Nesse contexto de inserção paterna no ciclo gravídico-puerperal, observou-se também o desejo de Bernardo de participar do parto de seu filho e acompanhar Bianca durante esse momento. Desejo que não foi concretizado com a justificativa da não permissão hospitalar da presença paterna. É necessário enfatizar que, ainda que esta seja uma prática que vem mudando nos diversos setores de saúde voltados ao atendimento familiar, a exclusão do pai neste momento desconsidera-o como um cuidador e um elemento essencial para a saúde materno-infantil (Rehel, 201414. Rehel E. M. (2014). When dad stays home too: paternity leave, gender, and parenting. Gender & Society, 28(1), 110-132. doi: 10.1177/0891243213503900
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).

Tanto a não participação do pai durante o parto, quanto a licença paternidade que concede apenas cinco dias aos pais funcionam como dispositivos perpetuadores de uma lógica sociopolítica que privilegia o binômio mãe-bebê, em detrimento do trinômio pai-mãe-bebê. Dessa forma, as políticas públicas e as equipes de saúde ainda caminham lentamente no sentido de legitimar o lugar paterno frente às demandas suscitadas durante esse acontecimento familiar (Marques, 201513. Marques S. S. (2015). Ampliar a licença-paternidade para despatriarcalizar o Estado e a sociedade. Gênero & Direito, 1, 241-260. Recuperado em 08 de fevereiro de 2016, de Recuperado em 08 de fevereiro de 2016, de http://periodicos.ufpb.br/index.php/ged/article/view/24479/13615
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).

Ainda que Bernardo não tenha presenciado o nascimento de Benjamim, no período puerperal o participante demonstrou e relatou a realização de cuidados adaptados às necessidades demandadas pelo bebê. A caracterização de alguns aspectos da interação e da relação entre a díade Bernardo e Benjamim remete-se novamente à importância, no período da dependência absoluta, dos cuidados corporais dispensados ao recém-nascido. A base de todo o processo integrativo e maturacional, que poderá culminar na constituição de um self integrado e em relação com o ambiente como externo e separado, encontra-se na sustentação afetiva e dedicada por parte do ambiente em função do estado inorganizado do bebê nesse primeiro momento (Winnicott, 1958/2000).

Pode-se pensar que esse pai, ao longo de todo o processo da gestação, parto e puerpério, pôde construir a disponibilidade afetiva que tornou possível a inserção ativa nos cuidados diretos demandados. Acrescida a esta disponibilidade está a possiblidade da transmissão familiar, proveniente da família de origem paterna, de referenciais mais flexíveis em relação aos estereótipos de gênero, o que pode ter influenciado o intercâmbio maior de funções e atribuições entre Bernardo e Bianca.

Logo, defende-se a partir do material observado que, embora o pai não tenha passado pelo processo fisiológico da gestação, considera-se possível para o homem entrar num processo de gestar psiquicamente uma criança. Nesse processo as interações de diversas ordens, realizadas entre pai e bebê antes do nascimento, também se constituiriam como fatores atuantes na predisposição maior a uma identificação paterna com as necessidades do bebê após o nascimento (Frizzo & Piccinini, 20078. Frizzo G. B., & Piccinini C. A. (2007). Depressão materna e a interação triádica pai-mãe-bebê. Psicologia: Reflexão e Crítica, 20(3), 351-360 Recuperado em 03 de setembro de 2012, de Psicologia: Reflexão e Crítica, 20(3), 351-360 Recuperado em 03 de setembro de 2012, de http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/25701/000627206.pdf?sequence=1
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).

Para corroborar este argumento utiliza-se a noção de sintonia afetiva desenvolvida por Stern (199220. Stern D. (1992). O mundo interpessoal do bebê: uma visão a partir da Psicanálise e da Psicologia do desenvolvimento. Porto Alegre: Artes Médicas.) como um estado de trocas intersubjetivas e afetivas que facilitam a compreensão parental das manifestações comportamentais da criança. Dessa forma, haveria uma leitura e uma interpretação parental nas interações que seriam influenciadas pelas fantasias e expectativas acerca dos estados subjetivos atribuídos ao bebê. Logo, reflete-se sobre a possibilidade de Bernardo, a partir de uma relação mais direta com seu filho, ter conseguido lidar com as demandas diárias da criança de uma posição identificada e afetiva.

É necessário fazer uma distinção entre um pai que exerce um handling (cuidados físicos) eficientes e um pai que poderia ir além e se inserir também no holding. Realizar um cuidado de ordem prática e estabelecer um contato direto com o corpo do bebê não implica necessariamente em uma identificação subjetiva com a posição psíquica do bebê. O pai poderia ser um bom executor de tarefas sem, no entanto, conseguir identificar as demandas imediatas de cuidado, o que demandaria sempre a presença materna como mediadora/tradutora em nome do bebê.

Percebe-se a partir do material apresentado o quanto Bernardo adaptou-se à rotina de cuidados de Benjamim, exercendo os mesmos tipos de cuidados que Bianca (dar a mamadeira, trocar fraldas, dar banho, colocar para dormir, brincar, conversar etc), inclusive sem a presença desta. A palavra rotina aqui não se refere à repetição automática de cuidados, mas aos elementos imprescindíveis para a constituição do holding ambiental, a saber, a constância e a previsibilidade necessárias para o estabelecimento da confiabilidade na vida da criança (Winnicott, 1987/2006).

Contudo, dizer que Bernardo exerceu os mesmos tipos de cuidados que Bianca de uma posição também identificada não significa dizer que estes cuidados foram sentidos de forma idêntica pelo bebê. Conjecturou-se, a partir da observação e dos relatos sobre a díade Bernardo e Benjamim, sobre a possibilidade de uma inserção paterna no holding oferecido à criança não como uma mãe substituta (ou extensão dos cuidados maternos), mas como um holding com especificidades que incluiriam, de acordo com Belo (20122. Belo M. R. (2012). O homem da areia e outras histórias: uma leitura das dinâmicas familiares a partir das ideias de Winnicott ou o mundo tomado em pequenas doses. Winnicott e-Prints, 7(2), 132-165. Recuperado em 13 de setembro de 2013 de Recuperado em 13 de setembro de 2013 de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/wep/v7n2/a06.pdf
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) e Santos (201417. Santos C. V. M. (2014). Um novo pai, novas funções? Considerações sobre a relação pai-bebê no período da dependência absoluta. (Dissertação de Mestrado). Recuperado de: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47133/tde-02062014-160149/pt-br.php
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) a diversidade na percepção subjetiva da criança em relação ao entorno ambiental.

Assim, os cuidados oferecidos (paternos e maternos) constituiriam um mesmo holding com qualidades diferenciadas. A diferenciação ainda não seria percebida pela criança nesse momento, pois esta encontra-se num estado de indiferenciação. Porém, qualidades inseridas no holding pelos cuidados diretos exercidos também pelo pai poderiam acrescentar elementos propiciadores da diversidade no mundo subjetivo da criança (Santos, 201417. Santos C. V. M. (2014). Um novo pai, novas funções? Considerações sobre a relação pai-bebê no período da dependência absoluta. (Dissertação de Mestrado). Recuperado de: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47133/tde-02062014-160149/pt-br.php
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). Estes elementos se somariam à diversidade já inserida pela mãe a partir de seus cuidados.

É imprescindível destacar que a possibilidade de inserção do pai no holding só se tornaria benéfica para o desenvolvimento psíquico da criança quando uma postura implicada afetivamente por parte do pai mobilizasse processos identificatórios com o bebê. Esta identificação e os cuidados decorrentes dela seriam essenciais, pois respeitariam a onipotência primária da criança e não se constituiriam como intrusões ou interrupções a continuidade de ser e a percepção subjetiva do bebê. Sobre a possibilidade de um holding paterno e o entendimento de que este, assim como o holding materno, acrescenta diversidade à vida subjetiva da criança, Belo (20122. Belo M. R. (2012). O homem da areia e outras histórias: uma leitura das dinâmicas familiares a partir das ideias de Winnicott ou o mundo tomado em pequenas doses. Winnicott e-Prints, 7(2), 132-165. Recuperado em 13 de setembro de 2013 de Recuperado em 13 de setembro de 2013 de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/wep/v7n2/a06.pdf
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) afirma que

Ao postular a existência de um “holding paterno” estou a considerar tudo o que se refere ao toque, cuidado e sustentação do bebé por parte do pai. Mas não estou a supor que será benéfica a existência de duas técnicas centrais a dispensar ao bebé na fase da “dependência absoluta”. Como já referi, e volto a afirmar, nesta fase tão inicial o bebé precisa de monotonia e de alguém que simplifique a sua existência (de modo a que, progressivamente, esta possa ir sendo complexificada). Proponho, portanto, que a participação do pai e restantes familiares seja, nesta primeira fase, mediada pela mãe. Se esta participação for saudável a mãe saberá em que medida ela é bem-vinda. Refiro-me tanto ao “pegar ao colo” quanto à participação nos cuidados prestados ao bebé. Estes não devem ferir a harmonia entre o bebé e a mãe (Belo, 20122. Belo M. R. (2012). O homem da areia e outras histórias: uma leitura das dinâmicas familiares a partir das ideias de Winnicott ou o mundo tomado em pequenas doses. Winnicott e-Prints, 7(2), 132-165. Recuperado em 13 de setembro de 2013 de Recuperado em 13 de setembro de 2013 de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/wep/v7n2/a06.pdf
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, p. 145).

Nesse ínterim, é importante ressaltar que Bianca adotou, para com Bernardo, uma atitude de confiança em relação aos cuidados exercidos por esse pai. Esta mãe não demonstrou durante as observações se sentir ameaçada em seu lugar materno pela participação ativa de seu companheiro nos cuidados dispensados a Benjamim, atuando no sentido de incentivar o contato entre pai e filho. Considerou-se, portanto, esse fator como um elemento de consolidação desse pai como um representante essencial da provisão ambiental.

Com isso, entende-se que a possibilidade de inserção dos cuidados paternos como constitutivos do holding oferecido ao recém-nascido ampliam as experiências de contato e poderia trazer implicações subjetivas para a constituição psíquica infantil. O colo do pai nesse momento não seria percebido como o colo de uma pessoa diferente ou uma integralidade, mas poderia acrescentar alguns elementos ao sentido de holding estabelecido na teoria winnicottiana (Santos, 201417. Santos C. V. M. (2014). Um novo pai, novas funções? Considerações sobre a relação pai-bebê no período da dependência absoluta. (Dissertação de Mestrado). Recuperado de: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47133/tde-02062014-160149/pt-br.php
http://www.teses.usp.br/teses/disponivei...
). Numa complementação ao aspecto da diversidade elaborado por Belo (20122. Belo M. R. (2012). O homem da areia e outras histórias: uma leitura das dinâmicas familiares a partir das ideias de Winnicott ou o mundo tomado em pequenas doses. Winnicott e-Prints, 7(2), 132-165. Recuperado em 13 de setembro de 2013 de Recuperado em 13 de setembro de 2013 de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/wep/v7n2/a06.pdf
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), a seguir, será apresentada uma discriminação e uma caracterização construída pelos autores deste artigo, do que se optou por denominar de Elementos de Diversidade. Estes poderiam fazer parte de um holding que considera a contribuição da presença paterna também como representante do cuidado direto oferecido ao bebê:

Elementos sensoriais e perceptivos: relativos às distinções corporais entre o holding oferecido pela mãe ou pelo pai (diferentes texturas, temperaturas, tonicidades, cheiros, sabores, toques, batimentos cardíacos etc.). Nestes elementos também poderia ser incluída a amamentação oferecida pelo pai por meio da mamadeira, quando esta é uma prática estabelecida pela tríade.

Elementos psicoafetivos: modulados pela sintonia intersubjetiva e afetiva entre a díade pai-bebê, considerando as especificidades dessa sintonia. O pai poderia se identificar sem necessariamente ocupar o lugar da mãe e sem anular suas características masculinas. Corroborando um argumento defendido por Belo (20122. Belo M. R. (2012). O homem da areia e outras histórias: uma leitura das dinâmicas familiares a partir das ideias de Winnicott ou o mundo tomado em pequenas doses. Winnicott e-Prints, 7(2), 132-165. Recuperado em 13 de setembro de 2013 de Recuperado em 13 de setembro de 2013 de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/wep/v7n2/a06.pdf
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), em suas elaborações a partir de dados provenientes de sua prática clínica, é possível pensar que essa identificação do pai com o bebê facilitaria o acesso à relação com o masculino e o elemento feminino puro provenientes do pai, acesso este decorrente da fusão com o ambiente que sustenta a identidade primária (ser). Nesta fase inicial em que a onipotência primária é sustentada, o bebê e o ambiente são um só, o que se sugere a partir dessa discussão é que o pai também poderia fazer parte da constituição dessa identidade primária atuando por meio de seu elemento feminino puro.

Elementos espaço-temporais: referentes às formas de segurar o bebê, considerando o tônus muscular diferente do pai e da mãe e as posições em que estes seguram a criança. É possível também considerar nestes elementos o ritmo da interação entre pai e bebê, incluindo até mesmo aspectos de entonação, duração e intensidade do volume das vocalizações dirigidas ao bebê (nuances da acústica ambiental).

Esses elementos de diversidade foram pensados como aspectos constitutivos que poderiam ter suas qualidades ampliadas pela inserção paterna no holding a partir dos cuidados diretos realizados pelo pai em uma posição identificada com as necessidades da criança. Destaca-se aqui a relevância de repensar algumas teorizações winnicottianas, amplamente estudadas e inseridas em diversas articulações de estudo, no sentido de adaptar e flexibilizar pressupostos frente aos novos contextos que vêm se apresentando nas dinâmicas familiares contemporâneas.

Considerações finais

Este artigo, portanto, teve o intuito de pôr em evidência elementos presentes numa interação diádica pai-bebê e mobilizar novos estudos que venham a ampliar as elaborações winnicottianas concernentes às funções do pai no período da dependência absoluta. A problematização dessa temática oferece um caminho de articulações possíveis em torno dos novos lugares ocupados pelo pai na família e das implicações destas mudanças para o desenvolvimento infantil, para a configuração familiar e para a construção de novos referenciais de gênero em torno da parentalidade.

A família acompanhada, situada na baixa classe média, diferentemente do apontado na literatura científica demonstra que um novo modelo de paternidade também está sendo construído nas camadas populares de menor poder aquisitivo. Entretanto, referenciais tradicionais e patriarcais ainda permanecem atuantes na constituição da família nuclear, independentemente do seguimento populacional, fato corroborado pelo ainda predominante lugar da mãe como principal cuidadora.

As instituições voltadas para o atendimento ao pré-natal, parto e puerpério e os diversos dispositivos de manutenção jurídica que perpetuam lugares parentais ainda baseados em estereótipos de gênero da lógica patriarcal, a exemplo da curta licença paternidade e a não garantia de participação do pai no parto, passam também por um processo de mudança e caminham, ainda que lentamente, no sentido de considerar a tríade pai-mãe-bebê.

A discussão aqui apresentada baseou-se na exploração aprofundada de um único caso, o que estabelece limitações às inferências e argumentações defendidas. No entanto, é necessário considerar e investigar essa nova inserção do pai no ciclo gravídico-puerperal no intuito de legitimar o lugar do pai como cuidador e pensar nas contribuições desse lugar possível para o desenvolvimento psíquico infantil. Esta discussão, longe de formular generalizações ou esgotamentos, tentou gerar novos questionamentos e mobilizar futuras investigações em torno de uma nova dinâmica familiar que necessita ainda ser bastante explorada.

Para finalizar, ainda que provisoriamente, retoma-se retroativamente a situação emblemática descrita na introdução para pensar em dois diferentes posicionamentos paternos frente ao choro da criança no ambiente de pré-natal. O primeiro deles poderia ter ocorrido de uma forma em que, diante do choro da filha, o pai que necessariamente associa as demandas do bebê ao cuidado materno poderia ver-se frente a uma comunicação (choro) que nunca lhe é dirigida, pois se o papai não tem leite, ele nada mais tem a oferecer neste momento.

Outro posicionamento possível, e que de fato foi observado, é o do pai que diante do choro da criança coloca-se numa posição daquele que não tem leite, mas tem algo a oferecer através de sua implicação afetiva e engajada com as demandas imediatas da criança. Este pai, que não se apavora ou se anula, constrói outras possibilidades de percepção subjetiva a partir das especificidades da experiência vivida entre pai e bebê.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    01 Nov 2017
  • Aceito
    16 Fev 2018
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